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11 de abril de 2015

Olhar estrangeiro no Candomblé







O que me interessa é o papel que tem o Candomblé ao conferir
dignidade aos descendentes dos escravos. Aqui eles chegaram a
ser gente mesmo, gente respeitada por suas próprias tradições.

––  Pierre Verger (1902-1996).   


Um acervo surpreendente com cerca de 200 fotografias inéditas que registram o Candomblé da Bahia nas décadas de 1930 e 1940 foi localizado esta semana em Pernambuco. O valor da descoberta impressiona ainda mais depois da revelação da identidade do autor das fotografias – o alemão Thomás Kockmeyer, que era frei da Ordem dos Franciscanos da Igreja Católica e foi ordenado em 1938 no Brasil, onde viveu durante cinco décadas. 

Kockmeyer, entusiasta da fotografia, driblou a intolerância racial e religiosa da época e registrou as belas imagens de comunidades negras e seus rituais de Candomblé no Recôncavo Baiano. Fotografias, objetos e outros documentos foram encontrados no Recife, em Pernambuco, pela equipe do Arquivo Provincial Franciscano que desde 2014 trabalha no projeto Resgate Documental da Província Franciscana de Santo Antônio do Nordeste do Brasil.

As 200 fotografias no formato 5 x 7 cm, ao que tudo indica, estavam guardadas há décadas no Recife, no Convento de Santo Antônio, em uma pequena caixa de madeira com os dizeres “Candomblé – Fotografias de Frei Thomás Kockmeyer”. São imagens de grande valor documental que registram os moradores de comunidades negras da região do Recôncavo Baiano, alimentos, indumentárias e rituais religiosos de matriz africana. O projeto Resgate Documental, que tem patrocínio da Petrobras, pretende recuperar arquivos históricos de documentos e objetos relacionados aos quatro séculos da história da Ordem Franciscana da Igreja Católica no Brasil.










Olhar estrangeiro no Candomblé da Bahia:
no alto, uma das fotografias registradas na
década de 1930, no Recôncavo Baiano,
pelo frei franciscano Thomás Kockmeyer
(acima, no retrato publicado no necrológio
da Revista de Santo Antônio, e em
fotografia de 1958 na região de Santarém,
na floresta amazônica, durante uma temporada
de sete meses com Protásio Frikel, um
ex-franciscano que viveu muitos anos
com as tribos Tiriyó). Abaixo, Convento
de Santo Antônio, no Recife, onde foram
descobertas as fotografias de frei Kockmeyer










O trabalho da equipe do projeto Resgate Documental teve início em 2014 por iniciativa do coordenador de Patrimônio da Província Franciscana, frei Roberto Soares. O objetivo do projeto é reunir os acervos de raridades históricas que incluem imagens, manuscritos, cartas, certidões, livros, fotografias, fitas cassetes, discos em vinil, partituras e filmes que retratam a vivência religiosa, social, cultural e administrativa dos franciscanos no Brasil. 



Cenas e personagens anônimos



A pesquisa e coleta do material, que resultou na descoberta das fotografias feitas pelo frei Kockmeyer, acontece em mais de 40 localidades que, desde o início do século 16, abrigam ou abrigaram conventos e igrejas da Ordem Franciscana nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas, Sergipe, Bahia e Pará. A previsão é que nos próximos meses o acervo esteja restaurado, organizado e aberto ao público para consulta no Recife, no Arquivo Provincial Franciscano, e também através da Internet.
 









Olhar estrangeiro no Candomblé: acima
e abaixo, fotografias surpreendentes feitas
pelo frei franciscano Thomás Kockmeyer
nas décadas de 1930 e 1940 na
região do Recôncavo Baiano







.





As cenas e personagens anônimos fotografados pelo frei Thomás Kockmeyer, além de despertar interesse por seu ineditismo e pela identidade inusitada do fotógrafo, revelam detalhes importantes sobre a religião e os hábitos cotidianos de comunidades negras da Bahia, suas festas, vestimentas, objetos sagrados e movimentação nos rituais. Além dos registros sobre o Candomblé, durante os quase 50 anos em que esteve no Brasil o frei franciscano também se dedicou a pesquisas sobre história e sobre os povos indígenas.

