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7 de dezembro de 2024

Augusto Malta em fotomontagens


 




As fotografias conseguem enganar o tempo: 

elas o congelam onde a alma está em silêncio. 


–– Isabel Allende em “Amor e Sombras”.

   


A fotografia incide sobre o tempo, como dizia Roland Barthes. Uma demonstração sobre tal incidência surge no intervalo de 100 anos que separam e reúnem as fotografias do Rio de Janeiro Antigo, registradas por Augusto Malta, e cenas da atualidade nas fotomontagens feitas por Marcello Cavalcanti para o fotolivro “Augusto Malta Revival”, lançado pela Gávea Imagens. Nascido em Mata Grande, Alagoas, Augusto Malta (1864-1957) foi um dos mais destacados fotógrafos a atuar no Rio de Janeiro no período de 1900 a 1930, contratado desde 1903 pelo prefeito Francisco Pereira Passos para registrar, em fotografias, a transformação urbana radical que aconteceria na cidade nas primeiras décadas do século 20, mais conhecida como campanha do “Bota Abaixo”.

A ideia de trabalhar com fotomontagens surgiu em 2008, quando Marcello Cavalcanti passava uma temporada em Barcelona, Espanha, uma cidade que reúne a tradição de construções milenares e uma arquitetura moderna. Formado em Design Gráfico, fotógrafo profissional e professor, Marcello nasceu no Rio de Janeiro, em 1980, e se autodefine como um colecionador visual. Na temporada em Barcelona, ele fotografou para sua coleção centenas de portas, janelas, paredes, grafites, becos, vielas, praças e pessoas na cidade da Catalunha, e desde aquela época começou a investir em colagens fotográficas. Anos depois, de volta ao Brasil, ele mergulhou no projeto que reúne na mesma imagem suas fotos autorais de cenários do Rio de Janeiro mescladas às imagens em preto e branco feitas no começo do século 20 pelas câmeras de Augusto Malta.


Cenários do Rio Antigo


A primeira etapa do projeto de Marcello Cavalcanti teve início em 2012, quando ele fez a experiência de sobrepor duas fotografias feitas do alto do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro: uma feita por ele e outra feita por Augusto Malta em 1910. Ele continuou aperfeiçoando a experiência e três anos depois apresentou um projeto que foi selecionado para uma carta de apoio da Prefeitura do Rio, na época das comemorações dos 450 anos da cidade, seguida de uma exposição patrocinada pela companhia de eletricidade Light (que contratou os serviços de Augusto Malta a partir de 1905) e pela Secretaria de Estado da Cultura. A exposição foi apresentada em outubro de 2015 no Centro Cultural Light. O acervo de fotomontagens, realizadas a partir de uma seleção de 60 fotografias de Augusto Malta, posteriormente foi publicado no fotolivro “Augusto Malta Revival”, esgotado após o lançamento em 2023 e que terá em breve sua primeira reedição.







Augusto Malta em fotomontagens
: no alto e abaixo,
as fotomontagens de Marcello Cavalcanti feitas a partir das
fotografias originais de Augusto Malta, publicadas no fotolivro
“Augusto Malta Revival”. Acima, os autorretratos dos dois
fotógrafos, projetados na cerimônia de lançamento do
fotolivro e Marcello Cavalcanti na abertura
da exposição, no Rio de Janeiro.

