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18 de outubro de 2011

O Jabuti do Castello






Muitos homens iniciaram uma nova era em
suas vidas a partir da leitura de um livro.
––  Henry David Thoreau, 1882.   


Carioca de 1951, o jornalista e escritor José Castello reconhece que há muitos elementos biográficos em "Ribamar", seu livro mais pessoal, anunciado como vencedor de 2011 da categoria romance do prêmio Jabuti. É um belo livro, com Castello na perícia do toque de mestre transformando referências musicais para marcar a jornada de um filho e uma homenagem ao pai do escritor, o também jornalista José Ribamar Martins de Castello Branco (1906-1982). Outros destaques na premiação deste ano do Jabuti: Laurentino Gomes, com o prêmio por “1822”, na categoria reportagem, Dalton Trevisan na categoria contos e crônicas, com “Desgracida”, e Ferreira Gullar, vencedor em poesia com “Em alguma parte alguma”.

"Trabalhei com muitas recordações de infância e de juventude. Usei o passado como matéria de ficção", revela Castello, sempre econômico nas palavras e nos adjetivos. O escritor e crítico literário esteve recentemente em Belo Horizonte para uma sessão de autógrafos no lançamento de “Ribamar” e para uma conversa com o público no projeto Sempre um Papo. Nesta entrevista que fiz com ele para o jornal “Hoje em Dia” de Belo Horizonte, na véspera do lançamento do livro, Castello descarta as classificações de memórias, biografia ou ensaio autobiográfico para seu livro, que como ele mesmo explica transita entre vários estilos, inclusive na categoria de partitura musical e também, de certo modo, como um ensaio ficcional sobre o escritor Franz Kafka. Confira alguns trechos da entrevista.







"É, sem dúvida, um romance", define Castello, com propriedade. "Romance limítrofe, que dialoga com outros gêneros literários, mas é um romance. Algumas pessoas, porque parto da figura de meu pai, Ribamar, acham que é um texto biográfico, ou autobiográfico. Muitos leitores e críticos ainda se confundem, achando que é um relato sobre a vida de meu pai, minha biografia paterna, ou um livro de memórias. Esse engano, acredito, se deve a uma ideia deturpada que muitos ainda mantêm a respeito do que seja uma ficção".



O real e a ficção



José Castello faz uma breve pausa durante a entrevista e depois lembra, com um meio sorriso, que a maioria das pessoas desconfia que a ficção é sempre algo que se eleva acima do real. "Muitos acreditam que a ficção não tem compromisso algum com o real, que é puro arbítrio. Mas não, não é assim, ou nem sempre é assim. A ficção não nega o real, não o apaga, ela o expande e o reinventa. A ficção não é qualquer coisa: ela é um olhar singular sobre a realidade da existência", defende.











Em "Ribamar", Castello alterna histórias reais com outras inventadas, ou recriadas, como ele prefere dizer. Em parte, o novo romance, editado pela Bertrand Brasil, traz referências ao pai de Castello"Meu pai era jornalista político, repórter do jornal O Globo, o mesmo de qual hoje sou colunista. Até 1960, enquanto a capital esteve no Rio, meu pai fazia a cobertura do Senado Federal. Não tinha o hábito de ler ficções, só comprava livro técnico. Em sua pequena biblioteca não havia um só livro de ficção", recorda, rindo de uma ou outra mania dos excessos paternos.

As lembranças do pai estão presentes na ficção como na vida real. "No início de minha adolescência, meu pai me repreendia porque eu gastava minha pequena mesada comprando romances e livros de poemas. Achava aquilo estranho e, pai amoroso, temia que eu me fechasse nos livros e me isolasse do mundo, o que, de certa forma, realmente aconteceu", confessa, sempre bem-humorado.










O Jabuti do Castello: no alto, 
o escritor José Castello. Acima,
duas imagens da cidade de Praga,
na Tchecoslováquia, atualmente
República Checa, terra natal
de Franz Kafka, em fotografias
anônimas datadas de 1900. Abaixo,
imagens da cidade de Parnaíba, Piauí


















"Ribamar" é, em parte, um relato da viagem feita anos atrás à pequena Parnaíba, Piauí, cidade onde o pai de José Castello passou a infância e a juventude. No outono de 2008, o próprio Castello fez uma viagem àquela cidade do Nordeste, experiência que lhe rendeu, ele recorda, uma infinidade de notas e sugestões preciosas para escritos em literatura.

O romance também é, ainda em parte, um ensaio emblemático e alegórico sobre um cânone da literatura universal, o escritor Franz Kafka (1883-1924), em particular sobre "Carta ao Pai" – longo e emocionado relato confessional que o autor de “O Processo” e “A Metamorfose” escreveu endereçado a seu pai, Hermann Kafka, com a intenção de fazer um balanço da difícil relação de vida entre os dois.







Literatura com estrutura musical

Mesmo com todas as citações à célebre "Carta ao Pai", José Castello garante que o propósito do novo livro não foi, de forma alguma, refletir a respeito da obra de Kafka, e sim tê-la como referência para pensar sua relação com seu próprio pai, chamado José Ribamar. Ele também reconhece que as referências a diversos outros livros que tratam da relação de escritores com seus pais são intencionais no novo romance.

