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31 de julho de 2013

Punk de grife







Com suas provocações e sua mistura eclética de referências ideológicas e estilísticas, desde as origens, na década de 1970, o movimento punk teve uma influência explosiva no mundo da moda. Parece até um jogo de contrários: por ironia do destino (e do mercado), tanto a Alta Costura, com seus modelos exclusivos e sob medida para uma clientela de alto poder de consumo, quanto as linhas industriais das grifes e lojas do Prêt-à-porter, aderiram e incorporaram rapidamente aquele grito de protesto político representado nas atitudes e no visual de anarquia e rebeldia.

Para a engrenagem industrial, foi como descobrir o mapa da mina: em pouco tempo, muito da força espontânea das atitudes de protesto e da fúria anti-establishment seria incorporado, descontextualizado e transformado de novo em apelos de consumo – apesar do incômodo inconformista representado nos rasgos aleatórios, nas barras mal costuradas, nas tinturas de improviso, tachas, pregos, zíperes, alfinetes, argolas, lâminas, piercings, tatuagens, jeans e camisetas surrados, cortes de couro preto, cabelos raspados ou agressivos e outras práticas “alternativas” de bricolagem e da descoberta do “faça você mesmo” pregadas pelos primeiros punks.

A influência hostil e ameaçadora, transformada em forte tendência de estilo e consumo que vem até nossos dias, é o tema de "Punk: Chaos to Couture" (Punk: Caos para a Alta-Costura) uma exposição surpreendente que está aberta ao público até 14 de agosto em um dos mais prestigiados templos da moda em Nova York, o Costume Institute do Metropolitan Museum of Art (veja links para uma visita on-line ao Metropolitan e para o catálogo da exposição no final deste artigo).












Vintage Punk: no alto e acima,
Versace da década de 1990, destaque
em “D.I.Y. Style”, uma das seis
galerias que apresentam a exposição
Punk: Chaos to Couture no Costume
Institute do Metropolitan Museum
of Art, em Nova York









Destacada pela imprensa internacional como uma das mais importantes mostras de 2013, "Punk: Chaos to Couture" apresenta, além da proposta inédita e do tema algo inusitado, uma série de inovações técnicas no conceito de curadoria em artes plásticas. Inspirada na tecnologia de shows e performances do rock e da cultura pop, a mostra propõe uma experiência multisensorial em multimídia, com instalações em seis galerias do Metropolitan Museum que incluem 100 peças originais de estilistas e grifes do primeiro escalão.



Banheiro do CBGB



É um acervo que impressiona e que nunca havia sido reunido sequer em catálogos de história da moda, com criações que revolucionaram conceitos assinadas por nomes como Vivienne Westwood, Malcolm McLaren, Alexander McQueen, Maison Chanel, Viktor & Rolf, Gianni Versace, Riccardo Tisci, Helmut Lang, Lagerfeld, Miuccia Prada, John Galliano, Martin Margiela, Yohji Yamamoto e Comme des Garçons, além de fotos raras e telões com exibição permanente de performances e desfiles ao som de Blondie, Ramones, Sex Pistols, The Clash.

















Punk design: no alto, recriação fiel,
nos mínimos detalhes, feita sob encomenda
para a exposição a partir de fotografias de
Scott Gries de 1975 (acima) dos banheiros
rústicos e cobertos de pichações no lendário
clube punk CBGB em Nova York,
que se tornou um refúgio do rock
underground e foi demolido em 2006.

Acima, Clothes for Heroes”, galeria
da exposição do Metropolitan com
um panorama da cena musical de
Nova York e Londres e suas estrelas
em meados da década de 1970.
Em primeiro plano, de perucas verdes,
criações originais de Junya Watanabe.

Abaixo, flagrantes para Debbie Harry:
fotografada em 1979 por Robin Platzer
no templo da Disco Music, Studio 54,
com Jerry Hall e Paloma Picasso;
com Joan Jett no camarim do CBGB
em 1978: em fotografia de 1977 de
David Godlin no palco do CBGB
com sua banda Blondie; e em frente
ao CBGB, em fotografia de 1979.

