Mostrando postagens com marcador romance. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador romance. Mostrar todas as postagens

30 de maio de 2016

Camões para Raduan Nassar










Rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver
com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando
suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando
sua corrente, estando aberto para o seu fluxo, brindando-o antes
com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira.
Raduan Nassar em “Lavoura Arcaica”.



Foi uma premiação por unanimidade do júri: Raduan Nassar, 80 anos, venceu hoje o Prêmio Camões 2016. O escritor, que é filho de imigrantes libaneses e nasceu na cidade paulista de Pindorama, é o 12° brasileiro a receber o prêmio – considerado a mais importante distinção em literatura concedida a autores de língua portuguesa. A premiação surpreende ainda mais quando se sabe que o vencedor Raduan Nassar já anunciou em 1984 que havia abandonado a literatura, evita entrevistas, recusou convites para participar de eventos internacionais importantes (como a Feira do Livro de Frankfurt de 2013, que teve o Brasil como homenageado), ignorou cerimônias de honrarias oficiais do Ministério da Cultura dos governos de FHC e de Lula, e tem uma trajetória de apenas três livros publicados: os romances “Lavoura Arcaica” (1975) e “Um Copo de Cólera” (1978) e o livro de contos “Menina a Caminho” (1994).

Os três livros alcançaram sucesso a partir do lançamento e receberam as principais premiações do Brasil: “Lavoura Arcaica” recebeu em 1976 o Prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras (categoria Romance), o Prêmio Jabuti (categoria Revelação de Autor) e o Prêmio APCA, da Associação Paulista dos Críticos de Arte (menção honrosa, categoria Revelação de Autor); “Um Copo de Cólera” recebeu o Prêmio APCA na categoria Melhor Ficção em 1978; e “Menina a Caminho” recebeu o Prêmio Jabuti em 1998 na categoria Contos e Cronicas. Os três livros também foram traduzidos a partir da década de 1980 para publicação em inglês, espanhol, alemão, italiano, croata e francês, com o lançamento de "Lavoura Arcaica" e "Um Copo de Cólera" em um só volume, em 1984, pela prestigida Editora Gallimard.

A popularidade de Raduan Nassar aumentou com o sucesso de público e crítica para a adaptação dos livros para o cinema: “Um Copo de Cólera” virou filme em 1999, com direção de Aluizio Abranches e roteiro de Abranches e Flávio Tambellini; “Lavoura Arcaica” teve direção de Luiz Fernando Carvalho em 2001, com roteiro escrito por Carvalho em colaboração com o próprio Raduan Nassar. Um Copo de Cólera”, com o casal de protagonistas vivido por Júlia Lemmertz e Alexandre Borges, recebeu seis indicações, incluindo a de Melhor Filme, no Grande Prêmio Brasil de Cinema Brasileiro no ano 2000. “Lavoura Arcaica”, que tem no elenco da saga familiar Selton Mello, Raul Cortez, Juliana Carneiro da Cunha e Simone Spoladore, entre outros, foi premiado na Mostra de Cinema de São Paulo e nos festivais de Brasília, Montreal, Cartagena, Havana, Buenos Aires e Guadalajara, vencendo também o Grande Prêmio Brasil de Cinema Brasileiro do ano 2002 nas categorias de Melhor Atriz (Juliana Carneiro da Cunha) e Melhor Fotografia.












Camões para Raduan Nassar: no alto
e acima, o escritor durante o encontro
com a presidenta Dilma Rousseff e
lideranças de movimentos populares na
resistência contra o golpe de estado,
no dia 31 de março de 2016, no
Palácio do Planalto, em Brasília,
fotografado por Antonio Cruz. Também
acima, Raduan recebe o ex-presidente
Lula e Eduardo Suplicy no campus da
Universidade Federal de São Carlos,
UFSCar, em fotos de Ricardo Stuckert.
Em 2011 Raduan doou sua fazenda no
interior de São Paulo ao governo federal,
que vinculou a doação à UFSCar para
a implantação de um campus com
ênfase na agricultura sustentável.
Abaixo, Raduan em seu apartamento
em São Paulo, na Vila Madalena,
fotografado por Eduardo Knapp
e as capas originais de seus livros



                      
 




 





Força poética da prosa



Antes de ser anunciado como vencedor do Prêmio Camões 2016, Raduan Nassar também foi notícia recentemente como um dos finalistas do Prêmio Man Booker Internacional – que em maio anunciou como vencedora a escritora sul-coreana Han Kang. No informe que anunciou o vencedor, o júri e a organização do 28º Prêmio Camões justificam a escolha pela “extraordinária qualidade da linguagem” e “força poética da prosa” de Raduan Nassar, comparando o escritor a nomes consagrados da literatura brasileira como Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

O informe do júri também declara que “através da ficção o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos dificilmente acessíveis a outros modos do discurso” – acrescentando que “muitas vezes essa revelação é agreste e incômoda, e não é raro que aborde temas considerados tabu”.






