Quem
se interessa por Arte e Política conhece bem as criações de
Banksy, o misterioso artista do grafite, do qual ninguém sabe a
verdadeira identidade. Sabe-se apenas que Banksy é um pseudônimo. E é
exatamente esta contradição que alimenta a aura de mistério sobre
ele – uma celebridade que se mantém no anonimato desde quando
surgiram seus primeiros trabalhos, no final da década de 1980, nas ruas e
muros da cidade de Bristol, na Inglaterra, que se supõe ser sua
terra natal.
Depois
de Bristol, os polêmicos grafites de Banksy passaram às ruas de
Londres e, hoje, estão espalhados por várias cidades e países –
inspirando muitas reflexões e muitos outros artistas a seguir pela
mesma trilha do inconformismo e da contestação. Mais de duas
décadas depois da estreia de Banksy, o mistério continua, na melhor
tradição das histórias de super-heróis que lutam para salvar o
planeta, mas permanecem no anonimato (veja também Semióticas: A guerra de Banksy).
Com
o passar do tempo, o artista do grafite em sua identidade secreta, tal e qual os super-heróis da ficção que atuam para salvar o planeta Terra, tem deixado a marca
ideológica e estética de sua irreverência em paredes de cidades do mundo
inteiro, de Londres, Paris e Nova York à América Latina, à Palestina, ao muro de Israel e até nos confins da África. Mas, afinal, trata-se do trabalho real
de um só artista ou trabalho coletivo de muitos, que se apropriaram
da ideia original? Eis uma fronteira cada vez mais e mais difícil de ser
demarcada.
Arte
multimídia
Além
de ter se tornado nos últimos anos o artista mais importante do
grafite, Banksy também investe em outras mídias: seus vídeos e
vinhetas têm milhões de acessos no Youtube e ele também mantém um
site oficial, onde publica seus grafites, suas esculturas e trabalhos
de design gráfico, sempre com seu característico tom satírico e
provocador. Seu primeiro filme de longa metragem, “Exit Through the
Gift Shop” (Saindo da loja de presentes), fez sucesso assim que
estreou, em 2010, no prestigiado Sundance Film Festival, foi exibido
em cinemas da Inglaterra e outros países e, no ano seguinte, foi
indicado ao Oscar de Melhor Documentário.
Entre
as recentes novidades do misterioso Banksy também está uma denúncia
de genocídio: um filme e novos grafites de seu retorno à Faixa de
Gaza, no Oriente Médio, território habitado por palestinos e
bombardeado com frequência pelas tropas do Estado de Israel. Banksy
deixou grafites nas ruínas de Gaza e registrou em um documentário o
resultado da ação militar dos israelenses, que além de destruir e
matar, sob o pretexto de combate ao “terrorismo”, ainda impedem a
entrada de alimentos, de ajuda humanitária e de cimento para a
reconstrução das casas.
No
filme sobre o martírio imposto por Israel aos palestinos, tão
impactante quanto breve (tem cerca de dois minutos de duração),
intitulado “Make This The Year You Discover a New Destination”
(Faça deste o ano em que você descobre um novo destino), Banksy usa
a linguagem estereotipada dos anúncios publicitários de agências
de viagens para mostrar o cenário terrível da miséria e da
destruição em Gaza. Comove e impressiona – como acontece com a
maior parte da arte que Banksy produz.
Guerra
e Spray
Pontuado
por comentários mordazes sobre os absurdos da sociedade
contemporânea, o consumismo, as guerras e o conformismo, o trabalho
polêmico e contestador de Banksy alcançou em prestígio e
importância a arte de rua dos pioneiros Keith Haring (1958-1990) e
Jean-Michel Basquiat (1960-1988) – que no final dos anos 1970 e na
década de 1980 passaram dos muros e prédios públicos de Nova York
para as galerias de arte e os grandes museus. Banksy não autoriza a
comercialização de sua obra, mas alguns de seus trabalhos foram
“sequestrados” das ruas e depois leiloados, também passando a
fazer parte do acervo de museus e colecionadores endinheirados.
