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25 de abril de 2013

O novo Jards






Arte não é só talento, mas sobretudo coragem.
A arte é tão difícil como o amor.

–– Glauber Rocha (1938-1981).    


“Só Morto”, o primeiro disco de um dos grandes nomes da MPB, está finalmente disponível em CD. O original foi lançado em formato de LP de vinil em 1970 e desde então se tornou uma relíquia conhecida apenas pelos colecionadores. Por coincidência, chega agora pela primeira vez ao formato CD como uma homenagem ao artista, que completou 70 anos no dia 3 de março. O nome que consta na certidão de nascimento, por sinal, é tão incomum quanto o nome artístico que ele adotou: Jards Anet da Silva. Desde o final dos explosivos anos de 1960, ele assina somente Jards Macalé.

Não sei de onde tiraram essa história de que Macalé era o nome do pior jogador do Botafogo. Sempre que vejo uma matéria sobre mim encontro essa mesma história, de que ele era o pior. É tudo mentira”, explica o próprio Jards na entrevista que fiz com ele por telefone para um jornal de Belo Horizonte. “Macalé não era o pior e também não era o melhor. Era um jogador que naquela época estava em evidência porque jogava no Botafogo e eu ganhei este apelido porque eu também jogava futebol, só que na praia, e achavam que ele era parecido comigo. Apelido é assim. Ou pega no ato ou não pega”.

Senso de humor apurado, cheio de ironia e afiado nas tiradas inteligentes, Jards Macalé concedeu esta entrevista no dia seguinte a seu retorno ao Rio de Janeiro, vindo de Nova York. A viagem foi um convite que ele nem pensou em recusar, porque era para acompanhar Eryk Rocha na estreia internacional do filme “Jards”, destaque do festival New Directors/New Films, promovido pelo MoMA, Museu de Arte Moderna. 








Jards Macalé aos 70: no alto, um
fotograma de Jards, filme de Erik Rocha.
Acima, Jards no palco do Nublu, em
Nova York. Abaixo, em 1967, na praia
de Copacabana com Maria Bethânia,
na época em que começou a carreira
profissional como violonista e diretor
musical dos primeiros espetáculos de
Bethânia; com Erik Rocha, no festival
de cinema promovido pelo MoMA, e a
capa do disco Só Morto, que agora
chega finalmente ao formato CD,
em lançamento do selo Discobertas








Em Nova York, Jards e Eryk Rocha, filho de Glauber, assistiram às exibições concorridas e participaram de debates no MoMA, no Lincoln Center e em programas de TV. O músico e o cineasta têm mesmo o que comemorar, já que o filme foi aplaudido de pé e muito bem recebido pela crítica, com elogios e reportagens de destaque nos principais veículos de imprensa.

Começamos a entrevista falando sobre o lançamento de “Só Morto” na versão CD, que vem recheada de faixas-bônus que permaneceram inéditas por décadas, mas no minuto seguinte o assunto vai para outras direções e chega à estreia do filme nos Estados Unidos. “Foi uma experiência tão fantástica que depois da estreia fomos celebrar no Nublu, um dos redutos do jazz em Nova York, e a comemoração acabou virando uma canja e o show seguiu com meu improviso no palco, pela madrugada adentro”, conta Jards, feliz com o filme e com a parceria com Eryk Rocha.








Parceiro de Glauber



Novato em cinema Jards não é – muito pelo contrário. Desde a década de 1960, participou como ator e compositor da trilha sonora em filmes marcantes, incluindo um dos lendários longas de Glauber, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, além dos não menos importantes “Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos, “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura, “Se segura, malandro!", de Hugo Carvana, e “Getúlio Vargas”, de Ana Carolina, entre vários outros.

Jards comemora: “Já dizia meu grande amigo Hélio Oiticica que quanto melhor, melhor”. No Brasil, “Jards”, o filme, estreou em janeiro no Festival de Cinema de Tiradentes e segue na agenda de outros festivais, mas só deve chegar ao circuito comercial no segundo semestre de 2013. "Fazer este filme com o Eryk foi muito especial. Foram três semanas no estúdio com a equipe de filmagem, com três câmeras, e saiu um filme muito melhor do que a encomenda. É um filme diferente, mais experimental, que foi surgindo de tentativas, de repetições, de improvisos, e no final ficou mesmo muito parecido com a música que venho tentando fazer desde o primeiro disco”.







No cinema, a próxima parceria já está agendada: Jards Macalé volta a trabalhar com Nelson Pereira dos Santos, que depois do mergulho na obra de Tom Jobim com os recentes “A Música Segundo Tom Jobim” e “A Luz do Tom”, agora prepara um filme sobre o imperador Dom Pedro 2°. “Nelson sabe o que faz e faz um cinema de verdade, incomum. Tudo o que fiz na vida foi em busca desta verdade. E olhando para trás acho que acertei algumas vezes”, ele diz, recordando histórias engraçadas dos amigos e dos “erros e acertos” das muitas parcerias em quase 50 anos de carreira. Mais acertos do que erros, é bom destacar.

