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10 de janeiro de 2025

Fotografia em paraísos tropicais





Uma fotografia é um segredo de um segredo.

Quanto mais ela te fala, menos você sabe.

–– Diane Arbus.   
............................... 








As fronteiras instáveis e fluidas entre alta cultura e cultura popular – ou entre a arte erudita e o kitsch, o brega, o cafona, no sentido de separar o que seja de bom gosto do que seja considerado vulgar, duvidoso, sem refinamento, de mau gosto ou de qualidade inferior – surgem diluídas e misturadas em uma mostra que, pela primeira vez, reuniu um acervo de 200 obras de 83 artistas latino-americanos de destaque nascidos no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, México, Peru e Venezuela. Todas as obras têm em comum o suporte fotográfico com alguma forma de intervenção de pós-produção ou de colagem e abrangem um período histórico de um século, da primeira década do século 20 às duas primeiras décadas do século 21.

IntituladosLes Paradis Latins” (Os paraísos latinos), a exposição e o fotolivro que registra o acervo foram organizados pela Fundação Bemberg de Toulouse, França, tendo como referência a valiosa coleção de raridades garimpadas desde a década de 1960 pelo casal de colecionadores Leticia e Stanislas Poniatowiski, na sua maioria retratos de pessoas anônimas e também de celebridades, de artistas ou de figuras de importância histórica. Anunciada como “celebração de um século de fotografia latino-americana”, a exposição também poderia ser definida como inventário de um século de imagens de resistência à violência e ao preconceito, pois reúne obras de diferentes períodos e lugares que enfrentaram a censura e o silenciamento provocados por imposição de falsos paladinos da moral e dos “bons costumes” ou de governos autoritários.











Fotografia em paraísos tropicais: no alto, 22h35,
da série fotográfica
Das 22h às 23h, México, 1985,
intervenção sobre fotografia e fotocópia
de
Agustín Martinez Castro.

Acima,
As mãos de Pita Amor (México, 1950),
pintura sobre fotografia de
Simón Flechine;
Buenos Aires Tango Clube, Santiago do Chile,
intervenção de 2012 com tinta e lápis de cor sobre
fotografia de 1982 de
Leonora Vicuña;
e Tango (De a dos), fotografia em gelatina
de prata em preto e branco da série
Tango (Chile, 1988), de
Paz Errázuriz.

Também abaixo,
Entre os olhos, o deserto,
intervenção multimídia de 2001 do brasileiro
Miguel Rio Branco sobre fotografias de 1997;
e
Afife Baloyan, Tijuana, México, 1973, fotografia
e intervenção de contraste de
José Luis Venegas.
As imagens reproduzidas nesta postagem fazem
parte do catálogo da exposição










O caráter subversivo


A figura feminina é a presença marcante em todas as imagens fotográficas reunidas pela curadoria, sem nenhuma exceção. Ou talvez a feminilidade, mais até do que a figura feminina, principalmente a feminilidade em seu caráter mais subversivo e provocativo diante da norma dominante e da censura que por tanto tempo tentou silenciar ou esconder na penumbra as dançarinas de tango, de samba, de salsa e de bolero, vedetes e coristas de cabarés ou de teatros, incluindo a importância incontornável de travestis e transgêneros, artistas marginais e ativistas da ação política na vida cotidiana que movimentou e movimenta a revolução social, a identidade cultural e a diversidade sexual no intervalo de décadas.

A apresentação das imagens, em sua maioria com predomínio de cores
fortes e contrastantes
em destaque, com videntes intenções de apelo melodramático e toques de exagero ou de ingenuidade, também são traços comuns entre as obras selecionadas. Em muitos casos, as cores foram acrescentadas com pincel e tinta ou canetas e lápis coloridos sobre as estampas impressas em preto e branco, uma estratégia recorrente que desde os primórdios da fotografia levou muitos artistas a pintarem ou retocaram a mão os retratos registrados pelas câmeras.









Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
imagem sem título
, fotografia realçada com
tinta, obra de
Gerardo Bastón (México,1990).

Abaixo,
Nahui Olin (México, 1921), fotografia
impressa em gravura de
Gustavo F. Silva com
pintura em técnica mista de
Nahui Olin
(pseudônimo de Carmen Mondragón).