Abaixo, uma seleção das fotomontagens:
os Arcos da Lapa, na fusão de imagens com
intervalo de um século; e a transformação da
Enseada de Botafogo do passado (esquerda)
à atualidade (direita). As imagens publicadas
nesta página fazem parte do fotolivro,
exceto quando indicado











A produção do acervo de imagens que resultou no livro é o resultado de muitas experiências em 10 anos de trabalho. Marcello fez a sobreposição minuciosa de cada detalhe das antigas imagens de Augusto Malta, com novas fotografias feitas nos mesmos cenários e mesmos ângulos de enquadramento. Neste período, ele também criou um canal no YouTube (“Por trás da foto”), lançou três e-books sobre fotografia (“30 Dicas para o fotógrafo de paisagem”, “Golden Hour – A ciência por trás da melhor luz para fotografar paisagem” e “Lua – Como fotografar”), criou cursos on-line sobre fotografia, fotografou em várias regiões do Brasil e em outros países (Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Noruega, Itália, Tanzânia, África do Sul, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia, Guatemala, México), recebeu prêmios e criou a editora Gávea Imagens, empresa que gerencia seu trabalho no mercado internacional pelo Fineart e também no Brasil.


Imagens da passagem do tempo


Em entrevista, Marcello Cavalcanti diz que seu interesse sempre foram os padrões gráficos e as repetições comparativas que revelam a passagem do tempo, como demonstrou em suas fotomontagens. Ele também confessa sua fascinação com as coincidências e as diferenças que foi descobrindo nas imagens que registram o intervalo de um século. “No trabalho de junção das fotografias, vou apagando coisas ou preservando. Se tem pessoas na rua: qual pessoa vou deletar, qual vou deixar? Às vezes acontecem coincidências das pessoas se olhando, pessoas que estão separadas por mais de 100 anos. Elas estão se olhando na imagem”, destaca, pontuando detalhes que o impressionaram.








Augusto Malta em fotomontagens: acima,
as praias de Ipanema e Leblon vistas a partir
do alto do Morro Dois Irmãos, no bairro do Vidigal.
Abaixo, a Lagoa Rodrigo de Freitas; a fotografia
original de Augusto Malta da avenida Rio Branco
e a fusão das imagens na atualidade















As fotomontagens de Marcello Cavalcanti sobre as fotografias de Augusto Malta também revelam questões sobre a evolução do urbanismo e da arquitetura do Rio de Janeiro no último século. “É impressionante como o Rio cresceu verticalmente e como a cidade era menos arborizada. A cidade tinha muito casario e poucas árvores nas ruas. Hoje é tudo vertical e temos mais árvores. A passagem do tempo e, como ela influencia, modifica e, ao mesmo tempo, mantém padrões. é o que me fascina no universo imagético em que vivemos”, conclui.


Fotógrafo da evolução urbana


As fotomontagens já existiam na época de Augusto Malta, mas ao que se sabe ele não fez nenhuma experiência de colagens usando a técnica fotográfica. Um caso exemplar de fotomontagem no Brasil veio de um contemporâneo de Malta, Valério Vieira (1862-1941), fotógrafo profissional e músico, que em 1901 apresentou ao público “Os Trinta Valérios”, obra que se tornaria um dos marcos da fotografia brasileira. Apesar de existirem registros de outras manipulações, recortes e colagens de matrizes fotográficas em período anterior, a obra de Valério Vieira rompe com a noção de que a fotografia é um registro realista e inquestionável. Na fotomontagem, Valério Vieira surge em diferentes poses e em várias situações na mesma imagem, em autorretratos reunidos na cena de apresentação de uma orquestra – mas todos em cena são reproduções da figura do próprio fotógrafo, em um arranjo irônico que surpreende pelo inusitado da técnica e que ainda hoje mantém sua aura de bom humor e inventividade.










Augusto Malta em fotomontagens: acima,
a Rua Paissandu, em Laranjeiras, ontem e hoje;
e a praia do Leblon, atualmente e há 100 anos.
Abaixo, uma vista de São Conrado, com as
áreas de floresta cedendo lugar aos prédios;
e duas imagens da praia do Arpoador.

