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3 de junho de 2025

Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos





Conheci no mesmo dia Alécio de Andrade e suas fotografias: 
o homem e a obra de arte que ele vem criando. Não pude 
fugir à admiração que me inspiraram, de tal modo o artista 
se espelha em sua criação, e esta constitui um poderoso, 
delicado e inesquecível comentário lírico do mundo. 

–– Carlos Drummond de Andrade, fevereiro de 1964. 
 




Antes de Sebastião Salgado ganhar prestígio em Paris e no mundo inteiro, um outro fotógrafo do Brasil era o mais conhecido na França, figurando no panteão entre os grandes fotógrafos e como o primeiro brasileiro contratado pela Agência Magnum, a lendária cooperativa internacional fundada em 1947 por um grupo liderado por Robert Capa e Henri Cartier-Bresson, da qual Sebastião Salgado também foi associado. O fotógrafo é Alécio de Andrade (1938-2003), amigo e parceiro de intelectuais e escritores como Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Celso Furtado e Julio Cortázar.

A boa notícia é que um dos grandes trabalhos de Alécio de Andrade, sua cobertura fotográfica sobre a Revolução dos Cravos, ganha edição no Brasil com o lançamento do fotolivro “Luz de Abril, Portugal, 1974” pelas Edições Pinakotheke, selo editorial do grupo Pinakotheke Cultural, com sede no Rio de Janeiro (Rua São Clemente, 300, Botafogo), onde também acontece uma exposição com fotografias selecionadas a partir do livro. Filho do jornalista e escritor Almir de Andrade, o carioca Alécio de Andrade, que também foi pianista e poeta, partiu para o exílio em Paris em 1964, depois do golpe militar, e viveu na França até sua morte em 2003.






Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
no alto da página, "Descolonização, vitória do
povo livre"
, a multidão na manifestação em Lisboa
pela independência das colônias portuguesas,
no verão de 1974. Acima, Alécio de Andrade em
ação em Lisboa, na temporada a trabalho para
a cobertura das reações à revolução de abril,
fotografado por Chico Mascarenhas.

Abaixo, o cartaz de lançamento da edição nacional
do livro de fotografias e da exposição de Alécio pela
Pinakotheke Cultural, e a capa primeira edição
do livro na França, lançada em dezembro de 2023,
em comemoração aos 50 anos da revolução
que pôs fim à ditadura Salazar em Portugal.
Todas as fotografias nesta página são de autoria
de Alécio de Andrade, exceto quando indicado







Olhar brasileiro em Portugal


Em 1974, no verão europeu, Alécio de Andrade foi enviado pela Agência Magnum a Portugal para a cobertura do movimento que teve início no dia 25 de abril daquele ano, a Revolução dos Cravos, um levante que uniu civis e militares para a derrubada do Estado Novo, o regime ditatorial que governava Portugal desde a década de 1930. Com os cravos vermelhos simbolizando a paz e a liberdade, a revolução abriu caminho para a redemocratização do país e para a libertação das colônias portuguesas. A senha para o início da rebelião foi a transmissão pela rádio Renascença, às 0h20 do dia 25 de abril, da canção do cantor e compositor José Afonso, “Grândola, Vila Morena”, que estava proibida em Portugal pela ditadura, sob a alegação de que fazia alusão ao comunismo.






Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
abaixo, dois registros sobre a chegada dos
retornados na Gare Marítima em Alcântara, Lisboa,
no verão de 1974. Os retornados eram os portugueses
que vinham das ex-colônias portuguesas, principalmente
de países da África, que se tornaram ambientes hostis
aos cidadãos de Portugal depois dos processos
de luta pela independência




            












Na época em que explodia a revolução, Alécio de Andrade já contava com prestígio internacional no fotojornalismo. Estava envolvido em muitos projetos, foi elogiado pelo mestre Henri Cartier-Bresson, que Alécio fotografou pela primeira vez em 1972, no meio da multidão, e era reconhecido como especialista em retratos de personalidades e de anônimos nas ruas de Paris, sempre com sua habilidade incomum para revelar algo de insólito nos enquadramentos, a partir da aparente normalidade – como se vê, por exemplo, no caso das freiras em visita ao Museu do Louvre, diante das “Três Graças”, de Regnault, ou nos rostos da multidão reunida em frente ao Palácio de São Bento, em Lisboa, depois da demissão do general António de Spínola do cargo de presidente da República, onde cada olhar tem, estranhamente, o foco voltado para uma direção diferente.

