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15 de outubro de 2011

Noite de Stanley Jordan






Música e natureza estão e sempre
estiveram intimamente ligadas desde
o mais antigo dos tempos da civilização

––   Stanley Jordan  
 

O concerto do improvisador Stanley Jordan voltou a provocar momentos contemplativos e comoveu o público durante mais de duas horas no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Muitos dos que presenciaram a performance surpreendente do guitarrista no mesmo palco – desde a primeira apresentação do guitarrista no mesmo Palácio das Artes, no final dos anos 1980, ou as recentes apresentações aclamadas em 2007 e 2006 – encontraram na metade do concerto o improvável: a maestria do músico norte-americano tocando e criando novas harmonias e acordes, simultaneamente, na guitarra e ao piano.

Um dos mais inventivos guitarristas em atividade, ele retornou a BH para uma única apresentação que trouxe canções do CD "State of Nature" e suas conhecidas e surpreendentes versões de clássicos do jazz, do rock e da Bossa Nova. No palco, demonstrou mais uma vez sua maestria peculiar na arte da guitarra, acompanhado por Ivan "Mamão" Conti, ex-integrante do grupo Azymuth, na bateria, e Dudu Lima, mineiro de Juiz de Fora, no baixo. Nascido em Chicago, em 1959, Stanley Jordan começou na música aos seis anos, estudando piano, aos 11 passou a dar aulas de guitarra e aos 16 ganhou um prêmio de revelação no Festival de Jazz em Nevada. A partir daí, percorre o mundo com sua personalíssima "touch technique" – uma maneira inovadora de tocar utilizando apenas o braço da guitarra.



Harmonia perfeccionista



Os fãs do guitarrista por certo recordam suas apresentações perfeccionistas em Belo Horizonte, no mesmo palco do Palácio das Artes, ou em outros festivais e teatros pelo Brasil, com seu repertório sempre surpreendente. Um repertório que pode incorporar, na mesma sequência de longos improvisos que hipnotizam a audiência, de versões das canções mais conhecidas dos Beatles ("Eleanor Rigby" é um de seus "standards" preferidos) a peças clássicas de compositores como Wolfgang Amadeus Mozart ou Ludwig van Beethoven, entre outras, além de seu acervo autoral registrado em 14 álbuns de carreira.







Para Toninho Horta e Juarez Moreira, dois dos grandes guitarristas e compositores mineiros que vão assistir ao show, Stanley Jordan é um mestre improvisador. "Ele conserva os padrões do Bebop tradicional, mas tem impressionante capacidade para o improviso. É sua maior qualidade, sem nenhuma dúvida", avalia Toninho Horta, que, de todos, ainda prefere o primeiro disco de Jordan, "Magic Touch", lançado em 1985.

"É um guitarrista atípico, que inventou um novo jeito de tocar o instrumento, que é o que melhor retrata o século XX e a nossa época, elétrica e urbana", elogia Juarez Moreira, que recorda a emoção que sentiu ao tocar guitarra para Stanley Jordan depois do primeiro show do norte-americano em Belo Horizonte, também no Palácio das Artes, no final dos anos 1980.

"Fui ao hotel e ele me convidou para tocar. Foi emocionante. Engraçado que ele achou muito diferente meu jeito de tocar guitarra. Na verdade, o jeito dele tocar é que é diferente de tudo o que conhecemos. É um grande artista", avalia Juarez. "Isso de criar o novo, criar uma terceira margem totalmente nova para a guitarra, é para poucos".









A questão ambiental



Lançado em 2008, "State of Nature" merece elogios incondicionais, concordam Toninho Horta e Juarez Moreira, que destacam no novo trabalho o lado humano e social do guitarrista, conhecido por abraçar as causas sociais, por trabalhar a musicoterapia e ser um de seus eméritos defensores e por sua militância pelas questões ambientais em seu país e durante suas turnês internacionais.