Em
seu primeiro e único livro publicado, o autobiográfico “Guerra e
Spray”, Banksy não reconhece influências dos hoje célebres Keith
Haring e Jean-Michel Basquiat, que se tornaram nomes valiosos e disputados no mercado internacional de arte. Para ele, seus precursores são as
inscrições de protestos anônimos nas paredes de Roma, na
Antiguidade, e as palavras de ordem poéticas e subversivas dos
ativistas de maio de 1968, na França – além de nomes do movimento
punk e da cena “underground” que vieram antes dele, entre eles os parisienses Blek Le Rat (pseudônimo de Xavier Prou) e Speedy Graphito (pseudônimo de Olivier Rizzo) e o inglês Robert Del Naja, também conhecido
como 3D, criador da banda Massive Attack.
Enumerar os precursores de Banksy é mais fácil do que
apontar a extensa relação dos nomes que ele influencia pelo mundo
afora – inclusive no Brasil, onde o misterioso grafiteiro é
referência confessa para nomes de destaque como Nunca (pseudônimo
de Francisco Rodrigues da Silva), Eduardo Kobra e os irmãos Otávio
e Gustavo Pandolfo, mais conhecidos como Osgêmeos. Na lista dos
artistas de rua que fizeram parcerias com Banksy ou que reconhecem
sua influência direta também estão os ingleses Mr. Brainwash,
Hopare, David Walker e D*Face; os italianos Pixel Pancho e Alice Pasquini; os
franceses Jef Aérosol, Brusk e C215; os espanhóis Neko, 3ttman e Suso 33; os cubanos JR e José Parlá; os
australianos Loui Jover e Be Free; o artista da Síria, Tammam Azzam; Mark Samsonovich, de Nova York; e os artistas anônimos do coletivo parisiense Meme IRL, entre muitos
e muitos outros em vários países.
Entre
os súditos incondicionais que Banksy tem conquistado pelo mundo
afora também está o fotógrafo inglês Nick Stern. Depois de viajar
pelos países da Europa, África, Ásia e Américas atuando como
repórter fotográfico para a BBC e a CNN, Nick Stern passou a homenagear a
arte de Banksy com um projeto que já recebeu vários prêmios e elogios até do misterioso grafiteiro: com a série fotográfica
intitulada “You Are Not Banksy”, Stern recriou dezenas de
grafites de Banksy usando atores e uma minuciosa produção para
reproduzir cada detalhe das obras originais.
.
.
Banksy
em terceira dimensão
Em
breve entrevista que fiz com Nick Stern por e-mail, concedida através
de seu site oficial, o fotógrafo falou de sua admiração pela arte
contestadora de Banksy e explicou que sua iniciativa de recriação
em terceira dimensão de alguns dos grafites mais conhecidos do
artista surgiu em 2011, durante a série de violentas manifestações
que levaram milhares de pessoas às ruas de Londres, sua cidade
natal. A ideia, segundo Stern, veio por acaso e foi logo colocada em
prática, aproveitando a popularidade dos grafites de Banksy entre a
maior parte do público de seu país.
“Eu
estava cobrindo as manifestações em Londres e, em determinado
momento, fotografei um jovem usando capuz que lançava uma pedra
contra os policiais. Aquilo me lembrou imediatamente daquele grafite
de Banksy em que um manifestante atira não pedras ou bombas, mas um
buquê de flores”, recordou Stern. “Então eu pensei que seria um
projeto interessante se eu recriasse uma cena de tumulto com as
pessoas atirando flores em vez de coquetéis molotov. Essa ideia
evoluiu depois para as recriações que fiz de alguns dos grafites de
Banksy”.
Observando
as recriações dos grafites polêmicos pelas fotografias de Nick
Stern e a proliferação de postagens sobre o mais misterioso dos
grafiteiros no Facebook, no Twitter e em tantos sites na Internet,
fiquei pensando na repercussão das homenagens – e na dimensão
globalizada da popularidade crescente que a obra contestadora de
Banksy alcança entre as pessoas comuns e entre outros artistas,
incluindo os famosos e os anônimos.