Em Paris, Alécio viveu do fotojornalismo, viajando a trabalho para temporadas em diversos países, apresentando sua obra em exposições individuais e coletivas e sempre requisitado como colaborador da imprensa internacional, com suas fotografias publicadas com frequência nas revistas Stern, Newsweek, Le Nouveau Observateur, Fortune, Marie Claire, Elle, nas brasileiras Manchete, Fatos & Fotos, Isto É, Veja e no Jornal do Brasil. , também, sua ação pioneira na publicação de fotolivros, entre eles “Paris ou La vocation de l’image”, lançado em 1981 pela editora Rotovision, com fotos de Alécio e texto de Julio Cortázar, que também por motivos políticos havia trocado a Argentina por décadas de exílio na França; e “Enfances”, com texto de Françoise Dolto, publicado em 1986 pela Éditions du Seil, com uma seleção de suas fotos sobre crianças, projeto ao qual ele se dedicou durante toda sua trajetória.











Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
acima, a alegria no porto de Lisboa na acolhida
aos retornados e a vendedora de frutas, no verão de
1974.
Abaixo, Patrícia Newcomer, viúva de Alécio,
fotografada por ele em Lausanne, na Suíça, em 1983;
e o historiador Yves Léonard fotografado pela RFI em
Paris, no lançamento do livro “Lumière d’Avril” em 2023
;
e Alécio de Andrade em Paris, em 1985, em
fotografia de Gilles Peress


 















Câmera Leica, companhia inseparável


No período da Revolução dos Cravos, Alécio percorreu Portugal com uma câmera Leica, companhia inseparável, para encontrar os personagens principais do movimento e os anônimos que suas fotos destacaram para a história do país. Depois dos dias da revolução, Alécio retornaria a Portugal para completar o trabalho, primeiro no outono de 1974 e novamente em meados de 1975. Uma seleção de 38 destas fotografias estão na exposição da Pinakotheke Cultural, em grande formato, em preto e branco e em cores, revelando flagrantes das emoções do movimento; no fotolivro são 55 fotos, em 140 páginas, no formato 16 x 23 cm, com texto do historiador francês Yves Léonard, em tradução de Bruno Ferreira Castro e Fernando Scheibe.







Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
acima, a multidão em frente à Assembleia Nacional
(Palácio de São Bento) depois da demissão do
general Spínola da Presidência da República, em
30 de setembro de 1974. Abaixo, o dramaturgo
brasileiro e diretor de teatro Zé Celso Martinez
Corrêa
participando do encontro do Partido
Socialista Português, no Pavilhão dos Desportos,
em Lisboa, em outubro de 1974; e dois flagrantes
dos mais jovens nos dias da revolução









O livro havia sido publicado na França em 2023, pela editora Chandeigne, por iniciativa de Patricia Newcomer, viúva de Alécio, com quem teve dois filhos. Responsável pelo acervo do fotógrafo, Patricia fez uma pré-seleção de 100 fotografias de Alécio em Portugal, a partir de mais de 3 mil imagens em preto e branco e 300 slides a cores do arquivo. A edição final ficou a cargo de Anne Lima, da editora Chandeigne, e de Yves Léonard. “A ideia foi mostrar a diversidade do trabalho de Alécio. É uma seleção que apresenta figuras muito emblemáticas da Revolução dos Cravos, nomeadamente os capitães, os homens políticos, e também figuras anônimas do cotidiano de Portugal”, explica o historiador, na apresentação ao livro e à exposição.


