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19 de novembro de 2012

A guerra de Banksy










Hoje pela manhã, enquanto os sites de notícia contabilizavam os números de palestinos mortos nos ataques com mísseis contra a Faixa de Gaza pelo exército de Israel, mais um trabalho do misterioso artista britânico Banksy foi publicado no seu site oficial. Trata-se de “Happy choppers”, uma bela paisagem com céu azul piscina e bucólicas nuvens, pontuada por helicópteros de guerra (os “happy choppers”) enfeitados com laços de fita cor-de-rosa. Com Banksy é sempre assim. O mais prosaico e comum aparece pontuado com um detalhe que faz do grafite uma poderosa manifestação política.

Foi assim desde o começo, quando vieram as primeiras notícias sobre as primeiras obras de Banksy. Elas surgiram no final da década de 1980 em Bristol, que se supõe ser sua cidade natal, e em seguida passaram às ruas de Londres. E já surgiram com esta explosiva mistura de arte e denúncia, combinando uma habilidade incomum com o grafite e técnicas de estêncil. Os trabalhos atribuídos a Banksy foram encontrados no início de tudo em ruas, muros e pontes de Londres. Hoje, estão espalhados por várias outras cidades por todo o mundo. Trabalho real de um só artista ou trabalho coletivo de muitos, que se apropriaram da ideia original? Eis uma fronteira cada vez mais difícil de ser demarcada.

Com Banksy, nenhum detalhe é gratuito, nada está ali no grafite por acaso. Lembro de uma notícia divulgada há alguns meses pela BBC e reproduzida em todos os telejornais brasileiros, sem nenhuma explicação que aliviasse os mais desavisados sobre que enigma era aquele chamado Banksy: acabava de ser descoberto no norte de Londres uma pintura, em uma parede de uma loja, que mostrava um menino debruçado sobre uma máquina de costura com a bandeira do Reino Unido.









Arte do grafite segundo Banksy:
no alto, Happy choppers. Acima e
abaixo, grafite do artista na parede de
uma loja Poundland, no bairro de Haringey,
ao norte de Londres., que foi batizado
pelos jornalistas que o encontraram
como Slave labour (trabalho escravo) em
referência às denúncias sobre as fábricas
irregulares e terceirizadas que produziram
enfeites e lembranças para as Olimpíadas
de 2012 em Londres.

Também abaixo, um dos primeiros
grafites de Banksy em Bristol, que
se supõe ser a cidade natal do artista













Em nenhum momento, naquela matéria reproduzida e traduzida por todos os telejornais brasileiros, foi dito que Banksy era um artista anônimo e desconhecido, que desde os anos 1990 virou uma celebridade internacional pela qualidade de seu trabalho com grafite e pelas mensagens políticas das mais radicais, que expressam sua denúncia contra situações das mais injustas e desumanas.

A matéria, praticamente idêntica no texto e nas imagens originais da BBC, sugeria, talvez, para os tais desavisados, que se tratasse de uma obra de arte rupestre, “descoberta” no norte de Londres depois de milênios de esquecimento – ou talvez ainda (quem saberia?) pudesse ser um daqueles artefatos místicos, nos quais alguns visionários dizem encontram imagens da Virgem Maria, de Jesus, da Sagrada Família... 










Enigmas nas ruas



Aquela imagem ao norte de Londres, atribuída a Banksy, que se transformou em mais um enigma para o telespectador das TVs no Brasil, pela brevidade e pela redação que oscilava entre o descuido e a ironia, apareceu, na verdade, em maio de 2012 na parede de uma loja Poundland no bairro de Haringey. Não por acaso: as lojas Poundland são conhecidas entre o público londrino por venderem produtos diversos pelo preço unitário de apenas uma libra. Sabe-se, também, que muitos daqueles produtos vêm de países em que supostamente se emprega mão de obra infantil.