Também abaixo, colagem com costura e
técnica mista sobre fotografias de 2019
de Carla Rippey (México); colagem de 1975
com fotografia e técnica mista do brasileiro
Luiz Alphonsus, intitulada Crepúsculo Tropical;
e
um retrato de Magnólia em Juchitán
(México, 1987) por
Graciela Iturbide




              
     







Na extensa galeria da diversidade, em que algum charme das celebridades e muitas extravagâncias anônimas se misturam, marcadas pelo requinte discreto ou pelo excesso mais provocante, cada uma das amostras dos “paraísos latinos” selecionadas para o acervo também diluem as fronteiras que separam a fotografia das outras artes visuais, em estratégias de aproximação com o desenho e a pintura, com as artes gráficas, as variações da gravura, as fotonovelas, as técnicas dos cartazes e da publicidade, ou as técnicas mistas de colagens, de recortes, de montagens e de sobreposições de imagens. Algumas das obras vão remeter os olhares mais atentos às experiências estéticas mais radicais dos mestres dos movimentos de vanguarda da arte moderna no começo do século 20, ainda que a maioria delas tenha sido produzida a partir da década de 1960, sob forte influência das experiências da Pop Art e da arte contemporânea.





Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
Autorretrato como Rrose Sélavy
(Colômbia, 1980),
de
Álvaro Barríos. Rrose Sélavy era um personagem
fictício, alter-ego do mestre dadaísta
Marcel Duchamp.

Acima, uma corista anônima na Argentina, 1960,
em fotografia de
George Friedman. Abaixo,
dois retratos da vedete
Amapola Devodier
(México, 1955) por
Simón Flechine








A intensidade da cor


No ensaio que apresenta a exposição e o fotolivro, o curador e historiador Alexis Fabry (também autor de “Urbes Mutantes 1941-2012”, catálogo sobre a fotografia latino-americana publicado na Espanha em 2013) destaca que na maior parte dos países da América Latina a intensidade da cor e do carnaval são, muitas vezes, inseparáveis da tragédia. “A proximidade entre a festa e o trágico, assim como o atrito e a permeabilidade entre a alta e a baixa cultura, são questões muito características da arte latino-americana”, reconhece. Outra questão a que o curador faz referência são as limitações provocadas pela carência de recursos financeiros e materiais, uma dificuldade sempre presente para artistas da América Latina, o que levou muitos deles a recorrerem a suportes alternativos como o uso de papel e fotocópias, que são meios mais baratos, e de fácil acesso, que permitiram a produção e a divulgação de diversas obras selecionadas.

 











Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
Autorretrato
(1950), com a fotógrafa Grete Stern,
nascida na Alemanha e radicada
na Argentina
desde 1935, refletida em montagem fotográfica
sobre o espelho. Acima, La Madre de Dios
(Guatemala, 1974), fotografia e colagem em
técnica mista do brasileiro Ayrton de Magalhães;
e
Serviço de luxo (México, 1987), intervenção
em técnica mista sobre fotografia e fotocópia
de
Felipe Ehrenberg.

Abaixo,
duas obras de Facundo de Zuviría:
Estampas de Buenos Aires
(1982),
autorretrato e colagem
em cartaz de
técnica mista
; e Evita, San Telmo (1982),
cartaz e fotografia de rua em cópia Cibachrome













Ao justificar os critérios historiográficos e estéticos da curadoria, Alexis Fabry também ressalta que, enquanto nos países da Europa e nos Estados Unidos a Pop Art se concentra em comentários de metalinguagem sobre a sociedade de consumo, na maior parte dos países da América Latina a influência da Pop Art estabelece um diálogo imprevisível com o artesanato e com a arte ingênua das festas populares. Na perspectiva do Brasil, tal diálogo se estabelece principalmente com o que a cultura erudita costuma nomear como vulgar, como brega e como cafona – termos carregados de preconceito desde a origem linguística: “vulgar” é uma definição para o grosseiro e o obsceno porque tem origem popular, acessível a todos, enquanto “brega” seria o gênero do exagero dramático, ingênuo ou mal feito, e “cafona”, equivalente ao italiano “cafone” (camponês, periférico, rude, estúpido), identifica o que as elites descartam e classificam como imitações grosseiras ou fora de moda.