Também abaixo, uma vista do Pão de Açúcar
e das praias da Zona Sul; duas imagens do presente
e do passado da Avenida Vieira Souto, na praia
de Ipanema,
hoje e na década de 1930; e duas
imagens do Theatro Municipal na Cinelândia
















O acervo fotográfico de Augusto Malta, entretanto, ao contrário das experiências de Valério Vieira, está na direção oposta ao ilusionismo: Malta é considerado o principal fotógrafo da evolução urbana do Rio nas primeiras décadas do século 20, um período de acelerada e traumática modernização. Seus belos registros fotográficos formam um material de pesquisa e documentação fundamental para historiadores, urbanistas, arquitetos e pesquisadores das mais diversas áreas. As fotografias de Malta mostram, entre outros momentos históricos, as etapas de demolição da área onde estava do Morro do Castelo – um marco da campanha de reforma urbana anunciada para libertar o Rio da reputação de “cidade insalubre”, com suas metas de higienização, renovação e demolição de antigos edifícios, cortiços, pensões e pousadas, para a abertura das grandes avenidas, repetindo o modelo de urbanização que estava sendo adotado em Paris e outras grandes cidades da Europa.























Fotografia como missão


Augusto Malta deixou sua terra natal na década de 1880 e foi servir como cadete do Exército no Recife, em Pernambuco. Em 1888, chegou para tentar a sorte no Rio de Janeiro, na época Distrito Federal. Em 1900, comercializava tecidos e usava uma bicicleta para fazer entregas, quando uma barganha mudou seu destino: um de seus fregueses propôs a troca de uma câmera fotográfica pela bicicleta. Malta aceitou. E a partir daí iria mergulhar no ofício da fotografia, registrando ruas e cenários do Rio. Suas fotografias chamaram a atenção do prefeito Pereira Passos, que mandou contratá-lo em 1903 como fotógrafo oficial da Diretoria Geral de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal, cargo criado especialmente para Augusto Malta, com a missão de registrar imagens das ruas que seriam modificadas pelo gigantesco projeto urbanístico do prefeito.







Augusto Malta em fotomontagens: acima,
a mudança dos veículos do passado na Vista Chinesa.
Abaixo, o Túnel do Leme, por onde passavam
bondes; e a Rua São Clemente, em Botafogo















Pereira Passos encerrou seu mandato em 1906, mas Augusto Malta permaneceu no posto de fotógrafo oficial da prefeitura por mais 30 anos, registrando desde grandes eventos a aspectos da vida cotidiana da cidade. Os registros fotográficos mais importantes sobre a modernização do Rio foram feitos por ele, incluindo marcos históricos como a implantação dos bondes elétricos e da iluminação pública, a abertura e as inaugurações das grandes avenidas, a Exposição Nacional de 1908, a Exposição Internacional para o Centenário da Independência, em 1922, e a inauguração da estátua do Cristo Redentor, em 1931, entre milhares de outros flagrantes de personagens anônimos ou famosos e eventos oficiais.

Uma parte considerável do acervo de Augusto Malta vem dos registros de sua dedicação às alterações na paisagem urbana do Rio, à beleza de suas ruas e edifícios e aos movimentos populares, como o surgimento das primeiras favelas, a Revolta da Vacina, a chegada de Getúlio Vargas com as tropas na Revolução de 1930 e os antigos desfiles de carnaval. Estão preservadas mais de 100 mil fotografias feitas por Augusto Malta, incluindo imagens em papel e negativos em vidro ou filme. Os acervos atualmente estão no Arquivo Geral do Rio de Janeiro, no Museu da Imagem e do Som, no Arquivo da Companhia Light, na Biblioteca Nacional, no Museu Histórico Nacional e no Instituto Moreira Salles.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Augusto Malta em fotomontagens. In: Blog Semióticas, 7 de dezembro de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/12/augusto-malta-em-fotomontagens.html  (acessado em .../.../…).




Para comprar o livro Augusto Malta revival,  clique aqui.















Augusto Malta em fotomontagens: acima, a célebre
fotomontagem feita em 1901 por um contemporâneo
de Malta, Valério Vieira, que ficou conhecida como
“Os Trinta Valérios”, com 30 autorretratos do
fotógrafo em justaposição, com técnica e resultados
muito avançados para a época.