"Mesmo quando o ignora, o escritor está dialogando com outros escritores. As leituras que fazemos ao longo da vida deixam marcar definitivas em nossa sensibilidade. Deixam feridas, que o escritor tenta cicatrizar encobrindo-as com seus próprios escritos", ele diz. Sobre Kafka, Castello completa explicando que é um escritor que, para ele, desde sempre, e desde muito cedo, tornou-se uma referência decisiva e uma identificação permanente.






"Preciso confessar que ler 'A Metamorfose' me deixou em estado de grande perturbação, logo me identifiquei com aquele filho massacrado pela família como um inseto. Não tenho dúvidas de que aquela leitura aos 11 anos foi uma peça decisiva de minha formação pessoal. Essas leituras ficam, fazem parte de nós, e estamos sempre a dialogar com elas", completa Castello.

"Ribamar" tem uma estrutura musical. A começar pela capa do livro, belo trabalho de design gráfico que reproduz em relevo uma partitura envelhecida. A base é uma canção de ninar, não sem propósito a música com que o pai embalava Castello quando ele era bebê. No livro, seguindo um relato híbrido, afetivo, cerebral, cada capítulo corresponde a uma das notas musicais da melodia. A cada nota, ainda, corresponde um tema específico. Ao fundo, uma melodia inaudível se desenrola, porque o romance é, na estrutura, uma combinação de oito temas, expressos em seus correlatos nas sete notas musicais elementares, mais a pausa. 








Você tem a alma fechada a cadeado”, diz uma certa Dora Dyamant no desfecho de “Ribamar”, ao que o narrador completa: “Franz sabia que a literatura é uma chave. Instrumento inútil que não corresponde a nenhuma fechadura. Uma chave que atesta o fracasso de todas as chaves. Sua carta ao pai é prova disso. Também 'Ribamar', o livro que me preparo para escrever, não passa de um ferrolho. Vale a pena escrevê-lo?” Os elogios unânimes de críticos e leitores e premiações importantes, por certo, valem como uma resposta decisiva ao que pergunta o narrador de Castello.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O Jabuti do Castello. In: Blog Semióticas, 18 de outubro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/o-jabuti-de-castello.html (acessado em … /… /...).








Jabuti 2011, livros e autores premiados:



Artes
:
“Os Satyros”, de Germano Pereira

Arquitetura e Urbanismo: “Dois séculos de projetos no Estado de SP”, Nestor G. Reis e Monica S. Brito

Biografia: “De menino a homem”, de Gilberto Freyre

Capa: “Invisível”, de João Baptista da Costa Aguiar

Comunicação: "Impresso no Brasil", de Anibal Bragança e Marcia Abreu (orgs)

Ciências da Saúde: “Atlas de endoscopia digestiva da SOBED”, de Marcelo Averbach

Ciências Exatas: “Teoria Quântica - estudos históricos e implicações culturais”, de Olival Freire, Osvaldo Pessoa, Joan L. Bromberg (org)

Ciências Humanas: “Manejo do mundo: conhecimentos e práticas dos povos indígenas do Rio Negro”, de Aloisio Cabalzar

Ciências Naturais: “Bioetanol de cana-de-açucar – P&D para produtividade e sustentabilidade”, de Luís Augusto B. Cortez (coord.)

Contos e Crônicas: "Desgracida”, de Dalton Trevisan

Didático e Paradidático: Coleção “Pessoinhas”, de Ruth Rocha e Anna Flora

Direito: “Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro”, de Norma Sueli Padilha

Economia, Administração e Negócios: “Multinacionais brasileiras: internacionalização, inovação e estratégia global”, de Moacir M. Oliveira Jr.

Educação: “Impactos da violência na escola: um diálogo com professores.”, de Simone G. de Assis, Patrícia Constantino e Joviana Q. Avanci

Fotografia: “Fotografia de Natureza”, Luiz Claudio Marigo

Gastronomia: “Machado de Assis: Relíquias Culinárias”, de Rosa Belluzzo

Ilustração: “O Corvo”, de Manu Maltez

Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil: “Gildo”, de Sivana Rando

Infantil: “Obax”, de André Neves

Juvenil: “Antes de virar gigante e outras histórias”, de Marina Colasanti

Poesia : “Em alguma parte alguma”, de Ferreira Gullar

Projeto Gráfico: "Theodoro Sampaio – Nos sertões e nas cidades", de Karyn Mathuiy

Psicologia e Psicanálise: “Coração... É emoção: a influência das emoções sobre o coração”, de Elias Knobel, Ana L. M. da Silva, Paola Andreoli

Reportagem: “1822”, de Laurentino Gomes

Romance: “Ribamar”, de José Castello

Tecnologia e Informática: “Aprendizagem a distância”, de Fredric M. Litto

Teoria / Crítica: "Câmara Cascudo e Mário de Andrade – Cartas, 1924-1944", de
Marcos Antonio de Moraes (org)

Tradução: "O livro de Dede Korkut", de Marcos Syrayama de Pinto

Turismo e Hotelaria: "Hospitalidade – A inovação na gestão das organizações prestadoras de serviços", de Geraldo Castelli


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