Arte é assim. Tem que sair do lugar de conforto, tem que procurar o novo, tem que criar. Foi assim que a arte e a cultura no Brasil produziram o que temos de melhor. Foi desse jeito com nossos grandes artistas, foi assim com as revoluções que o Tropicalismo inventou”, destaca, lembrando de novo o gênio de Hélio Oiticica. “Foi o Oiticica que deu o pontapé inicial para o que chamamos de Tropicalismo quando registrou em cartório a palavra Tropicália, lá em 1958. Hoje ninguém mais fala disso, mas temos que falar porque é importante”.













Memórias da MPB: no alto, Jards Macalé no
final da década de 1960. Acima, bastidores
do terceiro Festival da Record, em 21 de
outubro de 1967, noite da final do festival, com
uma reunião de tropicalistas com Edu Lobo 
(vencedor do festival, com “Ponteio”, parceria
com José Carlos Capinam). Na primeira foto,
em preto e branco, estão, entre outros,
Nara Leão, Sidney Miller, Rita Lee e os
irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista
(da formação original de Os Mutantes),
Zé Rodrix (de óculos, embaixo da escada),
Maurício Maestro (de óculos), Os Incríveis
(no alto da escada), Marilia Medalha, Gilberto Gil,
Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso,
Nana Caymmi (sentada), Geraldo Vandré,
Roberto Carlos, Sergio Ricardo (sentado),
David Tygel, os integrantes do MPB4,
Capinam, Marcelo Frias (dos Beat Boys) e
Torquato Neto. Abaixo, Jards Macalé com
Wally Salomão; e o produtor musical
Guilherme Araújo (sentado), um dos
mentores da Tropicália, em fotografia de
1968 com Arnaldo Baptista, Rita Lee,
Caetano Veloso, Nana Caymmi, Sérgio
Dias Baptista, Jorge Ben,
Gal Costa e Gilberto Gil












É proibido proibir!



Jards Macalé começou a carreira profissional em 1965, como violonista e diretor musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia no Rio de Janeiro, e estava no “olho do furacão”, como ele diz, no mesmo grupo que também tinha, entre outros, futuros medalhões das artes plásticas, da literatura, do cinema e da música, além do poeta e jornalista do Piauí Torquato Neto e dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Bethânia, Gal Costa, José Carlos Capinam.

Lá estávamos todos nós no apartamento em que eu morava em Ipanema, até que um dia aconteceu o fogo que atravessou o Atlântico, vindo da revolta dos estudantes nas ruas do maio de 1968 francês. Lembro que foi o Guilherme Araújo que chegou de Paris muito impressionado, contando que nunca viu nada igual, que os estudantes tomaram as ruas da cidade, ficaram acampados, e por todo lado se via os grafites dizendo 'é proibido proibir'. Para nós, que buscávamos o novo, naquela ditadura militar que foi terrível, esta mensagem foi uma luz no fim do túnel: é proibido proibir”.








Jards no palco com Luiz Gonzaga,
registrado pela revista “Pop”, na edição
de outubro de 1976, e com o “malandro”
Moreira da Silva, seu parceiro no
samba de breque Tira os óculos
e recolhe o homem. Abaixo,
Jards com Vinicius de Moraes
no começo da década de 1970






 


A frase do grafite das revoltas estudantis do maio de 1968 francês foi transformada em canções que marcaram época e se fez a História, contada ao telefone por um dos principais protagonistas. “Para nós, que mergulhamos na Tropicália, naquele contexto de repressão, é muito triste, tristíssimo, descobrir que hoje os espaços da mídia no Brasil foram tomados por tanta estupidez, tanta bobagem repetida, tanto lixo importado. Não sou contra o produto importado. Nunca fui. Mas ao menos deveriam ter o cuidado de importar o luxo de outros países, e não somente o lixo”.

E a experiência de completar 70 anos? Muda alguma coisa ou não muda nada? – pergunto. “Muda tudo”, ele responde, disparando uma gargalhada. “Muda porque agora sou outra pessoa. Aquele Jards Macalé que veio até aqui tem seu valor, vou guardar com carinho as boas lembranças. Mas agora virei outro: nasceu o novo Jards”.



Obra em várias mídias



Planos e projetos encaminhados não faltam. O “novo Jards” segue na temporada de lançamento do filme com Eryk Rocha no Brasil e no exterior, está finalizando um CD com canções inéditas (que têm como parceiros Adriana Calcanhotto, Elton Medeiros, Luiz Melodia), organiza os registros de sua obra em várias mídias e está em negociações para a instalação do acervo em um instituto cultural, trabalha com Nelson Pereira dos Santos no novo filme e, para completar, também faz parte do elenco que vai acompanhar o Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, programada para julho, no Rio de Janeiro. Ele comemora, bem-humorado: “Jards com o Papa Francisco, já pensou? Por essa ninguém esperava. Nem eu”.









O “novo Jards” também diz que está surpreso e satisfeito com as novas parcerias, mas quero ouvir sobre as histórias do passado e pergunto sobre os antigos parceiros do velho Jards, incluindo Glauber Rocha, Vinicius de Moraes, Egberto Gismonti, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Augusto Boal, Moreira da Silva, Paulinho da Viola, Jorge Mautner, Naná Vasconcelos, Torquato, Capinam, Rogério Duprat, Chico Buarque, Gal Costa, Bethânia, Clara Nunes, Nara Leão.