Sobre o acervo reunido com a chancela de “paraísos latinos” vale acrescentar que os adjetivos pejorativos citados como juízos de valor – vulgar, brega ou cafona – são termos que, traduzidos em outras línguas, encontram sinônimos ou correlatos na complexidade do “kitsch” ou do “camp”, conceitos amplamente discutidos e problematizados por teóricos da cultura como Theodor Adorno ou Susan Sontag. Em outras palavras, são termos que, antes de carregarem definições apressadas, elitistas e muito preconceituosas, como mau gosto, como exagero ou como falso e artificial, deveriam ou poderiam também ser caracterizados como uma resposta original e popular à cultura de massa e aos processos de industrialização – ou ainda, como adverte Susan Sontag em “Notes on Camp”, ensaio publicado em 1964, como um produto ou uma obra de uma estética especial que consegue a proeza de imitar para ironizar, e tornar ridículo, tudo o que seja identificado para consumo exclusivo das elites e das classes dominantes.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotografia em paraísos tropicais. In: Blog Semióticas, 10 de janeiro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/01/fotografia-em-paraisos-tropicais.html (acessado em .../.../…).


Para uma visita virtual à exposição “Les Paradis Latins”, clique aqui.







Para comprar o fotolivro “Les Paradis Latins”, clique aqui.


Fotógrafos e a
rtistas reunidos em Les Paradis Latins”:

 

Luiz Alphonsus (Brasil), Édgar Álvarez (Colômbia), Yolanda Andrade (México), Constantino Arias (Cuba), Aristides Ariza (Colômbia), Éver Astudillo (Colômbia), Pepe Avilés (Equador), Daniel Barraco (Argentina), Álvaro Barrios (Colômbia), Gerardo Bastón (México), Juan Enrique Bedoya (Peru), Ricardo Bezerra (Chile), Bandi Binder (Argentina), Joaquín Blez (Cuba), Hugo Brehme (México), Jorge Cáceres (Chile), Johanna Calle (Colômbia), Carlos Caputto (Argentina), Anselmo Carrera (Peru), Daniel Chauche (Guatemala), María Eugenia Chellet (México), Gilberto Chen (México), Cif (México), Raúl Corrales (Cuba), Armando Cristeto (México), Ayrton de Magalhães (Brasil), Gertrudis de Moses (Chile), Facundo de Zuviría (Argentina), Hector Delgado (Peru), Hernan Díaz (Colômbia), Wilson Díaz (Colômbia), Felipe Ehrenberg (México), Paz Errázuriz (Chile), Gustavo F. Silva e Nahui Olin (México), Simón Flechine (México), George Friedman (Argentina), Flavia Gandolfo (Peru), Andrés Garay (México), Kattia García Fayat (Cuba), Antonio Garduño (México), Pedro Juan Guttiérrez (Cuba), Maria Eugenia Haya (Cuba), Annemarie Heinrich (Argentina), Armando Herrera (México), Terry Holiday (México), Graciela Iturbide (México), Maripaz Jaramillo (Colômbia), Agustin Jiménez (México), Alejandro Kuropatwa (Argentina), Melitta Lang (Argentina), Fabrizio León Diez (México), Sandra Llano-Mejía (Colômbia), Marcos López (Argentina), Rogelio López Marin (Cuba), Sergio Marras (Chile), Agustin Martínez Castro (México), Daniel Merle ( Argentina), Jorge Maria Múnera (Colômbia), Juan Ocón (México), Martin Ortiz (México), Pablo Ortiz Monasterio (México), Adolfo Patiño (México), Valle Polifoto (Colômbia), Juan Ponce Guadián (México), Santiago Rebolledo (Colômbia), Miguel Rio Branco (Brasil), Carla Rippey (México), Manuel Jesus Serrano (Equador), José Sigala (Venezuela), Francisco Smythe (Chile), Guadalupe Sobarzo (México), Grete Stern (Argentina), Rubén Torres Llorca (Cuba), José Trinidad Romero (México), Sergio Trujillo (Colômbia), Jorge Vall (Venezuela), Manolo Vellojín (Colômbia), José Luis Venegas (México), Leonora Vicuña (Chile) e Rogelio Villarreal (México).





