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4 de junho de 2013

Silêncio de Hopper








A necessidade cada vez mais aguda de ruído só se
explica pela necessidade de sufocar alguma coisa.

–– Konrad Lorenz (1903-1989).   



Cenas de silêncio, solidão e cores fortes são as características mais marcantes das imagens belas e melancólicas do pintor e desenhista norte-americano Edward Hopper (1882–1967). Leitor dos estudos psicológicos de Sigmund Freud e observador realista da vida cotidiana, em uma época em que as influências do Cubismo e da Arte Abstrata avançavam no cenário das artes, e ficavam onipresentes as novidades do som estridente dos discos de 78 rotações tocados em gramofones, do rádio e do cinema falado, Hopper retratou com frequência os mesmos fragmentos de imagens enigmáticas com figuras anônimas e isoladas que jamais se comunicam, olhando pela janela ou perdidas em um mundo à parte, para além do quadro, em paisagens nostálgicas com tons de tristeza, iluminadas por uma luz estranha que suas cores registram como se fosse um elemento arquitetônico de linhas finas e formas largas. 

O vazio apresentado nos cenários de Edward Hopper tem balcões de bares e lanchonetes, hotéis, escritórios, escadas, postos de gasolina, ferrovias ou ruas no deserto, retratos realistas recriados com riqueza de detalhes em casas e prédios, fachadas, calçadas, postes, telhados, estações de passageiros, como se cada imagem, estática, contasse uma história muito particular sobre o cotidiano de homens e mulheres. Nas imagens de Hopper, todos são solitários, pessoas comuns mergulhadas em tristeza, como a mulher nua diante da janela em “Eleven A.M.” (1926), a leitora de “Hotel Room” (1931), as mulheres no café de “Chop Suey” (1929), o casal de “Room in NY” (1932), os pescadores de “Ground Swell” (1939), a jovem com semblante carregado de “Morning Sun (1952), os poucos fregueses tarde da noite na lanchonete da esquina em “Nighthawks” (1942).












Silêncio de Hopper: no alto, Nighthawks, de
1942, uma das obras-primas de Edward Hopper 
que, pela primeira vez, serão exibidas ao lado
dos rascunhos e esboços feitos pelo artista.

Acima, Le Café de nuit a Place Lamartine,
de 1888, de Vincent Van Gogh, que teria
inspirado "Nighthawks" e outras obras de
Hopper. Abaixo, Eleven A.M., de 1926;
Automat, de 1927, uma das homenagens
de Hopper à esposa, Josephine Nivison,
que também era pintora. O casal,
retratado abaixo em fotografia de
1960 de Alfred Newman, se conheceu
em 1923 e permaneceu junto até a morte
de Hopper, em 1967. Josephine, que morreu
10 meses depois de Hopper, doou todo o
acervo do marido para o Whitney Museum.

Também abaixo, algumas comparações
entre pinturas de Hopper e cenas do filme
de 1954 "Janela Indiscreta" (Rear window),
de Alfred Hitchcock, um dos vários cineastas
do primeiro time que têm influência confessa das
paisagens de melancolia e solidão de Hopper











  






No posto de destaque da Arte Moderna, precursor da Pop Art e reivindicado por escolas muito diferentes, Edward Hopper se mantém como influência e referência para importantes fotógrafos, pintores, diretores de teatro, dramaturgos, escritores e cineastas os mais diversos, de Hitchcock a Alain Resnais, Antonioni, George Stevens, Douglas Sirk, Elia Kazan, Nicholas Ray, Samuel Fuller, Fassbinder, Wenders, Lynch, Terrence Malick, Woody Allen e Wes Anderson, entre outros. Mas a arte incomum de Hopper ainda reserva surpresas, mais de meio século depois de sua morte, como revela a primeira exibição de seus desenhos apresentada em Nova York, no Whitney Museum of Modern Art.



Grafite, giz preto, carvão



Hopper drawing” reúne uma amostra da coleção completa com 2.500 desenhos em técnicas diversas de todas as fases do artista, com um panorama de sua carreira como desenhista desde os tempos em que ele era aluno do New York School of Art até os útimos anos de vida. A coleção, doada ao Whitney Museum pela viúva Josephine Verstille Nivison Hopper, que também era pintora e atriz quando se casou em Edward Hopper em 1924. Josephine morreu em 1968, um ano após a morte do marido, e o acervo guardado nas caixas e gavetas com os desenhos e rascunhos permaneceu inédito desde então. O próprio Hopper vendeu poucos deles e guardou a maioria para usar como referência em trabalhos futuros ou talvez como recordações afetivas. Para a exposição, que pode ser visitada on-line (veja link no final deste texto), os curadores, sob coordenação de Carter E. Foster, trazem finalmente a público os lendários e desconhecidos rascunhos e estudos de Hopper para espaços de ruas, bares, fachadas, quartos e estradas.