Abaixo, uma seleção de fotografias originais
de Augusto Malta: 1) mulheres observando uma
vitrine na Rua do Ouvidor, no Centro do
Rio de Janeiro (cerca de 1906); 2) a Avenida Central,
atual Avenida Rio Branco em 1906, depois da
iluminação por energia elétrica; 3) desfile de Corso
no carnaval de 1919 no Rio de Janeiro, depois da
grande epidemia de gripe espanhola; 4) visita de estudantes
ao recém-inaugurado Cristo Redentor em 1931;
5) o Pão de Açúcar e uma área do bairro de Botafogo
vistos a partir do Mirante Dona Marta em 1910;
e 6) uma vista da Praia de Copacabana em 1910















 
 















30 de novembro de 2023

Aquarela do Ary


 




Brasil, meu Brasil brasileiro, 

meu mulato inzoneiro, 

vou cantar-te nos meus versos... 


Ary Barroso, "Aquarela do Brasil" (1939).   




Um lançamento de peso: uma caixa de CDs com a obra completa do compositor Ary Barroso (1903-1964) surge como um sério indicador do fim da época das chamadas mídias físicas no Brasil, incluindo CDs, DVDs e álbuns de música em vinil. O indicador do fim pode ser confirmado não só no decréscimo dos lançamentos, cada vez mais raros e esparsos, mas também na retração acelerada do mercado da oferta e da procura, porque mesmo nas capitais e nas maiores cidades são raríssimas as lojas que vendem discos em vinil e CDs – e as poucas opções que restam estão nas grandes lojas de departamentos, com espaço cada vez mais restrito ou inexistente para discos, CDs e DVDs. As plataformas on-line de comércio são as últimas opções, mas também nelas a presença de vinis, CDs e DVDs parece estar mesmo em fase de extinção.

A caixa de CDs em questão é “Brasil Brasileiro”, com uma primorosa seleção de gravações de grandes intérpretes para todas as canções de Ary Barroso, um dos mais célebres compositores brasileiros. A caixa traz 20 CDs com 316 canções reunidas em ordem cronológica, em gravações originais da Casa Edison, Odeon, RCA Victor, Copacabana e outras gravadoras, na interpretação do próprio compositor e nas vozes de maiorais da Velha Guarda, entre eles Carmen Miranda, Linda Batista, Aracy de Almeida, Orlando Silva, Mário Reis, Sílvio Caldas, Jorge Veiga, Jamelão, Marlene, Ângela Maria e Elizeth Cardoso. As composições de Ary Barroso tornaram-se clássicos, mas não ficaram esquecidas no passado: ainda hoje estão no repertório do cancioneiro popular e também são destaque entre as canções brasileiras mais conhecidas e mais gravadas no exterior – incluindo “Aquarela do Brasil”, “Na Baixa do Sapateiro”, “No Tabuleiro da Baiana”, “Os Quindins de Yayá”, “Risque”, "Camisa Amarela", “No Rancho Fundo”, “Na Batucada da Vida” e “Pra Machucar Meu Coração”.





         




Aquarela do Ary: no alto da página e acima,
Ary Barroso ao microfone na Rádio Cruzeiro do Sul
do Rio de Janeiro, prefixo PRD-2, em 1932.