 





Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
flagrante da exposição na Fundação Bemberg,
em fotografia de
Frederic Scheiber.

Acima, a partir do alto:
1) Colagens, Caderno 2
(Colômbia, 1980), recortes e arte em técnica mista,
criação de
Éver Astudillo; 2) Cristina Molina
(México, 1970), colagem e intervenção com
caneta e lápis de cor por
Juan Ponce Guadián;
e
3) Monumento ao Marques de Sade (Chile,
1947), colagem e montagem de fotografias
por
Jorge Cáceres



25 de junho de 2024

Arte do cartaz em 1900

 



Belas artes são aquelas em que a mão,

a cabeça e o coração andam juntos.

–– John Ruskin, 1870. 
  


Uma revolução das técnicas de composição e de impressão gráfica aconteceu no final do século 19, dando origem a uma nova forma de arte que ficaria conhecida como arte do pôster ou do cartaz. Mais de 130 anos depois, um acervo original com cerca de 500 peças raríssimas e preservadas na íntegra, que fazem parte da Coleção Leonard A. Lauder, foi reunido pelo Metropolitan Museum de Nova York para a exposição “The Art of Literary Poster” (A arte do pôster literário). O acervo permanecia inédito desde o começo do século 20 e agora, com a exposição, também está publicado em um catálogo de capa dura, com 248 páginas e todas as imagens com reprodução colorida em alta definição. No recorte temático estão cartazes em litografia e outras técnicas de gravura, impressos em policromia, no suporte papel, produzidos na última década do século 19 e nos primeiros anos do século 20, para anunciar lançamentos e novas edições de revistas, jornais, folhetins e livros. Em muitos deles, as figuras mostram pessoas lendo.

Impresso para ter vida efêmera, colado em paredes e muros dos centros urbanos, o cartaz vem de uma longa história em vários países. Uma abordagem teórica e historiográfica sobre a trajetória do cartaz no final do século 19 foi apresentada por Marcus Verhagen, historiador e professor da Universidade da Califórnia, no ensaio “Aquela arte volúvel e degenerada” (publicado no livro “O cinema e a invenção da vida moderna”, pela Cosac & Naify, em 2001). Inicialmente o cartaz era considerado apenas um recorte de papel impresso sem valor agregado, produzido às pressas sem maiores preocupações estéticas – “uma ferramenta comercial tosca, um anúncio em preto-e-branco com uma imagem altamente esquemática ou sem nenhuma imagem”, como ressalta Verhagen. A partir das últimas décadas do Oitocentos, no entanto, com a incorporação da impressão em cores e de novas técnicas, os cartazes criados para anúncios publicitários tiveram um salto de qualidade, conquistando o interesse de colecionadores e, muitas vezes, o entusiasmo dos críticos de arte.

 


 




Arte do cartaz em 1900: no alto da página, um detalhe

do cartaz promocional para divulgar o lançamento
da revista The Quartier Latin em 1898-1899,
em criação de Louis John Rhead. Acima, capa

  do catálogo da exposição no Metropolitan Museum

e a íntegra do cartaz de The Quartier Latin.

Abaixo, cartaz de lançamento de Three Gringos

in Central America and Venezuela, livro de contos

de Richard Harding Davis, com ilustração de

Edward Penfield inspirada nas pinturas de

Paul Gauguin sobre o Haiti. Também abaixo,

cartaz de Penfield anunciando uma reportagem

sobre a guerra entre Estados Unidos e Espanha,
destaque em fevereiro de 1899 na Harper’s






A moda em Art Nouveau


Esta nova era transformou o cartaz publicitário em uma nova mídia em ascensão que ganhava destaque nas ruas. O cartaz também passava a ser identificado como um dos elementos principais de um novo estilo que ficaria conhecido pelo nome em francês Art Nouveau – o estilo da arte decorativa que teve seu centro irradiador em Paris, no fim do século 19. Rapidamente, o potencial de consumo que surgia com a nova moda espalhou-se por cidades da Europa e de outros continentes. Em Londres, o novo estilo tem seu equivalente com o movimento Arts and Crafts Exhibition Society, que teve o pintor e ilustrador de livros Walter Crane como primeiro líder e presidente.

