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19 de outubro de 2022

Alice surrealista






E de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?"

–– Lewis Carroll, “Alice no país das maravilhas”....





Desde suas primeiras edições em 1865, a obra-prima de Lewis Carroll “Alice no país das maravilhas” (“Alice in Wonderland”), e sua continuação publicada em 1871 “Alice através do espelho” (“Through the looking-glass and What Alice found there”), conseguiram conquistar leitores entusiasmados de todas as idades e capturar corações e mentes. Os dois livros, com Alice caindo na toca do coelho ou do outro lado do espelho, viajando por lugares estranhos, carregados de ironias e provocações, onde uma bebida pode fazer você encolher, um cogumelo pode fazer você crescer, onde flores, animais e cartas do baralho falam, e onde poucos têm coragem de resistir ao poder autoritário e insano, são constantemente tomados como referência e influência para adaptações, releituras e traduções intersemióticas, com conteúdos mais ou menos imprevisíveis, que vão das formas literárias tradicionais a versões para outras artes e mídias (veja também “Semióticas – Alice vai ao futuro”  e  “Semióticas – Alice volta ao futuro”).

A galeria dos que têm as aventuras de Alice como fonte de inspiração é quase infinita e permanece em alta, incluindo de Walt Disney e Salvador Dalí a muitos e muitos escritores e artistas de estilos e gêneros diversos, além de cineastas, estilistas de moda, designers, fotógrafos, grafiteiros e performers em geral. As aventuras da Alice de Lewis Carroll (o nome do autor é, na verdade, um anagrama do nome real da personagem, Alice Liddell, um pseudônimo que foi criado pelo matemático e pastor anglicano Charles Lutwidge Dodgson para assinar suas obras de literatura) tornaram-se, desde a origem, quase um sinônimo para “nonsense”, a expressão do estilo na literatura e nas artes que denota algo sem sentido, sem nexo, sem lógica ou sem coerência, como a verbalização de um “absurdo”, ainda que a lógica muito sofisticada de “Alice no país das maravilhas” e de “Alice através do espelho” contenha uma variedade de enigmas cognitivos e jogos de linguagem que estão bem longe dqualquer ausência de sentido.





Alice surrealista: no alto da página, Alice
na mesa do chá com o Chapeleiro Louco e
a Lebre Maluca, uma ilustração original de
John Tenniel de 1865 para o livro de Lewis Carroll.
Tenniel, um conhecido ilustrador e caricaturista da
época, foi contratado por Carroll para refazer seus
desenhos criados junto com o manuscrito.
Acima, a pequena Alice Pleasance Liddell
aos seis anos, em 1858, fotografada por
Lewis Carroll. Alice era uma das filhas de
Henry Liddell, reitor da Christ Church,
em Oxford, e Carroll ficou encantado quando
a conheceu, tanto que assinou o livro não com
seu nome original, Charles Lutwidge Dodgson,
mas com o pseudônimo que passou a adotar,
Lewis Carroll, um anagrama para Alice Liddell.

Abaixo, duas pinturas surrealistas de Max Ernst
inspiradas em "Alice no país das maravilhas" e em
"Alice através do espelho": "Alice" e "The stolen mirror"
(O espelho roubado), ambas de 1941. Max Ernst criou
diversas obras baseadas na literatura de Lewis Carroll
que fazem alusão direta a Alice no período entre
as décadas de 1930 e 1970 






  

Limites da lógica


Tal expressão nos limites da lógica, tão transgressora e tão próxima das fronteiras do fantástico e do onírico, representada com maestria pela literatura de Lewis Carrol, foi apropriada também com muita atenção pela geração de escritores e artistas do surrealismo. Seja atravessando o espelho ou quebrando as regras de Wonderland, Alice, e as galerias de personagens extraordinários que ela encontra, conseguiram atrair, de forma definitiva, o olhar fascinado dos surrealistas mais radicais. Todos, ou a maioria deles, perseguiram com curiosidade seus passos, revivendo as perplexidades e os questionamentos inconformados da menina diante do outro mundo sobrenatural que atrai e encanta.

O que Alice encontrou, depois que sua atenção é despertada pela visão incomum e muito estranha de um coelho branco com um relógio de bolso, foi um mundo subterrâneo mágico, uma realidade de fábula com criaturas aristocratas e enlouquecidas, frustradas com tudo e todos, a questionar a lógica e os hábitos mais tradicionais. Ao final do turbilhão de aventuras da primeira viagem, Alice desperta do que pode ter sido um sonho, mas embarca novamente para o mundo mágico ao atravessar o espelho e entrar em outro jogo absurdo apresentado em um imenso tabuleiro.

