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21 de maio de 2012

Trevisan vence Camões






Não me acho pessoa difícil, tanto assim que esbarro
diariamente comigo em todas as esquinas de Curitiba.

–– Dalton Trevisan em entrevista à   
revista Manchete, agosto de 1968.   

Há quem já aposte que nem dessa vez ele vai aparecer em público, para manter a mística da reclusão que vem sendo cultivada há mais de meio século. O mais misterioso dos escritores brasileiros, Dalton Trevisan, de 86 anos, foi anunciado hoje, em Lisboa, como vencedor da maior honraria da língua portuguesa, o Prêmio Camões. O júri, formado por dois nomes do Brasil, dois de Portugal e dois do continente africano (de Moçambique e de Angola), foi unânime na escolha do escritor brasileiro para esta 24ª edição do prêmio.

Contrariando aquele aforismo atribuído a Nelson Rodrigues, de que toda unanimidade é burra, a qualidade da literatura de Dalton Trevisan há um bom tempo tornou-se um valor unânime entre crítica e público no Brasil e em outros países em que seus livros tiveram tradução. Um dos jurados brasileiros, o escritor Silviano Santiago destacou na justificativa para o Prêmio Camões que a obra de Trevisan apresenta “uma contribuição extraordinária para a arte do conto, em particular para o enriquecimento de uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina”.

Nascido em Curitiba, em 14 de junho de 1925, Dalton Trevisan estreou na carreira literária aos 20 anos, com “Sonata ao Luar” (1945), coletânea de contos ousada e de qualidade incomum, atestada há décadas pelos críticos mais exigentes, e que já revelava seu estilo ácido, conciso, que muitos definem como esquisito e também misterioso. Trevisan, o escritor recluso, avesso à imprensa, às fotografias e às frivolidades da indústria cultural que fazem a alegria de celebridades e de sub-celebridades, também é o que se pode chamar de escritor prolífico: publicou mais de 40 livros, a grande maioria de contos, e continua em plena atividade. Seu último livro de inéditos saiu em 2011, com o título “O Anão e a Ninfeta”.










Dalton Trevisan fotografado nas ruas
de Curitiba: reclusão do escritor vem
sendo cultivada há mais de meio século














Além de conquistar a distinção máxima do Prêmio Camões, Dalton Trevisan é daqueles escritores que colecionam premiações importantes, entre elas prêmios Jabuti (com "Novelas nada Exemplares", de 1959, "Cemitério de Elefantes", de 1964, e “Desgracida”, de 2010), o Prêmio Ministério da Cultura de 1996, pelo conjunto da obra, e o 1° Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, em 2003, com o livro “Pico na Veia”. As premiações, contrariando uma prática cada vez mais comum, não provêm de lobby nem de estratégias massivas de marketing. Muito pelo contrário: trata-se de um escritor avesso a entrevistas e a qualquer forma de autopromoção.

A mística da reclusão é o que tem prevalecido. Tanto que, no comunicado oficial do Prêmio Camões, enviado hoje à imprensa, a organização divulgou que não havia conseguido contato com Dalton Trevisan nem para avisá-lo da homenagem e dos 100 mil euros (cerca de R$ 268 mil) a que ele tem direito pela distinção. Não é uma novidade, já que o escritor tem por regra nunca comparecer às cerimônias: para receber os prêmios, sempre enviou representantes. Alguns argumentam que a mística da reclusão teve início em 1959, quando ele foi premiado no Jabuti com "Novelas nada Exemplares" e não compareceu para receber o prêmio. Desde então ele não se deixa fotografar, não sai de Curitiba, não atende o telefone e comunica-se com o mundo apenas através de bilhetes que ele assina como "D. Trevis".














Geração de 45


Traduzido em diversas línguas, Dalton Trevisan conta com várias de suas obras adaptadas para teatro, cinema e TV. Entre as adaptações, pelo menos duas se destacam: uma inusitada série produzida recentemente pela TV da Hungria e o filme premiado no Brasil e em outros países “Guerra Conjugal” (1975), versão do cineasta Joaquim Pedro de Andrade para os contos reunidos no livro homônimo, publicado em 1969.