A Arts and Crafts Exhibition Society montou a sua primeira exposição anual em 1888, mostrando exemplos de trabalhos que ajudassem a elevar o estatuto social e intelectual do artesanato, incluindo cerâmica, têxteis, metalurgia e mobiliário. Muitos dos artistas e artesãos que se envolveram com o movimento não só em Londres, mas também em Birmingham, Manchester, Edimburgo, Glasgow e outras grandes cidades do Reino Unido, foram influenciados pelo trabalho de um designer de sucesso na época, William Morris. Destacado também como ativista social e escritor, o próprio Morris reconhecia sua inspiração nas ideias do principal crítico de arte da Era Vitoriana, John Ruskin, elaborando novos padrões técnicos de artes gráficas e, assim como acontecia na França e outros países, novos modelos muito populares na arquitetura e como estilo intermediário entre a indústria e a arte, adotados na produção de máquinas, móveis, roupas, objetos funcionais e tudo o mais que o termo “design” passou a englobar e traduzir, provocando transformações radicais ou substituindo, gradativamente, as tradicionais oficinas de artes e ofícios.

Naquela época, o estilo Art Nouveau e a arte do cartaz se multiplicavam com velocidade, junto com o surgimento da eletricidade nos centros urbanos e a chegada dos automóveis que substituíam as antigas carroças, carruagens e bondes puxados a cavalo. O novo estilo era celebrado como a última moda, passando a contar com novos adeptos e novos consumidores. Evoluindo junto com as linhas de produção em massa da indústria mercantil e com a indústria do entretenimento, os cartazes se multiplicavam anunciando os espetáculos de ópera, de teatro, de vaudeville, os shows musicais em casas noturnas e a novidade do cinema. O projeto em comum aos artistas que adotavam o novo estilo combinava a tradição das belas artes com o artesanato em marchetaria e a produção de mercadorias utilitárias para consumo doméstico, alcançando também o mundo das artes, a pintura, a escultura e todas as técnicas de desenho e gravura.

 


 




Arte do cartaz em 1900: no alto, litografia de

Jules Chéret, o “inventor da arte do cartaz”,

anunciando, em 1889, a inauguração do

Moulin Rouge, casa de espetáculos que

marcou época em Paris. Acima, cartaz ousado

de 1896 de Henri de Toulouse-Lautrec,

com inspiração nos cartazes de Chéret,

criado para Troupe de Mlle. Églantine,

espetáculo musical parisiense que estreava

temporada em Londres, no Palace Theatre

of Vaeties, com a estrela Jane Avril,

uma das musas de Lautrec.


Abaixo, cartaz anunciando um ponto de vendas

da Bearings Magazine, voltada para ciclistas e

apreciadores de bicicletas, criado em 1896

por Charles Arthur Cox. Também abaixo, o marco

inaugural do estilo Art Nouveau no Brasil, com o estudo

preliminar e a arte final para a capa da primeira edição

da Revue du Brésil, criada em novembro de 1896

por Eliseu Visconti durante sua temporada

de estudos em Paris











Pioneiros do estilo


Art Nouveau também passou a ser o estilo adotado por nomes célebres da história da arte, cada um interpretando à sua maneira as novas técnicas decorativas, tais como o austríaco Gustav Klimt, o checo Alfons Mucha ou o espanhol Antoni Gaudí, entre outros. Verhagen destaca que, nas artes gráficas, o salto de qualidade na produção do cartaz teve um pioneiro que influenciou todos os outros e todo o estilo – o francês Jules Chéret, nomeado em 1890 pelo escritor Edmond de Goncourt como “o inventor da arte do cartaz”. Uma celebridade em sua época, Chéret passou a exercer forte influência sobre artistas como Toulouse-Lautrec e outros nomes do primeiro time das vanguardas europeias. Segundo Verhagen, o nome Chéret, na Paris de fim de século, passou a ser sinônimo para o cartaz mais elaborado, e a popularidade também alcançou a “chérette”, a dançarina estilizada com ares de ninfa sempre presente em seus desenhos e cartazes. Em um dos mais conhecidos, criado em 1889, a “chérette” em trajes e poses provocantes anuncia a inauguração do Moulin Rouge, a casa de espetáculos que marcou época em Paris.