De acordo com o informe publicado pela coordenação do projeto Resgate Documental, também foram localizados no Recife documentos diversos e outras fotografias relacionados aos estudos de frei Kockmeyer, incluindo registros de duas expedições de pesquisa de campo que o religioso realizou, em 1950 e em 1958 – quando ele passou uma temporada de sete meses com os índios Tiriyó, no estado do Pará. Frei Thomás Kockmeyer morreu em 1978, aos 65 anos, em um acidente de carro, e foi enterrado em Rio Formoso, cidade do interior de Pernambuco onde ele exercia as funções de vigário.

















América Negra



Antes desta descoberta do acervo no Recife, as únicas referências sobre as pesquisas etnográficas e as fotografias do frei Thomás Kockmeyer estavam nos livros publicados pelo sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974), que a partir de 1938 fez parte da missão de professores europeus na então recém-criada Universidade de São Paulo (USP). Roger Bastide morou durante 20 anos no Brasil, atuando na USP, em substituição ao professor Claude Lévi-Strauss, e também morou no Rio de Janeiro e em estados do Norte e do Nordeste.

Dedicado a estudos sobre religiosidade e misticismo, Bastide é reconhecido como um dos principais pesquisadores sobre as religiões afro-brasileiras e chegou a se tornar um iniciado no Candomblé. Na década de 1940, conheceu na Bahia o trabalho do frei Kockmeyer sobre o Candomblé e os rituais religiosos de matriz africana, que posteriormente seria descrito e citado como referência na tese de doutorado de Bastide na Universidade de Paris-Sorbonne, “O Candomblé da Bahia – Transe e Possessão no Ritual do Candomblé” (1957), e também em “Brasil, Terra dos Contrastes” (1957), “As Religiões Africanas no Brasil” (1958) e “As Américas Negras” (1967), entre outros livros publicados pelo sociólogo.

Outro cidadão francês que ficou impressionado com os rituais religiosos de origem africana no Brasil foi o escritor Albert Camus, Prêmio Nobel de 1957. Em visita ao Brasil, em 1949, tendo por companhia dos escritores Oswald de Andrade e Murilo Mendes, Camus assistiu as festas em louvor ao Senhor Bom Jesus em Iguape, no litoral de São Paulo, e também visitou o Rio de Janeiro, a Bahia e o Ceará. O escritor ficou especialmente interessado nas questões religiosas: acompanhou procissões católicas e participou de rituais de umbanda e candomblé, nos quais encontrou semelhanças com sua terra natal, a Argélia, país também habitado por europeus e africanos. As lembranças do Brasil são citadas com frequência na obra de Camus, com destaque em "Diário de Viagem" e em "A pedra que cresce", do livro "O Exílio e o Reino", com a história de um engenheiro europeu que viaja ao Brasil para construir uma represa em Iguape.


























Olhar estrangeiro no Candomblé da Bahia:
a partir do alto, o sociólogo francês Roger Bastide
em visitas Salvador, fotografado na década
de 1950; também acima o escritor Albert Camus
em visita à festa religiosa em Iguape, no
litoral de São Paulo, tendo ao fundo as torres
da Basílica do Bom Jesus, fotografado por
Oswald de Andrade
e a festa consagrada
ao Senhor do Bonfim em Salvador,
em 1947, em fotografia de Pierre Verger.