Retratos dos que não têm voz


Para Yves Léonard, as imagens registradas por Alécio revelam, além dos fatos e figuras históricas, um retrato impressionante sobre a vida dos portugueses durante o processo revolucionário em Lisboa e nas regiões mais remotas do país. “Passeando seu olhar sobre o Portugal da Revolução dos Cravos, Alécio de Andrade captou instintivamente a imagem de um povo há muito habituado às maiores misérias, infinitamente resiliente, exemplar à sua maneira. Um povo cujos olhares e sorrisos são ainda mais desarmantes por se oferecerem com reserva. Um Portugal à altura dessas mulheres e desses homens captados com empatia em seu cotidiano, na esquina de uma rua, num campo ou num desfile”, escreve o historiador.





Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
o panfleto nas mãos do leitor do anúncio nas ruas
de Lisboa, em setembro de 1974: “Manifestação de
apoio ao MF4 e ao governo provisório. Abaixo a reação”.

Abaixo,
anônimos na manifestação pelo reconhecimento
da independência de Guiné-Bissau por parte de Portugal,
na Praça do Rosário, em Lisboa, no verão de 1974;
e nas ruas de Grândola, em outubro de 1974








Alécio estava habituado a fotografar personagens célebres – tem retratos de Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Susan Sontag, Jean Genet, Michel Foucault, Arthur Rubinstein, Salvador Dalí, Alfred Brendel, Edgar Morin, Henry Miller, Lygia Clark, Oscar Niemeyer e Vinicius de Moraes, entre outros nomes que são referências do século 20, mas também voltava sua atenção para pessoas simples, para o anônimo que ele encontrava nas ruas.

Como fotógrafo e fotojornalista, Alécio sabia que a história não é feita só de grandes homens, embora seja com frequência escrita por eles”, destaca Yves Léonard na apresentação ao fotolivro. “Há também a história popular, a das pessoas a quem não se dá voz. Talvez pela sua formação, talvez pela sua capacidade de captar o cotidiano, a vida das pequenas coisas, Alécio também as fotografa. Vemos uma grande percentagem de anônimos em suas escolhas fotográficas”.







Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos:
acima, o policiamento em Lisboa, em 1974;
abaixo, a manifestação da multidão nas ruas







Uma economia de recursos


Em Paris, Alécio de Andrade fez coberturas importantes de eventos que marcaram época, como as barricadas dos estudantes nas ruas, em maio de 1968, e teve suas fotografias publicadas em destaque na imprensa internacional, mas também foi uma espécie de embaixador de forma afetiva para muitos brasileiros. Ele recebeu com hospitalidade seus conterrâneos e fotografou cada um dos que estavam na França a passeio ou que estavam no exílio para escapar da perseguição política da ditadura militar. Com seus retratos e séries temáticas, algumas delas dedicadas a crianças, casais, anônimos nas ruas, animais e visitantes do Museu do Louvre, Alécio desenvolveu desde os primeiros tempos um estilo muito particular no fotojornalismo que aprofunda o conceito de economia de recursos.

Tal conceito, de certo modo, é na prática uma estratégia – uma escolha que encontra no próprio ato de fotografar a essência do processo criativo, em contraposição às tendências da maioria que prefere fotografar usando flashes, filtros e lentes especiais ou buscando efeitos em etapas posteriores de recortes, ampliação e interferências diversas em processos de pós-produção. Na grande maioria das fotografias de Alécio de Andrade, o que se vê é a impressão direta do fotograma inteiro, sem reenquadramentos. “Luz de abril”, o título do livro e da exposição sobre a Revolução dos Cravos, confirma esta economia de recursos e anuncia um sentido poético, ou antes um duplo sentido que une a forma e o conteúdo: é um título que pode indicar que são fotos diretas, com iluminação natural, sem recortes e sem filtros, e também pode traduzir o sentimento que a maioria dos portugueses vivia nas ruas, naquele momento histórico, na esperança de que a liberdade havia chegado para ficar após um longo período de trevas.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Alécio de Andrade na Revolução dos Cravos. In: Blog Semióticas, 3 de junho de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/06/alecio-na-revolucao-dos-cravos.html (acesso em .../.../…).