O pioneiro do estilo Art Nouveau no Brasil, Eliseu Visconti, também reconheceu a forte influência de Jules Chéret durante sua temporada de estudos em Paris, entre 1894 e 1897. Visconti, por sua vez, se tornaria uma referência para toda uma geração de artistas e profissionais das artes gráficas no Brasil. Historiadores como Frederico Morais (em “Aspectos da Arte Brasileira”, editado em 1980 pela Funarte) apontam a importância de Visconti não só como pintor e desenhista, mas também como pioneiro do design industrial e da arte do cartaz. Um dos trabalhos de importância histórica de Visconti, a capa e as ilustrações para o primeiro número da “Revue du Brésil”, editada em Paris em novembro de 1896, tem reconhecimento como um marco inaugural para a introdução do estilo Art Nouveau no Brasil.

Com a arte marcante de Eliseu Visconti, e sua sofisticação notável em artes gráficas, "Revue du Brésil" é também um marco da propaganda do Brasil no exterior, impressa em várias línguas e distribuída em todos os países da Europa, com seu objetivo de divulgar o progresso econômico e cultural do Brasil após a queda do Império e sua substituição pela Proclamação da República. Em “Biblioteca Nacional – A história de uma coleção” (Editora Salamandra, 1996), Paulo Herkenhoff destaca a importância de Visconti como precursor da arte modernista e como pai do desenho industrial brasileiro – com seus padrões para papéis de parede e objetos utilitários, além da criação de capas e ilustrações de livros e revistas, de selos, da decoração do Teatro Municipal de Rio de Janeiro e da Biblioteca Nacional, e de seus cartazes, os primeiros a terem valor artístico reconhecido no Brasil.










Arte do cartaz em 1900: no alto, cartaz criado por

Louis John Rhead em 1894 para anunciar a edição

de Natal da Century Magazine. Acima, o beijo estilizado

da figura andrógina no encontro com o pavão, emoldurados

por ícones de iluminuras de antigos manuscritos, no cartaz

criado pelo artista e ilustrador William Henry Bradley

para o lançamento de His Book, revista literária de

Nova York que teve apenas seis números entre 1896 e 1897.


Abaixo, dois cartazes criados por mulheres: o primeiro,

de Florence Lundbourg para o lançamento da revista

The Lark, edição de fevereiro de 1897; o segundo,

criação de Ethel Reed em 1895 para o lançamento do

livro Folly or Saintiliness, do escritor José Echegaray,

Prêmio Nobel de Literatura em 1904








A novidade do cartaz literário


A exposição que resgata o “boom” do cartaz em Art Nouveau, apresentada no Metropolitan de Nova York, tem curadoria e apresentação a cargo de quatro especialistas, que também assinam a edição do catálogo e os ensaios teóricos e historiográficos: Alisson Rudnick, Shannon Vittoria e Rachel Mustalish, diretoras dos departamentos de Papeis, Desenhos e Gravuras do museu, e Jennifer Greenhil, professora de História da Arte na Universidade de Arkansas. Diante do acervo selecionado, o que mais ganha destaque para o olhar do observador do século 21 é certamente o contraste entre a sofisticação estética e a aparente simplicidade das figuras, além do apuro estético na integração de texto e imagens para a composição dos cartazes – cada um deles surgindo mais próximos de uma obra de arte do que de um anúncio publicitário.









Arte do cartaz em 1900: no alto, página standart

(o formato padrão da página de jornal impresso, com

cerca de 55 cm) criada por E. Pickert, simulando o efeito

de pastilhas de acrílico, para a edição de 6 de fevereiro de

1895 do jornal The New York Times. Acima, o cartaz de

Bertha Margaret Boyé vencedor do concurso do

Movimento Sufragista para uma campanha pela

legalização do voto feminino em 1911.


Abaixo, cartaz de Joseph J. Gould Jr. para o

lançamento da edição de julho de 1896 da

revista Lippincott’s; e a nudez no cartaz criado

por Maxfield Parrish para o lançamento da

edição de agosto de 1897 da revista The Century










Mesmo sendo, em sua época, peças apenas funcionais para divulgação e publicidade, cada um dos cartazes em estilo Art Nouveau pode ser considerado uma obra de valor específico, com detalhes que revelam tanto questões culturais do tempo em que foram produzidos, como avanços nas técnicas das artes gráficas ou da linguagem que representa e traduz informações cifradas sobre códigos de comportamento. O cartaz criado por Edward Penfield que anuncia a edição de fevereiro de 1897 da revista Harper's, escolhido para anúncio principal da exposição no Metropolitan e também reproduzido na capa do catálogo, representa um caso emblemático para o recorte do acervo.

