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11 de novembro de 2017

Levantes por Didi-Huberman






A perda, talvez inevitável em termos de realidade política,

consumou-se, de qualquer modo, pelo esquecimento, por um

lapso de memória que acometeu não apenas os herdeiros,

mas também os atores, as testemunhas, aqueles que por um

fugaz momento retiveram o tesouro nas palmas de suas mãos.

–– Hannah Arendt (1906-1975).  

  


A palavra “levante” tem muitos significados além do ato ou efeito de erguer ou levantar. Os dicionários registram dúzias de sinônimos, todos com o mesmo sentido rebelde de desobediência, desordem, irreverência, indisciplina, insubordinação, insurreição, contestação, rebelião, revolta, motim, protesto, manifestação, reivindicação, sublevação, subversão, transgressão, teimosia, tumulto, resistência, revolução. Levantes, no plural, com todas as variantes que a palavra representa, é o tema da exposição internacional que chegou ao Brasil e está aberta ao público no Sesc Pinheiros, em São Paulo, até 28 de janeiro de 2018, seguindo depois uma agenda itinerante que inclui temporadas no México e depois no Canadá e outros países.

Inaugurada no espaço Jeu de Palme em Paris, França, onde ficou em cartaz de outubro de 2016 a janeiro de 2017, sob curadoria do filósofo e historiador francês Georges Didi-Huberman, e com o título original de “Soulèvements”, a exposição teve temporadas nas cidades de Barcelona, na Espanha, e Buenos Aires, na Argentina, antes de chegar a São Paulo. A proposta original, através da exibição de cerca de 200 obras dos últimos dois séculos, de diversos países, entre instalações, fotografias, pinturas, desenhos, gravuras, vídeos, filmes e documentos diversos, é, nas palavras do curador, apresentar múltiplas maneiras de transformar a quietude em movimento, a submissão em revolta, a renúncia em alegria expansiva.










Levantes por Georges Didi-Huberman: acima,
o filósofo e historiador fotografado em junho de
2017, em Buenos Aires, por Bernardino Avila
para o jornal Página 12, e uma imagem das
instalações da exposição no Sesc Pinheiros,
em São Paulo. Abaixo, o catálogo da exposição,
que reproduz como imagem de capa uma
fotografia de 1969 de Gilles Caron sobre uma
ação de resistência de jovens manifestantes
contra discriminação dos católicos pelo
governo protestante na Irlanda do Norte.
No alto, saguão da exposição em São Paulo











A cada nova cidade que a exposição visita, desde Barcelona e Buenos Aires, a curadoria tem a iniciativa inédita em eventos semelhantes de inserir novas obras diretamente ligadas ao contexto local. No caso brasileiro, Didi-Huberman providenciou como complemento uma série de conteúdos relacionados à escravidão, à negritude e à pobreza – temas representados em obras que ele selecionou de nomes como Sebastião Salgado, Hélio Oiticica e Oswald de Andrade. Não se trata, contudo, de apresentar uma antologia de imagens de protestos populares, conforme esclarece o curador em entrevistas e no catálogo da exposição, editado com o acervo das obras e com ensaios escritos especialmente para o evento por pensadores de destaque, entre eles a norte-americana Judith Butler e os franceses Nicole Brenez e Jacques Rancière.



Uma constelação de imagens



O objetivo de “Levantes”, explicou Didi-Huberman em uma entrevista em junho de 2017 ao jornal “Página 12” da Argentina, é apresentar não uma antologia cronológica de imagens, mas uma constelação em que as imagens se relacionam em cinco blocos ou eixos: “elementos”, “gestos”, “palavras”, “conflitos”, “desejos”. “As imagens reunidas, a princípio”, destaca o curador, “funcionam por meio dos gestos. O fato é que quando se está alienado e se protesta contra essa alienação, o protesto toma uma forma corporal: é o braço que se levanta, o corpo que se movimenta, a boca que se abre, entre palavras e cantos, tudo isso é corporal. O corpo humano é a coisa mais antiga que possuímos, o corpo humano é mais antigo que um fóssil, que uma obra de arte grega; o corpo humano é muito antigo, é nossa antiguidade.”