Também acima, a caixa de CDs "Brasil Brasileiro",
que reúne todas as composições de Ary nas
gravações originais. Abaixo, Ary conduzindo
no improviso jornalistas e fãs que acompanham
o cantor das multidões, Orlando Silva, em um
evento no Rio de Janeiro, em 1958; e
Ary ao piano, em apresentação em 1957
na boite Fred's, também no Rio de Janeiro














Garimpo em arquivos


O grande desafio, contudo, é encontrar uma loja ou um site em que a caixa de CDs esteja à venda. Não está disponível nem mesmo no site da famigerada Amazon. A produção dos 20 CDs com a obra completa de Ary Barroso foi o resultado de duas décadas de trabalho do pesquisador Omar Jubran, que também fez todo o processo de remasterizações. A caixa foi lançada pela gravadora NovoDisc, criada e gerenciada pela jornalista e musicóloga Maria Luiza Kfouri, em parceria com o Museu da Imagem e do Som (MIS), de São Paulo. O MIS distribuiu uma parte da tiragem das caixas de CDs para bibliotecas e instituições parceiras da Secretaria de Estado da Cultura, mas para pesquisadores e fãs de Ary Barroso o processo para conseguir uma das caixas pode ser um autêntico garimpo. Quem tiver a sorte de encontrar a caixa também terá como encarte um livreto que traz todas as letras, a identificação dos intérpretes e as fichas técnicas relacionadas a cada composição.

De todas as composições de Ary Barroso, apenas cinco ficaram fora da caixa, porque os fonogramas não foram localizados por Omar Jubran. No encarte, ele esclarece que as cinco canções aparecem nomeadas nos arquivos das gravadoras, mas não há registro sobre as gravações. “Uma explicação razoável para tal, é que pode ter existido a gravação da matriz sem que houvesse a prensagem do disco”, relata o pesquisador. Ele também justifica a existência de alguns ruídos e chiados discretos em algumas das gravações: “Em nome da preservação do som original e das características técnicas de gravação dos anos 1930 e 1940, alguns fonogramas ainda apresentam uma pitada de ruído, o que lhes atribuiu um charme especial”.






Aquarela do Ary: acima, o compositor
e seu piano, em foto de 1953. Abaixo,
o primeiro piano de Ary, conservado
na cidade mineira de Ubá pela família
do compositor e chamado pelos herdeiros
de "o piano da tia Ritinha", porque pertenceu
a uma tia de Ary que era professora de piano










Calouros do Ary


Nascido há 120 anos, completados em 7 de novembro, na cidade mineira de Ubá, Ary Barroso morreu no Rio de Janeiro, em um sábado de Carnaval, em 9 de fevereiro de 1964, aos 60 anos, em decorrência de cirrose hepática, resultado de anos de alcoolismo. O Rio foi a cidade em que passou a maior parte da vida e também o cenário da maioria de suas canções, com a curiosidade de que em algumas, das mais conhecidas, a Bahia e as baianas é que são o tema central. Além de compositor e cantor, Ary também foi muito popular em sua época como apresentador de programas de rádio e comentarista esportivo, sem nunca esconder sua condição apaixonada de torcedor do futebol do Flamengo. Seu primeiro programa de rádio foi “Calouros em Desfile”, que teve sucesso desde a estreia com nomes desconhecidos que passaram depois à condição de astros e estrelas de primeira grandeza da música brasileira.

O programa “Calouros em Desfile”, que estreou em 1932, na Rádio Philips, também trouxe a fama de ranzinza para Ary Barroso, o que pode ser confirmado ao se ler a lista dos nomes que ele reprovou e que depois seriam consagrados como medalhões entre os grandes intérpretes da música brasileira, incluindo aqueles que gravaram versões de sucesso para as composições dele próprio. Nas décadas seguintes, o apresentador e o programa “Calouros em Desfile” seguiriam para outras estações – em 1934, para a Rádio Mayrink Veiga; no ano seguinte, para a Rádio Cosmos, em São Paulo. Na Rádio Cruzeiro do Sul, a partir de 1943, ele apresentou “A hora do calouro”; na Radio Nacional, a partir dos anos 1950, o mesmo programa foi renomeado para “Calouros do Ary”. Ele também criou uma tirada de humor que foi sua marca registrada: o gongo, que soava quando o calouro era eliminado.