A imagem de Banksy grafitada na fachada da loja Poundland, “surgida misteriosamente, da noite para o dia”, como sempre, foi gravada em preto e branco com estêncil e decorada com bandeiras coloridas da Inglaterra. Um elemento a mais em uma série que, poucos meses depois, teria acréscimos dos mais inteligentes e provocadores: as vésperas dos Jogos Olímpicos em Londres, o artista e militante político misterioso driblou a vigilância policial reforçada – que proibiu grafites em Londres e ameaçava prender quem desobedecesse a ordem – e registrou novos trabalhos nas ruas.











Banksy em ação: no alto, Mickey Mouse
e Ronald McDonald conduzem a garotinha
da foto que chocou o mundo na Guerra 
do Vietnã. Acima, a metalinguagem com
o inimigo público do grafite; o médico que
examina os símbolos de paz & amor;
e a mensagem de amor estampada no
quadro negro de uma escola pública
na cidade de Bristol, na Inglaterra.

Abaixo, a arte de Banksy no
Muro da Segregação, na Palestina, em
dois registros de 2005: a menina com
os balões e a pomba da paz usando
colete a prova de balas. No único livro de
Banksy, Guerra e Spray, há a reprodução
de um breve diálogo do artista, que trabalha
usando máscara e capuz para preservar o
anonimato, com um idoso, morador da
Faixa de Gaza. O idoso comenta:
Você pintou o muro, ele ficou bonito”.
Obrigado”, respondeu Banksy. O idoso:
Não queremos que esse muro 
fique bonito, nós odiamos
esse muro, vá embora!”
















Ações políticas: entre as várias mensagens assinadas por Banksy, nas vésperas dos Jogos Olímpicos, um dos grafites trazia um atleta arremessando um míssil; outro grafite retratava um homem com uniforme de presidiário escapando através da modalidade “salto com vara”. Para alguns, são “ataques”. Para outros, “arte”. Mas, de fato, ninguém sabe quem é Banksy.

Sabe-se, apenas, que este é o notório pseudônimo de um grafiteiro, pintor, ativista político e diretor de cinema inglês (várias de suas vinhetas e animações têm milhões de acessos no YouTube e em outros endereços da internet) que, apesar da fama e de vários prêmios conquistados, nunca revelou sua verdadeira identidade. Passa o tempo e o artista do estêncil e do spray tem deixado a marca ideológica de sua irreverência em paredes de cidades do mundo inteiro, de Londres à Palestina. Também é fato consumado que tenha nascido em Bristol, no sul da Inglaterra, onde iniciou suas atividades. 



Banksy chega ao Brasil – em livro



O grafite, forma de expressão artística e de militância política com tinta e spray em paredes das ruas e espaços públicos, vem desde a Antiguidade. Em nossa época, o grafite retornou com os movimentos de contestação e contracultura que tomaram o mundo durante a década de 1960. O grafite no Brasil remonta à luta contra a ditadura militar – época em que era alardeado na imprensa como obra de “subversivos”, “rebeldes sem causa”, “juventude transviada”. Na década de 1970, graças à influência de nomes como Andy Warhol, atingiu em Nova York o status de “grande arte” e chegou aos principais museus, ressurgindo, na década seguinte, como manifestação central do movimento Hip Hip, refletindo especialmente a realidade das ruas e a situação dos menos favorecidos.

Banksy mantém o tom de protesto e defesa dos menos favorecidos, mas representa um novo capítulo nesta história – conforme está registrado em “Wall and Piece”, livro que reúne a breve trajetória do artista misterioso que assina apenas Banksy, foi um sucesso tão grande, quando lançado na versão original em inglês pela Random House, em 2005, que permanece até hoje nas listas de mais vendidos. Agora, sete anos depois, a arte de Banksy chega ao Brasil em edição da Intrínseca e tradução de Rogério Durst.










Em 240 páginas, o melhor de Banksy em grafites e estêncils que já se tornaram clássicos, incluindo as grandes pinturas no Muro da Cisjordânia e suas peças mais famosas das grandes cidades europeias e americanas, os ratos de guarda-chuva, macacos ameaçando dominar o mundo, Monalisa armada com bazucas, Jesus segurando sacolas de marcas famosas, inusitados sinais de trânsito e cenas mordazes sobre as guerras e a sociedade do século 21. Cada imagem é acompanhada por textos curiosos sobre as datas e situações em que cada grafite e cada estêncil foi produzido.