No cartaz de Penfield, quatro figuras elegantes da burguesia,
três mulheres e um homem, todos eles com seus chapéus da moda, viajam de bonde e estão lendo a revista. Ao fundo, ao lado dos quatro personagens das elites, um representante da classe trabalhadora: o cobrador do bonde, que também está mergulhado na leitura. Penfield criou cartazes sempre instigantes para cada nova edição da Harper's durante mais de sete anos. Em outro anúncio, criado em 1996 por Joseph J. Gould Jr. para a edição de julho da revista Lippincott's, estão ousadias gráficas e de costumes: a jovem elegante, vestida a rigor, está em sua bicicleta e tem a revista nas mãos. Como inovação gráfica, o chapéu amarelo da jovem cobre algumas letras do nome da revista, mas sem impedir a leitura.









Arte do cartaz em 1900: no alto, cartaz anunciando

o lançamento da edição de março de 1895 de

The Boston Sunday Herald, dedicada à moda de

primavera, com sobreposições de vermelho e preto,

criação de William McGregor Paxton. Acima, cartaz

de
William Henry Bradley para o lançamento em 1894

do livro When hearts are trumps, de Tom Hall.


Abaixo, cartaz de George Reiter Brill para o

Philadelphia Sunday Press, edição de 3 de fevereiro

de 1896. Também abaixo, cartaz de Louis John Rhead

anunciando a edição
de Natal do The New York Herald,

em 1896, com o toque pioneiro de um

Papai Noel em vermelho.

No final da página, cartaz para o lançamento

da revista Self Culture de outubro de 1897, criação

de Joseph Christian Leyendecker; e um autorretrato

estilizado de Edward Penfield para a capa do

calendário de 1897 publicado pela

editora R.H. Russel & Son, de Nova York










Arte e documento histórico


Há uma grande diversidade de nomes identificados como criadores dos cartazes, no acervo reunido pelo museu, com destaque em número de obras para os norte-americanos Edward Penfield, Joseph Christian Leyendecker, Louis John Rhead e William Henry Bradley, além da surpreendente presença de mulheres no grupo de artistas, entre elas Florence Lundborg, Ethel Reed e Bertha Margaret Boyé, que era uma professora e militante política muito conhecida na época, e que venceu em 1911 o primeiro concurso de cartazes para o Movimento Sufragista de San Francisco, Califórnia, em defesa da legalização do direito do voto para mulheres. No cartaz, que faz parte do acervo, uma figura feminina com uma túnica amarela, lembrando o arquétipo de uma sacerdotisa, abre os braços para mostrar uma faixa onde se lê “Votes for Women” (Voto para mulheres). Atrás dela, o sol que está na linha do horizonte forma uma auréola sobre sua cabeça, como se indicasse simultaneamente um símbolo de beatitude e santidade e o alvorecer de novas oportunidades.

Mais de um século depois da criação da maioria das peças reunidas no acervo, ainda é possível identificar e reconhecer o impacto duradouro que os cartazes em estilo Art Nouveau continuam a exercer sobre as linguagens da ilustração, sobre o design gráfico e até sobre a forma e o conteúdo dos anúncios publicitários da atualidade. O acervo também confirma a importância do cartaz como documento histórico – um documento que registra e preserva informações preciosas, ocupando um lugar especial na interseção entre literatura, imprensa, design gráfico, sociologia, questões políticas, culturais e comportamentais da época em que foram produzidos. No ensaio que abre a apresentação das imagens do catálogo, a curadora Alisson Rudnick ressalta que, em cada um dos cartazes selecionados, está representado algo novo: são anúncios publicitários produzidos para terem duração efêmera, mas, estranhamente, mudaram de função com o passar do tempo e agora têm seu valor preservado e reconhecido como autênticas obras de arte.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A invasão do Gibi. In: Blog Semióticas, 25 de junho de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/06/arte-do-cartaz-em-1900.html (acessado em .../.../…).



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