 
    





Aquarela do Ary: no alto, o compositor com
os amigos Carmen Miranda e Sílvio Caldas,
em reportagem da "Revista do Rádio" em 1955.
Carmen foi a recordista em gravações das canções
de Ary, com mais de 30 grandes sucessos.

Acima, Ary com o célebre gongo que o
acompanhava em todos os programas de
calouros que apresentou em várias estações
de rádio. O homem do gongo era o comediante
Tião Macalé. Abaixo, Ary com Walt Disney
no Hotel Copacabana Palace, em 1942, na época
em que Disney produziu o filme "Olá, Amigos",
que apresentou o personagem Zé Carioca
e trazia canções de Ary na trilha sonora;
e um encontro de bambas: Linda Baptista,
Grande Otelo, Herivelto Martins e
Ary Barroso
ao piano, no Cassino da Urca,
em 1940, fotografados por Carlos Moskovics










 

A lista dos nomes de calouros premiados que despontaram para a fama nos programas de rádio sob o comando de Ary Barroso é imensa. Na lista dos calouros que foram reprovados, além daqueles que saíam constrangidos e em lágrimas do palco, há, também, muitas presenças notáveis, entre elas nomes que depois deram a volta por cima e conquistaram a consagração no primeiro time da música brasileiras, caso de Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Vinicius de Moraes e especialmente Elza Soares, que protagonizou um acontecimento marcante por vários motivos.

Com a jovem Elza Soares, que pela primeira se candidatava em um programa de calouros, aconteceu aquele diálogo que a cantora repetiu depois, muitas vezes, ao lembrar que foi humilhada na estreia porque era negra e tinha aparência de pobre. Ao microfone, com sua conhecida ironia, Ary perguntou: “De que planeta você vem, minha filha?”. Elza, em grande estilo, surpreendente para uma principiante, respondeu: “Seu Ary, do mesmo planeta que o seu. Eu vim do planeta fome”.








Aquarela do Ary: no alto, o compositor no começo
da carreira, em 1936, com a estrela Carmen Miranda
e o amigo e parceiro de composições Luiz Barbosa.

Acima, com a esposa Yvonne e amigos. Abaixo, com
o maestro Heitor Villa-Lobos; com Dolores Duran;
com Elizeth Cardoso; e comemorando a vitória do
Flamengo, seu time do coração, com Ângela Maria















Um brasileiro internacional


Também é inegável que o salto de Ary Barroso para o primeiro time como compositor popular no Brasil tem participação de Carmen Miranda. A estrela mais popular no Brasil desde a década de 1930, no rádio, no teatro de revista e no cinema, foi a recordista em gravações de canções de Ary Barroso, com mais de 30 grandes sucessos, incluindo a mais célebre, “Aquarela do Brasil’, gravada por Francisco Alves em 1939 e três anos depois incluída na trilha sonora de “Alô, Amigos” (“Saludos Amigos”), o filme de animação que Walt Disney fez no Rio de Janeiro, como encomenda para a Política da Boa Vizinhança lançada pelo governo do norte-americano Franklin Roosevelt, no final da década de 1930, para ganhar a simpatia dos governos e dos povos da América Latina na época da Segunda Guerra Mundial.

O filme “Alô, Amigos”, lançado nos cinema dos Estados Unidos e do Brasil em 1942, marca a estreia das canções de Ary Barroso em uma produção de Hollywood e também foi a estreia do personagem Zé Carioca (veja também Semióticas – Estratégias do Zé Carioca). Na gravação de Carmen Miranda, “Aquarela do Brasil” foi um grande sucesso nas rádios norte-americanas e em outros países, conquistando um lugar no imaginário do público. A canção foi o grande sucesso da carreira de Ary Barroso e teve inúmeras regravações que ganharam o mundo nas vozes de artistas de várias gerações e vários estilos, de Frank Sinatra a Ella Fitzgerald, Ray Conniff, Harry Belafonte, Dionne Warwick e até com as bandas Arcade Fire e Beirut, entre muitos outros.
