A versão nacional, intitulada “Guerra e spray”, traz um guia sobre este que muitos consideram um dos maiores grafiteiros da história, em pé de igualdade com lendas como o norte-americano Keith Haring ou Jean-Michel Basquiat, que tinha ascendência porto-riquenha por parte de mãe e haitiana por parte de pai. O livro, compilado dos outras três publicações sobre o mistério de Banksy, reune o melhor de seus trabalhos criados para as ruas e também intervenções que o artista fez como convidado especial de instituições como os principais museus de Nova York e o Zoológico de Barcelona, na Espanha. 














Grafites de Banksy nas ruas de Londres:
no alto, Mona Lisa com bazuca e uma obra
do artista pintada no Mali, África. Acima,
o beijo dos policiais; e a garotinha com o
balão e a mensagem "lute contra os
lutadores, não em suas guerras".

Abaixo, os homens primitivos em guerra
contra os carrinhos de supermercado;
um dos protestos de Banksy durante
os Jogos Olímpicos de Londres
e a pose poética de uma bailarina, em
metalinguagem, descoberta no verso de
uma tela que estava no British Museum.
Também abaixo, dois flagrantes de Banksy
em ação em Londres, registrados por seu
antigo colaborador Steve Lazarides, que
prepara um livro de fotos com histórias
de sua parceria com o artista misterioso
no período de 1997 a 2009














Também estão em destaque algumas das breves palavras do próprio artista militante, que apresenta um autêntico guia para novos grafiteiros e lista dicas importantes sobre como fazer grafites e estêncils de qualidade e ainda conseguir fugir dos policiais. “Guerra e Spray”, como não poderia deixar de ser, leva à questão da valorização do trabalho do artista de rua – que no mundo inteiro, inclusive no Brasil, vem propor uma nova revolução artística.

No diário de Banksy, cabem as questões mais prosaicas sobre a vida e o amor, mas também manifestos incômodos sobre guerra e hábitos de consumo. “É preciso muita coragem para, numa democracia ocidental, alguém se erguer anonimamente e clamar por coisas como paz, justiça e liberdade”, diz Banksy, no livro. Pacifista, sarcástica, inconformista, apontada com honra entre o que há de mais importante e inquietante no cenário cultural das últimas décadas, a arte de Banksy passou à história com sua fórmula de poética e política.



por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A guerra de Banksy. In: _____. Blog Semióticas, 19 de novembro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/11/banksy-guerra-e-grafite.html (acessado em .../.../...).




Fotos e vídeos de Banksy no site do artista (clique aqui).


Para comprar o livro Banksy, Guerra e Spray,  clique aqui.



 






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DEZ DICAS de Banksy para fazer um estêncil

  1. "Pense fora da caixa, pisoteie a caixa, enfie uma faca afiada nela"

  2. "É sempre mais fácil conseguir perdão do que permissão" 
     
  3. "Vandalismo irracional pode requerer um pouco de raciocínio"

  4. "Com uma lata comum de tinta de 400 ml você faz até 50 cópias de estêncil no formato A4. Isso significa que da noite para o dia, você pode se tornar incrivelmente famoso/impopular numa cidade pequena por apenas dez libras" (cerca de R$ 32,40) 
     
  5. "Aplique a tinta spray com moderação no estêncil, a uma distância de 20 centímetros"

  6. "Quando se explicar para a polícia, seja o mais razoável possível. Grafiteiros não são bandidos de verdade. Bandidos de verdade acham a ideia de invadir um lugar, não roubar, e deixar uma pintura com seu nome assinado uma das coisas mais retardadas que já viram"

  7. "O tempo de tornar seu nome famoso sem nenhum motivo já era. A arte cujo objetivo é apenas a vontade de ser famoso nunca vai fazer você famoso"