Uma constante na literatura de Dalton Trevisan é a cidade de Curitiba e seus habitantes, pessoas comuns que ele parece observar secretamente, nas caminhadas que faz pelas ruas e praças, sempre anônimo, avesso a entrevistas e a contatos ou conversas mesmo com seus leitores. Se alguém quer um livro autografado, que passe por um ritual repetido há décadas: o interessando deixa o livro na tradicional Livraria do Chain, no centro da cidade, com o nome anotado em um papel, que o autor concede o autógrafo sem problemas. Ao que se sabe, os amigos e interlocutores são poucos e também anônimos. Os amigos famosos, escritores, não estão mais vivos, entre eles Otto Lara Rezende, Rubem Braga, Vinicius de Moraes.

Dalton Trevisan começou a publicar em 1945, apesar de mais tarde ter renegado os seus dois livros de juventude: "Sonata ao Luar" e "Sete Anos de Pastor" (1948). No período entre a publicação dos primeiros livros, de 1946 a 1948, liderou o grupo que editou a revista de literatura "Joaquim", anunciada como "uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil", com traduções da lavra de Trevisan para clássicos da literatura universal, entre eles contos e trechos de romances de Franz Kafka, James Joyce, Marcel Proust e Jean-Paul Sartre. 















Acima, a psicopatologia amorosa em
cenas de Guerra Conjugal. Abaixo, o cartaz
original do lançamento nos cinemas e um
cartaz promocional do filme censurado
pela ditadura militar: adaptação do livro
de Dalton Trevisan foi filmada por
Joaquim Pedro de Andrade em 1975,
com roteiro do próprio escritor e
participação de Lima Duarte,
Analu Prestes, Wilza Carla,
Carlos Gregório, Cristina Aché
e Jofre Soares no elenco











A revista "Joaquim" também marcou época porque trazia, a cada número, a colaboração de nomes importantes da cultura brasileira, incluindo ensaios inéditos, escritos sob encomenda para a revista, por nomes de peso como Antonio Candido, Tristão de Athayde e Otto Maria Carpeaux, entre outros, com ilustrações assinadas por artistas como Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres, além de contos e poemas até então inéditos – como o depois célebre "O Caso do Vestido", escrito por Carlos Drummond de Andrade.

A lista de livros de Dalton Trevisan é extensa e inclui títulos que vão de “Guia Histórico de Curitiba”, “Os Domingos” e “Crônicas da Província de Curitiba”, publicados em 1954 e escritos à moda dos panfletos populares e dos manuais que circulavam nas feiras, a exercícios de metalinguagem (“Capitu Sou Eu”, 2003) e crônicas policiais mais violentas, caso de “Morte na Praça” (1964), “Crimes da Paixão” (1978) e “Lincha Tarado” (1980), sempre no seu estilo inconfundível, breve, direto e extremamente realista.











Seu livro mais conhecido, “O Vampiro de Curitiba” (1965), muitas vezes tomado como codinome do autor, reúne as características mais marcantes do estilo Dalton Trevisan, minimalista e personalíssimo, pontuado de brevidade e crueldade, recheado de ironia e erotismo explícito que os conservadores consideram grosseiro e pornográfico. São textos que transformam tramas psicológicas em crônicas de costumes, todas construídas em linguagem das mais concisas que valoriza incidentes do cotidiano, incluindo crimes, perversões, paixões extremadas e afetos não correspondidos.

Misterioso até para seus poucos conhecidos e vizinhos em Curitiba, Dalton Trevisan trabalhou em uma fábrica de vidros, foi jornalista dedicado à cobertura de casos de polícia e crítico de cinema, além de ter exercido por vários anos a advocacia. Na historiografia da literatura brasileira, ele é apontado como um dos principais contistas do século 20 e expoente da chamada Geração de 45, que alguns também classificam como “pós-modernista”, na qual também se destacam Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, entre outros. Trevisan publicou apenas um romance: “A Polaquinha”, em 1985.










Relações culturais


Além de Silviano Santiago, o júri desta edição do Prêmio Camões que premiou Dalton Trevisan foi formado pelos professores universitários e escritores Alcir Pécora (Unicamp – Brasil), Rosa Martelo (Faculdade de Letras do Porto) e Abel Barros Baptista (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa), pela poeta e historiadora angolana Ana Paula Tavares e pelo também historiador moçambicano João Paulo Borges Coelho.