Hoje o que se percebe é que, na verdade, o enredo, as criaturas e a protagonista da história fizeram de Lewis Carroll um importante precursor do que viria a ser o surrealismo, atravessando as fronteiras do dadaísmo e dos demais movimentos de vanguarda dos primeiros tempos da arte moderna. O surrealismo, a seu modo, adotou Alice, apresentando ou promovendo sua atualidade para um público mais sofisticado e mais avançado no repertório do mundo das artes e da literatura. Com a aproximação, a curiosidade de Alice tornou-se um sinônimo para as investigações estéticas e existenciais em torno de surrealistas e dadaístas, assim como para os que vieram depois deles.











Alice surrealista: acima, uma página do manuscrito
original de Lewis Carroll com um de seus desenhos no
rascunho, depois refeitos por John Tenniel ("a lagarta")
para a primeira edição do livro em 1865.

Abaixo, 
duas pinturas surrealistas de Dorothea Tanning
inspiradas na 
Alice de Lewis Carroll: "Eine Kleine
N
achtmusik" (Um pouco de música noturna),
de 1943, em alusão aos diálogos de Alice
com as flores (o título da obra é uma referência
à célebre serenata de Mozart); e "Birthday"
(Aniversário), de 1942, com uma Alice adulta
vagando pelo corredor de portas no que supõe
ser um "desaniversário" 










O melhor da infância


A aproximação entre a Alice de Carroll e os surrealistas não é apenas uma possibilidade anacrônica, que se percebe somente na atualidade, ou evidenciada por analogias entre o País das Maravilhas e as criações históricas daqueles artistas: tal aproximação está presente desde o marco fundador do movimento, com as citações feitas por André Breton no primeiro “Manifesto do Surrealismo”, de 1924, no qual a principal liderança dos surrealistas valoriza, de forma nostálgica, um sentimento de admiração pelo lúdico do universo infantil que remete ao real maravilhoso que a criança Alice vai descobrindo em sua aventura no novo mundo.

Nas palavras do manifesto de Breton: “A maior parte dos exemplos que a literatura poderia me fornecer estão contaminados com coisas fúteis e vazias pela simples razão de serem dirigidas às crianças, que desde muito cedo são cortadas do maravilhoso (…). Por isso o espírito livre que ousa mergulhar no surrealismo revive, com exaltação, a melhor parte de sua infância”. Breton também destaca que das recordações da infância, repletas de encantos, vêm os sentimentos mais fecundos para a arte e para a literatura, e que talvez seja a infância o que mais se aproxima de uma vida verdadeira.






Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada
em 1860 por Lewis Carroll. Abaixo, três versões
para a mesma passagem das aventuras de
Alice, quando ela enfrenta uma chuva de
cartas do baralho: a versão de John Tenniel,
publicada em 1971 em "Alice através do espelho";
uma colagem de 1930 de Max Ernst; e uma
pintura de 1955 de Piero Fornasetti







      




Experiências lúdicas e oníricas


André Breton retornaria outras vezes à literatura de Lewis Carrol e ao mundo de Alice, uma delas encontrando no País das Maravilhas (Wonderland) o argumento para caracterizar a qualidade das imagens pictóricas em geral, conforme ele reconhece em “Surrealismo e Pintura”, de 1928. No ensaio, ao se referir à obra cubista de Pablo Picasso, Breton ressalta que as imagens do mestre espanhol abordam um continente que nos levam diretamente a um “país das maravilhas”. São estas referências fundadoras, na origem do movimento, que incentivaram e levaram outros surrealistas a também buscarem experiências lúdicas e oníricas, não conformistas e libertárias, repletas de citações e referências à Alice criada por Lewis Carroll.

Alguns deles não ficaram apenas nas citações e partiram para paráfrases ou mesmo para recriações explícitas, tanto nos domínios da pintura e do desenho como na escultura, no teatro, no cinema, na fotografia, na prosa e na poesia. Entre os expoentes do surrealismo que têm criações na década de 1930 baseadas de forma explícita na Alice de Carroll estão Picasso, Salvador Dalí, Luis Buñuel, Louis Aragon, Antonin Artaud, Max Ernst, Marcel Duchamp, Maria Martins, Dorothea Tanning, Man Ray, Georges Bataille e outros. No período da Segunda Guerra, e mais ainda no pós-guerra, novas recriações e citações sobre Alice iriam se multiplicar para além dos círculos do surrealismo e do dadaísmo (veja também “Semióticas  –  Arte entre guerras”  e  “Semióticas  –  Arte segundo Duchamp”).















Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada
aos 19 anos, em 1872, por Julia Margaret Cameron;
"Alicia, retrato de una niña", pintura de 1919 de
Joan Miró; e "Alice au pays des marveilles",
pintura de 1945 de Rene Magritte.