Todos parceiros da maior importância”, ele diz, lembrando de cada um deles com histórias saborosas que trazem à conversa outros nomes, outras artes, outras épocas. A conversa chega aos tempos sombrios da ditadura militar, tempos difíceis, e Jards recorda as tristezas e a repressão do período, mas também as alegrias e agitos da Swinging London, durante a temporada que passou com Gilberto Gil e Caetano Veloso, que estavam exilados na Inglaterra. Gil e Caetano foram presos pela ditadura militar em dezembro de 1968, acusados de subversão, e permaneceram presos durante meses, sem qualquer julgamento. Enquanto o mundo assistia ao pouso da espaçonave Apollo 11 na lua, em 21 de julho de 1969, Gil e Caetano eram obrigados a deixar o Brasil e seriam proibidos de retornar por mais três anos.






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Jards Macalé e Os Brasões em 1969,
durante o quarto Festival Internacional
da Canção, quando  Gothan City, canção
de Jards e Capinam, foi vaiada pela plateia
do Maracanãzinho. Acima, Caetano e Gil,
 amigos no exílio em Londres, por imposição
da ditadura militar; e Gal Costa em visita aos
amigos no exílio, em fotos de 1971 publicadas
pela revista Fatos & Fotos. Gil e Gal fizeram
um show histórico em 26 de novembro de 1971,
na London University, que só foi lançado em
CD no Brasil em 2014. Abaixo, Jards entre
amigos em visita a Caetano e Gil em Londres,
em 1971, na época da produção do álbum de
Caetano Transa; a partir da esquerda, em foto
de Antonio Guerreiroo engenheiro de som
Maurice Hughes, os músicos Aureo de Souza,
Jards Macalé, Caetano e Moacir Albuquerque.

Também abaixo, Gil e Caetano diante da
torre do Big Ben e passeando na Trafalgar
Square, em 1969, durante o exílio em Londres;
Caetano, Jards e Moacir Albuquerque durante
os ensaios para as gravações do álbum Transa,
em fotografias de Pedro Paulo Koellreutter;
Jards com João Ubaldo, Alberto Cavalcanti
e Glauber Rocha em 1979 (fotografados por
Paula Maria Gaitán); Jards em 2003 com
Jorge Mautnere Jards em 2013, em
autorretrato com Jorge Ben Jor
































Da temporada em Londres saíram duas obras-primas com participação intensa de Jards Macalé: a primeira foi o filme “O Demiurgo”, de Jorge Mautner, que além de Jards também teve no elenco Mautner, Caetano, Gil, Norma Bengell, Péricles Cavalcanti, Roberto Aguilar, Leilah Assunção, Gal Costa e Dedé Gadelha, esposa de Caetano – um filme experimental como poucos, mistura de drama, comédia, poesia, música e filosofia. Glauber dizia que “O Demiurgo” é o melhor filme do exílio e sobre o exílio, enquanto Jorge Mautner define o filme como uma fábula musical e uma chanchada filosófica que retrata a saudade do Brasil.

A segunda obra-prima desta temporada com os amigos no exílio em Londres permanece em destaque entre os melhores discos brasileiros de todos os tempos, “Transa”, de Caetano Veloso, álbum lançado em 1971, resultado de mais de oito meses de ensaios com produção e arranjos por conta de Jards, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Souza. “Ensaiávamos num parque de Londres, todos os dias. Parecíamos aqueles malucos do 'Blow Up' (filme de Michelangelo Antonioni). Quem nos visse ali, sempre daquele jeito, pensaria que estávamos num eterno piquenique”, recorda.



Vapor barato



As histórias de Londres trazem à tona as principais referências de Jards, seus ídolos da Velha Guarda e os cantores e cantoras da Era do Rádio, Carmen Miranda, Orlando Silva, Marlene e Emilinha Borba, o primeiro encontro com Nélson Cavaquinho e Ciro Monteiro numa mesa de botequim, a descoberta dos gigantes do jazz e o impacto que foi ouvir pela primeira vez Erik Satie, compositor e pianista, precursor das vanguardas minimalistas. Na trajetória da formação de Jards também houve as aulas de música e os mestres que teve a sorte de encontrar pelo caminho, Guerra Peixe, Turibio Santos, Dauelsberg, Jodacil Damasceno, Ester Scliar.












Entre tantas histórias e personagens célebres que vão surgindo na entrevista, comento sobre a relação afetiva de muitos da minha geração com as belas canções de Jards Macalé, muitas delas com lugar cativo entre os grandes clássicos da MPB, “Mal Secreto”, “Gothan City”, “Movimento dos Barcos”, “Rua Real Grandeza”, “Poema da Rosa”, “ Anjo Exterminado”, “Alteza”, "The Archaic Lonely Star Blues", "Love, Try and Die" e, especialmente, “Vapor Barato”, sua parceria com o poeta Wally Salomão que teve aquela mítica e longa versão ao vivo de Gal Costa em “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor”, em 1971, tido com um dos shows mais importantes da música brasileira.