Abaixo, Zélia Gattai e Jorge Amado em
Salvador, com Mãe Senhora e os franceses
Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre,
em 1960; Jorge Amado com o português
José Saramago nas ruas de Salvador,
em 1996; e dois encontros em Salvador
de Caetano Veloso e Jorge Amado com
José Saramago também em 1996









        








O babalaô “Fatumbi”



Além de Roger Bastide e Albert Camus, outro cidadão francês que conheceu em meados do século 20 as pesquisas e fotografias de frei Thomás Kockmeyer foi Pierre Verger (1902-1996), fotógrafo e antropólogo francês que adotou Salvador como residência a partir da década de 1940. Verger dizia em entrevistas que se apaixonou pela Bahia ao ler “Jubiabá”, romance de Jorge Amado publicado em 1935. Jorge Amado e o artista plástico Carybé, anos depois, fariam parte do grupo dos grandes amigos de Verger em terras brasileiras.

A aproximação com Roger Bastide e Pierre Verger também levaria os amigos Jorge Amado e Carybé a receberem como convidados, em Salvador, outros importantes escritores, artistas e filósofos de outros países – entre eles os franceses Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Jorge Semprún; os argentinos Julio Cortázar e Ernesto Sabato; os italianos Umberto Eco e Alberto Morávia; e pelo menos três vencedores do Prêmio Nobel de Literatura: o colombiano Gabriel García Márquez, o chileno Pablo Neruda e o português José Saramago – todos de passagem pelo Brasil e interessados em conhecer a Bahia, o Candomblé e os cultos de matriz africana dedicados à fé nos orixás.   

Quando passa a morar em Salvador, em 1946, Pierre Verger inicia suas pesquisas sobre a religião e a cultura negra da África e do Brasil, o que o levaria aos primeiros contatos com o trabalho do frei Kockmeyer. Verger, que se tornaria um dos grandes estudiosos dos cultos aos Orixás, recebeu em 1953 o nome ritualístico “Fatumbi” e foi iniciado como babalaô, um adivinho através do jogo de búzios do Ifá, com acesso às sagradas tradições orais da cultura Iorubá.













Três amigos em Salvador, Bahia, fotografados
em meados da década de 1970: Pierre 'Fatumbi'
Verger, Jorge Amado e Carybé – nome artístico
do argentino naturalizado brasileiro Hector Julio
Páride Bernabó (1911-1997), pintor, desenhista,
escultor e historiador que trocou seu país pelo
Brasil em 1949, ao conhecer a Bahia, e que
dedicou-se durante décadas a registros sobre
o Candomblé, entre eles belos desenhos e
aquarelas como Cerimônia para Oxalufã
(reprodução acima).

Abaixo, Carybé com Mãe Senhora
no terreiro de Candomblé Ilê Axé Apô Afonjá
em Salvador; um encontro de Gilberto Gil
no palco com Pierre Verger e Carybé, em
fotografia de Arlete Soares; os três amigos
Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé;
Carybé junto com o chileno Pablo Neruda
e com Jorge Amado em Salvador, no
começo da década de 1970; Jorge Amado
fotografado por Zélia Gattai com Gabriel García
Márquez em 1974 e com José Saramago em 1985;
com Mãe Menininha do Gantois; um encontro de
Jorge Amado, Dorival CaymmiMãe Menininha
do Gantois em 1980, fotografados por Gildo Lima;
e os dois "estrangeiros" Carybé e Pierre Verger.
Também abaixo, uma seleção de fotografias de
Pierre Verger na Bahia: 1) o fotógrafo em
autorretrato no ano de 1952; 2) fotografia
de um ritual do Candomblé em 1946;
3) Festa de Iemanjá no Rio Vermelho
em Salvador, 1947; 4) Mãe Senhora, como
era conhecida a Iyalorixá Dona Maria Bibiana
do Espírito Santo, mãe do Terreiro Ilê Axé Opô
Afonjá, em 1948; e 5) duas imagens que
registram ritual do Candomblé
no ano de 1957 em Salvador













































Em 1988, o próprio Pierre Verger transformou a casa em que morava, na Ladeira da Vila América, em Salvador, na sede da Fundação Pierre Verger, que passou a abrigar uma preciosa biblioteca sobre as religiões africanas no Brasil, um acervo com obras de arte e mais de 60 mil fotos de sua produção, em grande parte dedicada ao Candomblé. Não por acaso, o antropólogo Raul Lody, atual curador da Fundação Pierre Verger, também faz parte da equipe de pesquisa do Arquivo Provincial Franciscano que localizou, no Convento de Santo Antônio, no Recife, o acervo de documentos e fotografias sobre o Candomblé registrados pelo frei Thomás Kockmeyer.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Olhar estrangeiro no Candomblé. In: Blog Semióticas, 11 de abril de 2015. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2015/04/olhar-estrangeiro-no-candomble.html (acessado em .../.../...).