Também abaixo, o cartaz original
do show lendário dos Ramones no
CBGB em 1975; The Clash em dois momentos:
em 1979, chegando para o show no The Palladium;
e em 1981, no camarim, antes da lendária
performance do CBGB; um flagrante no balcão
do bar do CBGB, com o encontro de
Dee Dee Ramone, Arturo Vega, Sid Vicious
e Nancy Spungen, em 1978, fotografados
por Eileen Polke a fachada original
do CBGB em 1983, em fotografia
de Jack Vartoogian

































O que não falta, na mostra, são surpresas e irreverências, pontuando certos momentos históricos para destacar a atitude simbólica e a linguagem visual do movimento punk, incluindo até mesmo a recriação fiel, nos mínimos detalhes, feita a partir de fotografias de 1975, do banheiro rústico e unissex coberto de pichações no lendário e pioneiro clube punk CBGB, em Nova York, demolido em 2006 – palco de estreia e consagração de uma extensa galeria de artistas e grupos lendários do rock e do pop.

Segundo Andrew Bolton, curador da exposição no Metropolitan, o objetivo do projeto, desde o início, foi analisar e destacar, tanto para o público em geral como para os especialistas que conhecem a história da moda, a forma como os designers têm olhado para as provocações e os protestos das tribos urbanas mais radicais, se apropriando desta estética anti-establishment para criar novos ideais de beleza e elegância.







Punk & Alta Costura: no alto e abaixo,
vestidos de Gianni Versace lançados nas
temporadas de primavera-verão de 1994 e de
1980 (abaixo, em recriação feita pela grife
para exibição exclusiva na mostra).
Acima, a noiva em farrapos criada por
Zandra Rhodes que causou
escândalo nas passarelas em 1977








Hoje se fala do movimento punk como se ele fosse um fenômeno estético e musical definido e demarcado, mas isso nunca foi verdade. Desde seu surgimento, na geração que viveu a década de 1970, nunca houve coesão ou princípios ideológicos. O contexto da sua origem foi saturado com clichês e convenções estereotipadas, mas o punk ainda sobrevive como intervenção estética transgressora”, defende Bolton na apresentação ao catálogo da mostra. "Punk é e sempre foi a comemoração do indivíduo, a celebração da criatividade e da coragem de ser diferente. Punk é desafiar o status quo", completa. 



Moda, música, atitude

 

Além de Andrew Bolton, três autoridades no assunto assinam os ensaios de apresentação no catálogo da mostra: o escritor, cantor e compositor Richard Hell, que foi baixista da banda Television, entre 1973 e 1975; Johnny Rotten, compositor e vocalista de duas bandas fundamentais, Sex Pistols e PiL, atualmente apresentador de TV na Inglaterra; e o jornalista Jon Savage, colunista do “The Guardian” e autor de um livro elogiado sobre o movimento punk, “England's Dreaming: Sex Pistols, Teenage and Punk Rock”, publicado em 1991 pela Faber And Faber.








Punk & História: no alto, capa
do livro de Jon Savage, “England's
Dreaming: Sex Pistols, Teenage
and Punk Rock”, publicado pela
Faber And Faber. Acima, em
foto de Kate Simon, Richard Hell
nos anos 1970, posando com as
sobreposições em farrapos, um estilo
que duas décadas depois seria
apropriado por Hussein Chalayan
para as peças de uma coleção da
Dazed and Confused em 2003.

