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26 de abril de 2012

BH na memória







O objetivo principal da política é criar  
a amizade entre membros da cidade.  

–– Aristóteles (384-322 a.C.).    



As cidades no geral não nascem. Elas surgem no caminho de exploradores ou à beira de águas navegáveis. Surgem na descoberta de riquezas, na ânsia de conquistas à força bélica, ou no reflorir de esperança dos que saem à procura de uma vida nova – descreve o jornalista Jáder de Oliveira nas primeiras linhas de “No Tempo mais que Perfeito”, relato poético e memorialista dedicado a Belo Horizonte. Apontado por muitos como um dos principais nomes do jornalismo brasileiro, conhecido também fora do Brasil, na Inglaterra e nos países falantes da língua portuguesa pelo mundo afora, por conta de seu trabalho de décadas no rádio pela BBC Brasil, Jáder de Oliveira morreu aos 76 anos, em abril de 2011, em Londres, após uma longa luta de tratamento médico contra o câncer. 

Em fevereiro de 2010, tive a sorte de fazer uma longa entrevista com Jáder de Oliveira, quando ele esteve a passeio em BH, depois de décadas de ausência por conta do exílio voluntário em Londres. Mineiro nascido na capital, ele passou 40 anos de sua vida profissional como correspondente na Inglaterra, 31 deles dedicados ao jornalismo na BBC. Na entrevista ele fez questão de destacar seu orgulho por ter registrado em reportagens momentos importantes da segunda metade do século 20, alguns muito felizes, outros que passaram à história como grande engano ou grandes tragédias, entre eles a invenção da minissaia e da pílula anticoncepcional, a revolução provocada pelos Beatles e pela contracultura no final dos anos 1960 e as mudanças implantadas pelo neoliberalismo da “Dama de ferro” Margareth Thatcher, à frente do governo britânico, que provocaram muito desemprego e muita recessão e mesmo assim foram e continuam a ser uma desastrosa inspiração para outros governos de direita em muitos países.







BH na memória: no alto,
luar sobre Belo Horizonte em
fotografia de março de 2012 no
Bairro Floresta. Acima, a cidade em
cartão-postal de 1950. Abaixo, a
Praça da Liberdade em cartão-postal
colorido a mão, datado de 1947













Quando retornou a BH, no começo de 2010, ele disse que quase não reconhecia mais os cenários da cidade. "A memória guarda imagens que a gente vai recordando e também idealizando. Quando comparamos as recordações com a realidade que encontramos às vezes o resultado não é muito bom. Não é só nostalgia. A verdade é que o poder público e a população em geral não cuidam do bem comum no Brasil, deixam ao acaso, abandonam", ele comentou, com tristeza durante nossa entrevista. Jáder estava retornando à cidade depois de muito tempo para rever os amigos e lançar um livro, o primeiro e único que publicou em décadas de dedicação ao jornalismo diário. A entrevista começou no final da tarde, no Museu de Artes e Ofícios, instalado na tradicional Praça da Estação, onde ele faria à noite a primeira sessão de autógrafos do livro, e prosseguiu por telefone, na manhã do dia seguinte.

Entusiasta da profissão de jornalista, ele descreveu com saudades e emocionado o início de sua vida profissional, na Belo Horizonte de outros tempos, e de personagens ilustres que conseguiu entrevistar, como o ex-prefeito, ex-governador e ex-presidente Juscelino Kubitschek. Também recordou seus percalços nas terras da Rainha Elizabet, onde foi testemunha ocular de eventos que mudaram o mundo nas últimas décadas. A entrevista teve início com Jáder resgatando casos muito engraçados, alguns deles registrados no seu livro, que enumera cenas e personagens que fizeram a história na Belo Horizonte dos anos 1950 e 1960.









O bonde em Belo Horizonte, que recebeu 
versão fechada com janelas, instalada para
a Copa do Mundo de 1950, em ilustração
da capa do livro de Jáder de Oliveira.
Acima, em fotografia datada de 30 de junho
de 1963, no Viaduto Floresta, quando as
últimas linhas foram retiradas de circulação.
Abaixo, os bondes no cruzamento da
avenida Afonso Pena com Rua da Bahia,
nas décadas de 1940 e 1950











Jáder de Oliveira também fez questão de destacar um detalhe, no livro e na entrevista: a capital de Minas Gerais é uma das poucas cidades do mundo que tem de fato uma data de nascimento e pode festejar, todos os anos, seu aniversário. Nascida da decisão política do governador Afonso Pena (1847-1909) e projetada nas pranchetas, BH é a personagem principal no livro de Jáder, que tem por subtítulo "Vida e sonhos de Belo Horizonte nos anos 50".