"Parte da razão pela qual fiz este álbum foi pelas revelações que descobri em minha viagem para tentar tornar-me uma pessoa melhor", afirma Stanley Jordan em breve entrevista, concedida por telefone num breve intervalo nas escalas de viagem, às vésperas do show em BH. "A outra razão pela qual gravei este CD é que venho descobrindo informações perturbadoras sobre questões ambientais como o aquecimento global e toda a degradação do nosso planeta".







O assunto preservação do meio ambiente e ecologia, ele concorda, leva inevitavelmente ao Brasil. Fã incondicional da música e dos músicos brasileiros, o guitarrista declara que o Brasil é seu segundo país quando o assunto é música. "Conheço o Brasil há muitos anos. Estive aqui várias vezes, fiz amizade com muitos músicos. Gosto do clima, da amizade, do modo como todos os brasileiros encaram a música. Gosto da música brasileira, que é sofisticada e com variações infinitas e sempre diferente, harmoniosa".

Sobre o maestro Tom Jobim, uma de suas referências, Jordan destaca seu gosto particular por duas canções: "Brigas Nunca Mais" e "Insensatez" - essa última, incluída no álbum "State of Nature". Para o músico, "há muito do samba no jazz e do jazz na Bossa Nova. Sempre gostei muito dessas misturas. Não pode haver nunca preconceito em música", explica.

Místico assumido, sem medo de confessar suas inclinações esotéricas e a contaminação que práticas e ensinamentos zen exercem em seu modo de compor e tocar, o artista costuma se inspirar em movimentos da arte marcial chinesa Tai Chi Chuan para elaborar os movimentos do corpo e da guitarra, durante suas acaloradas performances. De acordo com Stanley Jordan, "música e natureza estão e sempre estiveram intimamente ligadas, desde o mais antigo dos tempos da civilização".







Música e magia



O guitarrista tem deslumbrado plateias do mundo inteiro desde 1985, quando gravou o primeiro disco, "Magic Touch", com suas performances inovadoras, com o toque das duas mãos na guitarra - contribuição técnica ao manejo do instrumento que ele registrou na estreia e com o qual obteve instantâneo sucesso comercial e assegurou posição de destaque na indústria da música como um autêntico herói do seu instrumento. Em "State of Nature", sua estreia pelo selo baseado em Detroit, Mack Avenue Records, Jordan, ao lado do baixista Charnett Moffett e dos bateristas David Haynes e Kenwood Dennard, exibe sua técnica pioneira através de "standards" e composições originais.

Em "State of Nature", as guitarras de Stanley Jordan contam ainda com o baixista Charnett Moffett e os bateristas David Haynes e Kenwood Dennard. Os destaques incluem, além de “Insensatez” de Tom Jobim, uma prolongada abertura de "A Place in Space" e o solo de guitarra em "Andante from Mozart's Piano Concerto #21". O CD inclui outras recriações para os clássicos do jazz "All Blues", de Miles Davis, "Song for My Father", de Horace Silver, e "Steppin' Out", de Joe Jackson – essa última com a doce vocalização da filha de Jordan, Julia. 










Depois de sua terra natal, os Estados Unidos, o Brasil é o país onde ele mais tocou na vida – confessa o guitarrista, perdendo a conta de quantos shows e turnês já fez por aqui. Considerado um dos melhores do mundo em atividade e fã incondicional de compositores e músicos brasileiros, na turnê ele vem acompanhado do baterista Ivan "Mamão" Conti, do lendário grupo dos anos 1970 Azymuth, e o mineiro Dudu Lima no comando do baixo acústico, do elétrico de quatro, cinco e seis cordas e do "fretless", um baixo sem os trastes no braço.

O entrosamento do guitarrista com os músicos brasileiros dá ao espetáculo uma musicalidade especial com um repertório de interpretações de clássicos da música do Brasil e especialmente da Bossa Nova, além dos clássicos do jazz, composições do próprio Jordan e algumas surpresas reservadas para a plateia do Palácio das Artes. O trio já realizou mais de 80 apresentações nos últimos anos pelo Brasil.