Sim, você tem razão, porque Vapor Barato é um hino. É uma história que entrou na vida de muita gente lá nos anos 1970 com a interpretação 'Fa-Tal' da Gal e é uma canção que volta sempre. Vapor Barato está sempre voltando. Voltou nos anos 1990, no filme do Walter Salles ('Terra Estrangeira'), depois voltou na gravação do Rappa, depois com o Zeca Baleiro. Engraçado que toda hora tem alguém fazendo contato comigo por causa de Vapor Barato, querendo Vapor Barato na trilha sonora disso e daquilo. O que é muito bom. Só posso comemorar, porque também sempre gostei muito de Vapor Barato”.







Para encerrar a entrevista, voltamos ao primeiro disco, “Só Morto”, lançamento recente do Selo Discobertas. “Este CD foi outra grande surpresa. Mas olha o que falei no começo da nossa conversa: aí já é o novo Jards (risos). Foi um presente da melhor qualidade para o novo Jards, uma homenagem bacana que recebi de presente de aniversário de 70 anos do Marcelo Fróes, que é um cara muito especial, um pesquisador e produtor como poucos, pouquíssimos”.

O disco de 1970 tinha quatro músicas: “Soluços”, dele próprio, e “O Crime”, parceria com Capinam, no Lado A. No Lado B, “Só Morto / Burning Night” e “Sem Essa”, duas parcerias de Jards e Duda (Carlos Eduardo Machado). “O Marcelo Fróes me procurou e disse que tinha encontrado as outras gravações, todas elas inéditas em CD. Fiquei animado com o projeto e, depois, quando recebi o CD pronto, tão bem cuidado, tão profissional, foi só felicidade”.







Só Morto” saiu com as quatro faixas como compacto duplo em 1970. Agora, tem como acréscimo 10 canções que foram gravadas ao vivo em shows realizados entre 1970 e 1973, com Jards Macalé acompanhado do Grupo Soma, um dos mais conceituados do “rock brasilis” na década de 1970. As quatro canções do primeiro Jards não ganharam sucesso popular, mas a importância daquele compacto duplo é sempre destacada pelos fãs e pelos pesquisadores da música brasileira, ainda que o disco permanecesse uma raridade, conhecido apenas por uns poucos colecionadores.

Jards, no comando dos arranjos, no violão e nos vocais, é sempre uma surpresa: tom personalíssimo, grave, experimental e crítico, por vezes gritado, por vezes irônico, festivo, ritmado. Na primeira metade da década de 1970, Jards contava com o auxílio luxuoso do Soma, formado por Ricardo Peixoto (guitarra), Jaime Shields (guitarra), Bruno Henry (baixo) e Alírio Lima (bateria), além da presença muito especial de Zé Rodrix no piano e no órgão.



Música com atitude



Completam a trilha de “Só Morto”, além das quatro canções originais, uma lista de pérolas da MPB que inclui versões para “Gothan City” (de Jards e Capinam), “Só Morto / Burning Night” (Jards e Duda), “Let's Play That” (Jards e Torquato Neto), “Poema da Rosa” (Jards e Augusto Boal), “Orora Analfabeta” (Belizário Gomes e Waldeck Macedo) e mais três parcerias da dupla de “Vapor Barato”, Jards e Wally Salomão, em “Revendo Amigos”, “Anjo Exterminado” e “Rua Real Grandeza”.

 



O novo Jards, tanto quanto o antigo, é falante, provocador, imprevisível. Faz reverência aos amigos e às parcerias, em especial a Wally Salomão, morto aos 60 anos, em 2003. “Wally é uma pessoa importantíssima para mim e para o Brasil. Grande poeta, grande pensador, grande na música e na atitude. Faz muita falta sua inspiração, sua conversa franca”. Antes de concluir a entrevista, arrisco um desafio: muitos se referem a você como “maldito da MPB”, ou “marginal”, ou “pós-tropicalista”, mas qual é a melhor definição para a música de Jards Macalé?

Ele faz uma pausa e diz que para responder terá que recorrer a duas figuras geniais, segundo ele duas das personalidades mais brilhantes com as quais teve a sorte do convívio: Hélio Oiticica e João Gilberto. “Veja bem... (risos). Vou responder sua pergunta, José, com frases famosas dos mestres Oiticica e João Gilberto. Oiticica dizia: minha arte é música, a arte que faço é música. E o João Gilberto, quando faziam perguntas difíceis sobre a Bossa Nova, respondia: Bossa Nova não existe, o que existe é samba. Então, agora eu digo a você: minha vida é música, mas o que eu faço é samba”. Só quando concluímos a entrevista é que percebo que falamos durante quase duas horas. Agora, enquanto termino a redação da matéria, penso na sábia definição do artista por ele mesmo e acrescento: sim, é samba. Da melhor qualidade.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O novo Jards. In: Blog Semióticas, 25 de abril de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/04/o-novo-jards_8633.html (acessado em .../.../...).