Para comprar o livro biográfico Pierre Fatumbi Verger,  clique aqui.





























7 de dezembro de 2013

Jim Morrison aos 70








O xamã se move separado de todos os demais, vive sozinho,

fala com os mortos e com a lua cheia em línguas que só ele

entende porque só o xamã tem esse pensamento metamágico.

Quando você olha para as mais diversas sociedades humanas

tradicionais, todas têm xamãs. Mas o xamã não é uma pessoa

descontrolada do jeito que é o esquizofrênico. O xamã sempre

sabe o ponto certo e só entra em transe na cerimônia

certa porque ele é suave, tem poder, tem autocontrole.

–– Robert Sapolsky, “Crença e Biologia”. 



A imagem de Jim Morrison, sua poesia e suas performances, provocam ainda hoje uma estranha sedução – décadas depois de sua morte cercada de mistérios em Paris, em 3 de julho de 1971, aos 27 anos. Mas o que há em comum entre o rock'n'roll, a poesia e as religiões ancestrais? A questão, central para a legião de fãs de Jim e para todos os estudos biográficos assinados por jornalistas e pesquisadores que seguiram a trilha do Lizard King, fornece o fio condutor para o livro “Jim Morrison: O poeta-xamã”, lançamento da Editora UFMG.

Didático, investigativo, o autor, que é professor da Faculdade de Letras da UFMG, convida o leitor a uma viagem fascinante em busca de respostas a partir da transcrição dos poemas em versão original e em português. Nos caminhos que se bifurcam, surge em detalhes a trilha de brilho intenso de Jim Morrison. No trajeto da argumentação sobre a definição de "poeta-xamã", as afinidades eletivas entre a contracultura, a tradição literária e o misticismo, em meio a referências incomuns para um roqueiro que incluem a mitologia da Antiguidade Clássica, os filhos de Zeus, Dionísio, Apolo, os povos pré-colombianos, Baudelaire, Rimbaud, Nietzsche, Freud, Kafka, Lévi-Strauss, Castaneda, Kerouac, entre muitos outros poetas, artistas, pensadores.










O poeta-xamã: no alto e acima,
Jim Morrison fotografado em
1968, em New York, por Yale Joel.

Abaixo: 1) outra imagem da sessão
em estúdio de 1968 com Yale Joel;
2) Jim Morrison e The Doors no palco,
em março de 1968, na abertura da casa
de shows Fillmore East, que se tornaria
um lugar lendário em Nova York, em
três fotografias de Elliott Landy;
3), 4) e 5) em fotografias de Ken Regan
que registram superformance no palco, em
janeiro de 1970, no Westbury Music Fair;
6) mais duas fotografias do ensaio de 1968
por Yale Joel7) e 8) no palco em
Phoenix, Arizonaem fevereiro de
1968, fotografado por Paul Ferrara;
9) na capa da revista Rolling Stone
em agosto de 1971, em edição especial
de homenagem póstuma; e 10) a capa do
livro Jim Morrison: O poeta-xamã






















Amoroso, místico, científico



O perfil de Jim Morrison, como destaca Marcel de Lima Santos, autor do livro "Jim Morrison: O poeta-xamã", vai muito além das fotografias do astro do rock reproduzidas ao infinito há quase meio século. O poeta e astro de primeira grandeza da Era do Rock é um personagem surpreendente. Jim Morrison é sofisticado, conhecedor da cultura erudita, ao mesmo tempo amoroso, místico, científico. É um daqueles personagens que conseguem escapar de qualquer rótulo simplificador porque ultrapassa os limites tênues entre arte, magia, política, para alcançar as grandes questões de nossa época – questões que não por acaso explodiram na década de 1960 e mantêm uma atualidade que impressiona, como nos versos do século 19 de outro poeta místico, William Blake, fonte de inspiração para o poeta e sua banda The Doors: “Se as portas da percepção estivessem abertas, tudo pareceria como sempre foi – infinito”.