Abaixo, o cartaz original do lançamento em 1951
do filme de Walt Disney, que teve uma importante
participação não creditada de Salvador Dalí;
e "Lluvia de lágrimas", uma das 12 ilustrações
que Salvador Dalí fez em 1969 baseado em
"Alice no país das maravilhas", sendo uma
ilustração para cada capítulo. Alice é mostrada
no detalhe da menina pulando corda, um motivo
que aparece com muita frequência na obra
de Dalí desde a década de 1930, como em
Paisagem com garota ignorando corda,
pintura em óleo sobre tela de 1936 







              


A sedução de Alice sobre a primeira geração dos surrealistas também passou pelas telas do cinema. Desde os primeiros tempos do cinema mudo, foram várias versões para o livro de Lewis Carroll. Os filmes, seus personagens e as situações oníricas que eles experimentam ficaram marcados no imaginário coletivo e tiveram impacto sobre artistas e escritores. A primeira versão para o cinema, em 1903, teve direção de Cecil M. Hepwoeth, com 12 minutos de duração e figurinos fieis às ilustrações que John Tenniel fez para a primeira edição do livro. A segunda versão, que estreou em 1910, foi uma produção dos estúdios de Thomas Edison. Com roteiro e direção de Edwin S. Porter, teve 15 minutos de duração e truques de magia no estilo do francês Georges Méliès.

A terceira versão, de 1915, com roteiro e direção de W. W. Young, tem uma hora de duração, em uma época em que os filmes raramente ultrapassavam 15 minutos., também com truques cênicos ao estilo de Méliès e com todo o elenco de atores usando máscaras, à exceção de Alice (Viola Savoy). Uma nova versão de Alice, a quarta desde o filme de 1903, foi realizada por Walt Disney e marca sua primeira investida no mundo do cinema, depois do sucesso com as tirinhas de jornais e as revistas em quadrinhos. "Alice", série de três curtas-metragens, foi lançada em 1923, com a pequena Alice (Virginia Davis) visitando os estúdios Disney em Hollywood (e não no País das Maravilhas) e contracenando com cenários e personagens de desenhos animados.


Truques e uso de máscaras


A quinta versão, lançada em 1928, foi um média-metragem, "Alice através do espelho", com direção de Walter Lang e 40 minutos de duração, sem legendas e sem os tradicionais quadros de textos do cinema mudo. Depois vieram as primeiras versões do cinema sonoro: a primeira, de 1931, com 55 minutos, teve direção de Bud Pollard, com Ruth Gilbert no papel de Alice; a segunda, de 1933, foi mais ambiciosa e macabra, em superprodução da Paramount Pictures, com roteiro de Joseph L. Mankiewicz, direção de Norman Z. McLeod e grande elenco de astros e estrelas, entre eles Gary Cooper, Cary Grant, Edna May Oliver, Charlotte Henry (no papel de Alice) e Edward Everett Horton. McLeod reproduz os melhores truques das versões anteriores e inclui sequências de stop-motion e de desenhos animados produzidas pelos estúdios de Max Fleischer, que na época estava transpondo de forma pioneira para o cinema personagens muito populares das histórias em quadrinhos como Betty Boop e Popeye.

O sucesso do filme de McLeod levou Walt Disney a adiar por duas décadas sua versão em longa-metragem, que somente seria lançada em 1951, no formato de animação em Technicolor, com uma luxuosa colaboração não creditada de Salvador Dalí. O longa produzido por Disney ainda enfrentaria problemas com a censura e um forte concorrente para exibição no mercado europeu: "Alice au pays des merveilles", superprodução em cores de França e Reino Unido, lançada em 1949 com direção de Dallas Bower e surpreendentes efeitos visuais, com Alice (Carol Marsh) e os atores contracenando com bonecos em animação stop-motion e com desenhos animados, em versão muito fiel ao "nonsense", ao humor e às sátiras sobre personalidades históricas da época em que o livro foi publicado.


  











Alice surrealista: no alto, a versão para o cinema
lançada em 1903, com Alice perseguida pelo
exército de cartas do baralho. Acima, duas cenas
do filme de 1915, com a atriz Viola Savoy.

Abaixo, Alice na versão de 1933, que foi a segunda
do cinema sonoro; e o cartaz original da Alice de 1949







      

As aproximações entre a Alice de Carroll e os surrealistas vão muito além das fronteiras do movimento originário da França, como comprova um marco historiográfico: no primeiro estudo publicado sobre o surrealismo na Inglaterra, em 1935, o historiador da arte David Gascoyne destacou que a arte surrealista nasceu de uma matriz inglesa pela literatura de Lewis Carroll. Dois anos depois, em 1937, uma exposição de vanguarda no Museu de Arte Moderna de Nova York celebrava obras-primas da arte no universo do fantástico, do dada e do surreal, incluindo dois desenhos originais de Lewis Carroll, o Gryphon e a Mock Turtle (a tartaruga falsa). Trata-se de uma homenagem ao criador de "Alice" e também é uma grande ironia descobrir que, na primeira exposição sobre os precursores do surrealismo, a arte de Lewis Carroll, que se considerava um desenhista apenas amador e limitado, tenha surgido ao lado de mestres aclamados pela tradição como Pieter Bruegel, Johann Fuseli e William Blake.