  8. "A maneira mais fácil de se tornar invisível é vestir um colete fosforescente e portar um pequeno rádio transistor ligado no último volume. Quando for questionado sobre a legitimidade de sua pintura, reclame do quanto está recebendo por hora"

  9. "Tenha consciência de que sair completamente bêbado e fora de si para uma missão importante pode resultar em uma arte sensacional e em pelo menos uma noite na cadeia"

  10. "Nada no mundo é mais comum que pessoas sem talento e sem sucesso, então saia de casa antes de encontrar algo que faça valer a pena permanecer lá" alerta do livro: “esta obra contém elementos criativos e artísticos do grafite e não tem a intenção de induzir sua prática em lugares em que ela seja ilegal ou inapropriada”. 



    Trecho extraído do livro “Guerra e Spray”, de Banksy 









    Banksy e o rato anarquista:
    sucesso nas ruas de Londres


9 de outubro de 2011

Vida de Artista







O mal é feito sem esforço, naturalmente, é um
trabalho do destino. O bem é produto da Arte.
---- — Charles Baudelaire (1821-1867).   



  A arte de pintar mensagens e imagens em muros e paredes é um gesto político que remonta às culturas da Antiguidade. No século 20, a atitude política de pintar mensagens nas paredes das cidades ganhou fôlego como prática da contracultura e com os protestos da década de 1960, identificados no Brasil com movimentos de resistência à censura e à violência da ditadura militar. Nas últimas décadas, contudo, o gesto de grafitar nas cidades deixou de ser algo improvisado às escondidas, registrado de forma clandestina em muros e fachadas, para ganhar cada vez mais prestígio não só nas ruas, também em grandes galerias e museus. Às vezes confundida pelos leigos com vandalismo, a arte do grafite não tem nenhuma relação com poluição, sujeira e agressão. Muito pelo contrário.

O valor da grafitagem e dos murais no espaço urbano teve um grande defensor e incentivador no artista plástico Rui Santana, morto em 2008, aos 48 anos, vítima de câncer. Ele dedicou anos de esforço à arte do grafite e costumava dizer que o grafite não vai mudar o mundo.
Não vai mudar o mundo, mas pode mudar as pessoas, a atitude que elas têm diante da vida e do mundo ao redor”, dizia, com as palavras que foram repetidas muitas vezes em conversas com amigos, nas aulas e em várias entrevistas. Artista plástico, fotógrafo, designer, professor e agitador cultural, Rui Santana deixou sua marca de inconformismo e de educação pela arte em todos aqueles que conviveram com ele – em Juiz de Fora, sua terra natal, mas também em Belo Horizonte, cidade que ele escolheu para viver e trabalhar, e em outras tantas cidades do Brasil e do mundo que ele visitou a trabalho ou pelo simples prazer da descoberta.











Vida de artista: acima e abaixo,
Rui Santana fotografado no ateliê
em Belo Horizonte por Tibério França,
em 2008. Na imagem do alto, um mural
de Walter Nomura, também conhecido
pelo apelido Tinhouma das obras
produzidas na Serraria Souza Pinto
durante a Bienal Internacional do
Grafite realizada em Belo Horizonte
em setembro de 2008










A empolgação de Rui no trato da arte impressionava – como destacam alguns dos depoimentos dos que conheceram seu trabalho intenso e inquieto em pintura, fotografia, desenho, colagens e grafite. "As pessoas costumam cobrar uma fidelidade a essa ou aquela escola, um respeito a determinada técnica. E o que eu quero é buscar uma linguagem própria, criando a minha visão de mundo. Procuro uma comunicação com o mundo e comigo mesmo", declarou o próprio Rui Santana em uma entrevista reproduzida no livro-tributo que foi lançado em sua homenagem, com sua fé inabalável nas qualidades da intuição.



O livro-tributo



Uma amostra das ideias, textos e obras realizadas pelo artista está agora reunida em uma publicação de qualidade – transcritos no livro-tributo “Rui Santana”, 47° volume da coleção Circuito Atelier, produzida pela Editora C/Arte e coordenada por Fernando Pedro e Marília Andrés. A edição e o lançamento do livro em homenagem a Rui Santana contou com apoio da família e dos amigos do artista.