Abaixo, Paul Cook no final da década
de 1970 e seu estilo em releitura por
Comme des Garçons na coleção 2008










Tanto os três convidados como Andrew Bolton são unânimes em reconhecer que, além de fornecer a música como pano de fundo, a revolução provocada pelo movimento punk na vida das pessoas comuns e no mundo da moda inaugurou não só o uso de novos adereços de couro e metal: também lançou a prática da “personalização” e do improviso, diluindo as fronteiras entre consumo e criação, com novas ideias para o “garimpo” e a reciclagem de peças que quebraram tabus e levaram a novas misturas, novas ousadias e desconstruções de estilos.

Bíblias da moda como “Vogue”, “Vanity Fair”, “Harper's Bazaar” e jornais como “The New York Times”, “Washington Post” e “The Guardian” destacam a coragem e a abrangência da exposição, mas também houve críticas e questionamentos. Uma das mais autênticas veio de Mick Jones, guitarrista do The Clash, que não só dispensou convites para a abertura de gala da exposição, com a presença de estrelas como Debbie Harry e Madonna, mas também ironizou a pompa da retrospectiva. Segundo Mick Jones, o punk foi um movimento que durou 100 dias sem rumo nem fronteiras e tentar enquadrá-lo em catálogos e tendências do mercado de consumo é falsidade.









Punk na passarela: estampas de
silk-screen, grafite e customização
assinadas por Stephen Sprouse e
Yohji Yamamoto. Abaixo, uma seleção
da década de 1970 de criações da pioneira
Vivienne Westwood em Londres e a
estilista com uma de suas modelos na
passarela da Paris Fashion Week 2009








Mesmo coerente com as propostas originais do punk, Mick Jones é apenas uma voz dissonante. Para Jon Savage, a retrospectiva no Metropolitan Museum é da maior importância. No ensaio “Symbols clashing everywhere: punk fashion 1975–1980”, talvez o melhor dos quatro ensaios publicados do catálogo da mostra "Punk: Chaos to Couture", Savage destaca a importância histórica sem precedentes da exposição e avalia que nenhum movimento ou estilo teve influência mais marcante que o punk no comportamento e no mundo da moda. 



Autêntico nas ruas, falso na vitrine
  


Savage reúne à sua experiência de testemunha que presenciou a explosão do movimento, na década de 1970, variáveis da política, da música e da literatura que contextualizam as propostas do estilo punk – seja na concepção de uma forma cultural deliberadamente marginal e alternativa à cultura tradicional vigente na sociedade, seja como manifestação de segregação e auto-afirmação por gangues de rua. No ensaio, Savage destaca e resume toda a trajetória do que seja ou tenha sido “punk” em apenas duas normas iconoclastas: quebrar as regras e desrespeitar convenções. 







Destaque na galeria do Punk de
grife: abaixo, Vivienne Westwood 
com seu marido, co-autor e sócio
Malcolm McLaren em 1971; o casal
fotografado em 1977; e Vivienne com

suas colaboradoras em frente à loja e
ateliê em Londres, Let It Rock (depois
rebatizada de SEX e, mais tarde,
Seditionaries), em fotografias do
artista plástico inglês David Parkinson























 
Apesar do apuro conceitual apresentado, há também – e principalmente – os negócios antes da arte. A estratégia agressiva de marketing capitaneada na mídia fez com que a maior parte das peças originais de vestuário e adereços em exposição voltassem às vitrines das grandes lojas, movimentando cifras bilionárias para as grifes envolvidas ou citadas. A mostra, que tem patrocínio do e-commerce Moda Operandi e da editora Condé Nast, faz questão de demonstrar sua “intenção comercial” nas galerias temáticas que apresenta, todas elas com produtos em catálogos e serviços de vendas.

São seis galerias temáticas. A primeira, “Clothes for Heroes”, apresenta um panorama da cena musical de Nova York e Londres em meados da década de 1970, com bandas pioneiras do estilo, como Sex Pistols, Ramones, The Clash. A segunda galeria, “The Couturiers Situationists”, é dedicada à interpretação conferida ao punk por aqueles que são considerados os “inventores” do visual que a maioria associa ao estilo, Vivienne Westwood e seu então marido Malcolm Mclaren, através da loja e ateliê Let It Rock (depois rebatizada como SEX e, mais tarde, Seditionaries). Em uma frase destacada na galeria, Vivienne Westwood confessa que sua fonte de inspiração foi a mistura de antigas camisolas de dormir com peças recortadas de uniformes militares.