Para comprar o livro  Luz de Abril, Portugal, 1974,  clique aqui.


Para visitar o site oficial de  Alécio de Andrade,  clique aqui.







Flagrantes de Alécio de Andrade em Paris:

acima, a cobertura de maio de 1968 em
destaque na edição da revista Manchete.
Abaixo, três imagens do fotógrafo no
acervo do Instituto Moreira Salles:

1) a fachada de anúncios nas ruas com a
placa indicando Brecht (1971);
2) o mestre
da fotografia Henri Cartier-Bresson em
meio à multidão na abertura de uma feira,
em 1972; e
3) as três freiras em visita ao
Museu do Louvre observando o quadro
“As três graças”, de Regnault, em 1970














13 de março de 2014

Flagrantes de Cartier-Bresson






Fotografar é encontrar o momento
decisivo, é colocar na mesma linha
de mira a cabeça, o olho e o coração.
–– Henri Cartier-Bresson (1908-2004).  


Morto em 2004, aos 95 anos, aclamado como um dos maiores nomes da história da fotografia, Henri Cartier-Bresson é o grande homenageado do Centro Pompidou de Paris, que apresenta a mais completa retrospectiva já feita sobre sua obra. Uma unanimidade quando se fala em arte da fotografia, Cartier-Bresson inventou o conceito de “momento decisivo” (definido na citação acima, em epígrafe) e alterou completamente os critérios de qualidade e composição fotográfica. Como fotógrafo, ele viajou e registrou cenas de países dos cinco continentes, retratou famosos, anônimos e miseráveis, fez a cobertura jornalística de grandes festas populares, de guerras, de revoluções, e fundou, com Robert Capa, a Agência Magnum, cooperativa internacional de profissionais da fotografia que marcou época e mudou os rumos do fotojornalismo. Além de tudo, Cartier-Bresson também foi pintor, desenhista, cineasta, ator, poeta e antropólogo, entre outras habilidades às quais se dedicava ocasionalmente.

A exposição no Centro Pompidou, homenagem ao fotógrafo e ao pensador Cartier-Bresson, militante das esquerdas, do comunismo e do surrealismo, vai permanecer em cartaz até 9 de junho e depois segue para Madri e outras capitais de países da Europa (veja link para uma visita virtual no final deste artigo), reunindo uma seleção de 500 fotografias em preto e branco e um vasto acervo de documentos diversos de Cartier-Bresson e sobre Cartier-Bresson, incluindo filmes, desenhos, pinturas, cartas, rascunhos, livros, catálogos, jornais e revistas. Uma das surpresas é uma ampla sala dedicada ao trabalho ainda pouco conhecido do cineasta Cartier-Bresson, incluindo a exibição dos documentários que ele realizou e as obras em parceria com nomes como o mestre do cinema francês Jean Renoir, de quem foi assistente de direção e ator em vários filmes.

Um fotógrafo deve respeitar a atmosfera de uma cena para integrar o cenário de fundo, acima de tudo, para evitar qualquer artifício que suprime a verdade humana. Também deve esquecer a câmera e quem a manipula” – repetia Cartier-Bresson em entrevistas. A vasta e sempre atual produção do fotógrafo, que inclui retratos, paisagens, estudos sobre construções de arquitetura, flagrantes impressionantes de fotojornalismo e registros de viagens por vários países, já mereceu estudos célebres dos mais importantes pensadores da fotografia – de Roland Barthes a Susan Sontag, de Paul Valery a Jean Baudrillard e Fredric Jameson – mas nunca havia sido reunida em uma amostra abrangente como a que apresenta o Pompidou.