Levantes por Didi-Huberman: no alto, duas gravuras
de Francisco de Goya datadas do início do século 19,
El cargador e No harás nada con clamor. Acima,
a comemoração dos marinheiros no motim a bordo
do Encouraçado Potemkin, filme de 1925 de
Serguei Eisenstein. Abaixo, crianças brincando em
Barcelona, na época da Guerra Civil Espanhola,
em fotografia de 1936 de
Agustí Centelles






A investigação que a curadoria de Didi-Huberman propõe ao visitante da exposição, ou mesmo ao leitor que observa as imagens do catálogo, segue o percalço dos gestos – dos trabalhadores braçais individualizados em desenhos e aquarelas do espanhol Francisco de Goya (1746-1828) às associações de revolta coletiva em cenas dos filmes do russo Serguei Eisenstein (1898-1948) e daí às representações contemporâneas da contracultura e das contestações mais diversas da atualidade. Em cada gesto, diferentes formas de representações dos levantes de rebeldia, sejam elas de apenas um indivíduo ou de multidões engajadas em transformações sociais, políticas, religiosas, éticas, estéticas. Na maioria das representações, não por acaso, o protesto contra a opressão surge na imagem de um mesmo gesto que se repete aqui e ali com algumas variações: os braços erguidos em direção ao céu.

No catálogo da exposição, Didi-Huberman também ressalta esta coincidência do mesmo gesto. “Levantar-se é resistir, erguer o punho ou o braço é resistir”, destaca. “Antes mesmo de começar e levar adiante uma ação voluntária e compartilhada, o levantar se faz por um simples gesto que, de repente, vem revirar a prostração que até então nos mantinha submissos (por covardia, cinismo ou desespero). Levantar-se é jogar longe o fardo que pesava sobre nossos ombros e entravava o movimento. É quebrar certo presente – mesmo que a marteladas, como queriam Friedrich Nietzsche e Antonin Artaud – e erguer os braços ao futuro que se abre é um sinal de esperança e de resistência. É um gesto e uma emoção (…). No gesto do levante, cada corpo protesta por meio de todos os seus membros, cada boca se abre e exclama o não da recusa e o sim do desejo.”










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Levantes por Didi-Huberman: no alto, 
dois fotogramas de Le Route, filme de 2006
de Chen Chieh-Jen, artista de Taiwan. Acima,
Beaubien Street, fotografia de 1971 do
norte-americano Ken Hamblin. Abaixo,
fotografia de Eduardo Gil, da Argentina,
Niños desaparecidos, secunda marcha de la
Resistencia, Buenos Aires, 9-10 décembre
1982; e uma das fotografias de Bruno Barbey
em destaque, Manifestation, Paris,
France, mai 1968








Gestos contra tempos sombrios



A atualidade dos gestos de resistência e de rebelião contra os tempos sombrios do discurso do ódio e das ações violentas, de grupos de direita e extrema direita, move a constelação de imagens, textos e objetos selecionados por Didi-Huberman para convidar a reflexões sobre as manifestações populares por meio da arte. Porque, afinal, não há levantes e resistência sem arte, sem música, hinos, palavras de ordem, sem imagens que ficarão na memória.

O próprio curador alerta, na apresentação à exposição, que um levante pode acabar em lágrimas de decepções, em lágrimas de mães chorando sobre os filhos mortos, mas ele também adverte que essas lágrimas não são de esgotamento: elas ainda podem ser força de ação e paixão, de teimosia e rebeldia –– “como nas marchas de resistência das mães e avós de Buenos Aires (…), seja na floresta do Chiapas, na fronteira greco-macedônica, em qualquer parte da China, no Egito, em Gaza ou na selva das redes da internet, pensadas como uma Vox Populi. Sempre haverá uma criança que pule o muro.”

Movimentos políticos ou objetos de arte? A potência física e visual dos corpos que resistem contra as formas de opressão está sempre na fronteira dos sentidos que podemos encontrar, conforme destacou Didi-Huberman na conferência “Imagens e Sons como Forma de Luta”, que marcou a abertura da exposição “Levantes” em São Paulo. Segundo o curador, “as imagens pertencem a todo mundo. Não há autoctonia, nem propriedade no universo das imagens. Como todos os objetos culturais, as imagens são feitas para migrar, a exemplo do selo que é feito para atravessar uma fronteira. Porém, o legado dos levantes depende de nós, da nossa capacidade de transmitir o sentido dessas imagens.”









