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8 de novembro de 2011

Momo do Brasil








Enquanto a única coisa da qual o homem universal terá certeza é  
morte, a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.  

–– Graciliano Ramos (1892-1953).    



O Carnaval do Brasil encontrou na arte da fotógrafa Catherine Krulik registros que alcançam uma síntese da variedade e da beleza que a maior das festas nacionais representam. A aproximação da fotógrafa com o Carnaval das ruas do Brasil surgiu de uma série de coincidências. Ela é o que se pode chamar de cidadã do mundo. Nasceu em Paris, na década de 1960, foi estudar em Madri na década seguinte e depois seguiu para a Inglaterra, para se dedicar à fotografia. Nos anos 1980, em Londres, conviveu com gente do mundo inteiro e conquistou grandes amigos na comunidade local de brasileiros.

Do Brasil, naquela época, Catherine confessa que conhecia apenas Carmen Miranda. Com os brasileiros, aprendeu a falar português e começou a se interessar pelas histórias que ouvia sobre o Carnaval. Em 1992, veio de mudança para o Brasil. Objetivo: trabalhar como fotógrafa. Desde então, Catherine vem publicando fotografias em jornais e revistas brasileiras e do exterior, além de participar de importantes festivais de fotografia e de diversas exposições individuais e coletivas na Inglaterra, na França e no Brasil. 


















Conheci Catherine Krulik na década de 1990, em Ouro Preto. Eu fazia cobertura do Carnaval para um jornal de Belo Horizonte e ela para um jornal de São Paulo. Agora, duas décadas depois, recebo o belíssimo livro com uma seleção de fotografias de Catherine Krulik, que depois da temporada em Ouro Preto continuou por anos e anos na estrada, registrando a variedade da festa em outras cidades e estados do país inteiro. Trata-se de uma amostra sofisticada do trabalho da fotojornalista na verdade, mais que um livro, é um álbum de fotografias em edição de luxo, endereçado a fãs da fotografia e do Carnaval no Brasil e no exterior.

"Carnavais do Brasil", lançamento da Grão Editora, além da seleção de fotos dos reinados de Momo de Norte a Sul do Brasil, traz breves e precisos textos em português, francês e inglês. "Comecei a fotografar o Carnaval brasileiro naquele ano de 1995, quando fui pela primeira vez para a belíssima cidade de Ouro Preto", explica Catherine na entrevista por telefone, de Fortaleza, no Ceará, onde mora atualmente.

"Você sabe que aquela viagem a uma das cidades mais antigas de Minas Gerais e do Brasil também foi meu primeiro Carnaval ao vivo e a primeira impressão que tive foi algo fulminante", recorda Catherine, lembrando a surpresa que foi descobrir a energia e a criatividade dos foliões brasileiros e também a beleza dos cenários barrocos das mais antigas cidades de Minas Gerais. "Fiquei imediatamente fascinada, porque tudo o que encontrei, naquela bela cidade que é Ouro Preto, era autêntico, espontâneo, tanto a cidade quanto a música e as pessoas, tudo tinha aquela ironia tão típica dos brasileiros, tudo com muito bom humor, da gente mais simples nas ruas à folia dos estudantes e dos turistas."















Inventário brasileiro



Catherine Krulik destaca que foi lá, nas ladeiras de Ouro Preto, cumprindo pautas de trabalho como repórter fotográfica para o jornal "Folha de S. Paulo", que surgiu a ideia de um projeto mais amplo: fazer um inventário de imagens de Norte a Sul sobre os mais diversos tipos da mais brasileira das festas populares. Quando ela soube que o Carnaval tinha características muito diferentes em cada região do Brasil, o projeto tomou outra dimensão.

"Na verdade, o primeiro Carnaval que passei no Brasil foi em 1992, mas aquela experiência em Ouro Preto foi diferente porque foi real, sem filtros, ao vivo", explica Catherine, pelo telefone. "Em 1992 eu estava no Rio de Janeiro, que tem aquela energia carnavalesca que todo mundo conhece. Mas naquele meu primeiro ano no Brasil, por uma série de motivos, só pude acompanhar o Carnaval pela televisão, que não é nunca a mesma coisa de você estar ao vivo na experiência, ali, presente, no meio do povo". 