Palavras com imagens


A literatura e Lewis Carroll e sua arte como ilustrador e fotógrafo também aparecem reverenciadas em publicações que são consideradas como bíblias pela primeira geração surrealista, como destaca Georges Didi-Huberman em “A semelhança informe” (Editora Contraponto, 2015), tais como a revista “Documents” (que teve 15 números, com edição de Georges Bataille, entre 1929 e 1930) e a revista “L’Usage de la Parole” – que na edição de dezembro de 1939 apresentou em destaque três poemas de Carroll, publicados lado a lado com outros fragmentos de prosa e poesia escritos por expoentes das vanguardas como Gaston Bachelard, Paul Éluard e Marcel Duchamp, entre outros, como se o autor de “Alice no país das maravilhas” fosse, de fato, um dos militantes do surrealismo, e como se sua obra fosse uma sátira produzida em meados do século 20 sobre uma sociedade controlada por convenções inúteis e impostas pelas classes dominantes.










Alice surrealista: acima, The old maids, pintura de
1947 de Leonora Carrington, com Alice representada
na figura alta vestindo azul, à esquerda; e retratos de
Alice em duas serigrafias de 1970 de Peter Blake.

Abaixo, Lewis Carroll em autorretrato de 1857
e o Coelho Branco na versão desenhada por
Ralph Steadman para uma série de serigrafias
sobre Alice criada em 1967. Desde a década de 1960,
a expressão "perseguindo o Coelho Branco" passou
a ser uma espécie de código usado para descrever o
uso de drogas alucinógenas, fazendo de Alice
uma garota propaganda involuntária para os
hábitos da geração hippie e da cultura psicodélica






Lewis Carroll também surge em destaque ao lado de mestres como Sigmund Freud, Marquês de Sade, Lautreamont, Rimbaud e Mallarmé em uma edição especial de “VVV”, a revista que foi uma obra de referência do surrealismo e teve circulação em Nova York com quatro números publicados entre 1942 e 1944. O entusiasmo com as recriações e referências à Alice de Carroll na arte e na literatura surrealista permaneceram nas décadas seguintes, com novos tributos e releituras pelas obras de Max Ernst, Dorothea Tanning, Leonora Carrington, Joan Miró, Marc Chagall, René Magritte, Duchamp e Dalí, entre muitos outros, prosseguindo com uma diversidade de artistas de outros estilos e áreas diversas até a atualidade, passando da estética, das artes plásticas e da forma literária tradicional para as questões comportamentais e semióticas, multimídia, antropológicas, sociológicas, diversionais e políticas.


Tradição e ruptura


Em 1951, há um importante destaque para o tema "Alice" com o lançamento da animação de Walt Disney em cinemas do mundo inteiro, o que trouxe novo impulso para a popularização da literatura de Lewis Carroll e para as aventuras da personagem. Resultado de uma polêmica parceria não-creditada entre Disney e Salvador Dalí (veja mais em “Semióticas  –  Alice volta ao futuro”), o filme de Disney recebeu elogios e críticas, ganhando novos sentidos a partir da década seguinte, quando entram em cena os movimentos da contracultura e o uso diversional de alucinógenos, acrescentando novas camadas de sentido às experiências que Carroll apresentava nas descobertas de Alice em seu mundo imaginário. Alice ganhou cores psicodélicas, passou a ser sinônimo de viagens alucinantes e embalou sucessos de estrelas do rock e da música pop, incluindo “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, e “I’am the Walrus”, dos Beatles, entre muitos outros. Um observador atento até poderia supor que Alice se tornou uma avó para a geração hippie.

















Alice surrealista: acima, reprodução do manuscrito
original de Lewis Carroll e Cheshire Cat, pôster de
1967 de Joseph McHugh; o selo da gravadora
britânica Charisma, que estampava nos discos
de vinil o Chapeleiro Louco e outros personagens
de Alice e que lançou, entre 1969 e 1983, grandes
sucessos do rock e do pop, entre eles Genesis,
Malcom MacLaren, The Alan Parsons Project
e outros; e uma imagem da série "Alícia",
versão de 2010 de Xavier Collette.