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16 de março de 2012

Betha, Betha, Bethânia






 

Muitos sorrisos, lágrimas, um grande silêncio. Quem teve a sorte de assistir Maria Bethânia e seu show dedicado a poetas e escritores encontrou, no mínimo, fortes emoções. A estreia foi em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério, há exatamente um ano, no dia 18 de março. Depois do espetáculo, muitos aplausos que se entenderam por longos minutos, com a plateia que lotava o teatro permanecendo imóvel, impassível, quando a estrela deixou o palco e as luzes foram acesas. Lembro dos olhares de quem estava ao redor: sorrisos, lágrimas, silêncio.

"A poesia sempre esteve presente em minha vida, desde os primeiros tempos de escola. Hoje em dia, é cada vez mais um desafio, mas permanece para mim como algo irresistível, que comove e atrai" – foi o que ouvi de Bethânia, há um ano, no começo da entrevista por telefone, do Rio de Janeiro, onde mora desde 1965. Ela estava às vésperas de viajar para Belo Horizonte para a estreia do espetáculo, que foi intitulado "Bethânia e as Palavras".

Agora, um ano depois, Bethânia volta aos holofotes da imprensa, por conta do lançamento de seu novo CD pela Biscoito Fino. É um disco só com canções inéditas – e um novo trabalho de Bethânia é sempre um acontecimento. Ela tem uma primeira entrevista coletiva agendada para o próximo dia 28 para divulgar os detalhes do álbum, chamado “Oásis de Bethânia”. Sua assessoria de imprensa antecipa que serão dez faixas, cada uma com um arranjador diferente.







Betha, Betha, Bethânia: acima, em 1989,
em fotografia de Bob Wolfenson. Abaixo,
Bethânia em sua terra natal, Santo Amaro,
Bahia, em 1978, com os país, Dona Canô
e José Teles Veloso, que era conhecido
como Seu Zezinho; Bethânia com
Dona Canô em 2010; e Bethania em
imagens promocionais para o show
Amor, Festa, Devoção, que estrou em 2009





           










As canções do novo CD são “Lágrima”, “O Velho Francisco - Lenda Viva”, “Vive”, “Casablanca”, “Calmaria - Não sei Quantas Almas Tenho”, “Fado”, “Barulho”, “Calúnia”, “Carta de amor” e “Salmo”. Entre os arranjadores convidados especialmente para o projeto estão Lenine, Hamilton de Holanda, Jorge Helder, Maurício Carrilho e André Mehmari. Djavan se encarrega da única canção de sua autoria: “Vive”. O título do novo CD, “Oásis de Bethânia”, foi inspirado em um texto que a própria Maria Bethânia escreveu em 2011. É a  primeira vez que ela grava um texto de sua autoria em um disco. Os versos de Bethânia ganharam acordes de uma melodia criada por Paulo César Pinheiro e são interpretados por ela no tom de uma quase oração, entre a música e a poesia, na canção inédita “Carta de Amor”:


Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe não...


Eu tenho Zumbi, Besouro, o chefe dos tupis
Sou tupinambá, tenho erês, caboclo boiadeiro
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris
Zarabatanas, curarês, flechas e altares.
A velocidade da luz no escuro da mata escura
O breu o silêncio a espera. Eu tenho Jesus
Maria e José, todos os pajés em minha companhia
O Menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos
O poeta me contou...


Não misturo, não me dobro a rainha do mar
Anda de mãos dadas comigo, me ensina o baile
Das ondas e canta, canta, canta pra mim, é do
Ouro de Oxum que é feita a armadura guarda o
Meu corpo, garante meu sangue, minha garganta
O veneno do mal não acha passagem e em meu
Coração de Maria ascende sua luz
E me aponta o Caminho...

Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã
Giro o mundo, viro, reviro tô no recôncavo
Tô em face, voo entre as estrelas, brinco de
Ser uma traço o cruzeiro do sul, com a tocha
Da fogueira de João menino, rezo com as três
Marias, vou além me recolho no esplendor das
Nebulosas descanso nos vales, montanhas, durmo
Na forja de Ogum, mergulho no calor da lava
Dos vulcões, corpo vivo de Xangô...

Não ando no breu nem ando na treva
Não ando no breu nem ando na treva
É por onde eu vou que o santo me leva
É por onde eu vou que o santo me leva...

Medo não me alcança, no deserto me acho, faço
Cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo
Meus pés recebem bálsamos, unguento suave das
Mãos de Maria, irmã de Marta e Lázaro, no
Oásis de Bethânia...

Pensou que eu ando só, atente ao tempo num
Começa nem termina, é nunca é sempre, é tempo
De reparar na balança de nobre cobre que o rei
Equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a justiça...

Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão
E pra onde você for não leva o meu nome não
E pra onde você for não leva o meu nome não...

Onde vai valente? você secou seus olhos insones
Secaram, não veem brotar a relva que cresce livre
E verde, longe da tua cegueira. seus ouvidos se
Fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o
Bem nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe
Você pisa na terra mas não sente apenas pisa
Apenas vaga sobre o planeta, já nem ouve as
Teclas do teu piano, você está tão mirrado que
Nem o diabo te ambiciona, não tem alma você é
O oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo...