Camões para Raduan Nassar: acima,
Júlia Lemmertz e Alexandre Borges em
cena de Um Copo de Cólera, filme
de 1999 com direção de Aluizio
Abranches. Abaixo, Juliana Cordeiro
da Cunha e Selton Mello em
Lavoura Arcaica, filme de 2001
dirigido por Luiz Fernando Carvalho








O burburinho em jogo na revelação “agreste e incômoda”, que o júri do Prêmio Camões ressalta na literatura de Raduan Nassar, também se expressa em sua trajetória autobiográfica de projetos interrompidos e de alguns cursos superiores não concluídos. Depois de publicar os dois romances, o escritor decidiu pelo silêncio em relação às propostas de noites de autógrafos, debates, assédio da imprensa. Jamais admitiu autografar suas obras em festas de lançamento e, a partir de meados da década de 1980, passou a viver recluso em sua fazenda na região de Buri, interior de São Paulo.



Inconstante e fascinante



Somente recentemente Raduan Nassar rompeu esse isolamento e começou a aparecer em público, mas sempre com escassas palavras. Em 2014, às vésperas da eleição presidencial, declarou seu apoio à candidatura de Dilma Rousseff (PT) e condenou o apoio da família de Miguel Arraes e de Eduardo Campos à candidatura Aécio Neves (PSDB). Antes, em 2012, havia doado a fazenda Lago do Sino, propriedade de sua família com 643 hectares em Buri, para que o governo Dilma instalasse um campus da Universidade Federal de São Carlos, inaugurado em março de 2014. Outra exceção foi em 31 de março de 2016, quando causou alvoroço ao surgir em um evento no Palácio do Planalto para discursar a favor da presidenta Dilma, contra o golpe que estava sendo armado e em defesa da Democracia.

Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje, sem pudor, como detentores da ética, mas serão execrados amanhã”, afirmou, em discurso transmitido ao vivo pela Internet, diante da presidenta e da plateia de artistas e lideranças culturais, sob aplausos incondicionais. Mesmo que a literatura de Raduan Nassar seja, há décadas, aclamada de forma francamente consensual, esta sua recente intervenção em defesa de Dilma e pela Democracia no Brasil traz à sua escolha para o Prêmio Camões uma inevitável dimensão política de repercussão internacional.






Camões para Raduan Nassar:
acima e abaixo, o escritor em
novembro de 2015 fotografado
por Eduardo Simões













Abandonei o curso científico e pulei para o clássico, abandonei um curso de letras na universidade, o curso de direito no último ano, a empresa familiar assim que meu pai faleceu”, declarou Raduan Nassar em uma das raras entrevistas, publicada em julho de 2012 pela Revista Piauí. “Abandonei ainda uma criação de coelhos, o jornalismo e outras coisas mais. Tudo somado, só levei a pecha de inconstante. Por que só quando abandonei a literatura eu teria me transformado em personagem fascinante?”

Em outra rara entrevista, publicada em novembro de 2015 pelo Blog do IMS – Instituto Moreira Salles, que também dedicou a Raduan Nassar, em setembro de 1996, uma edição completa em livro do inventário de fortuna crítica “Cadernos de Literatura Brasileira” – o escritor retorna à mesma dúvida que paira sobre muitos de seus leitores. Quando a equipe do IMS pergunta sobre o que o levou a dedicar-se inteiramente à literatura numa época, renunciando a tudo em nome dela, e depois parar de escrever, Raduan Nassar responde: “Foi a paixão pela literatura, que certamente tem a ver com uma história pessoal. Como começa essa paixão e por que acaba, não sei.”