Abaixo: 1) uma das versões de Alice criadas em
2019 por Alex Prancher em fotografias e filmagens
nas ruas de Los Angeles; 2) "Alice" na versão
de Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre
do Japão, que ilustrou uma edição recente do livro
pela Penguin Classics; 3) "Alice" na versão fotografada
debaixo d'água em 2014 pela russa Elena Kalis e lançada
como fotolivro, com sua filha Alexandra como modelo;
4) a versão "hype" criada por Tim Walker para o
Calendário Pìrelli 2018; 5) a soprano Zenaida Yanowsky
como Rainha de Copas na montagem de 2011
para Aventuras de Alice no país das maravilhas
pelo The Royal Ballet de Londres com direção
de Johan Persson e figurinos de Bob Crowley;
e 6) modelo de abertura da coleção primavera verão
de 2015 criada por Vivienne Westwood
em homenagem às aventuras de Alice















As citações e referências aos paradoxos, aos trocadilhos e aos jogos de linguagem de Alice também conquistaram um campo fértil em uma diversidade de estudos teóricos em áreas variadas, com destaque para referências importantes em obras como “As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas” (1966), de Michel Foucault; “A lógica do sentido” (1969), de Gilles Deleuze; e “Nonsense: aspectos da intertextualidade no folclore e na literatura” (1979), de Susan Stewart. Tudo isso e mais uma infinidade de teses acadêmicas e de abordagens científicas que tentam interpretar a obra literária de Lewis Carroll em suas confluências com a infância, com a pedagogia, com a psicologia, com as questões sociológicas e ideológicas mais plurais e polissêmicas.

Os investimentos em recriações e citações sobre as aventuras de Alice, que tiveram um capítulo central com a primeira geração dos surrealistas, prosseguem a pleno vapor na atualidade, com novos filmes, novas versões em diversas mídias, novas edições e novas adaptações da obra original que vão da versão estilizada criada por Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre do Japão, à inspiração declarada e várias citações na saga de cinema "Matrix", da dupla Lana e Lilly Wachowski, a coleções de alta costura das grifes mais célebre dos mundo da moda e até uma versão brasileira, "Alice dos Anjos", com Alice enfrentando um coronel tirano no sertão nordestino. Tudo indica que Alice e a literatura de Carroll seguirão sua viagem de descobertas em direção ao futuro próximo e distante – um percurso por certo imaginado pelo autor, que não por acaso registrou em imagens fotográficas, ainda nos primórdios da fotografia, os capítulos de uma incrível viagem existencial: a evolução biográfica, da primeira infância ao começo da idade adulta, dos quatro aos 18 anos, de Alice Pleasance Liddell, sua principal musa inspiradora.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Alice surrealista. In: Blog Semióticas, 19 de outubro de 2022. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2022/10/alice-surrealista.html (acessado em .../.../…).


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Alice surrealista: acima, "Down the rabbit hole"
(Caindo no buraco do coelho), gravura em técnica
mista de Kristjana Williams. Abaixo, cenas de
"Alice", filme de 1988 de Jan Švankmajer; uma
versão de Alice que se passa no sertão do Nordeste
brasileiro, "Alice dos Anjos", com roteiro e direção de
Daniel Leite Almeida, com Alice enfrentando um
coronel tirano; e a montagem de "Wonder.land",
espetáculo musical para público adulto do
Royal National Theater de Londres, em 2015,
escrito por Moira Buffini, com direção de Rufus Norris,
música de Daman Albarn e cenografia de Rae Smith












29 de julho de 2022

Retratos de August Sander






Nenhuma obra de arte é contemplada tão atentamente 

em nosso tempo como a imagem fotográfica de nós mesmos, 

de nossos parentes próximos, de nossos seres amados.

–– Alfred Lichtwark (1852-1914).   


A arte do retrato fotográfico, que teve início em meados do século 19, ganhou um capítulo especial no século 20 com as fotografias do alemão August Sander (1876-1964). Considerados um caso exemplar de fotografia documental, os retratos feitos por Sander são abordados como referência importante em alguns dos principais estudos já realizados sobre fotografia: ele é citado como “corpus extraordinário” por Walter Benjamin em “Pequena história da fotografia” (1931) e é um dos fotógrafos selecionados para as análises que Roland Barthes apresenta em “A câmara clara” (1980), assim como está destacado por suas “imagens de arquétipo” no estudo não menos célebre de Susan Sontag (em “Sobre a fotografia”, de 1973) e também surge como parâmetro e analogia para uma “idealização do poder” na leitura de John Berger (em “Para entender uma fotografia”, de 2013).