Testemunha da história



As páginas inspiradas do único livro do jornalista que marcou época na BBC incluem ilustrações de Silvia Aroeira sobre imagens de época e belo projeto gráfico de Francisco Caram e Priscilla Pagani. Jáder vai resgatando as histórias de BH e breves diálogos numa extensa galeria de personagens. Há os anônimos e os mais célebres – que têm em comum o destino de terem encontrado na capital das Minas Gerais o cenário "mais que perfeito" para viver as tramas que a memória seletiva do autor desfila, entre a gravidade das tragédias políticas e quiproquós esmiuçados com a graça das melhores anedotas.








O repórter Jáder de Oliveira (ao centro)
estreando na redação da BBC de Londres,
onde trabalhou durante 31 anos, e
comemorando uma premiação com
o amigo Ivan Lessa em 1988. Abaixo,
Jáder de Oliveira (primeiro à esquerda)
com a equipe em que trabalhou em BH
na agência de publicidade Asa, em 1967









O senso de humor e dedicação ao trabalho de Jáder de Oliveira conquistaram grandes amigos entre celebridades do jornalismo brasileiro, desde a década de 1950. Antes de embarcar para Londres, no final de 1969, fez grandes amigos na redação do extinto “O Pasquim”, no Rio de Janeiro, como Paulo Francis, Ziraldo, Jaguar, Millôr Fernandes e Ivan Lessa, entre muitos outros. Com Ivan Lessa a amizade seria mais fortalecida em Londres, na BBC, incluindo uma aposta iniciada em 1986. “O Ivan estava preparando e adiando há tempos a publicação do primeiro livro. Aí para apressá-lo eu o desafiei dizendo que publicaria meu livro antes do dele e talvez até mais de um”, recorda.

Naquele ano, Ivan Lessa publicaria a coletânea de contos “Garotos da Fuzarca”, seguida por “Ivan Vê o Mundo” (crônicas, 1999) e “O Luar e a Rainha” (crônicas, 2005). “Não publiquei primeiro, mas ainda tenho fôlego para superar o Ivan Lessa. Nem que seja na quantidade de livros que tenho por publicar daqui pra frente”, ironizou Jáder, entre gargalhas. Mas não teve tempo para superar o amigo na aposta. 

Como sempre, bem-humorado, Jáder define a si mesmo, na entrevista, como um "especialista em generalidades". Hábil narrador, na linhagem mineira dos melhores contadores de causos, ele poderia ser descrito como "globetrotter" – como aponta o publicitário e cronista Márcio Rubens Prado, velho conterrâneo de outros carnavais do ilustre homenageado, como ele mesmo escreve no breve texto de apresentação ao livro.



Globetrotter
 


Parceiro de outras histórias e de longa data amigo do autor, Rubens Prado lembra que o termo "globetrotter" era muito usado há até poucas décadas, "quando as pessoas que viajavam, principalmente para o exterior, eram raras, e vítimas de rancorosa inveja dos provincianos sedentários". O autor de "No Tempo mais que Perfeito" conta que teve o jornalismo como primeira e única profissão, depois de ter começado, ainda adolescente, como repórter-auxiliar no extinto “Diário de Minas”.









BH na memória: no alto, uma rara
fotografia do antigo Cine Metrópole,
na Rua da Bahia, em Belo Horizonte,
demolido de madrugada em 1983.

Acima, o Cine Theatro Brasil,
na Praça Sete, centro de BH, em
fotografia de 1950. Durante décadas,
o Cine Theatro Brasil foi o cinema
com as maiores bilheterias entre as
salas de exibição em todo o Brasil.
Abaixo, o Cine Theatro Gloria, que
ficava no quarteirão entre Praça Sete
e Rua Tamoios, fechado em 1957
e demolido para dar lugar a um prédio
de escritórios e salas comerciais







A trajetória profissional de Jáder de Oliveira é invejável. Foi autodidata – num tempo em que ainda não havia, no Brasil, faculdades de jornalismo. Além do “Diário de Minas”, trabalhou na Rádio Guarani, na TV Itacolomi, nos jornais “Diário da Tarde” e “Estado de Minas”, empresas dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, e na sucursal de “O Globo” em BH. Também foi free-lancer da United Press International, mandando notícias de Minas para a sede brasileira da agência, que ficava no Rio de Janeiro.

Depois das idas e vindas pelas redações de BH, ele confessa que algumas "razões do coração" o levariam a trabalhar em Buenos Aires, na redação de "El Clarín", ainda hoje um dos principais jornais da Argentina. De volta ao Brasil, partiu para a publicidade e, no Rio de Janeiro, foi editor do lendário "Repórter Esso" no rádio e na TV. Também trabalhou nas revistas “Veja”, “Placar”, “Exame”, “Claudia” e nos jornais “O Globo” e “Correio Braziliense” antes de seguir para a Inglaterra, onde dedicou 31 anos ao trabalho na BBC de Londres antes de se aposentar, em 1999.