Aquarela do Ary: no alto, o compositor em ação
como narrador e comentarista de futebol na
Rádio Tupi; flamenguista fanático, ele foi proibido
de entrar no estádio do Vasco da Gama em 1942
e teve uma atitude inesperada: pediu permissão
para subir em um telhado de uma casa vizinha
ao São Januário e, assistindo o jogo com
um binóculo, conseguiu narrar e comentar a
partida decisiva entre Vasco e Fluminense.

Acima, Ary Barroso com Vinicius de Moraes,
na época vice-cônsul do Brasil em Los Angeles,
que retornava para uma visita ao Brasil em 1950,
depois da morte de seu pai; e em um encontro
com os novatos da Bossa Nova, em 1960:
João Gilberto, Tom Jobim, Ronaldo Bôscoli,
Carlos Lyra
e outros cantores e compositores da
nova geração, em fotos de Indalécio Wanderley.

Abaixo, Ary com Carmen Miranda em Hollywood,
em 1944, na época em que rejeitou o contrato
de trabalho para ser compositor exclusivo dos
Estúdios Disney e voltou para o Brasil, alegando
que não conseguiria ficar longe dos jogos do
Flamengo; Ary em 1957, em uma prosa
animada com o presidente da República,
Juscelino Kubitschek; e na final do
Grande Torneio Nacional, última etapa do
"Calouros do Ary", programa da Rádio Nacional,
com a vencedora da competição de 1960,
a jovem Tânia Maria, que fixou residência nos
Estados Unidos e, atuando como cantora e
pianista, tornou-se referência do Jazz e da
música contemporânea com ritmos
afro-brasileiros.

Também abaixo, Ary diante da multidão
em um show em Buenos Aires, Argentina,
em 1955; Ary com Dorival Caymmi, na foto
para a capa do álbum que gravaram juntos
em 1958; e na última foto, poucos dias antes
de sua morte, em 9 de fevereiro de 1964











A trajetória de Ary Barroso coincide também com momentos marcantes da história do Brasil. Seu primeiro grande sucesso popular acontece em 1930, ano da chegada de Getúlio Vargas ao poder, com a Revolução de 1930, e sua morte antecede em apenas dois meses o golpe de 1964 que instalou a ditadura militar. Naquele ano de 1930, Ary Barroso foi notícia pela primeira vez porque venceu o Grande Concurso da Música Popular, para escolha de canções do Carnaval, promoção da gravadora mais popular da época, a Casa Edison, e do jornal Correio da Manhã, com a marchinha “Dá Nela”. Meses antes, Mário Reis, seu colega na Faculdade Nacional de Direito e já consagrado cantor, havia gravado duas canções de Ary, “Vou a Penha” e “Vamos deixar de intimidade”.

Com isso, a partir de 1930 estrearam as canções de Ary Barroso nas paradas de sucesso e muitas outras viriam, nos anos e nas décadas seguintes. Desde então, muitos conhecem de cor suas canções, que já foram nomeadas como marchinhas e como samba, samba-canção, samba-exaltação, mesmo que não associem seu nome às canções ou não saibam quem é o compositor. Ele é Ary Barroso: criador de algumas das canções brasileiras mais conhecidas no mundo inteiro, cantor, pianista, vereador (o mais votado em 1946 na Guanabara, pela UDN, União Democrática Nacional), radialista, cronista, roteirista de radionovela e do teatro de revista, comentarista de futebol, flamenguista, humorista, figura consagrada no folclore nacional. Seja no Brasil ou mesmo no exterior, ainda hoje é muito difícil separar os acordes de “Aquarela do Brasil” e de tantas canções de Ary Barroso das lembranças e dos sentimentos mais autênticos da nacionalidade brasileira.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Aquarelas do Ary. In: Blog Semióticas, 30 de novembro de 2023. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2023/11/aquarela-do-ary.html (acessado em .../.../…).








   





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