Levantes por Didi-Huberman: acima,
fotogramas extraídos de Idomeni, 14 mars
2016, Frontière gréco-macédonienne, filme
de Maria Kourkouta, da Grécia. Abaixo,
fotografia de Eustachy Kossakowisk registra
a performance de Tadeusz Kantor em 1967
Panoramic Sea Happening, Sea Concerto,
Osieki (extraído de uma série).

Também abaixo, fotogramas extraídos de
Cruzar un Murofilme de 2013 do chileno
Enrique Ramirez que mostra a fotografia
e também como ela foi produzida;
Parangolé - Encuentros de Pamplona,
fotografias e montagem de 1972 de
Hélio Oiticica e Leandro Katz que
fazem parte do acervo do Museo Nacional
Reina Sofia de Madri, Espanha

















Na trajetória de Didi-Huberman, que nas últimas duas décadas está presente com seus livros e ensaios como teórico da arte e da cultura em destaque e como referência importante em diversas áreas da pesquisa acadêmica, a exposição “Levantes” marca um novo capítulo no percurso de curadoria que ele iniciou em 2010 com a mostra intitulada “Atlas –– Como levar o mundo às costas?”, inaugurada no Museu Reina Sofía, em Madri. “Atlas”, a exposição, foi motivada pelos estudos de Didi-Huberman sobre o historiador alemão Aby Warburg (1866-1929), conhecido pela criação de pranchas de montagens iconográficas, nomeadas por ele de “Atlas Mnemosyne”, um projeto concebido entre 1924 e 1929 e que ficou inacabado na meta de relacionar uma grande variedade de imagens de épocas e de geografias distintas.



Diálogo entre passado e presente



O observador atento poderá perceber que a figura mitológica do Atlas, o titã gigantesco imaginado na Grécia da Antiguidade que ergue os braços para sustentar o peso do globo terrestre, permanece como referência incontornável para a exposição “Levantes”. As diferenças são sutis: enquanto em “Atlas” o trabalho de curadoria encontrava analogias visuais entre representações diversas, exibindo lado a lado gravuras, vídeos e fotografias aleatórias que estabeleciam um certo diálogo conceitual, em “Levantes” são as constelações de variações sobre gestos de punhos e braços que fazem emergir trajetórias e memórias de manifestações históricas –– todas elas construindo entre si um diálogo intenso entre passado e presente, entre repetição e sobrevivência das formas e dos ideais.







Levantes por Didi-Huberman: acima,
Mujer con la bandera, fotografia de 1928
da italiana Tina Modotti no México.

Abaixo, Black Panthers in Chicago, Illinois,
fotografia de 1969 do japonês Hiroji Kubota;
e uma imagem de um fotógrafo anônimo que
registra t
rabalhadores da construção em greve
levantando os punhos em saudação durante
um comício no Bois de Vincennes, em Paris,
em 13 de junho de 1936











À imensidão de levantes em épocas e geografias diversas, dos primórdios da Revolução Industrial à comoção das multidões em Havana no auge da Revolução Cubana, das legiões de estivadores chineses de meados do século 20 aos rostos contemporâneos nas fileiras do Occupy Wall Street em Nova York, de momentos dramáticos do movimento feminista a surpreendentes flagrantes anônimos ou desconhecidos sobre a natureza humana de mulheres e homens em seus anseios por melhores condições de vida, Didi-Huberman acrescenta, na montagem da exposição no Brasil, referências à memória da resistência e das insurreições em território nacional. A História sempre pode ser reconstruída através de cacos e de resquícios que foram considerados como detritos pela história oficial –– como professa o pensador alemão Walter Benjamin (1892-1940), um dos mestres na linhagem a que se filia o trabalho e as ideias de Didi-Huberman.