O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar...

Eu posso engolir você só pra cuspir depois
Minha forma é matéria que você não alcança
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem
Fim dos versos, versos, versos, que brota do
Poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita
Na palma da inspiração de Caymmi, se choro, quando
Choro e minha lágrima cai é pra regar o capim que
Alimenta a vida, chorando eu refaço as nascentes
Que você secou...

Se desejo o meu desejo faz subir marés de sal e
Sortilégio, vivo de cara pra o vento na chuva e
Quero me molhar. O terço de Fátima e o cordão de
Gandhi, cruzam o meu peito. Sou como a haste fina
que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta...

Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe comigo...








O olho do furacão



A notícia do novo CD me trouxe à memória que foi exatamente há um ano, às vésperas da estreia nacional do espetáculo de poesia em BH, que uma nota tão breve quanto maliciosa, publicada na coluna de Mônica Bergamo, na "Folha de S. Paulo", lançou a serenidade de Bethânia no olho do furacão. Segundo a nota, o Ministério da Cultura havia liberado o montante de R$ 1,3 milhão para a cantora criar um blog.

A notícia distorcida foi imediatamente reproduzida por outros jornais e chegou rápido aos blogs e redes sociais. Foi o que bastou para explodir a polêmica e Bethânia ser atacada e caluniada com requintes de crueldade. A assessoria da cantora correu a rebater a notícia: o ministério não havia liberado uma verba e sim autorizado a captação de patrocínio. Além disso, o projeto iria muito além da criação de um blog e, na verdade, o patrocínio que ainda seria captado visava a produção de 365 audiovisuais em que Bethânia daria extensão ao espetáculo de poesia “Bethânia e as Palavras”. 

 











O futuro blog, segundo informou a jornalista que há anos cuida da assessoria de imprensa da cantora, seria um dos espaços para divulgação dos audiovisuais, que também seriam distribuídos gratuitamente em DVDs para escolas e bibliotecas de todo o Brasil. A produção envolveria Bethânia e uma grande equipe técnica, incluindo direção de Andrucha Waddington e coordenação de Hermano Viana. Andrucha já havia realizado em 2007 um documentário impecável e inspirado com Bethânia: “Pedrinha de Aruanda".

Mas poucos se preocuparam em ouvir os esclarecimentos da assessoria e a nota breve e maliciosa continuou a propagar seu estrago com força, repetida à exaustão e com evidente má-fé. A polêmica ganhou terreno e o Ministério da Cultura também se viu forçado a divulgar uma nota oficial esclarecendo a questão e desmentindo a nota publicada pela “Folha”: não se tratava de liberação de verba e sim de autorização para a captação de patrocínio.

De acordo com a assessoria de imprensa do ministério, o projeto de Bethânia foi autorizado a iniciar a captação de patrocínio porque cumpriu todos os requisitos técnicos estabelecidos pelos trâmites das leis de incentivo. De nada adiantou: tanto os ingênuos quanto os bandidos de plantão seguiram repetindo xingamentos e acusações sem fundamento contra o projeto de Bethânia.










Na entrevista que fiz com ela pelo telefone – que seria publicada por um jornal de Belo Horizonte – Bethânia comentou sua meta de realizar as 365 produções de poesia, ainda sem saber da polêmica que seria deflagrada no dia seguinte. Ela falou com entusiasmo do projeto e da intenção e da importância de divulgar poetas e poemas, através do blog e da distribuição do conteúdo em DVDs. Explicou que tudo teria acesso gratuito, com uma produção sendo apresentada a cada dia do ano.



Música e poesia



"Quero me comover e comover o público no dia a dia. Gosto de música e poesia, gosto da palavra, por isso o projeto das 365 produções durante o ano e por isso o novo espetáculo, que começou aí mesmo em BH, no projeto Sentimento do Mundo, promovido em 2010 pela UFMG. Posso dizer que este projeto de poesia é a minha tradução mais completa", reconhecia Bethânia pelo telefone, emocionada, sem antever nenhuma sombra da polêmica que a nota distorcida da “Folha” iria provocar em poucas horas.

Na entrevista, Bethânia contou detalhes do projeto e recordou onde e como tudo começou. Depois do sucesso da apresentação inédita em 2010 no auditório da Reitoria da UFMG, quando leu poemas de seus autores preferidos, ela havia seguido com o projeto para a Casa do Saber e para a PUC, no Rio de Janeiro, para o Itamaraty, em Brasília, durante o Encontro Mundial dos Países de Língua Portuguesa, e depois para a Casa Fernando Pessoa, em Portugal, como retribuição à Ordem do Desassossego que recebeu, junto com Cleonice Berardinelli, por ser, no Brasil, uma das maiores divulgadoras do legado de Fernando Pessoa.






No espetáculo que teve estreia em 18 de março de 2011, em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério – e que na sequência seguiria para teatros de outras capitais, todos com breves temporadas e ingressos esgotados com muita antecedência – ela trabalhou em colaboração com Hermano Vianna e Elias Andreatto. No dia da estreia em BH, Bethânia já estava no olho do furacão por conta da polêmica – talvez por isso tanta emoção concentrada na intérprete e em cada um que estava na plateia.