Um “revival” em homenagem à arte de August Sander aconteceu recentemente com uma exposição itinerante aberta no Museu de Arte Contemporânea da cidade de Siegen, na Alemanha. Depois de Siegen, a exposição seguirá uma extensa agenda em outros importantes museus da Europa e de outros continentes. Trata-se da primeira grande exposição sobre o acervo de Sander desde a década de 1960, quando depois de sua morte foram realizadas retrospectivas de seus retratos nos museus de Siegen (1964), de Herdorf (1965), terra natal do fotógrafo, e no MoMA de Nova York (1969). Nos anos seguintes, houve apenas pequenas amostragens da obra de Sander em exposições nos museus da Alemanha e de outros países.









Retratos de August Sander: no alto da página,
"Agricultores, 1914", uma das fotografias
destacadas por John Berger. Acima, "Notário",
o trabalhador do cartório na fotografia analisada
por Roland Barthes em A câmara clara;
e August Sander em autorretrato
da década de 1950.

Abaixo, "Desempregado, 1928";
e um quadro com as 70 fotografias do arquivo
de August Sander selecionadas pelo próprio
fotógrafo e apresentadas na exposição do
Museu de Arte Contemporânea
da cidade de Siegen, Alemanha
 










A nova exposição em Siegen traz uma seleção de 70 ampliações dos retratos de August Sander – seleção que havia sido feita pelo próprio fotógrafo no início da década de 1960. Com o título de “70 Porträts aus, Menschen des 20. Jahrhunderts” (70 retratos de pessoas do século 20), a exposição já é considerada a mais importante e mais abrangente já realizada com o trabalho de August Sander. A homenagem à arte do retrato segundo Sander ainda traz como atração adicional um evento paralelo incomum: a exposição acontece simultaneamente a uma outra mostra, apresentada no mesmo museu, chamada de “Nach August Sander, Menschen des 21. Jahrhunderts” (Depois de August Sander, pessoas do século 21), que reúne retratos feitos por 13 fotógrafos contemporâneos e que tem a proposta de estabelecer um diálogo conceitual com o acervo de Sander, com curadoria de Thomas Thiel.


Traduções de uma época


Durante décadas, August Sander fotografou grupos profissionais e classes sociais com um método muito planejado e com rigor de estudo antropológico. Ele começou a fotografar ainda na adolescência, quando acompanhava o pai, que era trabalhador em uma mina em Herdorf, e aprendeu os primeiros passos no ofício da fotografia ajudando fotógrafos profissionais que trabalhavam para a empresa que explorava as minas. Com apoio de um tio, comprou sua primeira câmera antes de prestar o serviço militar. Mais tarde, no exército, entre 1897 e 1899, atuou como assistente de fotografia e, nos anos seguintes, viajou por cidades da Alemanha trabalhando como fotógrafo e aperfeiçoando seu ofício.







Retratos de August Sander: acima, o casal
em fotografia de 1912 nomeada como
"Criação e Harmonia".

Abaixo, "Faxineira", fotografia de 1928;
"Lavadeira", fotografia de 1930; e
"Garota em uma carroça na feira",
fotografia de 1932















Em 1901, Sander foi contratado por um estúdio fotográfico na cidade de Linz, onde permaneceu durante uma década, primeiro como funcionário e depois como sócio da empresa. Em 1909, abriu seu próprio estúdio na cidade de Colônia, iniciando a série “Retratos do século 20”, seu projeto ambicioso para montar um amplo catálogo fotográfico sobre a sociedade alemã. No projeto, chegou a reunir um grande acervo de centenas de retratos em 45 portfólios temáticos organizados em sete categorias identificadas como “O fazendeiro”, “O artesão”, “A mulher”, “As fazendas” (listando os trabalhadores pelas tarefas que desempenhavam), “Os artistas”, “A grande cidade” (moradores e trabalhadores das cidades) e “À margem”, que talvez represente a parte mais radical e mais polêmica de seu trabalho, com ciganos, imigrantes, andarilhos e pessoas que, por algum motivo, estavam marginalizadas pela sociedade de sua época.

A primeira seleção dos retratos de August Sander foi feita por ele mesmo, em 1929, quando publicou uma seleção de 60 fotografias em “Antlitz der Zeit(Rostos do nosso tempo), um livro que inspirou trabalhos similares de fotógrafos do primeiro time de outros países, entre eles os norte-americanos Walker Evans (1903-1975), Robert Frank (1924-2019) e Diane Arbus (1923-1971) ou o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004). Porém, com a chegada dos nazistas ao poder, na Alemanha, o trabalho de Sander passou a sofrer censura e perseguições. Seu filho Erich, militante de um partido de esquerda, foi preso em 1934 e condenado a 10 anos de prisão. Em 1936, seu livro “Antlitz der Zeit” foi recolhido e proibido, tendo todas as matrizes de impressão destruídas, sob o argumento de que o fotógrafo promovia somente os pobres e as exceções da sociedade, e não os alemães “legítimos”.