A resposta para a questão formulada pelo próprio escritor supõe complexidades e complexidades, por certo intangíveis – conforme apontam as reflexões que o crítico literário José Castello também apresenta sobre Raduan Nassar e sua obra bissexta no ensaio “Atrás da Máscara”, publicado por Castello no livro “Inventário das Sombras” (Editora Record, 1999). Castello compara o escritor ao lendário Arthur Rimbaud, que abandonou no auge e muito jovem Paris e as glórias da literatura para viver do tráfico de escravos e de armas no continente africano.

Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura (...). O sucesso de seus dois primeiros livros”, argumenta Castello, “parece ter excedido em muito aquilo que Raduan esperava de si, e, ultrapassado pela própria obra, ele tomou a decisão de recuar. O sucesso, em seu caso, tornou-se uma carga: ele é aquele que não suporta vencer e, assim que a vitória se configura, precisa fracassar para se tornar menos infeliz.”



Densidade acima da extensão



O informe apresentado pelo júri do Prêmio Camões 2016 também destaca que a literatura de Raduan Nassar trabalha o idioma de forma olímpica e poética ao tratar das relações familiares e dos afetos e ao recontar, de forma sutil, a trajetória da imigração e a tensão (social, cultural, emocional) entre o campo e a cidade, através de recursos como “o uso rigoroso de uma linguagem cuja plasticidade se imprime em diferentes registros discursivos verificáveis numa obra que privilegia a densidade acima da extensão”.












Brasil e Portugal estavam empatados com 11 vitórias no Prêmio Camões. Raduan Nassar trouxe o desempate como 12º brasileiro a vencer, depois de João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antonio Candido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008), Ferreira Gullar (2010), Dalton Trevisan (2013) e Alberto da Costa e Silva (2014). Também venceram a premiação, entre outros, os portuguêses José Saramago (1995), Miguel Torga (1989) e Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), e os escritores moçambicanos Mia Couto (2013) e José Craveirinha (1991).

Raduan Nassar receberá um total de 100 mil euros (R$ 398,8 mil) com o Prêmio Camões, distinção que é entregue desde 1989 pelos governos de Portugal e do Brasil a autores que tenham contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. O júri da edição 2016 do prêmio foi formado por Paula Morão, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Portugal); Pedro Mexia, escritor (Portugal); Flora Sussekind, escritora e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Brasil); Sérgio Alcides do Amaral, escritor e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil); Lourenço do Rosário, professor e Reitor da Universidade Politécnica de Maputo (Moçambique); e Inocência Mata, professora universitária da Faculdade de Letras de Lisboa e da Universidade de Macau (São Tomé e Príncipe).



por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Camões para Raduan Nassar. In: Blog Semióticas, 30 de maio de 2016. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2016/05/camoes-para-raduan-nassar.html (acessado em .../.../...).







Para ler a entrevista de Raduan Nassar ao Blog do IMS,  clique aqui.


 













Ábum de Família: Raduan Nassar (o terceiro na primeira fila,
a partir da esquerda) em um baile de Carnaval na década de 1940
em sua cidade-natal, Pindorama, no interior de São Paulo





13 de fevereiro de 2014

Mistérios de Clarice





Que ninguém se engane: só se consegue
simplicidade através de muito trabalho.
 –– Clarice Lispector....   


Idolatrada como mística por uma legião de leitores, Clarice Lispector e sua densa personalidade rivalizam com Machado de Assis na classificação entre os autores brasileiros mais lidos no exterior – mas nos últimos tempos ela conquistou mais uma vantagem, com novas edições, seguidas de muitas resenhas e críticas, pontuadas de altos elogios, na imprensa internacional, para a publicação de seus livros em inglês pela Penguin Classics e pela editora New Directions, incluindo a biografia escrita por Benjamin Moser, “Why This World – A Biography of Clarice Lispector”, publicada no Brasil pela Cosac Naify, com o título “Clarice,” (lê-se Clarice vírgula) e tradução de José Geraldo Couto.

Considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século 20 – para muitos, a principal – Clarice nasceu no exterior, na cidade de Tchetchelnik, Ucrânia, no dia 10 de dezembro, e foi registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector. O nome Clarice foi adotado em 1922, quando a família de imigrantes chegou ao Brasil e foi morar no Recife, capital de Pernambuco. Contudo, como ela mesmo sempre fez questão de declarar em entrevistas, a Ucrânia foi uma terra em que nunca pisou, pois chegou ao Brasil quando tinha um ano e dois meses de idade. Nascida enquanto seus pais percorriam várias aldeias, para fugir da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1920, ela foi a terceira filha do comerciante judeu Pinkouss Lispector e de Mania Krimgold Lispector.