Acompanhada ao violão por seu maestro e arranjador Jaime Alem, com quem trabalha desde a década de 1980, e pelo percussionista Carlos César, Bethânia reuniu um roteiro de algumas canções pouco usuais em seu repertório e uma vastidão de textos especialíssimos de poetas e escritores como Guimarães Rosa, Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Caetano e Ferreira Gullar, entre outros autores nacionais, além do moçambicano José Craveirinha e dos portugueses Padre Antônio Vieira, Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andersen e, claro, Fernando Pessoa.

Pessoa é a minha tradução mais fiel”, confessou Bethânia, ao telefone. Era minha segunda entrevista com ela. A primeira tinha sido em 2001 e foi publicada pelo jornal “O Tempo”, também de Belo Horizonte. Na época, dez anos antes, ela tinha anunciado uma decisão radical: recordista de vendas entre os nomes da MPB, ela estava se desligando das grandes gravadoras e assinando contrato com a independente Biscoito Fino, propriedade de Olivia Hime e Kati Almeida Braga. O disco que marcava sua estreia na nova gravadora era o duplo “Maricotinha ao vivo”, que também comemorava seus 35 anos de carreira e trazia regravações de seus grandes sucessos.













Betha, Betha, Bethânia: acima, a partir do
alto, Bethânia na casa da mãe, Dona Canô,
em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano;
no palco, no show Rosa dos Ventos, em
1971; aos 19em fevereiro de 1965, quando
chegou ao Rio de Janeiro para substituir às
pressas Nara Leão no espetáculo Opinião;
e em Porto Alegre, em 1966, antes do show
Opinião no Teatro Leopoldina, distribuindo
autógrafos na Galeria Malcon, em
fotografia de Assis Hoffmann.

Abaixo, com o irmão Caetano Veloso no
Festival Internacional da Canção, em 1966,
apresentando a canção Beira Mar, de Caetano
e Gilberto Gil; e com Jerry Adrianiídolo da
Jovem Guardae as irmãs Nara e Danusa Leão.
Também abaixo, Bethânia com Elis Regina, em
1970, na casa em que Elis morou com o
marido Ronaldo Bôscolina Avenida Niemeyer,
no Rio de Janeiro, em foto de Kaoru Higuchi
para a revista MancheteBethânia com
Luís Melodia, Gal Costa, Nara Leão,
Odair José e Caetano em 1973, fotografados
por Antonio Guerreiro; com Osmar Prado,
galã da TV (na novela "Bicho do Mato", da
Rede Globo), em julho de 1972, na reportagem
de capa da revista "Intervalo"e Bethânia no início
dos anos 1970 em fotografia que ilustrou uma
célebre e polêmica entrevista da cantora feita
por Ronaldo Bôscoli e publicada
pela revista "Manchete" 
























Águas e mágoas



Neste mundo de corre-corre, toda poesia é um desafio, mas também é uma ideia que comove e atrai. Pelo menos para mim e para muita gente que conheço e admiro, a poesia é assunto de primeira necessidade”, disse Bethânia pelo telefone, às vésperas de ver deflagrado o circo de horrores na mídia por conta da nota distorcida publicada na “Folha”. Aquela seria sua única entrevista em muitos meses: assim que a polêmica explodiu, ela se recusou a falar com jornalistas e não foi a público se defender. Com a serenidade dos mártires, preferiu o silêncio.

Não quero julgar o valor de um ou outro escritor ou poeta nem comparar a qualidade dos textos, mas Fernando Pessoa é quem foi mais fundo na palavra em língua portuguesa. Para mim, ele é sempre uma descoberta. Mas também tem os mineiros. Rosa, Drummond, Minas não acaba nunca, são águas e mágoas, como dizem sobre o rio São Francisco”, explicava com calma Bethânia no decorrer da entrevista, que durou quase uma hora, entre pausas, encantada com os caminhos do novo projeto.









Caetano, Gal, Gil e Bethânia fotografados
no início da década de 1970, quando Caetano
e Gilberto Gil voltaram da temporada no exílio,
em Londres, imposta pela ditadura militar.
Os quatro amigos, que formariam em 1976
o grupo Doces Bárbaros, estrearam juntos
em agosto de 1964, no espetáculo
Nós, Por Exemplo”que inaugurou
o Teatro Vila Velha em Salvador.

Abaixo, Bethânia em um editorial de moda
em 1968; na polêmica entrevista que
concedeu à equipe do jornal "Pasquim",
em 1971; e com o amigo Jards Macalé
em Copacabana, em 1967, quando
Macalé começou sua carreira musical
como violonista e diretor musical dos
primeiros shows de Bethânia nos
palcos do Rio de Janeiro

















Com sua simplicidade e serenidade que encerram uma carga dramática impecável, Bethânia recitava ao telefone um ou outro verso de cada autor que enumerava ou destacava no repertório do show. A carga de emoção e a capacidade de emocionar as plateias com palavras e canções fizeram dela uma referência mítica e mística desde a estreia, em fevereiro de 1965, quando aos 19 anos chegou às pressas no Rio de Janeiro, vinda da Bahia, para substituir Nara Leão em “Opinião”, espetáculo de protesto e de resistência à ditadura militar. Produzido por artistas ligados ao Centro Popular de Cultura da UNE (CPC), “Opinião” intercalava canções e textos de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, com direção de Augusto Boal.