Henri Cartier-Bresson em ação:
 no alto e acima, o fotógrafo em 1989,
em ação nas ruas de Paris, fotografado
por Charles Platiau. Acima, duas de
suas fotografias mais conhecidas,
ambas de 1932: Allée du Prado, 
Marseille, France; e o homem que
salta sobre a água em Derrière
la Gare Saint-Lazare.

Abaixo, Henri Cartier-Bresson
fotografado em 1932, quando retornou
a Paris, depois da temporada de um
ano na África; L'escalier en spirale
et les enfants, fotografia feita em um
orfanato em Paris, em 1955, trabalho
em parceria de Cartier-Bresson e sua
segunda esposa, Martine Franck,
também fotógrafa; a festa da
Peregrinação de Santo Inocêncio na
província de Grassano, Itália, em 1973;
e os anjos e freiras nas ruas de Paris,
na foto de 1955. Todas as fotografias
reproduzidas nesta página estão no
catálogo da exposição organizada pelo
Centro Pompidou de Paris

















Organizada cronologicamente, em três grandes núcleos, a exposição é uma parceria do Centro Pompidou com a fundação que mantém o acervo do fotógrafo – a Fondation Henri Cartier-Bresson, que foi criada por ele próprio em 2003, com sua esposa e a única filha. A exposição também inclui imagens inéditas do fotógrafo, considerado por muitos como “pai do fotojornalismo”, além das obras que ele realizou em conjunto com vários outros artistas – entre elas os registros de seu trabalho no cinema, como assistente de Jean Renoir e como diretor de documentários.



Surrealismo & fotojornalismo



O primeiro núcleo da exposição, que cobre o período de 1926 a 1935, destaca a ligação do fotógrafo com André Breton e outros artistas do Surrealismo, suas viagens pela Europa, África, México e Estados Unidos e sua descoberta da fotografia: segundo os biógrafos, a fixação de Cartier-Bresson com a atividade de fotógrafo surgiu em 1932, quando ele viu pela primeira vez na revista “Photographies” uma foto do húngaro Martin Munkacsi que o impressionou muito. A foto de Munkacsi registrava três rapazes negros no Congo, África, correndo nus contra a luz, em direção ao mar. Desde então, uma câmera Leica 35mm passou a ser sua companhia permanente.












Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Livourne, Toscane, Italie, fotografia
em composição surrealista de 1933;
Couples par la Seine, de 1936; e
Femmes musulmanes en prière,
Srinagar, Cachemire, de 1948.

Abaixo, Mahatma Gandhi, líder pacifista
da resistência não violenta que levou
à independência da Índia do Reino Unido
e inspirou movimentos pela liberdade
no mundo inteiro, fotografado por
Cartier-Bresson em 1948; a multidão
na fila para atendimento em um banco
em Xangai, China, em 1948; e uma
procissão de Corpus Christi em 1952
em County Kerry Tralee, na Irlanda.

Também abaixo, imagens do pós-guerra
de Cartier-Bresson na Américaem
1947: 1) um homem negro enforcado
no Mississippi; 2) negros no Harlem,
em Nova York; 3) três mulheres
em Los Angeles, Califórnia. E a
mobilização em Washington, em 1957,
contra o racismo e pelos Direitos Civis
















O segundo núcleo, que vai de 1936 a 1946, destaca a atuação política de Cartier-Bressn: seu engajamento na luta contra o fascismo, sua participação como colaborador em jornais e revistas de militância comunista e socialista, sua atuação na Resistência Francesa contra os nazistas e sua extensa cobertura sobre a Segunda Guerra Mundial. Quando explodiu a guerra, ele alistou-se no exército francês e acabou prisioneiro das tropas nazistas, mas conseguiu fugir e juntar-se à Resistência.