"Carnavais do Brasil", o livro de Catherine Krulik, reúne um total de 152 imagens belas e impressionantes, de uma diversidade de tirar o fôlego. Ela explica que a edição final foi um trabalho árduo, selecionando apenas uma pequena amostra de um arquivo de milhares de fotos produzidas sempre em viagens durante a época do Carnaval, de Norte a Sul do Brasil, desde aquela primeira experiência nos cenários barrocos de Ouro Preto.

"Eu fui para Olinda e Recife a trabalho, para cobrir a festa, em 1997. Foi lá que meu projeto tomou fôlego e tiveram início os primeiros passos para que eu pudesse colocar em prática a ideia ambiciosa de produzir um livro exclusivamente sobre o Carnaval brasileiro e também uma grande exposição com as fotografias. Foi lá em Olinda e Recife que tudo isso começou finalmente a deixar de ser apenas um projeto vagamente pensado e foi ganhando forma", lembra Catherine.

Ela também faz questão de destacar, entre tantas belas imagens, que a diversidade é o que mais a impressiona no Carnaval brasileiro e em toda a cultura popular que encontrou e encontra nas viagens pelo Brasil. "As únicas coisas que a festa do Carnaval tem em comum, em cada canto do Brasil, é essa reunião de alegria, de cores, de música. É sempre um espetáculo lindo, sempre diferente, que impressiona a gente e faz cair o queixo", completa. 










































Foliões inusitados


A capital pernambucana, tida como um dos cenários mais importantes das folias de Momo em território nacional, foi o cenário escolhido por Catherine Krulik para lançar seu "Carnavais do Brasil". Recife e Olinda, com suas tradições carnavalescas, surgem em destaque no livro, assim como os outros palcos principais da festa – do Rio de Janeiro a Salvador, de São Paulo a São Luís do Maranhão, entre outros roteiros, passando por escolas de samba, blocos, desfiles tradicionais e bailes com personagens anônimos e coloridos.

No livro, belíssimas imagens que nunca se repetem retratam os cenários e os foliões inusitados, misturados nas multidões das metrópoles, ou isolados, em personagens anônimas de pequenos lugarejos sumidos no mapa. "Nunca consegui saber qual a porcentagem da população de tantos milhões de pessoas que participa ativamente do Carnaval brasileiro", ela diz. "Mas basta ir às ruas nesse período para constatar as multidões e entender que as festas contagiam quase a totalidade, ou pelo menos a maioria, do povo do Brasil".



















Durante a entrevista pelo telefone, Catherine Krulik enumera as fotos do livro que têm, para ela, maior valor afetivo. "O impacto maior que tive foi em Ouro Preto, em 1995. O que no fundo é uma falha do meu livro, porque acabei não incluindo imagens de Minas, nem de Ouro Preto nem de Diamantina, que ficaram lindas e estão no começo de tudo. Esqueci delas, mas foi por um engano. Agora a publicação daquelas fotografias de Minas Gerais ficou adiada para um próximo projeto", reconhece.

"Mas não posso desprezar também a emoção que tive no Sambódromo, quando estive lá pela primeira vez, em 1997. Também foi uma experiência muito forte, bastante diferente da impressão que a gente tem quando assiste aos desfiles transmitidos pela televisão. Tanto que a partir dali não parei mais", recorda. Em 1998, Catherine retornou ao Rio de Janeiro em fevereiro para registrar os desfiles das escolas do grupo especial, já com o aprendizado depois da surpresa da primeira experiência. Muitas das fotografias daquela cobertura estão reunidas no livro e nas imagens que ilustram esta página. 













Muito além do Rio de Janeiro



Depois da experiência no Sambódromo, Catherine Krulik seguiu adiante com o projeto acalentado e, durante 12 anos, teve dedicação especial para registrar os mais variados e inusitados festejos de Momo no Brasil. Percorreu uma trajetória de viagens pelas mais diversas regiões do Brasil e só concluiu o projeto em 2010, fotografando os desfiles da folia paulistana. "O que se vende do Carnaval do Brasil para o exterior e aqui, pela TV, é principalmente o espetáculo das escolas de samba do Rio e, mais recentemente, de São Paulo. Mas o Carnaval dos brasileiros vai muito, muito além dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro”, destaca.

Nada é igual no Brasil de um estado para o outro, de uma cidade para outra", defende a fotógrafa, lembrando que assim como são diferentes entre si os carnavais de Veneza, de Nice e de Nova Orleans, entre outros, no Brasil o Carnaval tem variações quase infinitas. "Já assisti cenas também muito lindas em carnavais e festas populares em outros países. Mas o Carnaval do Brasil não tem comparação. Muitas vezes são coisas maravilhosas e radicalmente diferentes na mesma cidade ou até no mesmo bairro. Aprendo muito sobre o Carnaval e sobre os brasileiros neste período", destaca Catherine.