Naquele mesmo ano da estreia em “Opinião” ela gravaria seu primeiro disco, "Maria Bethânia" (Sony/RCA) e ganharia a atenção popular com os sucessos de “Carcará” e “Mora na Filosofia”. No ano seguinte, lançaria um disco dedicado às canções de Noel Rosa, compositor que naquela época andava esquecido e relegado a um lugar distante entre outros gigantes da música brasileira. 

Desde então, a trajetória de Bethânia teve dezenas de discos e vários recordes, incluindo a superação de um marco antes só atingido no Brasil pelo rei Roberto Carlos: mais de um milhão de cópias vendidas em um único LP, com "Álibi" (Polygram, 1978). Os recordes de vendagens ela conseguiu manter com outros lançamentos durante a década de 1980 e, ainda hoje em dia, mesmo com a alardeada crise do mercado fonográfico e com a concorrência cerrada da pirataria, as vendas dos CDs e DVDs de Bethânia sempre alcançam números surpreendentes.  









Doces Bárbaros: Gilberto Gil, Gal Costa,
Caetano Veloso e Maria Bethânia fotografados
no palco, em 1976, por Jom Tob Azulay.
Abaixo, os Doces Bárbaros, também em 1976,
fotografados por Walter Firmo para o encarte
do LP com o registro do show. Abaixo, capa
do LP Rosa dos Ventos, gravado ao vivo
durante o emblemático show de 1971; e com
Vinicius de Moraes em fotografia de 1972.

Também abaixo, Gal Costa, Bethânia e
Rita Lee em 1979, nos bastidores do
programa "Mulher 80", transmitido pela
TV Globo; com Alcione, Gonzaguinha e
Clara Nunes em 1979, no aniversário de
Alcione, fotografados por Thereza Eugênia;
Bethânia com Fernanda Montenegro
e Chico Buarque em 1990, uma das
imagens selecionadas pela fotógrafa
Cristina Granato para seu livro Um Olhar
sobre a Música Brasileira; com a escritora
Cleonice Berardinelli em março de 2010,
quando ambas receberam a medalha da
Ordem do Desassossegoatribuída pela
Casa Fernando Pessoa, de Portugal;
e Bethânia com Mãe Menininha do Gantois
em Salvador, em fotografia de 1982
de Arestides Baptista










Depois de comentar passagens da carreira desde o Tropicalismo e da turnê dos Doces Bárbaros, em que dividiu o palco com Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, chegamos aos projetos mais recentes e pergunto sobre as origens e o roteiro do espetáculo “Bethânia e as Palavras”. Ela elogiou o "resumo da ópera" que traçamos durante a entrevista e reconheceu que o novo espetáculo teria um roteiro que só estaria completo em cena, diante da plateia, a partir da noite de estreia em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério.



Um mistério e uma surpresa



“Sobre este espetáculo eu ainda tenho dúvidas", ela explicava, pelo telefone. "Era Bethânia e a Poesia, depois preferimos Bethânia e as Palavras. O roteiro foi muito pensado, mas na cena ao vivo tudo depende do dia, tudo depende da plateia, porque as plateias mudam muito de um lugar para o outro, de um dia para o outro. Mas é sempre um mistério e uma surpresa. Minha experiência de muitos e muitos anos lidando com as plateias mais diferentes de cada lugar me diz que a chave do espetáculo depende não apenas de quem está em cena. Também depende muito de quem está ali, presente, na plateia”.


























Quando, já no final da entrevista, perguntei seu público em Minas Gerais e sobre os mineiros, Bethânia desfilou elogios, lembrando outros espetáculos, outras datas, nomes e lugares de Belo Horizonte que foram para ela marcantes nas últimas décadas. Destacou especialmente o recital de poemas apresentado na Reitoria da UFMG, um ano antes, que teria aberto pela primeira vez essa possibilidade que ela acalentava há tempos, sem que tivesse ocasião para apresentar somente a poesia, deixando as canções em menor destaque, em segundo plano. O convite e o destaque para a poesia, segundo Bethânia, vieram de desdobramentos de conversas e da amizade com professores da universidade, que ela definiu como “gente iluminada”.

Este espetáculo de poesia estreou aí em Belo Horizonte não por acaso. Estava escrito”, ela diz, entre pausas e comentários bem-humorados. “Com os mineiros minha expectativa é sempre das melhores. Os mineiros têm o silêncio, a demonstração de respeito. Os mineiros têm um passado de uma história linda, que construiu o sentimento de um Brasil do futuro. Os mineiros vêm do isolamento das montanhas. Minas é sertão, silêncio e fé, como dizia Guimarães”...


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Betha, Betha, Bethânia. In: Blog Semióticas, 13 de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/betha-betha-bethania.html (acessado em .../.../...).









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