O repórter fotografado em dois momentos
na redação da BBC de Londres: em 1970 e
às vésperas da aposentadoria, em 1999.
Abaixo, a máquina de escrever em uma
das ilustrações de Sílvia Aroeira
criadas para o livro de Jáder de Oliveira





Uma vida na imprensa



Na sua última década de vida, morando com a esposa Nelly, que nasceu na Argentina, e com os dois filhos no condado de Surrey, arredores de Londres, Jáder continuava na ativa, como correspondente da Globo News. E reconheceu que estava muito feliz por rememorar na entrevista sua trajetória na imprensa. “Em mais de meio século de profissão, é a primeira vez que tenho a oportunidade de ser entrevistado para falar de minha história no jornalismo. Não é engraçado?”

Sem falsa modéstia, ele declinou de qualquer comparação quando comento sobre a tradição dos memorialistas mineiros, em especial Pedro Nava (1903-1984) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), citados várias vezes no relato de Jáder. "Estou longe desta importância, meu caro. Nava e Drummond são monumentos dos mais importantes na cultura e na literatura brasileira. Meu livro é menos ambicioso. É apenas um passeio descompromissado e nostálgico pelo túnel infinito da memória. Está mais próximo daquele cheiro de saudade, como diz a letra do samba do Djalma Ferreira e do Luiz Antônio", apontou, diminuindo por ironia a importância de seu relato. 





     



A geração modernista em BH: no alto,
Carlos Drummond de Andrade no início
dos anos 1960 ao lado de Pedro Nava,
 Alphonsus de Guimaraens Filho e
Cyro dos Anjos. Na foto acima, Drummond
personificado em estátua de bronze, junto
com Pedro Nava, na Rua Goiás, esquina
com Rua da Bahia, no Centro de BH.

Abaixo, as estátuas instaladas na
Biblioteca Pública, na Praça da Liberdade,
em homenagem aos Quatro Cavaleiros do
Apocalipse, os escritores Fernando Sabino,
Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos
e Hélio Pellegrino. As quatro estátuas têm
o nome de Encontro marcado, título do
livro que Fernando Sabino publicou em 1956



      
 
 
Mas por que os anos 1950? A resposta de Jáder de Oliveira é direta, precedida por uma citação cantarolada por ele relembrando os versos iniciais de “Chega de Saudade”, a canção inaugural da Bossa Nova que João Gilberto gravou em 1959: "Porque é a década da juventude do autor". Nomes, lugares e panoramas culturais de BH são visitados na entrevista e no livro – dos cinemas e livrarias aos cafés e botequins, passando pelos bordéis, pela extinta Feira de Amostras, pelas antigas calçadas de paralelepípedos e pelas 15 linhas de bonde que cortavam incessantemente a Praça Sete.

Como sua paixão sempre foi o jornalismo, o relato de Jáder de Oliveira resgata com atenção especial os meios de comunicação daquele tempo – os jornais em circulação, as estações de rádio, os filmes que encantaram a cidade, o doce e o amargo dos anúncios publicitários. Como nas melhores páginas do jornalismo literário dos norte-americanos Gay Talese e Tom Wolfe, que ele elogia e se reconhece como discípulo, Jáder viaja ao passado para investigar e tecer relações entre acontecimentos de repercussão apenas local e outros que fizeram história no mundo inteiro. 






BH na memória: acima e abaixo, a 
avenida Afonso Pena fotografada
em 1963. Em novembro daquele ano,
o prefeito Jorge Carone surpreendeu
a cidade ao cometer um equívoco
histórico: decidiu, num repente sem
justificativa, mandar cortar todas as
árvores da avenida. A cidade não
perdoou Jorge Carone, que tentou
mas nunca mais conseguiria se eleger
nem como prefeito nem como vereador

 














A década de 1950, como recorda Jáder de Oliveira, foi marcada por comoções nacionais com a morte da estrela Carmen Miranda, em 1955, precedida pelo trágico suicídio de Getúlio Vargas, no ano anterior. Foi também a década de JK, do sonho desenvolvimentista de 50 anos em cinco e também da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética que provocava pesadelos – enquanto a invasão cultural norte-americana tomava de assalto corações e mentes nas cidades e avançava pelos grotões brasileiros.