Testemunho, paradoxo, esperança



Assim é que o público pode encontrar na montagem brasileira de “Levantes” as fotografias de Sebastião Salgado que registram ações do MST (Movimento dos Sem Terra), o cartaz “Seja marginal, seja herói” e os flagrantes libertários dos Parangolés de Hélio Oiticica (a partir de fotogramas que Eduardo Viveiros de Castro extraiu do filme “H.O.” de Ivan Cardoso), a poesia dos manifestos Pau-Brasil e Antropofágico de Oswald de Andrade, fragmentos de “Os Sertões” de Euclides da Cunha, fiéis na procissão de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais, em fotografias da década de 1950 de Marcel Gautherot, e a percepção do racismo em imagens da série “Dito Escuro”, que Rafael RG registrou em 2014. Entre tantas imagens de impacto, que provocam memórias e reflexões e paixões, Didi-Huberman repete a presença de quatro fotografias em pequeno formato que fazem parte de momentos anteriores de sua reflexão filosófica em livros, ensaios e conferências.






Levantes por Didi-Huberman: acima, procissão
do Bom Jesus do Matosinhos em Congonhas
,
Minas Gerais, em fotografia da década de 1950
de Marcel Gautherot. Abaixo, Os ícones da
vitória
, fotografia de 1997 de Sebastião Salgado
que registra o Movimento dos Sem Terra.
No final da página, as quatro fotografias
tiradas clandestinamente por membros dos
Sonderkommandos, em agosto de 1944, no
campo de extermínio em
Auschwitz-Birkenau






As quatro fotografias, à primeira vista enigmáticas e quase indecifráveis, permanecem como os únicos registros visuais que sobreviveram ao tempo dos campos de extermínio do Holocausto na Segunda Guerra, em Auschwitz-Birkenau. São imagens realistas e de valor simbólico muito forte que só recentemente se tornaram conhecidas, depois de décadas. O curador Didi-Huberman confessa que as quatro fotografias estão na gênese da ideia inicial que resultou no projeto “Levantes”.

Alguns pedaços de película de filme, alguns gestos políticos: as quatro fotografias foram feitas em agosto de 1944, clandestinamente, por um integrante dos Sonderkommandos, os pequenos grupos de judeus que tiveram a terrível tarefa de colocar na câmara de gás seus semelhantes, depois enterrá-los, sendo que eles próprios também eram executados em seguida. As fotografias ficaram escondidas em um tubo de pasta de dente com uma breve carta explicativa. Perturbadoras, mostram à distância fileiras de mulheres e, lado a lado, cadáveres queimados. Imagens que revelam. Testemunhos, extremos, que resistiram à violência, ao tempo, e chegaram ao futuro. E que também são, na escuridão, por paradoxo, esperança.



por José Antônio Orlando


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Levantes por Didi-Huberman. In: Blog Semióticas, 11 de novembro de 2017. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2017/11/levantes-por-didi-huberman.html (acessado em .../.../...).






Para assistir a conferência Imagens e Sons como Formas de Luta, de Georges Didi-Huberman,  clique aqui.


Para ler a entrevista de Didi-Huberman ao jornal da Argentina Página 12 sobre a exposição Levantes,  clique aqui.


Para ler a entrevista de Didi-Huberman à revista francesa L'Humanité sobre a abertura da exposição Soulèvements na França,  clique aqui.









5 de janeiro de 2014

Tribos do fim do mundo









O inglês Jimmy Nelson apresentou ao público em livro e em seu site na Internet um acervo fascinante: centenas de fotografias que registram as tribos mais remotas nos cinco continentes do Planeta Terra. São imagens estranhas e belíssimas do projeto “Before They Pass Away” (Antes que desapareçam), iniciado pelo fotógrafo com a meta de visitar tribos e povos isolados nos confins que mantêm suas tradições com pouco ou nenhum contato com a “civilização” do resto do mundo.
Em 2009 eu decidi colocar em prática um antigo sonho de visitar as tribos mais isoladas em todos os continentes para registrar cenas de suas vidas cotidianas, suas tradições milenares, participar de seus rituais e alertar para o perigo de que o mundo 'civilizado' pode levar muito em breve todos estes povos indígenas e suas maravilhosas culturas à extinção”, relata o fotógrafo na apresentação do projeto.