Retratos de August Sander
: no alto, "Pugilistas",
fotografia de 1929; acima, "Estudante do ensino médio",
de 1926. Abaixo, "Meninas", fotografia de 1925;
e "Viúvo" (Witwer), fotografia de 1914












Fotografias e máscaras


Quando a Segunda Guerra Mundial começou, August Sander se mudou de Colônia para a área rural e durante anos passou a fotografar apenas a natureza e as paisagens. No pós-guerra, Sander retorna à vida nas cidades e monta um acervo extenso sobre a arquitetura e as ruas dos centros urbanos da Alemanha, mas não retornou ao projeto original de “Retratos do século 20”. Quando morreu, em 1964, deixou um valioso acervo com mais de 40 mil imagens, incluindo negativos e ampliações, que levaram à criação do Arquivo August Sander, com sede na cidade de Colônia. Uma amostragem de 650 fotografias selecionadas do arquivo foi publicada em um catálogo em 1999, com edição da Taschen e curadoria de Susanne Lange-Greve.

Nos retratos de August Sander, Walter Benjamin percebeu a “grandeza anônima” de um rosto humano, que aparece nas fotografias com uma significação nova e, em suas palavras, “incomensurável”, ressaltada pelo prefácio da primeira edição de “Rostos do nosso tempo”, escrito por Alfred Düblin. Segundo a análise de Benjamin, “August Sander reuniu uma série de rostos que em nada ficam a dever à poderosa galeria fisionômica de um Eisenstein ou de um Pudovkin, e ele realizou este trabalho numa perspectiva científica” (Benjamin, “Pequena história da fotografia”. In: “Obras escolhidas”, vol. 1, editora Brasiliense, p. 102-103). Benjamin também elogia a “atualidade insuspeitada” da obra de Sander reunida no livro, que ele define como “mais que um livro de imagens, é um atlas, no qual podemos exercitar-nos”.














Retratos de August Sander: no alto,
"Três gerações de uma família", fotografia
de 1912; acima, "As irmãs Fuchs", de 1912.

Abaixo, "Trabalhadores na região de Ruhr",
fotografia de 1928; e "Mestre de obras", de 1926 
 







Assim como Benjamin, Roland Barthes também considera o impacto da galeria fisionômica de August Sander, que ele nomeia como “máscaras”, figuras que revelam mitologias antes insuspeitadas. “Os grandes retratistas são grandes mitólogos: Nadar (a burguesia francesa), Sander (os alemães da Alemanha pré-nazista), Avedon (a ‘high-class’ nova-iorquina). A máscara é, no entanto, a região difícil da fotografia, porque a Fotografia da Máscara é, de fato, suficientemente crítica para inquietar (em 1934, os nazistas censuraram Sander porque seus ‘rostos da época’ não correspondiam ao arquétipo nazista da raça), mas por outro lado, é muito discreta (ou muito ‘distinta’) para constituir verdadeiramente uma crítica social eficaz, pelo menos segundo as exigências do militantismo: qual ciência engajada reconheceria o interesse da fisiognomonia?” (Barthes, “A câmara clara”, editora Nova Fronteira, p. 58-62). Uma das fotografias que Barthes toma como exemplo e parâmetro de sua abordagem é o retrato do “notário” de Sander, sobre o qual ele questiona e provoca: “A aptidão para perceber o sentido, político ou moral, de um rosto não é, em si mesma, um desvio de classe?”


Mundo em desaparecimento


As “máscaras” que August Sander registrou também estão em destaque na análise de Susan Sontag, para quem os célebres retratos que o fotógrafo fez das pessoas comuns não são apenas imagens documentais e sim, “apesar de seu realismo de classe, uma das obras mais verdadeiramente abstratas da história da fotografia” (Sontag, “Sobre a fotografia”, editora Arbor, p. 59-62). Sontag também ressalta que nas fotografias de Sander os pobres não deixam de ter um ar de dignidade, o que não se deve a qualquer altruísmo ou qualquer intenção de compaixão: eles têm dignidade, segundo Sontag, porque são vistos (e fotografados) do mesmo modo frio que qualquer outra pessoa de classes sociais mais abastadas. Susan Sontag também percebe que o fotógrafo não sabia que estava registrando um mundo em desaparecimento, provocado pelo avanço acelerado do nazismo: o próprio August Sander não pensava que estava revelando a verdade das pessoas, mas sim capturando, de uma forma técnica e isenta de preconceitos, as “máscaras sociais” de sua identidade e sua individualidade.















Retratos de August Sander: no alto,
"Carregador de tijolos", fotografia de 1928;
acima, "Fazendeiro", de 1910.