Acima, catálogo da mostra no Whitney Museum e
três esboços com nudez: Female Nude on Model’s
Platform (c. 1900–03); Standing Female Nude by
Window, Sketch for Etching (c. 1915–18); Paris
Courtyard at 48 rue de Lille with Nude (c. 1907),
desenhos do jovem Hopper em carvão, giz e
grafite sobre papel.

Abaixo, Morning in a Citypintura em
óleo sobre tela de 1944, seguida pelo rascunho
do mesmo ano em giz sobre papel e pelo esboço
de um nu masculino de 1903. Também abaixo,
Reclining Female Nude, Rear View
(c. 1900-1906) e Evening Wind, gravura de
1921, seguidas por uma paisagem rural na
aquarela House by the sea (1923) e pela
paisagem urbana em Early Sunday Morning,
pintura em óleo sobre tela de 1930














O estilo do Hopper desenhista é econômico. Na maioria dos desenhos em exposição, pode-se mesmo contar os traços através dos quais ele delineia suas figuras. Na sequência dos papeis originais, Foster e equipe intercalaram lado a lado os estudos traçados a grafite, giz preto ou carvão, que Hopper iria transformar em muitos de seus mais conhecidos quadros a óleo, entre eles “Early Sunday Morning” (1930), “New York Movie” (1939), “Office at Night” (1940). Confrontados com seus desenhos preparatórios, cada quadro ganha em complexidade e lança luzes sobre o processo criativo do artista.

A obra mais conhecida e também a mais valiosa da mostra, “Nighthawks” – emprestada pelo Art Institute of Chicago – é mostrada pela primeira vez ao lado dos 19 estudos feitos por Hopper, no intervalo de alguns meses. Há esboços de figuras deslocadas, como o homem que está sentado no balcão de frente, o que está de costas, bules e açucareiros com indicações de cor “âmbar” e “prata” escritas pelo artista. Entre estudos e obras finalizadas, veem-se retratos, testes de diferentes partes do corpo e até uma versão de Hopper para “O tocador de pífano”, de Manet.





















Segredos de composição



Outra das obras-primas de Hopper, “Soir bleu” (1914) ganha um espaço em separado, acompanhada por dezenas de esboços feitos nas três temporadas passadas em Paris, entre 1906 e 1910. Os desenhos em papeis de diferentes formatos registram tipos urbanos e detalhes captados nas ruas, que mais tarde seriam usados para compor a tela. Comparar desenhos e esboços com a obra finalizada pode revelar segredos de composição e perspectiva, caso de “New York movie” e seus 52 estudos para detalhes reais dos cinemas que o artista frequentava em Manhattan, incluindo o lanterninha de olhos fechados, em pé, no fundo da sala, que tornou-se o foco do quadro.

Idealizada pelo crítico de arte e curador Carter E. Foster, a mostra “Hopper drawing” reconstitui a formação do artista desde o início do século 20, até sua morte, como pintor consagrado, em 1967. Para explicar esse percurso, a primeira parte da exposição reúne imagens dos anos de sua formação (1900- 1924), assim como suas referências e influências. É a época em que Hopper aprendia no ateliê de Robert Henri na New York School of Art. Aluno dedicado, Hopper estava entre os discípulos de Henri na fundação da chamada Ashcan School ("Escola da Lixeira", literalmente).





                        




Desde o rascunho: Study for Stairway,
o estudo em carvão e papel e o trabalho
finalizado em 1919. Abaixo, o esboço
para Summertime, pintura de 1943;
o esboço em desenho a lápis e giz para
a pintura Sunlights on Brownstonesde
1956; e os esboços para a pintura em óleo
sobre tela, New York Movie, de 1939






































 
No texto de apresentação ao catálogo da exposição sobre os rascunhos e esboços de Hopper, Carter E. Foster explica que este primeiro período deixa claro o encanto de Hopper pelas técnicas impressionistas, tanto que ele conseguiu estabelecer temporadas para estudos em Paris, em 1906, 1909 e 1910. “Seus desenhos desta fase são estudos para tentar reproduzir os ângulos e a teatralização do mundo de Degas, as luzes de Félix Vallotton, a mise-en-scène de Walter Scikert”, explica Foster.