Antes do livro de Benjamin Moser, Clarice teve outras biografias escritas por pesquisadoras de sua obra. A primeira, "Clarice – Uma vida que se conta", de Nádia Battella Gotlib, foi publicada em 1995 (Editora Ática) e equaciona vida e obra da biografada. A segunda, "Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector", de Teresa Montero, foi publicada em 1999 (Editora Rocco) e reúne 88 depoimentos. Nádia Gotlib também publicou pela Editora da Universidade de São Paulo, em 2009, "Clarice – Fotobiografia", que registra a partir de uma seleção de imagens os momentos mais marcantes da vida e obra da escritora.

Entre os estudos biográficos, houve também, em 2012, a publicação de "Retratos antigos", de Elisa Lispector (organizado por Nádia Gotlib), pela Editora UFMG. Benjamin Moser retoma informações das biografias anteriormente publicadas e descreve a trajetória das muitas viagens de Clarice: da Ucrânia para Maceió e Recife, no Nordeste do Brasil; dali para o Rio de Janeiro, quando completou 15 anos; nas viagens a trabalho, como jornalista; para o exterior, acompanhando o marido no serviço diplomático; e depois o fim do casamento e a volta ao Rio de Janeiro.

Em 1939, Clarice começou a estudar na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil (atualmente, Universidade Federal do Rio de Janeiro). Seu primeiro conto conhecido, "Triunfo", foi publicado na revista "Pan" em 1940. "Perto do Coração Selvagem", seu romance de estreia, foi publicado em 1943 – mesmo ano de sua formatura e de seu casamento com o colega de turma Maury Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos, Pedro e Paulo. Do Rio de Janeiro partiu para viver em Belém, no Pará, e mais 15 anos no exterior com o marido, aprovado em concurso do Ministério das Relações Exteriores e transferido para a Itália, depois Inglaterra, Estados Unidos, Suíça e outros países. De volta ao Brasil, em 1959, Clarice fixou residência em um apartamento no bairro do Leme, no Rio de Janeiro, onde viveu até sua morte em 1977. 












 
 



Mistérios de Clarice: no alto, a escritora em
seu apartamento no Leme, no Rio de Janeiro,
em 1969. Acima, Clarice no grafite de
Bete Nobrega instalado em frente ao prédio
da Pinacoteca de São Paulo em 2006; e na
infância, quando morava com a família no
Recife. Também acima, duas fotografias do
álbum de família: na primeira, do passaporte
familiar expedido pelo Consulado da Rússia
em Bucareste (Romênia), em janeiro de 1922,
estão casal Pinkas e Márian com as
três filhas: Leia (Elisa), Tania e Haia (Clarice);
na segunda, da esquerda para a direita, no
sentido anti-horário, a mãe; Clarice; o pai;
e, de pé, suas irmãs Tania e Elisa.

Abaixo, Clarice em desenhos, retratada
por Dimitri Ismailovitch em 1974; por
Ribeiro Couto, durante sua temporada em
Lisboa, em 1944; por Alfredo Ceschiatti,
durante a temporada em Paris, em 1947;
e Clarice em família, com os dois filhos,
Pedro e Paulo, e o marido Maury Gurgel















 
 
Literatura no Leme



Com o fim do casamento, Clarice retornaria ao Rio de Janeiro em 1959 para morar com os filhos no bairro do Leme, na zona sul do Rio de Janeiro, onde escreveu seus romances, contos, crônicas, traduções e textos de literatura infantil. Morreu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos, mas não pôde ser enterrada no dia seguinte, que seria um “shabat”, dia de descanso semanal no calendário judaico. O enterro aconteceria em 11 de dezembro, uma segunda-feira, no Cemitério Israelita do Caju, Rio de Janeiro, com as inscrições em hebraico: “Chaya bat Pinkhas Chaya filha de Pinkhas” – referência ao primeiro nome que a família lhe deu: Chaya Pinkhasovna Lispector.

Ainda em vida e mais ainda depois da morte, o prestígio e o alcance de sua literatura entrariam em curva ascendente. Há décadas ela é traduzida em vários idiomas e apontada em países da Europa como um dos grandes nomes da literatura do século 20, mas nos EUA sua obra permanecia restrita aos círculos acadêmicos. A nova investida dos livros de Clarice na América começou com as estratégias de marketing do lançamento da biografia escrita por Moser e com uma nova safra da publicação de seus romances.