Na presença fulgurante de Jim, autêntico Orfeu imerso no turbilhão industrial da cultura de massas, com seus escritos e performances de poeta xamã, o livro reúne citações eruditas ao exercício semiótico em detalhes reveladores, essenciais para a desconstrução e a busca do entendimento sobre o mosaico de complexidades que conduz a trajetória do artista e que sua obra representa. Exatamente como o xamã ancestral, que detém os segredos de outros mundos e compartilha, com doses generosas de lógica e magia, sonhos míticos habitados por utopias e deuses e espíritos.
















  



Além de “Jim Morrison: O poeta xamã”, há uma extensa lista de livros sobre Morrison lançada no Brasil – incluindo muitas biografias e fotobiografias, estudos sobre sua poesia e sobre a trajetória da banda, também apresentada no filme ficcional de Oliver Stone, “The Doors”, de 1991, com a convincente performance de Val Kilmer como protagonista. Há ainda os dois livros de poemas que Jim Morrison publicou e as duas coletâneas de inéditos, póstumas, todos lançados pela editora portuguesa Assírio & Alvim: “Os Mestres e as Criaturas Novas”, “Uma Oração Americana”, "Abismos" e “Últimos Escritos”. A mesma editora lançou “Daqui Ninguém Sai Vivo”, tida como sua principal biografia, escrita pelos jornalistas Daniel Sugerman e Jerry Hopkins, que acompanharam o percurso de Jim desde quando ele era estudante de cinema na Universidade da Califórnia.

 

Poesia, prosa, filosofia



A arte que Jim Morrison representa faz lembrar que nem sempre a prosa e a filosofia estão mais próximas da realidade do que a poesia. Nos textos mais antigos que sobreviveram desde o mais remoto da Antiguidade Clássica, na Grécia Antiga, encontramos aqueles fundamentos que muitos escritores e muitos pensadores da linguagem e da Semiótica como Walter Benjamin, Roland Barthes, Umberto Eco, propõem como centro a partir do qual se desenvolve a cultura do que é humano: a poesia no ponto de partida dos caminhos que se bifurcam nos domínios da linguagem.


 








A poesia de Jim Morrison editada em
português, em publicações da Assírio & Alvim,
editora de Portugal: acima, capas para o primeiro
livro, Os Mestres e as Criaturas Novas, e para
Uma Oração Americana, de publicação póstuma.
Acima, The Doors no começo de carreira, antes
de gravarem o primeiro disco, fotografados em
agosto de 1966 por Linda McCartney no palco
do Whisky A Go Go, na época uma pequena
casa de shows em West Hollywood, Califórnia;
e Jim Morrison em Los Angeles, em
1967, em fotografia de Paul Ferrara.

Abaixo, os quatro integrantes de The Doors
em Venice Beach, Los Angeles, fotografados
por Bobby Klein em 1967: a partir da esquerda,
John Densmore, Ray Manzarek, Jim e Robby
Krieger. Também abaixo, 1) Jim em Amsterdam,
Holanda, em 1968, em fotografia de
Nico van der Stam; 2) Jim na Alemanha,
durante a turnê de The Doors em setembro de
1968, fotografado por Gunter Zint; 3) Jim
banda fotografados em 1968 por Art Kane
na saída de emergência para incêndio, no quarto de
Morrison no lendário Chateau Marmont Hotel em
Los Angeles, o preferido de astros e estrelas do
cinema e do rock; 4) Jim e seu cão Stone no
Griffith Observatory, Los Angeles, em fotografia
de 1968 de Paul Ferrara que com frequência é
reproduzida na capa das edições de seus livros


















Se voltamos aos mais antigos textos que a historiografia pode localizar, de Platão e Aristóteles, e mesmo antes deles, na tradição da mitologia da Grécia Antiga e de outras civilizações da Antiguidade Clássica, encontramos a palavra no que ela tem de mágico e de criação do mundo tal e qual o conhecemos. Platão fala do “furor poético” que incorpora alguns seres, os seres iluminados, e faz deles interlocutores com o além, o sobrenatural, o desconhecido.