As belas e surpreendentes fotografias da primeira etapa de "Before They Pass Away", registro das 13 excursões de Jimmy Nelson e sua equipe às tribos mais isoladas em 44 países, foram reunidas por ele em um site aberto ao público e em um livro – na verdade um luxuoso catálogo fotográfico de 464 páginas, 500 imagens e textos em inglês, alemão e francês. O livro está à venda exclusivamente na Amazon e no site do fotógrafo (veja links no final deste texto). A próxima etapa do projeto, segundo Jimmy Nelson, é transformar os registros em um documentário para cinema.














                                 




Tribos do fim do mundo segundo
o fotógrafo Jimmy Nelson: no alto,
guerreiro da tribo Masai na Tanzânia.
Acima, o fotógrafo em ação, no
território da tribo Huli, em Papua,
Nova Guiné; dois irmãos da tribo Huli;
a capa do primeiro catálogo e a
rota das expedições iniciadas em 2009
por Jimmy Nelson por 44 países, com os
 pontos de partida para territórios isolados.

Abaixo, os guardiões do povo Ngalop, no
Reino do Butão, sul da Ásia, extremo leste
dos Himalaias; guerreiros da tribo Samburu,
no Quênia, África; e guerreiros da tribo Yali,
na Indonésia, em fotografia de 2010



    


 


                                 
         
 

Histórico de massacres



Meu objetivo, desde o início do projeto, foi criar através das fotografias um documento estético ambicioso que pudesse resistir ao teste do tempo. O resultado é que acabei por reunir um grande acervo de registros insubstituíveis de um mundo que está desaparecendo muito rapidamente”, explica o fotógrafo. Desde o início de 2009, Jimmy Nelson e sua equipe de poucas pessoas passaram períodos de pelo menos duas semanas em cada uma das diferentes tribos fotografadas e o projeto prossegue em novas etapas, sem previsão para ser concluído..

A meta inicial do fotógrafo para esta primeira parte do projeto era registrar 31 tribos, mas no total foram visitadas 29. Duas das tribos, situadas na Amazônia do Brasil, por causa da legislação em vigor não puderam ser visitadas pelo fotógrafo e sua equipe: elas estão localizadas no Vale do Javari, uma extensa região de mata fechada e de difícil acesso onde se concentra o maior número de tribos isoladas do mundo, incluindo um número não identificado de povos que nunca tiveram nenhum contato com não-indígenas. Em cada uma das tribos contactadas nos 44 países, as fotos de Jimmy Nelson revelam belezas e surpresas que incluem os cenários naturais incomuns e as antigas tradições pouco conhecidas – como os elementos culturais de vestimentas, animais exóticos domesticados, alimentação, cerimônias festivas e rituais religiosos. 











Tribos do fim do mundo: no alto,
guerreiros da tribo Vanuatu nas
pequenas ilhas do arquipélo da
Melanésia, no Oceano Pacífico,
seguidos por guerreiros da tribo
Samburu, no Quênia, África, e pela 
tribo Kalam em Papua, Nova Guiné.

Abaixo, guerreiros nômades da tribo
Masai no Parque Nacional de Seringeti,
ao norte da Tanzânia, África, com extensas
planícies que abrigam a maior migração
de mamíferos do planeta Terra; e um
chefe e seus dois filhos do povo Mursi,
nas montanhas isoladas ao sudoeste
da Etiópia, na África










 
O fotógrafo explica que ninguém sabe ao certo quantas tribos isoladas ainda existem atualmente no Planeta Terra. Os informes oficiais indicam que há pelo menos 150 – a maioria delas situada em regiões inacessíveis da Amazônia no Brasil e nas centenas de ilhas pouco conhecidas dos oceanos Índico e Pacífico, especialmente na região de Nova Guiné. Também há registros de tribos isoladas no Peru e em todos os países da área da floresta amazônica, assim como nas regiões de montanhas mais distantes de áreas urbanas da Índia, da Malásia e da África Central.
No Brasil, os levantamentos oficiais da Funai (Fundação Nacional do Índio) identificaram nos últimos anos pelo menos 114 povos indígenas isolados nas regiões Norte e Centro-Oeste, sendo que apenas 28 foram contactados e identificados. Entre os restantes, está uma maioria de povos não-contactados, realmente desconhecidos de qualquer estudo ou de missões de reconhecimento de território, e também os “isolados voluntariamente”, aqueles que resistem a qualquer aproximação devido a contatos violentos no passado que resultaram em massacres de tribos inteiras. Pouco se sabe sobre estes grupos isolados: não é possível estimar os números da população de cada tribo nem a qual grupo linguístico pertencem, e sua existência tem apenas registros de objetos encontrados ou de raros avistamentos.