"Nada se repete nos carnavais do Brasil. Tudo, nos mínimos detalhes, se reveste de características próprias, de surpresas, segundo o lugar em que ocorre a festa. Nas cidades menores é a celebração quase ingênua dos batuques e dos blocos na rua. Nas capitais e nos grandes centros são as multidões que impressionam. Mas seja no interior mais isolado, seja na cidade grande, tudo é muito lindo, como tentei demonstrar nesta seleção de 152 imagens fotográficas que foram transportadas para o livro", completa. A promessa de traduzir a festa em imagens belíssimas o livro de Catherine Krulik cumpre à risca, com os acréscimos de um ou outro enigma colorido na variedade que surpreende e encanta.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Momo do Brasil. In: Blog Semióticas, 8 de novembro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/11/momo-do-brasil.html (acessado em .../.../...).


Para comprar o livro de Catherine Krulik, Carnavais do Brasil,  clique aqui.











14 de agosto de 2011

Onde moram os anjos








Os que viajam pelo oceano afora








mudam de céu, mas não de alma.













Quintus Horatius Flaccus (65 a.C. – 8 a.C.).


O que pode uma casinha tão simples e colorida? A pergunta há décadas intriga a fotógrafa e artista plástica Anna Mariani, que viajou pelo sertão fotografando e organizando as cenas que parecem saídas da ficção. Nascida em 1935 no Rio de Janeiro, passou a infância em Salvador e mais tarde estudou fotografia com Claude Kubrusly, Cristiano Mascaro e Maureen Bisilliat. Em 1969, começou a registrar o Recôncavo Baiano usando apenas filme em preto e branco e, uma década depois, em 1976, passou a fotografar em cores as fachadas e detalhes da arquitetura de habitações populares do sertão nordestino.

O primeiro livro com suas fotografias, "Pinturas e Platibandas", foi originalmente publicado em 1987, logo após a participação de impacto da artista plástica e fotógrafa na 19ª Bienal Internacional de São Paulo, com comentários assinados pelo escritor Ariano Suassuna e pela arquiteta Lina Bo Bardi. Aclamadas como grande arte no Brasil e no exterior, as fotografias de fachadas de pequenas casas de lugarejos do Nordeste brasileiro, sempre retratadas em ângulo frontal, sem a presença de pessoas e com enquadramento que com frequência exclui toda a paisagem ao redor, retornam às livrarias em nova edição do Instituto Moreira Salles para "Pinturas e Platibandas", revista e ampliada pela autora.
















Com belos textos, tão breves como inspirados, de Ariano Suassuna, de Caetano Veloso e do pensador francês Jean Baudrillard, as imagens registradas por Anna Mariani correram o mundo depois da Bienal de São Paulo. Desde 1987, a série de fotografias ganhou exposições de destaque na França, Alemanha e outros países, retornando agora às livrarias e a uma mostra no Centro Cultural do IMS em São Paulo, que depois segue para as sedes do IMS em outras cidades e nas capitais. 




Sete estados do Nordeste

 


A mostra do trabalho de Anna Mariani, com curadoria do crítico de arte Rodrigo Naves, reúne uma seleção de 24 imagens de fachadas multicoloridas - enquanto o livro reúne 200 das cerca de 2 mil imagens feitas pela fotógrafa de 1976 a 1995 em sete estados do Nordeste do Brasil: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A trajetória surgiu após uma viagem da fotógrafa para registrar o percurso de Antônio Conselheiro, líder de Canudos. Foi a primeira experiência de Anna Mariani com filme colorido e a descoberta das cores e contrastes da fachadas a levou a repetir várias vezes as viagens pelas cidades do litoral e do sertão.













Em 1987, Anna Mariani decidiu reunir em um livro uma seleção de 220 imagens. O livro foi lançado na 19° Bienal Internacional de São Paulo, junto com uma exposição que apresentava 80 ampliações fotográficas que causaram impacto por sua beleza e originalidade no registro documental paisagem e manifestações culturais tradicionais. Como é destacado no texto de apresentação ao catálogo, a busca da beleza em meio a condições adversas, mas sem estetizar a pobreza, é uma das características centrais do trabalho de Anna Mariani.