O furor poético e a inspiração dos poetas da Grécia Antiga estavam presentes no primeiro incidente, e primeiro grande acontecimento na trajetória de Jim Morrison e The Doors, que foi uma espécie de presságio sobre os escândalos que seguiriam o poeta e sua banda: The Doors eram um grupo desconhecido, em começo de carreira, antes mesmo de gravarem o primeiro disco, quando foram despedidos da casa de shows Whisky A Go Go porque apresentaram pela primeira vez no palco a canção "The End", uma versão ainda hoje polêmica de Jim Morrison para a tragédia "Édipo Rei', de Sófocles.

Os poetas, como ensinava Platão, entre estes seres iluminados, seriam aqueles tomados pelo sopro de Orfeu, o primeiro entre os poetas, o filho do deus Apolo e descendente da família do deus Dionísio. Orfeu, aquele que estava predestinado a inventar a arte da música, encantando a tudo e todos com sua lira e transmitindo o grande segredo, mas um segredo cifrado em poemas musicais. Os poetas, como também revela Hesíodo em sua "Teogonia", oito séculos antes de Cristo, na Grécia Antiga, são aqueles seres humanos escolhidos pelas Musas entre os mortais, por elas inspirados em rituais místicos.










O poeta-xamã: acima, as capas de outros
dois livros de Jim Morrison também de edição
póstuma, Abismos e Últimos Escritos,
publicados em português pela Assírio & Alvim,
editora de Portugal. Abaixo, imagens raras da
estreia de The Doors para grandes plateias, no
palco do Fantasy Fair and Magic Mountain Music
Festival (Feira de Fantasia e Festival de Música
da Montanha Mágica), no topo do monte Talmapaís,
Condado de Marin, Califórnia, em junho de 1967,
em fotografias de John Gavrilis e Elaine Mayes.
O festival aconteceu na época em que The Doors
lançou seu primeiro álbum e "Light My Fire"
despontou como grande sucesso











A questão transcendental



Esta mística da criação pela arte e pela poesia, do grande segredo cifrado nas palavras da criação poética, talvez seja a questão mais transcendental que acompanha a Arte e a Literatura desde o mais antigo da civilização humana. Basta lembrar que os manuais de História da Arte vão situar o começo de tudo muito antes da Grécia e das culturas da Antiguidade – segundo alguns há mais de 10 mil, 20 mil ou 30 mil anos, com a arte rupestre da Pré-História e suas imagens representadas nas paredes das cavernas: figuras humanas e bisões e outros animais ruminantes com dois chifres e quatro patas, pintados com sangue, carvão e extratos vegetais.

Imagens pintadas por quem e para quê? A resposta é difícil, quase impossível, mas abriga muitas possibilidades, a maior parte delas indicando que aquela arte rupestre estava a serviço de um ritual religioso: para festejar o passado, o presente ou o futuro, ou para registrar o sucesso da caça, ou para espantar os maus espíritos, ou para atrair os bons espíritos, mas por certo como diálogo do Homem com a Divindade do sobrenatural. 









Daqui Ninguém Sai Vivo, a mais
célebre das biografias de Mr. Mojo Risin',
foi publicada em 1979 por Daniel Sugerman
e Jerry Hopkins, e An American Prayer
última sessão de gravação de Jim Morrison
em estúdio, álbum que teve lançamento
póstumo e acréscimo de música incidental
por seus três companheiros de banda.