Capítulos antológicos



O centro do relato de Jáder de Oliveira, em "No Tempo mais que Perfeito", é a década de 1950 ("lembranças dos tempos de JK", como ele destaca), mas a prosa saborosa do autor retorna até o começo do século e não raro vem até nossos dias. A música popular – outra de suas paixões declaradas – com frequência leva o relato para parêntesis iluminados em outras décadas e outras capitais para retornar aos melhores botecos e restaurantes de BH.










Juscelino Kubitschek, então prefeito de
Belo Horizonte, posa com o governador
Benedito Valadares e o presidente
Getúlio Vargas em maio de 1940, na
inauguração da nova Avenida do
Contorno. Acima, folheto da campanha
de JK para o Governo de Minas Gerais,
com o binômio Energia e Transporte
que lhe rendeu projeção nacional.
Abaixo, um dos mais antigos cartões
postais de Belo Horizonte: a praça da
Estação Ferroviária, fundada em 1894,
três anos antes da inauguração da cidade,
em 1897, com o prédio da estação em
duas fotografias: em 1918 e em 2011













O livro de Jáder de Oliveira também destaca que muitos casais, incluindo políticos e grandes empresários respeitados na capital, começaram aos beijos o namoro nas horas dançantes do DCE, primeiro na sede da Afonso Pena e depois na Rua Tupis, antes da mudança para o endereço da Rua Gonçalves Dias, hoje Espaço Belas Artes de Cinema. Jáder desfila seu bom humor: nas horas dançantes do DCE as moças afoitas, à procura de um candidato a marido que viesse a ostentar um título de doutor, iam dançar.

Sem deixar de lado as cerimônias religiosas e sociais representadas nas missas (que ele descreve como algumas das mais "curiosas e divertidas passagens de BH"), os eventos grandiosos (como a inauguração do Cine Brasil na Praça Sete, que por décadas deteve as maiores bilheterias do país) e listas de intelectuais mineiros "que sempre foram a glória nacional", a verve do cronista também destaca casos divertidos daqueles que deixaram a vida na capital de Minas Gerais e foram para o Rio de Janeiro.










A Praça Sete, no cruzamento das avenidas
Afonso Pena com Amazonas, no Centro de
BH, em três datas: em 1930, 1950 e 2010.

Abaixo, a Praça Sete em cartão postal da
década de 1950 e fotografias promocionais
para o início das transmissões da TV Tupi,
inaugurada por Assis Chateubriand em
1950, que ganharia no ano de 1955 uma
filial sediada em Belo Horizonte que
seria batizada de TV Itacolomi







Jáder de Oliveira enumera, em especial, os percalços dos mineiros que seguiram para a antiga capital federal sob a influência de Gustavo Capanema (1900-1985), todo-poderoso ministro da Educação de Getúlio Vargas, que arregimentou para a burocracia do Estado, nos anos de 1930 e nas décadas seguintes, nomes como Drummond, Nava, Rodrigo Melo Franco, Cyro dos Anjos, Cláudio Cunha, Autran Dourado e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre muitos outros.

Há também as histórias complicadas e as confidências saborosas, algo indiscretas, sobre Murilo Rubião, João Etienne Filho, Aires da Matta Machado, Emílio Moura e outros que rejeitaram os convites para partir e decidiram ficar em BH. Casos que soam quase como anedotas, mas que são reveladores de uma época, assim como o esforço heroico de Rômulo Paes, Jair Silva, Jadir Ambrósio, Aníbal Fernandes e Gervásio Horta para fazer os melhores carnavais que a cidade já conheceu.

O surgimento da televisão também traz boas histórias que Jáder de Oliveira registra no livro. Ele recorda que foi um acontecimento e até quem não tinha assistido TV só falava sobre o assunto. "A TV no Brasil e no mundo mudou muito nas últimas décadas, e vai mudar ainda mais com a competição com a internet", ele aposta. "Mas no caso brasileiro é importante a gente lembrar que cinco dos principais formatos que ainda hoje estão mantidos na TV do Brasil foram lançados pela TV Tupi desde o começo, em 1950. São eles a dramaturgia (com a novela 'O direito de nascer'), o telejornalismo (com o 'Repórter Esso'), programas de humor, de auditório e infantis". 










 
O sucesso da TV Tupi foi tão grande que levou à fundação de uma filial em Belo Horizonte, em 1955, a TV Itacolomi. "Era uma TV que desde o início produzia conteúdo local de qualidade e contou, na inauguração, com a presença imprevista do próprio Assis Chateubriand, dono dos Diários Associados, um impressionante conglomerado de comunicação em rede nacional que reunia a TV Tupi e a maior parte das estações de rádio, dos jornais e das revistas do Brasil, incluindo a mais importante de todas e de maior circulação, a revista O Cruzeiro. A TV Itacolomi foi a terceira emissora de TV do Brasil, inaugurada depois da TV Tupi e da TV Rio", recorda Jáder de Oliveira.