Criado em 1988 para destacar a importância da literatura e para intensificar e complementar as relações culturais entre o Brasil e Portugal, o Prêmio Camões também conta atualmente com a adesão da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP). O português Miguel Torga foi o primeiro vencedor, em 1989. A maior polêmica veio em 2006, quando o angolano José Luandino Vieira, em protesto político, se recusou a receber o prêmio. José Saramago, o único Nobel de Literatura da língua portuguesa, também foi laureado pelo Prêmio Camões em 1995.








Dos 24 nomes já premiados com o Camões, incluindo Dalton Trevisan, dez são portugueses, dez são brasileiros, dois são angolanos e há um moçambicano e um cabo-verdiano. Os brasileiros premiados são João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antonio Cândido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008) e Ferreira Gullar (2010).


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Trevisan vence Camões. In: Blog Semióticas, 21 de maio de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/05/trevisan-vence-camoes.html (acessado em .../.../…).



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Todos os vencedores do Prêmio Camões:



1) 1989: Miguel Torga (poeta e romancista português)

2) 1990: João Cabral de Melo Neto (poeta brasileiro)

3) 1991: José Craveirinha (poeta moçambicano)

4) 1992: Vergílio Ferreira (romancista português)

5) 1993: Rachel de Queiroz (romancista brasileira)

6) 1994: Jorge Amado (romancista brasileiro)

7) 1995: José Saramago (romancista português)

8) 1996: Eduardo Lourenço (crítico literário e ensaísta português)

9) 1997: Pepetela (romancista angolano)

10) 1998: Antonio Cândido (crítico literário e ensaísta brasileiro)

11) 1999: Sophia de Mello Breyner Andresen (poeta portuguesa)

12) 2000: Autran Dourado (romancista brasileiro)

13) 2001: Eugénio de Andrade (poeta português)

14) 2002: Maria Velho da Costa (romancista portuguesa)

15) 2003: Rubem Fonseca (romancista brasileiro)

16) 2004: Agustina Bessa Luís (romancista portuguesa)

17) 2005: Lygia Fagundes Telles (romancista brasileira)

18) 2006: José Luandino Vieira (escritor angolano; recusou o Prêmio Camões)

19) 2007: António Lobo Antunes (romancista português)

20) 2008: João Ubaldo Ribeiro (romancista brasileiro)

21) 2009: Armênio Vieira (escritor de Cabo Verde)

22) 2010: Ferreira Gullar (poeta brasileiro)

23) 2011: Manuel António Pina (poeta, cronista, dramaturgo e romancista português).

24) 2012: Dalton Trevisan (contista e cronista brasileiro).




Dalton Trevisan retratado no traço de Loredano      




23 de março de 2012

Um certo Rubião








Todos os erros humanos são impaciência, uma
interrupção prematura de um trabalho metódico.

–– Franz Kafka, 1931.    



Quando ele estreou em livro, em 1947, com os contos de "O Ex-Mágico" – que abre com uma citação bíblica dos Salmos ("Inclina, Senhor, o teu ouvido, e ouve-me; porque eu sou desvalido e pobre") e uma primeira frase afirmativa e amarga ("Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo maior") – houve quem apontasse a semelhança entre os textos do escritor Murilo Rubião (1916-1991), mineiro de Carmo de Minas, e certas obras do tcheco Franz Kafka (1883-1924), nome de destaque do onírico e do fantástico na literatura universal e um dos maiores da língua alemã no século 20.

Rubião, assim como Kafka, foi um mestre das parábolas, aquele gênero sempre associado aos evangelhos do Novo Testamento, com suas histórias que têm um fim didático baseado em comparações de costumes ou observações analíticas sobre questões só na aparência insignificantes. Muitos já haviam percebido o parentesco da literatura personalíssima de Kafka com as parábolas de Murilo Rubião, mas é curioso que ele próprio nunca tenha admitido nem as semelhanças nem nenhuma influência vinda das obras do autor de “A Metamorfose”.