Abaixo: 1) Jim Morrison em viagem pelo
deserto de Sierra Madre, no México, em
1969, fotografado por Jerry Hopkins;
2) Jim Morrison no ensaio na tarde de
5 de julho de 1968 no Hollywood Bowl,
onde à noite aconteceria um dos lendários
shows de The Doors; 3) The Doors ao vivo no
palco do Northern California Folk-Rock Festival,
em maio de 1968; 4) Jim Morrison no palco em
Nova York, em 1968, fotografado por Yale Joel;
e 4) Jim Morrison em uma festa de amigos
em Los Angeles com a namorada de
longa data, Pamela Courson











 



Esta questão muito antiga reluz nas últimas décadas na figura midiática e na poesia de Jim Morrison, esta persona bela e sedutora com suas imagens reproduzidas ao infinito nos últimos 50 anos, uma persona que encarna como nenhum outro, ou talvez mais do que qualquer outro, o espírito do tempo da Contracultura. Jim Morrison alcançou uma personificação que remete aos mitos da Antiguidade Clássica em plena Era Industrial.



Rock'n'roll e religiões ancestrais



Mas o que há em comum entre o rock'n'roll, a poesia e as religiões ancestrais? Estudioso da filosofia e da história, observador atento de seu tempo e da arte da literatura, Morrison, o poeta-xamã, também vem inscrever sua presença numa certa tradição da ruptura que é a própria tradição da poesia, da Antiguidade à Renascença, na baixa Idade Média, e daí às aspirações do sublime e do excesso como oráculo das revelações com os românticos da Europa, Goethe, Blake, Byron, Baudelaire, Rimbaud, bem como sua influência que se expandiu por outros continentes, outras línguas e outras linguagens.
 













 
Esta mesma tradição da ruptura encontra e fornece os fundamentos, no começo do século 20, para a Arte Abstrata e para a Literatura nos mais diversos movimentos de vanguarda, para o Surrealismo, para o elogio aos estados alterados de consciência como possibilidade visionária, louvada por sucessivas gerações de artistas e poetas no último século – a mesma tradição que também está nas raízes do que se convencionou chamar de rock'n'roll nas últimas décadas do século 20.

Na explosiva década de 1960, Jim Morrison incorpora esta persona do poeta, radical, indecente, profano, uma espécie de sacerdote no "casamento do céu e do inferno", para usar a expressão de William Blake, autor dos versos que inspiram a Morrison o nome da banda, The Doors. O que mais impressiona em Jim Morrison, ainda hoje, além de sua imagem sedutora, talvez seja a densidade da poesia que ele improvisa, enquanto seus companheiros de banda Ray Manzarek (teclados), Robby Krieger (guitarra) e John Densmore (bateria) tocavam ao vivo, entre referências de blues, acordes em citação a canções dos Beatles e a Jimi Hendrix, cantos tribais, melodias dos cabarés da Europa da primeira metade do século 20 e também da Bossa Nova do Brasil. Uma mistura tão improvável como arriscada e surpreendente, ainda hoje, depois de mais de meio século.












 

No alto, Jim Morrison em 1968 em foto
de Linda McCartney. Acima, Morrison
& The Doors por Henry Diltz, fotógrafo
de Morrison Hotel e das capas e encartes
de outros álbuns da banda. Abaixo, The Doors
na praia de Venice, em Los Angeles, em
foto de Henry Diltz; na porta dos fundos do
Morrison Hotel, também em Los Angeles,
em foto de Henry Diltz; e os quatro integrantes
na arte da capa do álbum de estreia da banda,
lançado em 4 de janeiro de 1967, com fotos
e arte de Joel Brodsky, o fotógrafo
preferido de Jim Morrison.