Outras visitas de gente importante a BH, principalmente as celebridades internacionais, também fornecem capítulos antológicos – entre eles o impagável "Divas de Hollywood na fila do aeroporto". Os primórdios dos programas de rádio, a gênese da bossa nova e seus reflexos belorizontinos, a crônica esportiva e o projeto para o estádio do Mineirão, a história real da sra. Valentim, ex-Hilda Furacão, a fábrica da Coca-Cola no Barro Preto, a ascensão vertiginosa de JK, o suicídio de Vargas – quase nada escapa da investigação da memória de Jáder de Oliveira sobre os mineiros de BH.



Inconfidências e segredos de alcova



"O futuro era amanhã de manhã. O Brasil estava à nossa frente, tínhamos de correr atrás dele", cita o autor, lembrando a definição do cineasta Cacá Diegues sobre os anos de JK. "No livro tive a intenção apenas de ser nostálgico e divertido. Não tive nenhuma pretensão de fazer alta literatura e nem de ter o rigor da obra memorialista", fez questão de destacar Jáder na conclusão da entrevista, pelo telefone, na manhã seguinte à noite de autógrafos que reuniu amigos de outras épocas em BH.








BH na memória: imagens do
Viaduto de Santa Tereza, um dos
cartões-postais mais tradicionais da 
da capital, registrado em fotografias
datadas de 1946, de 2010 e 2012 (abaixo).
Também abaixo, duas imagens da
Panair do Brasil, que foi a maior
companhia aérea do Brasil até
o golpe militar de 1964








Ele ainda comentou um ou outro caso registrado no livro que chegou a gerar algum constrangimento, ainda na noite de autógrafos – mas explica que não fez nenhuma inconfidência que pudesse ser comprometedora. “Meu livro não revela nenhum grande segredo de alcova, como fez o Pedro Nava ao relatar sobre personalidades tidas como inatacáveis. Só registrei aqueles segredos de polichinelo, que toda uma geração de amigos repetia de cor e salteado”, explicou.

Depois da entrevista, ele seguiria viagem para Buenos Aires e depois retornaria a Londres. Mas reconheceu que aquela noite de autógrafos foi uma das emoções mais fortes que teve nas últimas décadas. “Foi muito emocionante porque entendi que era uma despedida, para mim e para muitos dos meus amigos que estavam ali e que talvez eu estivesse encontrando pela última vez”.

Apaixonado desde a juventude tanto pelo canto miúdo e minimalista da Bossa Nova de João Gilberto quanto pelo vozeirão seresteiro de Orlando Silva, Jáder revelou que a noite de autógrafos foi planejada investigando o calendário. Tinha escolhido o primeiro dia útil após o fim do horário de verão. Os ponteiros dos relógios haviam sido atrasados em 60 minutos e quando os amigos chegaram, a cidade começava a escurecer.











Afinal – explicou Jáder de Oliveira, com seu bom-humor característico – não ficaria bem para um velho apaixonado da noite autografar seu livro de estreia sob os efeitos da claridade solar. No capítulo final do livro, intitulado "Campos de aviação, noturnos da Central", as viagens e sua memória afinada com os clássicos da música popular fornecem o argumento que diz muito da experiência de vida do autor, jornalista que adotou desde cedo o destino de cidadão do mundo:

"A Panair inspirou também a música gravada por Milton Nascimento e por Elis Regina que diz 'a primeira Coca-Cola foi, eu me lembro bem agora, nas asas da Panair'. De minha parte, o primeiro suco de tangerina que tomei foi como passageiro de um Constellation, entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. Nenhuma outra companhia me serviu de novo esse suco delicioso".

Depois desta última lembrança, um último parágrafo, de uma só linha: “...o túnel da memória continua infinito”. São as palavras que encerram o livro. No lugar delas também poderiam estar os versos do poeta norte-americano T. S. Eliot (1888-1965), Prêmio Nobel de Literatura de 1948, citados com reverência por Jáder de Oliveira nas primeiras páginas do livro: "O tempo presente e o tempo passado / talvez estejam ambos presentes no tempo futuro".


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. BH na memória. In: Blog Semióticas, 26 de abril de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/04/bh-na-memoria.html (acessado em .../.../...). 



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20 de março de 2012

Fractais em Athos Bulcão






Sendo uma linguagem, a matemática pode
ser usada não apenas para informar, mas
também, entre outras coisas, para seduzir.

–– Benoît Mandelbrot (1924-2010).  