Alienação e isolamento



A mostra inclui também séries de Hopper vendidas na época como material de ilustração para jornais e revistas, que lhe garantiram o sustento financeiro. Mas o centro das atenções no percurso é mesmo a segunda parte da trajetória de Hopper, com a chegada de sua maturidade como artista, quando os mais respeitados críticos de arte reconhecem que poucos pintores conseguiram expressar tão bem a alienação e o isolamento das pessoas nos centros urbanos como Hopper.









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Cenas da vida cotidiana segundo Hopper:

 acima, Office at Nightde 1940, com dois dos

respectivos rascunhos; e um estudo em giz e

carvão parGas, pintura de 1940. Abaixo,

Cape Cod Morning, seus esboços e a pintura

finalizada em 1950; seguida de Night Windows,

pintura de 1928; e Study for Morning Sun,

no rascunho em giz sobre papel de 1952


















Prosaico, corriqueiro, cotidiano, para o observador comum os cenários retratados por Hopper poderiam estar em uma página de revista, ou num álbum de retratos de família. Com uma diferença: as cenas de Hopper parecem dominadas por um silêncio perturbador e remetem à introspecção, nunca à euforia do consumismo irrefreável do sonho norte-americano que a mídia propaga ou às poses publicitárias que acompanham sua ideologia de felicidade fugaz. Hopper destaca o mistério e o silêncio, nunca a alegria, mesmo quando sua paleta de cores tem uma grande variedade de tons em contraste.

Também há as controvérsias. Entre elas, a gênese curiosa que é descrita por Gail Levin, biógrafa de Hopper. Em "Edward Hopper: An Intimate Biography" (New York: Alfred A. Knopf, 1995), ela especula que “Nighthawks” (Gaviões da noite), divisor de águas na trajetória do artista, teve sua inspiração no quadro “Le Café de nuit a Place Lamartine” (1888), de Vincent Van Gogh, que Hopper visitou várias vezes levando sua caderneta de anotações, em 1942, durante uma temporada em que obras de Van Gogh estiveram em exposição em Nova York.














Silêncio de Hopper: acima, estudos para Nighthawks
produzidos entre 1941 e 1942 em giz sobre papel.
Abaixo, estudos para 
Morning Sun de 1952 com
anotações em grafite e caneta preta sobre papel.
Também abaixo, as pinturas em óleo sobre tela
Morning Sun (1952) e Excursion into Philosophy,
de 1959); uma obra-prima do início de carreira
do artista, Couple Drinking (1906-07); e duas
das salas da exposição no Whitney Museum











A similaridade nas luzes, na perspectiva e nos temas tanto na obra-prima de Van Gogh quanto na "releitura" de Hopper confirma esta possibilidade. Segundo Gail Levin, Hopper começou a pintar “Nighthawks” em janeiro de 1942, ainda sob o impacto do ataque militar dos japoneses a Pearl Harbor, no mês anterior, quando a Segunda Guerra Mundial estava no começo. Mas há algo em "Nighthawks" que vai muito além da possível influência fauvista, impressionista ou expressionista de Van Gogh.

Há as cores marcantes, o contorno das figuras realistas, mas também há uma atmosfera comovida de solidão e um sentimento de tristeza que são estranhamente retratados por Hopper. A rua está vazia fora do restaurante. No interior, no balcão de madeira, três clientes, mas nenhum dos três está conversando uns com os outros. Todos estão distraídos, perdidos nos seus próprios pensamentos. Dois são um casal, enquanto o terceiro é um homem sentado sozinho, de costas para o espectador.

De boné e uniforme branco, o funcionário olha para fora da janela, como se ignorasse a presença dos clientes. Pairando sobre tudo, a iluminação noturna, a acentuar a sensação de melancolia e confinamento, somada ao vazio provocado pelas paredes do restaurante, que formam um triângulo na esquina, de vidro transparente em dois lados. Em destaque no sonho norte-americano, segundo Hopper, parece haver tão somente mistério, alguma melancolia e silêncio.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Silêncio de Hopper. In: Blog Semióticas, 4 de junho de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/06/silencio-de-hopper.html (acessado em .../.../...).



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Para uma visita virtual à exposição no Whitney Museum, clique aqui. 



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