Sob coordenação editorial de Benjamin Moser, já foram publicados em inglês “A Hora da Estrela”, “Perto do Coração Selvagem”, “Água Viva”, “A Paixão Segundo G. H.” e “Um Sopro de Vida”, respectivamente com os títulos “The Hour of the Star” (com tradução do próprio Moser e apresentação de Colm Tóibín), “Near to the Wild Heart” (tradução de Alison Entrekin), “Água Viva” (idem, tradução de Stefan Tobler), “The Passion According to GH” (tradução de Idra Novey) e “A Breath of Life” (tradução de Johnny Lorenz).



A Grande Bruxa



Os lançamentos de Clarice Lispector em inglês repercutiram na imprensa internacional, com destaque surpreendente nos mais prestigiados jornais e revistas dos EUA e do Reino Unido, “The New York Times”, “Los Angeles Times”, “The New Yorker”, “The Guardian”, “The Independent”, The Huffington Post” e outros veículos impressos e on-line, além de matérias de capa e resenhas assinadas por autores em evidência nas principais revistas especializadas em literatura, incluindo “BookForum” e “Paris Review”.





          
 



Clarice, fotografada por Maureen Bisilliat,
na capa da edição do mês da BookForum,
e em matéria de destaque na Paris Review
No alto, a jovem Clarice em fotografia do
álbum de família e no retrato formado pelas
capas de quatro romances editados em inglês.

Abaixo: 1) Clarice em 1953, na época que
viveu em Washington D.C., Estados Unidos,
com o marido, Mauri Gurgel, funcionário do
serviço diplomático; 2) no retrato fotografado
em 1969 por Maureen Bisilliat; 3) Clarice
em uma de suas última imagens no ano de
sua morte, em 1977; 4) Clarice aos 19 anos,
em 1939, quando ingressou na Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro; 5) com Tom Jobim na noite de
autógrafos do livro A maçã no escurono
Rio de Janeiro, em 1961, fotografados
para o jornal Correio da Manhã; e 6) Clarice
e Carolina de Jesus em agosto de 1960, quando
Clarice lançava "Laços de Família", após longa
temporada no exterior, e Carolina lançava
"Quarto de Despejo", diário que escreveu
na favela do Canindé, em São Paulo.

Também abaixo, Clarice em um retrato
pintado em 1972 por seu amigo Carlos Scliar;
em retrato pintado em Roma, em 1945, por
Giorgio de Chirico; e em 1965, em foto no
Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro,
com a equipe da primeira montagem feita
para teatro de seu romance de estreia,
Perto do Coração Selvagemna noite
da estreia do espetáculo (na foto,
a partir da esquerda, Fauzi Arap,
José Wilker, Glauce Rocha,
Clarice e Dirce Migliaccio)








.











  





São elogios e mais elogios, além de uma sequência de classificações repetidas que já se tornaram lugar comum nas referências que os leitores de Clarice conhecem de longa data: “a grande bruxa da literatura brasileira”, “um Kafka do sexo feminino”, “uma autora para a mesma estante de Joyce, Borges, Cortázar”, “a mulher mais importante da literatura em Língua Portuguesa”.

Entre as resenhas de peso, Nicholas Shakespeare, editor do “The Telegraph”, cita a frase de um antigo tradutor de Clarice, Gregory Rabassa, que comparava a autora brasileira a Marlene Dietrich (no traço físico) e a Virginia Woolf (no traço estilístico). No “The New York Times”, ela mereceu um caderno especial com reportagens e ensaios de especialistas – todos destacando qualidades e unânimes em elogios, definindo Clarice como “a principal escritora latino-americana de prosa do século 20”.
















Verdadeiramente notável”



Os livros de Clarice Lispector chegaram às livrarias em novas traduções para o inglês com um projeto gráfico sedutor: juntas, as capas reproduzem uma foto de Clarice jovem. Nas contracapas, frases marcantes da escritora e elogios de personalidades da crítica literária reconhecidas como autoridades, tais como Jonathan Franzen (“uma escritora verdadeiramente notável”), Orhan Pamuk (“uma das mais misteriosas autoras do século 20”) e Colm Toíbín (“um dos gênios ocultos do último século”).