A lógica dos fractais – aqueles objetos ou imagens geométricas gerados por um padrão repetido que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhantes ao objeto original e independentes da escala – é presença constante na natureza. Conhecidos desde a mais remota Antiguidade, os fractais sempre foram referência para matemáticos e artistas célebres, mas o conceito só foi aceito na comunidade científica internacional a partir de 1975, quando o matemático francês Benoît Mandelbrot passou a desenvolver a geometria fractal. Apontado como inventor e primeiro teórico do novo conceito, Mandelbrot tomou a definição de empréstimo ao termo em latim "fractus", que significa "quebrar".

Em outra seara, abaixo da linha do Equador, poeta de formas e cores, esteta e criador de obras que ultrapassam a dimensão decorativa na integração da arte com as mais diversas funções arquitetônicas, o pintor, escultor, desenhista, mosaicista e arquiteto Athos Bulcão (1918-2008) também dedicou esforços ao longo da vida à lógica dos fractais, antecedendo em pelo menos três décadas o conceito que o matemático francês tornaria universal na arte e na ciência. Artista muito à frente de seu tempo, Athos Bulcão e as formas gráficas e perspectivas inconfundíveis por ele criadas, marcos da arquitetura e das artes plásticas, vêm sendo cada vez mais atualizados.

Ele nunca saiu de cena, desde o reconhecimento de seus primeiros trabalhos, ainda na década de 1940. Mas foi recentemente que as formas e cores da arte de Athos Bulcão tomaram de assalto várias frentes ao mesmo tempo: coleções de moda de várias grifes na São Paulo Fashion Week, homenagens e releituras de artistas diversos em exposições no Brasil e em outros países, novos projetos em paisagismo, urbanismo e arquitetura, peças de design de jóias e relógios, objetos utilitários, gravuras e até sapatos, sandálias e chinelos. Athos Bulcão está em todas. 











Fractais em Athos Bulcão: obras e
padronagens personalíssimas do
arquiteto e artista plástico ganham
coleções nas passarelas da moda.
 No alto e abaixo, painel com imagem de
Athos Bulcão trabalhando no ateliê
e em frente à instalação de seus painéis na
Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima,
em Brasília. Acima, coleção de Ronaldo
Fraga em desfile da São Paulo Fashion Week.

Também abaixo, coleções de peças e objetos
industriais que são comercializados pela
Fundação Athos Bulcão







 .  



Arquitetura e Urbanismo



Carioca de nascença e considerado o maior artista a atuar em Brasília desde a fundação do projeto-piloto, parceiro de frente dos projetos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, conviva e amigo fiel de ilustres das mais diversas áreas da cultura brasileira, de Burle Marx e Portinari a Fernando Sabino, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes, entre outros, o gênio de Athos Bulcão recebeu um inventário de peso com a publicação de um catálogo completo sobre as interfaces de seu trabalho em painéis, pisos, azulejaria, fachadas e obras em ateliê.

Em edição bilíngue, inglês e português, com mais de 400 páginas que incluem uma seleção de ensaios especialíssima, pontuada por grafismos e vasta iconografia que explora os suportes trabalhados pela ourivesaria do mestre, o livro produzido pela fundação que tem o nome do artista, criada em 1993, mereceu a honraria máxima no mercado editorial: venceu o Prêmio Jabuti na categoria "Arquitetura e urbanismo, fotografia, comunicação e artes".











Com edição a cargo de Valéria Maria Lopes Cabral, secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, com sede em Brasília, e projeto gráfico inspirado de Paulo Humberto Ludovico de Almeida e Carlo Zuffellato, a publicação sobre o artista reúne em um único volume a imaginária do seu extenso e valioso acervo, incluindo pintura, desenhos, azulejos, instalações, fotomontagens, máscaras, objetos e obras tridimensionais.

Mais que um catálogo, trata-se de um inventário que oferece uma visão abrangente das mais de cinco décadas por ele dedicadas à arte integrada à arquitetura. Textos e imagens narram os momentos marcantes da trajetória artística e pessoal – destacando, de Belo Horizonte a Brasília e daí a outros continentes, cada um dos 101 espaços que receberam intervenção do artista no Brasil e no mundo.


Compositor do espaço


Diversas cidades e capitais do Brasil, França, Itália, Cabo Verde, Argentina... A lista é extensa, mas Brasília reúne o maior conjunto de criações de Athos Bulcão, acessíveis em espaços públicos como Palácio da Alvorada, Congresso Nacional, Palácio Itamaraty, Teatro Nacional, Setor Comercial Sul, Parque da Cidade e Quadra Residencial 308 Sul, entre outros. "Athos Bulcão", o livro, também pode ser considerado um inventário do patrimônio do artista, apresentado em ensaios inéditos e em uma bibliografia selecionada de textos descritivos e analíticos assinados por nomes como Oscar Niemeyer, André Correa do Lago e Paulo Herkenhoff, entre outros críticos e curadores.