O terceiro núcleo da exposição vai do fim da Segunda Guerra Mundial à década de 1970, quando ele decidiu abandonar as atividades de repórter fotográfico. Em 1947, há um capítulo especial em sua biografia e na história da fotografia – é quando Cartier-Bresson fundou a agência de fotógrafos Magnum, junto com Robert Capa, Bill Vandivert, George Rodger e David Seymour e começou o período mais sofisticado de seu trabalho, cumprindo pautas de fotojornalismo em vários países sob encomenda de publicações internacionais como as revistas “Life”, “Vogue” e “Harper's Bazaar”.
















Na apresentação à exposição no Centro Pompidou, o curador Clement Cheroux destaca que o objetivo principal da retrospectiva, além de demonstrar que a trajetória de Cartier-Bresson se confunde com os avanços da fotografia no século 20, é lançar luzes sobre alguns aspectos da obra do fotógrafo que permaneciam como referências cifradas apenas para especialistas e pesquisadores de sua obra – especialmente as questões políticas e o surrealismo. 



Fotografia como Grande Arte



Segundo o curador Clement Cheroux, as questões políticas ficam evidentes quando se observa cada uma de suas imagens a partir do contexto da época, na Segunda Guerra e em outros conflitos armadas ao longo do século 20, mas também nas cenas impressionantes de linchamentos de negros nos EUA, nos movimentos populares nas ruas da China ou da Índia, nos processos de independência das ex-colônias francesas na África, na Ásia, na América e nas barricadas dos estudantes nas ruas de Paris, em maio de 1968.



 


Acima, a célebre fotografia de 1931
de Martin Munkacsi no Congo,
África, que, segundo os biógrafos,
provocou fixação em Cartier-Bresson
e o levou ao ofício de fótografo.

Abaixo, o casal anônimo na véspera
de Ano Novo em Times Square,
Nova York, em fotografia de 1959;
e quatro célebres cenas parisienses
de Cartier-Bresson: o garotinho feliz
em Rue Mouffetard, Paris, 1954;
o trabalhador braçal em Les Halles,
Le Marché Central, fotografia
de 1952; e os beijos flagrados
em Jardin des Plantes, 1959,
e no bistrô em 1968




















O ponto de vista especialíssimo de Cartier-Bresson, que demonstra à perfeição os preceitos seculares da proporção áurea aplicada à fotografia, também deve muito ao Surrealismo, segundo Cheroux, que destaca a influência de André Breton na formação do fotógrafo. Uma influência reconhecida pelo próprio Cartier-Bresson em entrevistas e em suas últimas anotações – entre elas, uma confissão datada de 2003: "O surrealismo teve um efeito profundo em mim e toda a minha vida eu fiz o meu melhor para nunca mais traí-lo”.

Neste contexto, até mesmo algumas das imagens do fotógrafo mais conhecidas do grande público – como aquela foto em que um homem salta sobre a água na Gare Saint-Lazare em Paris, em 1932 – assumem novos sentidos e possibilidades de interpretação que não afastam nem diminuem seu valor “jornalístico”, mas elevam o registro fotográfico à condição explícita de grande arte. Estudioso dos cálculos geométricos e das perspectivas desde a juventude, Cartier-Bresson é um caso raro que conseguiu reunir, ao “realismo” dos flagrantes em fotojornalismo, um sem número de nuances e sugestões sobre as cenas de absurdos e impasses da condição humana. 
 

por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Flagrantes de Cartier-Bresson. In: Blog Semióticas, 13 de março de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/03/flagrantes-de-cartier-bresson.html (acessado em .../.../...).











Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Simone de Beauvoir em Paris, 1946,
e uma cena prosaica registrada em
Camagey, Cuba, 1963. Abaixo, um
anônimo visitante na exposição de
Cartier-Bresson no Centro Pompidou,
em Paris; e Cartier-Bresson em ação
em Nova York, em 1961, em
fotografia de Dennis Stock








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