A
influência de Banksy, afinal, confirma que o
grafite deixou de ser uma atividade proibida, improvisada nas ruas,
registrada às escondidas em muros e fachadas, para ganhar cada vez
mais prestígio e destaque. Com tudo isso, a grande vantagem é que a
arte do grafite deixa de ser confundida pelos leigos com pichação e
vandalismo e vai conquistando mais espaço para, quem sabe, mudar as
pessoas e a atitude que elas têm diante da vida e do mundo ao redor.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. A imitação de Banksy. In: Blog
Semióticas,
7 de março de 2015. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2015/03/a-imitacao-de-banksy.html
(acessado em .../.../...).
Para comprar o livro Banksy, Guerra e Spray, clique aqui.
Para visitar o site oficial de Banksy, clique aqui.
A
imitação de Banksy: acima, as
obras de Arte
& Política estampadas
nos
grafites originais de Banksy e nas
versões
fotográficas de Nick Stern
para A
menina e o soldado e para
a
denúncia de tortura comandada
oficialmente
pelo governo dos EUA
em O
prisioneiro de Guantánamo.
Abaixo, a recriação de Nick Stern para
Slave Labour, denúncia de Banksy sobre
o trabalho escravo e o trabalho infantil
explorado por fábricas terceirizadas que
produziram enfeites e lembranças para as
Olimpíadas realizadas em 2012 em Londres
Pessoas como Banksy e José nos enriquecem!...
ResponderExcluirSim......
ExcluirEssa é outra daquelas aulas que também são espetáculos prazerosos que fazem um bem enorme ao pensamento, ao humor e ao coração. Só posso agradecer, meu querido professor, por tanta sabedoria e generosidade de compartilhar. Fiquei emocionada com mais essa viagem sobre a importância de Banksy. Este seu blog Semióticas também é da maior importância, o melhor de todos os que conheço. Parabéns demais. Saudações e agradecimentos eternos.
ResponderExcluirLarissa Figueiredo
Realmente, tudo isso é muito interessante. Banksy se tornou um dos principais artistas de nossa época e trouxe de volta à arte o engajamento com as questões mais urgentes. Isso sim é arte e é lindo. Concordo muito com o Paulo Guimarães que escreveu acima: pessoas como Banksy e você, José, nos enriquecem. Parabéns.
ResponderExcluirFiquei impressionado porque o que encontrei é maravilhoso e perfeição: a arte de Banksy, esta reportagem, o blog todo. Ganhou mais um fã, José. Agradeço por todas. Claudio Araujo
ResponderExcluirMaravilha de matéria e que chocante a arte de Banksy! Uma aula em alto nível, professor, como sempre. Amei.
ResponderExcluirLarissa Figueiredo
Foi neste incrível blog Semióticas que descobri a importância de Banksy. Agora descubro que Banksy fez escola e sua mistura de Arte & Política está iluminando muitos outros no mundo inteiro. Agradeço demais, professor José Antônio Orlando. Quem dera houvesse muitos outros blogs como Semióticas.
ResponderExcluirMais um artigo maravilhoso como todos os que encontro aqui neste blog Semióticas. Admiro muito seu trabalho. Arte & Política no mais alto nível. Parabéns de novo.
ResponderExcluirEduardo Mendes
Vou registrar mais um elogio muito merecido pelo alto nível e pela beleza desta postagem e de todos as outras deste blog Semióticas. Artigo sensacional sobre a influência de Banksy, tão bom como os outros artigos sobre Banksy que também estão aqui em outras postagens. Parabéns de novo por tudo. Virei uma fã de carteirinha.
ResponderExcluirMaria Amélia Carvalho
Outra postagem excelente. Parabéns pelo alto nível.
ResponderExcluirBruno Fernandes
Parabéns. Estas abordagens que você fez sobre Banksy (esta postagem e as outras quatro) são as melhores que já encontrei sobre ele ou eles. Artigo elegante, belas imagens, texto impecável e muito bem fundamentado.
ResponderExcluirVou ter que voltar muitas outras vezes para conferir outras postagens daqui, e são muitas. Parabéns pela qualidade de alto nível e muito obrigado por compartilhar.
Vinicius Valadares