Cornucópia



Conhecido por sua técnica, habilidade e originalidade, Stanley Jordan impressiona à primeira audição com seus acordes surpreendentes e complexos do jazz, dedilhados com a mão esquerda, e os velozes solos jazzísticos no estilo Bebop com a direita. Aclamado como um dos guitarristas que fizeram importantes contribuições técnicas e musicais para o instrumento, Jordan construiu uma carreira de prestígio pontuada de fatos pitorescos – entre eles ser descoberto pelas grandes gravadoras quando era artista de rua em Nova York, anos depois de ter se formado em teoria musical e composição na sisuda Universidade de Princeton.

O público dos festivais internacionais de jazz o conhece desde o final da década de 1970, mas para o grande público Stanley Jordan surgiu em meados da década de 1980, com seu primeiro disco, "Magic Touch". Filho de um pai na época desempregado e de uma professora de línguas, o guitarrista que descobriu a música estudando no piano da família, na Pensilvânia, chegou a recusar um primeiro convite do famoso produtor Bruce Lundvall, então executivo do selo Elektra Music. Lundvall o procurou para uma audição e, impressionado, convidou o artista para gravar um primeiro disco. Jordan recusou por se achar despreparado.








Anos depois, quando ainda tocava nas ruas de Nova York, aceitou nova proposta de Lundvall e começou a trilhar o caminho do sucesso internacional. Um ano e meio depois do primeiro convite, Lundvall foi para a Blue Note Records e insistiu na proposta da gravação de um disco. Stanley Jordan se tornou, então, o primeiro artista da nova fase do lendário selo de jazz.

Com o disco de estreia, "Magic Touch", foi primeiro lugar no quadro de jazz da revista "Billboard" por 51 semanas, o que lhe rendeu duas indicações para o Grammy e o Disco de Ouro certificado nos EUA e Japão. O disco, que trazia uma versão personalíssima para "The Lady in My Life", de Michael Jackson, é considerado um padrão definitivo para o gênero que ficaria conhecido no mundo inteiro como jazz contemporâneo.

Outro álbum de destaque foi "Cornucopia", em 1990, que reúne standards do jazz e do blues gravados em estúdio, entre eles "Autumn Leaves", "Impressions", "Willow Weep for Me" e "What's Going On", todos com a interpretação personalíssima e vez ou outra radical de Stanley Jordan. Em seguida, o guitarrista se mudou para a gravadora Arista e, em 1994, lançou "Bolero" – que inclui uma surpreendente versão jazzística para o clássico de Ravel. Na entrevista, Stanley Jordan reconhece que tocar nas ruas foi a melhor escola, apesar de problemas ocasionais com a polícia, que o abordava para cobrar a licença oficial, que ele nunca teve, para as apresentações que chegavam a reunir pequenas multidões.









Piano e violão



Ele diz que não lembra, mas uma rápida pesquisa revela que sua primeira apresentação em palcos brasileiros foi no final dos anos 1980, numa turnê por várias capitais. Depois retornaria com um festejado show em Búzios, no Festival de Jazz & Blues, em 2001, quando se apresentou com sua filha Julia, então adolescente. Voltaria ao mesmo festival de Búzios em 2004 e, como tomou gosto pelo Brasil, passaria a incluir o país como roteiro obrigatório para as turnês internacionais.

Sempre experimentando novos acordes e arranjos com sua síntese inteligente e sensível de variados estilos de jazz, em "State of Nature", lançado em 2008, Stanley Jordan volta a demonstrar seu virtuosismo com as cordas da guitarra e revela uma incrível habilidade com o piano. Para o show no Palácio das Artes, a plateia aguarda ansiosa: as luzes se apagam e alguns comentam entre si sobre as canções do disco em que Stanley Jordan toca duas guitarras ao mesmo tempo, incorporar sons da natureza nas gravações e dá um show quando toca, simultaneamente, piano e violão. Alguns apostam que nesta noite ele também vai surpreender. 