 







 
           




Registros de Jimmy Nelson sobre
as tribos do fim do mundo: no alto,
mulheres Maori, tribo que há muitos
séculos habita a Nova Zelândia.
Acima, os Dropka, tribo da Índia,
e a tribo Bana, na Etiópia. Abaixo,
tribo Iatmul em Papua, Nova Guiné;
tribo Nduga, das ilhas na Indonésia;
e os guerreiros Samburu no Quênia









.





.


O perigo mortal do contato


Mas nem só de elogios foi a recepção do projeto de Jimmy Nelson. Entidades como a Survival Internacional, que tem sede em Londres e atua na defesa dos direitos das populações indígenas, alertam que os contatos com as tribos isoladas sempre representam um perigo mortal, pela violência do próprio contato ou por consequências imprevisíveis como a propagação de doenças “civilizadas”: um simples vírus que provoca uma gripe sem gravidade pode dizimar tribos inteiras em poucos dias.  
Há também quem acuse Jimmy Nelson de buscar promoção pessoal repetindo o trabalho já realizado por outros fotógrafos, como o brasileiro Sebastião Salgado. As críticas partem de um argumento que pode ser facilmente constatado, porque os mesmos povos e as mesmas regiões isoladas do planeta que Sebastião Salgado vem fotografando há mais de uma década para o projeto Gênesis, em impecável preto-e-branco, agora surgem fotografados em cores vibrantes no projeto de Jimmy Nelson.
 




                                  



                                  





O fotógrafo Jimmy Nelson em 2010,
fotografado no Tibete; em 2009, com
crianças da tribo Goroka, na Indonésia;
e em 2012, em uma das tribos no Sudão

Abaixo: 1) e 2) nativos das Ilhas Marquesas,
um dos cinco arquipélagos da Polinésia
Francesa, em áreas remotas do Oceano
Pacífico; 3) nativos do arquipélago de
Vanuatu
, na Melanésia, região do Oceano
Pacífico situada ao nordeste da Austrália;
4) o fotógrafo em ação, na África,
acompanhando mulheres da tribo
Himba no deserto da Namíbia;
5) e 6) meninos brincando e um
casal da tribo Karo, habitantes do
vale arqueológico do Omo, na Etiópia;
7) a família de esquimós da tribo
Nenets, povo nômade das regiões
remotas da Sibéria, ao norte da Rússia




    















Alheio a todas as críticas e às polêmicas, Jimmy Nelson anuncia em seu site que o projeto "Before They Pass Away" vai continuar e que já estão sendo planejadas novas expedições às regiões mais inóspitas da Terra. Um detalhe interessante é o equipamento usado por Jimmy Nelson: uma antiga câmera 4 X 5 e negativos de grande formato que estão há décadas fora do mercado e que a maioria dos profissionais considera obsoletos.  
“O ser humano é muito parecido em qualquer lugar, nas cidades, nas montanhas, nos campos de gelo, na selva, ao longo dos rios e nos vales silenciosos que se perdem de vista no horizonte”, explica o fotógrafo, relatando que em muitos casos ele sabia que estava diante dos últimos membros de cada tribo. “Meu trabalho pode contribuir para que o mundo nunca esqueça no futuro a forma como as coisas eram”, conclui.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Tribos do fim do mundo. In: Blog Semióticas, 15 de janeiro de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/01/tribos-do-fim-do-mundo.html (acessado em .../.../...).



Para visitar o site oficial do fotógrafo  Jimmy Nelson,  clique aqui.


Para comprar o catálogo fotográfico  Before They Pass Away,  clique aqui.





















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