No final da década de 1980, o acaso e a sorte me proporcionaram a oportunidade de fazer uma longa entrevista com Rubião para o jornal "Tribuna de Minas", junto com outro repórter, Walter Sebastião, e com o fotógrafo Humberto Nicoline. Encontramos o escritor bem-humorado e cercado de estantes com coleções cuidadosamente encadernadas em couro, organizadas na sala ampla, com amplas janelas envidraçadas, no apartamento em que morava no Edifício Maletta, no centro de Belo Horizonte. Assim que começamos a conversa, ele foi veemente em negar qualquer aproximação com Kafka, o primeiro autor que surgiu, logo na primeira pergunta. Segundo Rubião, ele só chegou a ler pela primeira vez alguns textos do autor quando Kafka foi traduzido no Brasil, no final dos anos 1940 – mesma época em que Rubião publicava os contos de “O Ex-Mágico”.



.


Na entrevista, Rubião fez questão de esclarecer: Kafka não teve influência sobre o meu trabalho. Quando li os seus textos, no final da década de 1940, já tinha escrito a maioria dos contos que iria publicar 'O Ex-Mágico'. Era muito difícil o acesso aos textos dele. Uma ocasião, eu tinha mandado meus contos para o Mário de Andrade, pedindo a opinião dele, e ele me respondeu que era um tipo de literatura que o deixava muito insatisfeito. Explicava que era um trabalho inteligente, bem feito, mas que não o convencia plenamente, que não era o tipo de coisa que ele gostava e completava, na carta, dizendo 'como também é a literatura de Kafka'. Achei estranho aquele negócio”.

Concluindo os comentários sobre a constante aproximação que alguns críticos e leitores fazem entre sua literatura e a do autor tcheco, Rubião explicou por quais motivos achou estranha aquela comparação feita por Mário de Andrade. “Achei estranho porque eu nunca tinha ouvido falar de Kafka. Escrevi pedindo emprestado. Mário, então, respondeu que tinha dois livros. 'A Metamorfose' e 'O Processo', mas que estavam em alemão. Só muito mais tarde consegui ler 'O Processo', e vi que havia identidade com minha literatura. Achei curioso. Mas o fato é que eu já havia escrito três livros – eu só consegui editor para o terceiro – e, neste momento, você conhece um autor que poderia ter te influenciado. Verifiquei, ainda, que a identidade talvez se devesse às mesmas leituras. Kafka tem influência da mitologia grega; é possível que ele tenha influência da Bíblia, do Velho Testamento, que os judeus leem muito; que conhecesse os autores do fantástico alemão e francês. Sabe-se, ainda, do seu conhecimento das obras de Edgar Allan Poe, que teve muita influência sobre a minha literatura. Eu não tenho influência do Kafka, mas se tivesse seria ótima, é um bom autor. Agora a diferença é que a literatura dele é mais escura, noturna, enquanto a minha é mais solar.








Um certo Rubião: acima e abaixo, o escritor na sala
de seu 
apartamento, no Edifício Maletta, e nas ruas
do Centro 
de Belo Horizonte, fotografado em 1988
por Humberto Nicoline. Também abaixo,
imagens 
de arquivo publicadas nas edições dos
livros 
do autor sem identificação de autoria,
exceto quando indicado






Além de negar a aparente influência de Kafka, Murilo Rubião também não admitiu naquela entrevista, uma das últimas que concedeu, nenhuma filiação aos escritores do chamado "boom" do realismo mágico da literatura latino-americana, que a partir de 1960 ganhou repercussão no mercado editorial na Europa e Estados Unidos por conta do prestígio adquirido por nomes como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Gabriel García Márquez, entre outros. Para ele, o prestígio de Borges era exagerado: Rubião preferia Cortázar, que ele considerava como o mais importante entre os autores do gênero da literatura fantástica e que chegou a conhecer pessoalmente, nas visitas que Cortázar fez a Minas Gerais. Cortázar era um autor que admirava de longa data.