Outra publicação da fotógrafa sobre o mesmo universo da imagens do Nordeste brasileiro surgiu em 1992, quando lançou o livro "Paisagens, Impressões - O Semi-Árido Brasileiro", no qual apresentava fotografias de paisagens do sertão nordestino que registravam a escassez de recursos e também a diversidade de formas da vegetação daquela região. Ingênuas, caprichadas e extremamente simples, as fachadas e platibandas nordestinas nos registros de Anna Mariani expressam também um modo de vida que comove o observador por sua delicadeza.
















"O que dizem essas casas?", interroga Caetano Veloso, em texto que faz parte da edição e que foi escrito para a exposição de Anna Mariani no Centre Georges Pompidou, em Paris, em 1988. "Sob o sol-a-sol do Nordeste Brasileiro, em meio à dura vida humana, o que insinua sua lírica geometria?", prossegue Caetano, descrevendo suas lembranças e emoções que os cenários tão familiares despertaram. "Para mim, são coisas íntimas. Casas que conheço por dentro. Em Santo Amaro, onde nasci, no Recôncavo baiano, as pessoas pintam suas casas a cada fevereiro para as festas da padroeira: é como comprar um vestido novo. A cidade fica endomingada, como se fosse um cenário de teatro ingênuo, com todas as casas recém-pintadas".

No mesmo texto, abordando uma determinada sequência de fachadas, e comparando as imagens com suas memórias afetivas da infância, Caetano constrói uma metáfora com as célebres bandeirinhas e os casarios do pintor modernista Alfredo Volpi. "De frente para a câmera de Anna Mariani, elas parecem esboçar um sorriso silencioso. A câmera não pretende interpretar os seus signos", destaca Caetano, "mas entrar numa espécie de estado amoroso com a delicadeza de sua poesia. As fotografias são como monalisas pintadas por Volpi".






























 
 

As pinturas à base de cal de cada casinha, elaboradas sobre fachadas e platibandas irregulares, com motivos que lembram aspectos das culturas africanas e árabes, são resultado de práticas artesanais seculares de caiação – técnica que aos poucos, conforme os textos do livro ressaltam, tem sido cada vez mais esquecida e substituída por novos materiais e processos sem as mesmas características. De tão marcantes na arquitetura nordestina, as imagens resultantes da pesquisa de Anna Mariani são tomadas como obras de referência para a cenografia de filmes e de minisséries para a TV, a exemplo de “O Auto da Compadecida” (2000) e “A Pedra do Reino” (2007), entre outras produções, além de reforçar o interesse popular e acadêmico por esse marco na arquitetura nordestina do Brasil.
















"São fotografias", aponta Jean Baudrillard (1929-2007), no breve artigo que escreveu para apresentar a exposição de Anna Mariani em Paris, no Centre Georges Pompidou, com sucesso de público e destaque de elogios na imprensa por conceituados críticos de arte e historiadores – "mas são fotografias que apareciam como verdadeiras pinturas ou baixo-relevos, surgidos não se sabe de qual friso geométrico de um palácio de Minos subequatorial", argumenta o pensador francês, aproximando as casinhas singelas do sertão, registradas por Anna Mariani, da grandiosidade enigmática de Knossos, uma das moradas lendárias e mitológicas mais célebres da Antiguidade Clássica, conectada às origens do labirinto e da qual só restaram ruínas e sítios arqueológicos.

Baudrillard, poeta, fotógrafo, sempre citado entre os mais respeitados e influentes sociólogos e filósofos de nossa época, referência tanto em teses acadêmicas como na cultura pop (entre outros feitos, é inspiração confessa para os irmãos Wachowski da trilogia “Matrix”), também destaca a poesia estranha e sutil que emana das imagens registradas por Anna Mariani. A poesia que sobrevive e, nas palavras de Baudrillard, emana de uma "miséria que não se expressa como miséria, mas como riqueza de linhas e aparências de uma fotografia que consegue, ela também, não ser mais fotografia". Sem nenhuma dúvida, observar com atenção as fachadas ingênuas e coloridas fotografadas pelo olhar afetuoso de Anna Mariani ajuda a entender algo mais sobre a sensibilidade e o mundo do sertão nordestino, tão longe e tão perto de nós mesmos.



por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Onde moram os anjos. In: Blog Semióticas, 14 de agosto de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/08/onde-moram-os-anjos.html (acessado em .../.../...).







 







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