 


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Organizado pelo jornalista Mateus Santana, filho de Rui, em parceria com o poeta Luiz Edmundo Alves, a edição traz em 96 páginas uma seleção de depoimentos, entrevistas, breves comentários sobre a trajetória do artista, reproduções coloridas de uma seleção de suas obras mais importantes e fotografias inéditas. "Rui foi um artista plural e antenado com seu tempo. Por sorte, também acompanhou o planejamento do livro", aponta Mateus Santana.

O lançamento do livro, numa manhã de sábado, na Alameda dos Jacarandás, Condomínio Canto das Águas, em Rio Acima, onde o artista mantinha seu ateliê – contou com uma programação para emocionar: música ao vivo, muitos artistas convidados e exibição de um vídeo sobre Rui, produzido com imagens de arquivo, sob a coordenação da jornalista e apresentadora da Rede Minas de Televisão, Mariana Tavares. 


 







Para homenagear a arte de Rui Santana, o diretor do vídeo, Paulo Henrique Rocha, reuniu às imagens de arquivo uma série de entrevistas com os amigos e familiares para traçar um breve perfil do artista e educador, alegre e descontraído. Também houve uma grande mostra dos trabalhos de Rui no próprio atelier, a maior reunião já organizada de suas obras, e a inauguração de exposição virtual no site da Editora C/Arte (clique aqui para acessar). 



Grafite e responsabilidade social
 


"Fui educado pela Imaginação/ Viajei pela mão dela sempre/ Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso/ E todos os dias têm essa janela por diante/ E todas as horas parecem minhas dessa maneira" – aponta a epígrafe de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, o poeta de referência para o artista, que abre o livro-tributo sobre Rui Santana.







Tributo a Rui Santana como artista
e arte-educador nas ruas de BH: grafite
assinado por Gnomo Sabão. Abaixo,
imagem que registra um dos debates
durante a primeira e única BIG, Bienal 
Internacional do Grafite de Belo Horizonte,
com presença da artista plástica e arte-educadora
Júlia Pontesde Rui Santana, do rapper de
Belo Horizonte e ativista social Renegado
e do professor da UFMG Juarez Dayrell,
que apresentaram ao público o tema
Grafite como identidade nos séculos 20 e 21.
Também abaixo, Guga Baygon, um dos artistas
convidados para participar da BIG BH









"Sempre atento, Rui observou a arte com o olhar de um pássaro, conhecendo um universo amplo que o levou a reconhecer e a incluir o outro, como nos projetos coordenados com os grafiteiros, que tiveram a oportunidade de ter recuperado sua autoestima através do trabalho artístico. Essa preocupação social sempre esteve presente nas ações de Rui Santana”, destaca Fernando Pedro.

O mentor da editora C/Arte lembra que o artista Rui Santana fez valer sua responsabilidade social promovendo e orientando o trabalho dos grafiteiros e organizando eventos importantes como a BIG-BH, Bienal Internacional do Grafite em Belo Horizonte. A bienal, primeira e única, aconteceu entre os dias 30 de Agosto e 7 de Setembro de 2008, na Serraria Souza Pinto.

 




       
Coordenada por Rui Santana, a bienal foi o primeiro evento do gênero no mundo, e trouxe a BH uma extensa e bem-sucedida programação que incluiu seminários, oficinas de formação, exposições, lançamento de livros e revistas e intervenções urbanas em espaços públicos da cidade. Com atrações vindas dos quatro cantos do mundo, que incluíam países como Inglaterra, Holanda, Japão, Alemanha, Chile, Porto Rico e Estados Unidos, a Bienal Internacional do Grafite mostrou o que vem sendo produzido nos cenários nacional e mundial da arte das ruas, dos muros e das fachadas de prédios e casas. 