Também abaixo, Morrison em 
fotos de Joel Brodsky na célebre sessão
nos estúdios do fotógrafo em Nova York,
em 1967, batizada como The young lion,
e a capa da revista Rolling Stone em
abril de 1991: Jim Morrison ressurge
na mídia internacional, com força total,
20 anos após sua morte, com o lançamento
do filme de Oliver Stone, "The Doors",
com Val Kilmer no papel de protagonista.
No final da página, a banda em foto de
Brodsky reproduzida na capa do Blu-ray
R-Evolution, o mais recente lançamento
de gravações e performances ao vivo que
ainda permaneciam inéditas; The Doors
em um outdoor em Sunset Boulevard
em Hollywood, Califórnia, em janeiro de
1967, fotografados por Bobby Klein;
The Doors no palco, em 1968, no
Fillmore East de Nova York, em
fotografia de Yale Joel; e o túmulo de
Jim Morrison no Cemitério de Père-Lachaise,
em Paris, que permanece como local de
peregrinação dos fãs e um dos pontos
turísticos mais visitados da França














Percepção mística



Mas inscrever Jim Morrison nesta tradição da ruptura, com fundamentos na história e na história da literatura, também é correr o risco de diminuir seu valor. Afinal, se a obra do poeta Jim Morrison é feita de citações e de diálogos com outros poetas e outros pensadores, isso poderia ser entendido também como uma tentativa de retirar dele, de sua arte, de sua poesia, o que ele mantém de mais autêntico e mais original.

Para concluir e lançar muitas outras dúvidas e perguntas, lembro um aspecto fundamental quando o assunto é a poesia de Jim Morrison: o fato de que vem dele, também, algumas das canções e performances mais intrigantes e explosivas da era do rock. Tão intrigantes que a imprensa dos EUA considerava Jim um "inimigo público" quando ele morreu, no início dos anos 1970. Sua imagem de ídolo irresistível da cultura pop e a importância de The Doors entre o turbilhão de bandas da década de 1960 só seriam reabilitadas muitos anos depois da morte de Jim.

Manzarek, Krieger e Densmore tentaram seguir com a banda, mas desistiram depois de gravar um único álbum instrumental como The Doors sem a presença do poeta-xamã. O renascimento aconteceu em 1979, quando Francis Ford Coppola apresenta "The End" como trilha sonora na abertura de "Apocalypse Now", ainda hoje o filme definitivo sobre a guerra do Vietnã. Nos anos 1980, várias bandas gravaram covers das canções de The Doors ou revelaram suas fortes influências. E, em 1991, Oliver Stone lançou "The Doors", cinebiografia de Jim Morrison e da banda lendária, com Val Kilmer em uma performance brilhante como protagonista. Desde então, o prestígio e as reverências ao legado de Morrison e da banda permanecem em evidência, reforçados por diversos lançamentos de inéditos e reedições das gravações do acervo.















 

Ou, dizendo por outras palavras: a poesia de Jim Morrison, seus textos, suas performances, no máximo sentido teatral e místico, se tornam ainda mais absolutamente irresistíveis e encantadoras quando vêm associadas a sua voz, ao mesmo tempo máscula, vigorosa, estranha, sensual, melancólica, nas gravações que são a mais perfeita tradução dos festins apocalípticos da era do rock e também do xamã, do Rei Lagarto, tal como indica o anagrama que os fãs identificam e repetem: Mr. Mojo risin'.

Um convite à reflexão, a poesia de Jim Morrison e suas gravações ao vivo e em estúdio com a banda The Doors estabelecem novas perspectivas e convergências cada vez mais raras e ausentes da cultura pop, e nesse sentido a publicação do livro "Jim Morrison: O poeta xamã", traz uma contribuição da maior importância para a compreensão do enigma e de sua abrangência. Em seus extremos de poesia, música, teatro, ritual místico, as performances de Jim com The Doors, e nos raros registros que sobreviveram sem a banda, alcançam e ultrapassam os nexos da cronologia existencial, conjugando o efêmero da experiência e a permanência visionária da percepção que nos permite ser e conviver – exatamente como convém à Grande Arte e à vida que segue, com seus mistérios cotidianos, suas revelações nas pequenas coincidências que nos cercam.


por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Jim Morrison aos 70. In: _____. Blog Semióticas, 7 de dezembro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/12/jim-morrison-aos-70.html (acessado em .../.../...).



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