A definição de inventário poderia até constar na capa, já que em sua maioria os artigos e as imagens que registram o trabalho de Athos Bulcão estavam dispersos por catálogos de uma centena de exposições individuais e coletivas promovidas no Brasil e no exterior. Na edição, um total de 187 obras são registradas em 235 fotografias. E mesmo quem conhece de longa data algumas obras referenciais do trabalho do artista vai se surpreender com boa parte do acervo que permanecia inédita.















Feliz com o reconhecimento laureado pelo Prêmio Jabuti, Valéria Cabral explica em entrevista por telefone que a publicação em livro do acervo de Athos Bulcão dá continuidade ao trabalho realizado pela fundação – de preservar e divulgar a obra do artista – e que receber o prêmio máximo do mercado editorial foi uma demonstração do valor que as obras-primas de Bulcão representam.

"Fomos muito aplaudidos e elogiados pela imprensa. Deu para perceber que o público gostou muito da escolha do júri do Prêmio Jabuti", destaca Valéria Cabral. "Estamos muito felizes. Ter vencido nesta categoria reforça ainda mais o quanto o nosso trabalho é importante". Além de inventariar o passo a passo dos mais conhecidos projetos de integração com a arquitetura, desenvolvidos de forma pioneira e surpreendente pelo artista, o livro apresenta a permanência de seu legado personalíssimo.






A arte de Athos Bulcão em cenários
religiosos dos cartões-postais de Brasília:
acima, paredes externas da igrejinha de
Nossa Senhora de Fátima. Abaixo,
porta em metal e vidro criada para a
Capela do Palácio da Alvorada.

Também abaixo, Athos Bulcão na entrada
do Teatro Nacional Cláudio Santoro,
uma das construções de Brasília que
integram patrimônio de arte e arquitetura;
Athos com Oscar Niemeyer, com
quem trabalhou durante anos nos
projetos da construção de Brasília; e um
encontro raro de artistas na década de 1980
em Brasília: a vitralista e única mulher na equipe
de criação da Nova Capital, Marianne Peretti;
Athos Bulcão; o escultor Alfredo Ceschiatti;
Oscar Niemeyer; o então presidente da República,
José Sarney, e Roberto Burle Marx, criador
dos projetos de paisagismo para o
Eixo Monumental da Capital Federal







blog Semióticas











No acervo das muitas preciosidades que o livro reproduz estão ainda as obras de ateliê – entre elas, uma sequência de 32 fotomontagens de inspiração surrealista e uma seleta que reúne 26 desenhos, 27 pinturas, 12 máscaras e 15 mini-esculturas, algumas delas batizadas de "bichos" por Athos Bulcão. A edição organizada por Valéria Cabral conta ainda com fotos inéditas, recolhidas dos álbuns do próprio artista e de coleções particulares.



Técnicas e suportes



Além das reproduções e listagem das obras, também há espaço para a intimidade do ateliê e da vida pessoal, incluindo aí uma série comovente de 31 imagens do artista trabalhando em primeiro plano, em diversas épocas, entre amigos e com a família. Apresentado em sua extensão e diversidade, o acervo de Athos Bulcão revela sua abrangência tanto na arquitetura como em outros domínios insuspeitados.

Reunida pela primeira vez em um conjunto organizado, a trajetória histórica do artista deixa em relevo técnicas, temas e materiais de suporte. A obra surpreendente acena em dimensões de grande arte, resultado de cada elaboração sofisticada e testemunho das relações humanas que fazem uso em primeiro lugar da arquitetura – como destaca o foco analítico de Paulo Sérgio Duarte em "Sentido e Urbanidade", ensaio que abre a edição.










Fractais em Athos Bulcão: acima, detalhes
da fachada do Edifício Niemeyer (1960)
na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte.

 Abaixo, detalhes dos painéis da Igrejinha
de Nossa Senhora de Fátima e
painéis de azulejos instalados no
Aeroporto Internacional de Brasília













blog Semióticas


.


"As mais presentes e disseminadas obras de Athos Bulcão aplicadas à arquitetura são os relevos em interiores e os murais de azulejos em painéis e fachadas", defende Duarte, lembrando que tais obras representam um acervo disperso em Brasília, cidade escolhida pelo artista para viver, em BH e no Rio de Janeiro, Salvador, Aracaju, Recife, Natal, Teresina, São Paulo, Cuiabá e em Milão, na Itália, ou em várias outras cidades da Europa e do mundo.