Todos os contos



Ele foi um homem público destacado em Minas Gerais durante décadas. A lista de sua atuação registra, entre outras funções, seu papel como fundador e redator de jornais e revistas; criador do "Suplemento Literário do Minas Gerais" (que, sob seu comando, seria por alguns anos uma das melhores publicações do gênero no Brasil); Oficial de Gabinete em Belo Horizonte do governador Juscelino Kubitschek, de 1951 a 1955; chefe da publicidade de JK na disputa pela Presidência da República, em 1956; Adido Cultural do Brasil na Espanha de 1956 a 1960; diretor da Rádio Inconfidência e diretor da Escola Guignard, de Belas Artes e Artes Gráficas, a partir de 1967. Além da trajetória nos gabinetes e em cargos executivos no serviço público, Murilo Rubião também ocupa um lugar ímpar na literatura brasileira, com sete livros publicados de 1947 a 1990, reunindo 33 contos tão breves quanto fora do comum. 






Morto em 1991, aos 75 anos, o escritor retorna à cena com a edição de sua "Obra Completa" pela editora Companhia das Letras, que reúne 33 de seus textos fantásticos. "Incluímos nas edições da obras completas o conto 'A Diáspora', que não foi publicado em vida pelo autor, mas que estava em versão final, datilografada e revisada por ele, nos arquivos que fazem parte do Acervo dos Escritores Mineiros instalado na UFMG", explica a professora aposentada de literatura da UFMG, Vera Lúcia Andrade, responsável pela transferência dos arquivos de Rubião para a universidade e pelo estabelecimento dos textos na nova edição.

"Na verdade, todos os 33 textos fantásticos do Murilo Rubião já tinham sido publicados. Eu mesma havia feito o estabelecimento dos textos definitivos para a primeira publicação na editora Ática, que aconteceu em 1998, sob o título 'Contos Reunidos', tendo como editor Fernando Paixão. Foi quando, pela primeira vez, todos os contos do Murilo apareceram juntos em uma única edição em livro”, explica a professora.







Como naqueles eventos insólitos que pontuam a literatura que ele produziu, Murilo Rubião morreu às vésperas da abertura de uma grande exposição no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Organizada para ser uma homenagem em retrospectiva sobre sua vida e obra, a exposição contou com curadoria do professor, escritor e artista plástico Márcio Sampaio, apoiado por vários colaboradores e pesquisadores da obra do autor de "O Ex-Mágico". Com a morte do escritor, todos os arquivos, livros e objetos reunidos para a exposição acabaram transferidos ao final do evento para o acervo de escritores mineiros da UFMG.

"Murilo Rubião passou a vida reescrevendo sempre os mesmos textos, de tão perfeccionista e cuidadoso que era", destaca Vera Andrade, revelando que no acervo de Rubião ainda existem vários textos incompletos que nunca foram publicados. "Os herdeiros não autorizaram a publicação porque o próprio autor disse que eles ainda não estavam concluídos. Então, todos eles permanecem inéditos".













Um mundo à parte, fabuloso



O espantoso talento de Murilo Rubião para narrar, como se fossem fatos corriqueiros, acontecimentos os mais inusitados, transparece nas 33 obras-primas reunidas na "Obra Completa". Como na história só aparentemente absurda do pirotécnico que, morto, segue vivendo. Ou no caso da mulher que engorda desmedidamente conforme seus desejos vão sendo atendidos por seu amado.

Na obra de Rubião, cada texto breve encerra um mundo à parte, fabuloso, como na história do coelhinho falante que aborda o narrador com um pedido e, mutante, vai se insinuando em sua vida cotidiana. Ou ainda no desespero do mágico devorado por sua própria capacidade de operar prodígios, entre outros relatos insólitos e imprevisíveis. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que fiz com a professora Vera Andrade, que destaca a importância e a atualidade da obra de Murilo Rubião. 



Quem foi mais importante e influente, o Murilo Rubião da política ou o escritor ?

Vera Andrade – Ambos são igualmente importantes. O escritor produziu uma obra preciosa, até porque é o precursor da literatura fantástica no Brasil e o seu exemplo mais bem acabado. Já o Murilo da política cultural influenciou toda uma geração de escritores, que ficou conhecida como a "Geração Suplemento". Ele foi o "guru" dessa geração.