A cena do grafite
 


Nossa ideia é transformar este espaço da bienal em uma grande galeria, com desenhos, pinturas, estêncils e stickers”, declarou Rui Santana na abertura da BIG-BH, ressaltando também o papel histórico de Belo Horizonte como uma cidade que sempre foi uma grande geradora de talentos. "Nas artes plásticas temos uma grande tradição que vem de longa data, e a cena do grafite – que é recente, mas que tem se mostrado fortíssima na capital – cresce em ética e estética com diversos projetos, grande parte deles beneficiado comunidades da periferia”, explicou.














                     



Vida de artista: no alto, dois grafites
do alemão Klaus Klinger em fachadas de
prédios em Düsseldorf, Alemanha. Também
acima, grafites dos irmãos Otávio e Gustavo
Pandolfo (foto abaixo), conhecidos como
OsGêmeos, com participação de Nunca e
Nina Pandolfo (esposa de Otávio), pintados
no Castelo de Kelburnna Escócia, em
projeto concluído em junho de 2007.
Também abaixo, grafite do artista peruano
Henry Chram fotografado por Rui Santana
na província de Huaraz, no Peru




                     


     

Com sua vida de artista, Rui Santana foi idealizador e coordenador de vários projetos de sucesso, tanto por sua iniciativa pessoal ou comunitária como pelo patrocínio de ações do poder público ou de empresas. Além da produção e coordenação geral da Bienal Internacional de Grafite, ele foi o mentor de projetos que fizeram história, entre eles o “Muros do Jardim Teresópolis”, em Betim, vinculado o programa “Árvore da Vida”, da Fiat; e diversas ações relacionadas à arte-educação, como o “Arena da Cultura”, da Fundação Municipal de Cultura, de Belo Horizonte, que buscava a democratização dos acessos à produção e apreciação artísticas.

Faço questão de manter uma produção artística, porque sou um apaixonado pela pintura e também porque, como educador, tenho que estar sempre dinamizando a arte”, diz Rui Santana em um dos textos selecionados para a publicação da C/Arte. Para seu filho, Mateus Santana, a obra de Rui aponta para o futuro e para a importância da democratização do acesso à arte e à cultura. Segundo Mateus, há ainda um acervo de trabalhos inéditos de Rui Santana que serão apresentados ao público em eventos futuros.

 




Vida de artista: acima, Rui Santana
homenageado no grafite de Gabriel Dias.
Abaixo, amostras da arte de Rui Santana
em pinturas que combinam técnicas em
tinta acrílica, óleo sobre tela e aquarelas





















"Vamos planejar exposições para apresentar as últimas obras inéditas de Rui, incluindo seus três últimos quadros em grandes formatos", explica Mateus. Ele também destaca a disposição que Rui Santana sempre teve para os novos projetos e para os enfrentamentos cotidianos da vida de artista. "Rui participava de tudo e acompanhava tudo. O livro é uma homenagem merecida por tudo aquilo que ele fez", completa. 



Um epitáfio do artista

 

Para concluir este breve artigo, lembro da canção "Vida de Artista", de Itamar Assumpção, canção e artista preferidos de Rui Santana. Também lembro que "existir é ser possível haver ser" – poderia ser o epitáfio do artista, parodiando Fernando Pessoa e seus heterônimos. Ou, como registrou no poema "Passagem das horas" Álvaro de Campos, heterônimo de Pessoa, outro dos seus preferidos:


Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles, Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino
— Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas
(...)

Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.


por José Antônio Orlando. 



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Vida de artista. In: Blog Semióticas, 9 de outubro de 2011. Disponível no link https://semioticas1.blogspot.com/2011/10/vida-de-artista.html (acessado em .../.../...).
















 Itamar Assumpção (1949-2003), cantor, compositor,

maior expoente da chamada Vanguarda Paulistana.

Na foto acima, Itamar no palco, em 1983, com sua

banda Isca de Polícia, que teve na formação original

Virginia Rosa e Suzana Salles (vocais), Paulo Lepetit

(baixo), Gigante Brasil (bateria) e Luiz Rondó (guitarra).

Abaixo, uma canção de Itamar, "Vida de Artista" 









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