Mestre visionário


Outro especialista que assina um dos ensaios, André Correa do Lago destaca a presença das artes plásticas na arquitetura e os movimentos de cores e motivos fractais que acentuam ritmos e contrastes em fachadas, projetos e obras monumentais. "Ele insere-se numa ampla lista de artistas que realizaram obras para projetos arquitetônicos de prestígio e marcou obras-chave do movimento moderno brasileiro", destaca.

Na abordagem de Lago, o lugar da arte nas criações e intervenções de Athos Bulcão supera qualquer reducionismo que pretenda enquadrá-lo nos limites da demanda funcional que está nas interfaces de seu trabalho. Athos, de acordo com a avaliação de Lago, faz parte, sobretudo, de um pequeno grupo de artistas que chegaram a contribuir de tal forma para o aspecto final de edifícios que acabaram sendo tão decisivos para o resultado quanto os próprios arquitetos.














Autodidata e aprendiz de Burle Marx, Cândido Portinari e Oscar Niemeyer, Athos Bulcão metamorfoseou pinturas, máscaras, gravuras, desenhos. Aos 20 anos, tomou a decisão radical de abandonar o curso de Medicina para se dedicar à pintura. A partir daí, cada vez mais cultivou a amizade com poetas, músicos e artistas plásticos. Uma primeira grande reviravolta aconteceu depois de 1945: terminada a Segunda Guerra, Athos foi morar em Paris, França, onde conquistou uma bolsa de estudos. 

De volta ao Brasil, foi funcionário público no Serviço de Documentação do Ministério da Cultura – cargo que abandonaria em pouco tempo, cada vez mais envolvido com a dedicação à arte. Convidado em 1952 a trabalhar na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), abraçaria com entusiasmo os projetos em arquitetura – área na qual realizaria a maior parte de sua obra e que foi a maior beneficiada por seu talento de artista visionário. O amor à arquitetura é destacado por Athos Bulcão em uma das últimas entrevistas que concedeu, publicada em 1998, no "Jornal de Brasil", e reproduzida entre os anexos reunidos no livro.








Fractais em Athos Bulcão: acima,
painel de azulejos no Brasília Palace
Hotel. Abaixo, painel de cerâmica no 
Instituto Rio Branco, em Brasília,
e Athos Bulcão em fotografia da
época da inauguração de Brasília













Habitante do silêncio



Na entrevista, Athos Bulcão expõe em detalhes seu processo de criação e considera algumas das questões relacionadas à arquitetura de um ponto de vista emblemático. Questionado sobre sua escolha definitiva por Brasília e se o processo de globalização poderia prejudicar sua individualidade criativa de artista, o mestre visionário ironiza e surpreende. 

"Muda muito a orientação, mas acho que não prejudica", avalia, citando suas referências mais marcantes e uma diversidade de casos em que poderia ter se espelhado se não tivesse a determinação e o desprendimento de seu trabalho autoral. "Atualmente fica tudo meio preso àquela máxima inventada pelo Andy Warhol, de que todo mundo quer ter seus 15 minutos de fama. É um pouco isso. Mas quando a coisa é muito boa, ela aguenta em qualquer circunstância". 

 






Obras do ateliê do artista: acima, detalhes
de composição e estudo em guache.
Abaixo, estudo para painel em desenhos
finalizados com lápis de cor e uma
serigrafia produzida em 1980.

Também abaixo, painel de azulejos na
Embaixada do Brasil em Buenos Aires,
na Argentina; Athos Bulcão com os operários
durante as obras do Hospital Sarah Kubitschek,
em Brasília, em 1960; e uma de suas últimas
fotografias, no ano de sua morte, 2008


















A certa altura do texto, Carmem Moretzshon, que realizou a entrevista para o "Jornal do Brasil", define Athos Bulcão como "habitante do silêncio em Brasília". Nada mais acertado: a definição, poética e algo melancólica, localiza das dimensões épicas à minúcia burilada de cada fragmento fractal que o artista deixou nos cartões-postais do Distrito Federal e em tantos outros logradouros em muitas cidades e países.

Nascido no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, o estudante que um dia trocou a medicina pelas artes plásticas e depois pela arquitetura, encontrou seu lugar de permanência quando deixou tudo para seguir com Niemeyer e Lucio Costa para a criação da capital dos sonhos do presidente Juscelino Kubitschek. Uma equipe numerosa de profissionais, contratados em muitas áreas, concebeu o projeto e a instalação da cidade planejada, mas nunca morou nela. Diferente da maioria, Athos Bulcão, "habitante do silêncio", depois que chegou nunca mais deixou Brasília.



por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fractais de Athos Bulcão. In: _____. Blog Semióticas, 20 de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/fractais-em-athos-bulcao.html (acessado em .../.../...).










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