Um certo Rubião: no alto, o escritor em 1988,
fotografado por Humberto Nicoline. Acima,
Murilo Rubião com amigos em 1943:
de pé, a partir da esquerda, Otto Lara Resende,
Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos;
sentados, Murilo Rubião e Emílio Moura.

Abaixo, 1) Fernando Sabino, Murilo Rubião e
Hélio Pellegrino em Belo Horizonte, em 1943;
2) Fernando Sabino, Otto Lara Resende,
Rubião e Hélio Pellegrino; e 3) Murilo Rubião em
maio de 1968, na redação do Suplemento Literário
 em BH (a partir da esquerda, Affonso Ávila,
Ildeu Brandão, Décio Pignatari e Murilo Rubião).
 
Também abaixo, Murilo Rubião no inverno
de 1957 em Madri, quando era Adido Cultural
do Brasil na Espanha, durante o governo JK;
e em fotografias da década de 1980














 










Que lugar Murilo Rubião ocupa na literatura e na cultura brasileira?

Ele ocupa um lugar de destaque porque foi um homem público comprometido com o seu tempo, além de ser um escritor de uma escrita impecável, preocupado sempre em escrever e reescrever seus textos.

Ele sempre dizia que seus contos traziam a influência de Machado de Assis, da Bíblia e da Mitologia Grega. Esta tríade resume o universo de Murilo Rubião?

Na verdade, essa tríade representa bem as influências que ele traz em sua obra, mas não "resume" o universo de sua literatura, que é riquíssimo. Murilo foi leitor também de E. T. A. Hoffmann e dos demais românticos alemães, bem como do italiano Luigi Pirandello, para citar apenas alguns autores do universo da literatura fantástica.

Qual a importância da publicação da "Obra Completa"?

É de grande importância, por dar mais visibilidade ao trabalho ímpar de Murilo Rubião, colaborando para uma maior divulgação de sua obra, não só para o grande público leitor, mas também para os especialistas e para a pesquisa acadêmica.
















Um certo Rubião: dois retratos do escritor,
na maturidade e no primeiro ano de vida.
Abaixo, homenageado em pintura de
1985 do amigo
Petrônio Bax







Para um autor que publicou durante quase 50 anos, surpreende que a obra completa compreenda apenas 33 contos breves, ainda que sejam todos textos emblemáticos e irrepreensíveis. O que ainda existe de inédito entre os escritos de Murilo Rubião?

Existem contos praticamente acabados, além de esboços de outros contos, e até de uma novela, mas tudo indica que esses textos, parece-me, continuarão inéditos, pelo menos por muito tempo.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Um certo Rubião. In: Blog Semióticas, 23 de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/um-certo-rubiao.html (acessado em .../.../...).







 
 
Obra Completa / Contos (Companhia das Letras)



1. O pirotécnico Zacarias 14

2. O ex-mágico da Taberna Minhota 21

3. Bárbara 27

4. A cidade 33

5. Ofélia, meu cachimbo e o mar 39

6. A flor de vidro 44

7. Os dragões 47

8. Teleco, o coelhinho 52

9. O edifício 60

10. O lodo 67

11. A fila 76

12. A Casa do Girassol Vermelho 90

13. Alfredo 98

14. Marina, a Intangível 103

15. Os três nomes de Godofredo 111

16. Memórias do contabilista Pedro Inácio 118

17. Bruma (a estrela vermelha) 124

18. D. José não era 129

19. A Lua 132

20. A armadilha 135

21. O bloqueio 139

22. A diáspora 145

23. O homem do boné cinzento 151

24. Mariazinha 156

25. Elisa 161

26. A noiva da casa azul 164

27. O bom amigo Batista 169

28. Epidólia 175

29. Petúnia 183

30. Aglaia 190

31. O convidado 197

32. Botão-de-rosa 207

33. Os comensais 216






Livros publicados por Murilo Rubião: 



O ex-mágico (Universal, 1947)

A estrela vermelha (Hipocampo, 1953)
 

Os dragões e outros contos (Movimento-Perspectiva, 1965)
 

O pirotécnico Zacarias (Quíron, 1974)
 

O convidado (Ática, 1974)

A casa do girassol vermelho (Ática, 1978)

O homem do boné cinzento e outras histórias (Ática, 1990)
 

 





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