Rock & Pop & Punk: no alto,
Johnny Lydon fotografado com sua
camiseta esburacada em 1976
por Richard Young, imagem de
inspiração para Rei Kawakubo 
na coleção 1982 – e Lydon com
seu agasalho de lã, recriado por
Junya Watanabe nas passarelas
para a temporada de 2006. Abaixo,
Lydon com seu casaco costurado
com arame em fotografia de 1976 e a
releitura por Versace na coleção 1994







A terceira galeria, “Pavilions of Anarchy and Elegance”, coloca lado a lado peças da Alta Costura e itens originais criados no ápice do movimento punk, em meados da década de 1970. Mesmo pertencendo a universos tão distintos, as peças dos estilistas e as “invenções” dos primeiros punks apresentam semelhanças estéticas que destacam, principalmente, as técnicas de customização. A quarta galeria do Metropolitan apresenta “Punk Couture”, com instalações que exploram o fascínio da moda por fetiches que parecem saídos de rituais sadomasoquistas, incluindo correntes, cintos, alfinetes, argolas, zíperes.



Rebeldia como artigo de luxo



A quinta galeria da exposição "Punk: Chaos to Couture", batizada como “D.I.Y. Style”, examina a contribuição e o impacto da bricolagem e da customização, no primeiro momento do que hoje se convencionou chamar de diretrizes de sustentabilidade: foi a bricolagem e a customização inauguradas pelos punks que contribuíram para levar materiais rústicos e reciclados a serem acolhidos pela indústria têxtil. A sexta e última galeria, “La Mode Destroy”, é dedicada a um mapeamento visual sobre os tipos que se tornaram dominantes no movimento punk, incluindo anônimos e famosos como a roqueira Patti Smith, com sua marca que mistura estilos em roupas desalinhadas, maquiagem borrada, cabelos desgrenhados.







Clássicos do punk: a partir do alto,
Patti Smith em 1976, em fotografia
de Caroline Coon, e a coleção criada
por Ann Demeulemeester no ano 2000
em homenagem à roqueira. Acima,
Sid Vicious em 1977, em foto de
Dennis Morris, e o estilo Sex Pistols
recriado por Karl Lagerfeld para a
Maison Chanel em 2011; e o visual de
Joe Strummer, vocalista do The Clash em
1977, recriado em 2003 por Helmut Lang.

Abaixo, uma seleção de peças
do estilo punk na Alta Costura dos
últimos 30 anos: na primeira foto,
panorâmica do saguão de entrada;
na segunda, uma amostra do acervo
Maison Chanel; na terceira, uma
seleção de Viktor & Rolf; na quarta,
uma das galerias dedicadas a
criações de Gianni Versace








Enquanto isso, a direção do Metropolitan comemora o sucesso de público da mostra, recordista em número de ingressos vendidos. Nada mal para a aposta arriscada de inverter os valores e reabilitar a rebeldia punk como estilo sofisticado de consumo. Ainda mais que o Metropolitan Museum amargou uma decepção contabilizada em 2012 – quando a exposição “Impossible Conversations”, sobre o acervo de dois clássicos do mundo da moda, Schiaparelli e Prada, teve decepcionantes 340 mil visitantes e não alcançou nem a metade do público esperado pelos organizadores. Ao apostar todas as cartas no anti-establishment do movimento punk, o Metropolitan conseguiu bater seu próprio recorde de visitantes.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Punk de grife. In: Blog Semióticas, 31 de julho de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/07/punk-de-grife.html (acessado em .../.../…). 


Para uma visita on-line à exposição do Metropolitan Museum,  clique aqui.













 

 






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