No Brasil, a editora Rocco, que detém os direitos sobre a obra de Clarice, também anuncia lançamentos e relançamentos – entre eles, as primeiras edições em livro de crônicas e textos diversos que a escritora publicou em jornais e revistas, além de seus livros infanto-juvenis, que há muito tempo estavam fora de catálogo. Desta série de lançamentos, já chegaram às livrarias "A Vida Íntima de Laura", ilustrado por Odilon Moraes, e "A Mulher Que Matou os Peixes", com ilustrações de Renato Moriconi. 
















Benjamin Moser, biógrafo de Clarice:
"A proximidade só a torna mais espetacular".
No alto, Clarice em seu apartamento no
Leme, no Rio de Janeiro, em 1961. Acima,
em 1964, em uma célebre entrevista publicada
pelo jornal O Globo em que ela declarou:
"Toda minha obra é um grande equívoco".

Abaixo, Clarice no Natal de 1975; e uma de
suas pinturas. Sob a influência do amigo
Augusto Rodrigo, criador da Escolinha de Arte
do Brasil (EAB), Clarice fez 24 pinturas em óleo,
a maioria sobre madeira, com cores fortes e
formas abstratas – entre elas “Esperança”, pintada
em 1975 sobre compensado no formato
30,2cm por 39,7cm. Também abaixo, dois
retratos de Clarice em casa, em 1961,
um com sua inseparável máquina de escrever
portátil, fotografada por Claudia Andujar






   

 


À frente da redescoberta de Clarice no exterior, Benjamin Moser atribui o sucesso a ocorrências do acaso. Nascido em Huston (EUA), em 1976, ele diz que se apaixonou pela escritora depois de ler “A Hora da Estrela” durante um curso universitário sobre literatura brasileira nos Estados Unidos e, quando soube que Clarice seria homenageada pela Festa Literária Internacional de Paraty, em 2005, veio ao Brasil para acompanhar o evento. Em seguida, começou o projeto de pesquisa para escrever a biografia.



Um amor incondicional



Eu nunca tinha ouvido falar de Clarice”, declarou Moser, na entrevista sobre a edição nacional da biografia. “Quando li 'A hora da estrela' no curso de literatura brasileira, fiquei impressionadíssimo. Ainda estou. Logo na primeira página, pensei: essa é uma grande escritora. Depois viajei pela América do Sul de ônibus, do Rio de Janeiro a Buenos Aires, voltando pelo Paraguai. Diante de mim, o tango, Iguaçu, o Pão de Açúcar e tudo mais, e realmente a única coisa de que me lembro foi 'A paixão segundo G. H.', que comprei em Florianópolis. Perto daquele livro, nada mais podia me impressionar”. 







 

Para Benjamin Moser, Clarice Lispector tornou-se um amor incondicional. Segundo ele, a coisa mais perigosa em escrever uma biografia é o risco do biógrafo, pelo excesso de pesquisa e informação, passar a detestar o biografado – mas sua dedicação trilhou outros caminhos. “Depois de anos de estudos, pesquisas e escrita, a amo e respeito ainda mais. A proximidade só a torna mais espetacular, sobretudo agora, que entendo muito melhor os desafios humanos que ela enfrentou para se tornar uma entre os maiores escritores do século 20, não somente do Brasil, mas do mundo”.

Além das novas traduções para o inglês, previstas para os próximos meses, Clarice também deve chegar ao cinema, com um longa que já está em fase de pré-produção, baseado na biografia escrita por Moser. Vale lembrar que, no cinema, a literatura de Clarice gerou pelo menos uma obra-prima: “A Hora da Estrela”, dirigido por Suzana Amaral em 1985, com roteiro de Alfredo Oros – filme premiado em festivais no Brasil e no exterior, incluindo o Festival de Berlim, com prêmio da crítica para Suzana Amaral, indicação ao Urso de Ouro e vencedor do Urso de Prata de melhor atriz para Marcélia Cartaxo como Macabéa, a protagonista.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Mistérios de Clarice. In: Blog Semióticas, 13 de fevereiro de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/02/misterios-de-clarice.html (acessado em .../.../...).



Para acessar a edição da “BookForum” sobre Clarice Lispector, clique aqui.


Para acessar o ensaio de Colm Tóbín no “The Guardian”, clique aqui.


Para comprar a biografia "Clarice", escrita por Benjamin Moser,  clique aqui.















Outras páginas de Semióticas