Abaixo, "Dois jovens boêmios
(Willi Bongard e Gottfried Brockmann)"
,
fotografia de 1925







John Berger foi outro teórico importante que não resistiu à analogia das fotografias com “máscaras”, apresentadas a partir dos retratos de August Sander como reveladoras da classe social, do lugar no mundo, das aspirações existenciais de cada indivíduo anônimo ou bem posicionado na escala da sociedade e da hierarquia de seu tempo. Berger vê o “retrato político” na obra de Sander, mas considerando um amplo alcance para o adjetivo “político”, nunca redutível à sedução das instâncias do poder na época ou à resistência diante do que fosse injusto ou opressivo – ainda que seja impossível não considerar a trajetória do projeto fotográfico de Sander frente ao avanço do nazi-fascismo, à destruição e à violência como programa de governo que teriam a Segunda Guerra como desfecho.

Para Berger, alguns dos retratos, na extensa galeria de tipos dos mais diversos extratos sociais que Sander fotografou, são especialmente evidentes quanto à idealização do “poder puramente sedentário” e podem ser destacados como uma ilustração da hegemonia que antecede a tomada do poder na Alemanha pelo nazismo (Berger, “Para entender uma fotografia”, editora Companhia das Letras, p. 63-66). Um dos exemplos, que Berger considera “cristalino” e “sedutor”, é a fotografia que mostra três camponeses felizes, vestindo terno, a caminho do baile. Trata-se, segundo Berger, de uma lição prática sobre a quantidade de informação que existe ali para ser descoberta e revelada.
















Retratos de August Sander: no alto,
"O artista austríaco Raoul Hausmann e suas
amigas Hedwig Mankiewitz e Vera Broido"
,
fotografia de 1929; acima, "Artista de circo",
de 1932; e "Artistas no Carnaval da cidade de
Colônia"
, de 1931. Abaixo, "Cigano", fotografia
de 1930, e "O confeiteiro", de 1928.

No final da página, três amostras das releituras
contemporâneas dos retratos de Sander, que
fazem parte da exposição 
Depois de August Sander,
pessoas do século 21
, também apresentada
no Museu de Arte Contemporânea de Siegen:
"Camouflage" (2006), de Hans Eijkelboom;
"Golden" (2018), de Tobias Zielony; e
"A possible mutation" (1994), de Collier Schorr











Diálogo contemporâneo


O plural de leituras que a galeria de retratos de August Sander proporciona foi a referência para a escolha dos 13 fotógrafos contemporâneos, alemães e estrangeiros, que tiveram suas obras selecionadas para a mostra “Depois de August Sander, pessoas do século 21”. Foram convidados pelos curadores: Mohamed Bourouissa, Jos de Gruyter & Harald Thys, Hans Eijkelboom, Omer Fast, Soham Gupta, Sharon Hayes, Bouchra Khalili, Ilya Lipkin, Sandra Schäfer, Collier Schorr, Tobias Zielony Artur Żmijewski. O foco para a escolha dos retratos, feitos por cada um dos fotógrafos, foi a possibilidade de diálogo com as 70 fotografias selecionadas pelo próprio August Sander, no começo da década de 1960, agora apresentadas no Museu de Arte Contemporânea de Siegen.

Enquanto os retratos em preto e branco de August Sander ocupam as galerias principais do museu de Siegen, os convidados têm seus trabalhos, em cores, na grande maioria, apresentados em galerias paralelas. Na comparação entre o preto e branco das fotografias antigas e o colorido intenso dos retratos contemporâneos, o impacto das imagens de Sander permanece inalterado, mas os fotógrafos convidados surpreendem com retratos que atualizam o tema das classes sociais e suas ocupações com originalidade.

O salto no tempo, com um intervalo que tem aproximadamente 100 anos, entre os retratos de August Sander e os retratos contemporâneos selecionados, torna visíveis mudanças de atitude e de comportamento em relação à vida cotidiana e novas questões políticas sobre pessoas comuns. A observação atenta dos retratos de August Sander levou Susan Sontag, em “Sobre a fotografia”, a lembrar aquela máxima do poeta Sthépane Mallarmé de que tudo no mundo existe para terminar num livro. Parodiando Sontag e Mallarmé, podemos chegar à conclusão de que observar estes retratos, com um intervalo de quase um século, revela que todos os rostos do mundo existem para serem fotografados.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Retratos de August Sander. In: Blog Semióticas, 29 de julho de 2022. Disponível em https://semioticas1.blogspot.com/2022/07/retratos-de-august-sander.html (acessado em .../.../…).


Para fazer uma visita virtual à exposição no Museu de Siegen,  clique aqui.




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"Camouflage"
 (2006), de Hans Eijkelboom
     





"Golden" (2018), de Tobias Zielony

  



"A possible mutation" (1994), de Collier Schorr


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