Com repertório centrado em "State of Nature", Stanley Jordan começa o show sozinho no palco do Grande Teatro do Palácio das Artes. Sob iluminação discreta, que alterna cores quentes e projeções de linhas geométricas e abstratas em tons de azul, apresenta três canções do mais novo CD, com arranjos muito diferentes ao vivo. Em seguida, Mozart - Andante from Mozart Piano Concerto #21 - em dedilhado frenético que faz lembrar os transes dissonantes de Jimmi Hendrix, com direito a insólitas frases de "Noite Feliz" pontuadas ao longo da melodia. Para a quinta canção, ele chama ao palco Ivan 'Mamão' Conti (bateria) e Dudu Lima ( baixo acústico e elétrico).

São memoráveis as longas séries de improvisos em "Mind Games 2", com citações que arrancam aplausos de "The Girl from Ipanema". Mais ou menos 12 minutos de fantasia, com o virtuosismo da guitarra encontrando, nos minutos finais, os inconfundíveis acordes de "Mi Cosa", clássico jazzístico que outro guitarrista, Wes Montgomery, tornou célebre. Aplausos demorados e o temor de que o concerto terminasse. Mas o melhor estava por vir.




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Os aplausos na metade da sétima canção demonstram que o público demorou a reconhecer os acordes Bossa Nova de "Insensatez" ("Que você fez, coração mais descuidado..."), recriada pelo guitarrista em variações de acordes tão melancólicos e pausados que deixariam comovidos os próprios Tom Jobim e João Gilberto – referências confessas de Stanley Jordan, além de Milton Nascimento e outros heróis, sobre a música do Brasil. 



Clássicos do Bebop Jazz



Na sequência, Stanley Jordan dispara com três clássicos jazzísticos do estilo Bebop – "All Blues", de Miles Davis, "Song for My Father", de Horace Silver, e "Steppin' Out", de Joe Jackson, as duas últimas com a impecável e inacreditável performance de Stanley Jordan na guitarra e no piano, ao mesmo tempo. Comoção e aplausos. Muitos aplausos. Depois vem os acordes de "St. James Infirmary", com a guitarra de Stanley Jordan recriando os longos solos melancólicos do trompete de Louis Armstrong. O final se mistura com acordes de outro clássico do Jazz, "Summertime", com o guitarrista trazendo à memória da plateia os solos de Satchmo e até a lembrança da voz cristalina de Ella Fitzgerald. Técnica e virtuosismo do músico que revela as proximidades antes insuspeitadas das duas canções. Emocionante.
 





 
"A Place in Space", com duração de inacreditáveis 18 minutos, encerra o show, com o guitarrista a dedilhar durante uma longa sequência de aplausos um mix dos diversos estilos que aprendeu ao tocar na rua para atrair a atenção dos mais diferentes tipos de pessoas. Os aplausos demorados não se interrompem durante os improvisos que antecedem um bis antológico. 

Sozinho no palco, o guitarrista ultrapassa limites e recria "Over the Rainbow" (de "O Mágico de Oz"), terminando na invenção do contínuo em novos acordes para "'Round Midnight" e "Someday My Prince Will Come" (da versão Disney para "Cinderela"). Timbres de rock, riffs de Jimi Hendrix, os graves e agudos de Janis Joplin, acordes de Miles Davis, dim-dim-dim dom-dom-dom de João Gilberto? Tudo evoca e ressoa em harmonia na guitarra hipnótica de Stanley Jordan.

A plateia, meio que acordada de um transe feliz e passageiro, cai de novo em aplausos. Muitos aplausos. Como se não bastasse, quando a multidão lenta e meio sorridente de ouvintes contentes passa caminhando pelo saguão para a saída, lá estava ele: ele mesmo, que há pouco levava a todos a lugares insuspeitados estava ali e ficaria ali, horas pela noite adentro, sentado na mesinha diante da longa fila, posando com fãs para fotos e autografando discos de vinil, CDs e DVDs no foyer do Grande Teatro do Palácio das Artes. Uma noite fria de novembro de 2009 para guardar com uma dúzia de canções memoráveis. Sofisticada e imprevisível, a arte de Stanley Jordan.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A noite de Stanley Jordan. In: Blog Semióticas, 15 de outubro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/noite-de-stanley-jordan.html (acessado em .../.../...).






















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