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22 de setembro de 2014

Cândido Aragonez de Faria e o Cinema






O primeiro mérito da pintura em um 
quadro é ser uma festa para os olhos. 

–  Eugène Delacroix (1798-1863).     


Um brasileiro é o grande destaque na exposição de inauguração da primeira fundação dedicada aos primórdios do cinema. A Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, aberta ao público a partir desta semana em Paris, França, traz um nome brasileiro como artista principal em meio a um dos mais importantes acervos mundiais de filmes desde a invenção do cinema, no final do século 19, incluindo câmeras, fotografias, cartazes, maquetes e milhares de documentos sobre a história da indústria cinematográfica.

O brasileiro em destaque é Cândido Aragonez de Faria (1849-1911), nascido em Sergipe e considerado internacionalmente como um dos mais representativos artistas da charge e dos cartazes dos primeiros tempos do cinema. Na exposição inaugural da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé – que está sendo chamada pela imprensa internacional de “templo dos filmes mudos” – Cândido Aragonez de Faria é o nome em primeiro plano, com as centenas de belíssimas ilustrações e cartazes que ele criou para filmes produzidos no final do século 19 e começo do século 20.

O artista sergipano, que a exposição em Paris apresenta como “referência fundamental do Primeiro Cinema”, deixou sua cidade-natal, Laranjeira, e seguiu com a família em meados do século 19 para o Rio de Janeiro, onde estudou na Academia Imperial de Belas Artes. Em 1882, decidiu tentar a sorte na França e, em Paris, tornou-se o principal ilustrador da Pathé, na época em que a exibição dos filmes passava das feiras populares e circos para os primeiros prédios de teatros dedicados exclusivamente às sessões de cinema.












O brasileiro Cândido Aragonez de Faria
e o Cinema: no alto, saguão de entrada da
exposição que abre ao público a Fundação
Jerôme Seydoux-Pathé em Paris. Acima,
retrato do artista, datado de 1890, e dois
pôsteres de divulgação da exposição.

Abaixo, cartazes de lançamento criados
por Cândido Aragonez de Faria para
Les victimes de l'alcool, de 1902, e
Les Apaches de Paris, de 1905, filmes
de Ferdinand Zecca, diretor dos primeiros
grandes sucessos do cinema da Pathé;
seguidos por La poue aux oeufs d'or
(A galinha dos ovos de ouro), filme de
1906 de Gaston Velle; e uma
pequena amostra das centenas de
cartazes publicitários em litografia
e policromia que o artista brasileiro
produziu, da última década do século
19 até 1911, sob encomenda da Pathé















A maior parte das ilustrações e cartazes criados por Cândido Aragonez de Faria, agora apresentados na exposição que inaugura a Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, foi produzida de forma artesanal, em litografias sobre pedra e em surpreendentes nuances de policromia. Dos últimos anos do século 19 até o ano de sua morte, em 1911, o artista sergipano foi o principal artista plástico ligado ao cinema e o principal ilustrador contratado pela Pathé – considerada a mais importante empresa cinematográfica do mundo, com produção de mais de 10 mil filmes de 1896 aos dias de hoje.

A Pathé, mais antigas das empresas de produção de filmes e equipamentos de cinema ainda em atividade, com todo o seu acervo de mais de 120 anos, foram comprados na década de 1990 pela família Seydoux. O acervo foi transformado na fundação que, a partir desta semana, estará aberta à visitação, com direito a uma sala de cinema para projeção de filmes mudos e acompanhamento permanente, ao vivo, de um pianista, da mesma forma como aconteciam as projeções nas primeiras décadas do século 20.



Um artista na trajetória da imprensa



Pouco conhecido no Brasil, Cândido Aragonez de Faria foi também um nome fundamental para a trajetória da imprensa – no Brasil, na Argentina e na França. Antes de seguir para Paris, Cândido e o irmão, Adolfo (que também seguiria para Paris, trilhando uma carreira bem-sucedida com um estúdio de fotografia), investiram em um ousado empreendimento jornalístico: no Rio de Janeiro, fundaram uma revista de caricatura e sátira que marcou época na década de 1870 – “O Mosquito”. Em 1878, Cândido deixa “O Mosquito” aos cuidados do irmão e vai para Porto Alegre, onde também funda outros dois importantes jornais ilustrados: “Diabrete” e “Fígaro”.











 



Nos três empreendimentos, Cândido Aragonez de Faria conquistou sucesso de público, mas também muitas dívidas e muitos desafetos políticos. Por conta das dívidas e dos desafetos, depois de um ano no Rio Grande do Sul, Cândido vai para a Argentina e, em Buenos Aires, trabalha como ilustrador e técnico de artes gráficas em vários jornais e revistas.

Em 1882, aos 33 anos, ele toma uma decisão radical: deixar Buenos Aires para tentar a sorte na Europa, fixando residência na França e abrindo seu próprio estúdio de mestre de ofício em Paris – o Ateliê Faria, que conseguiu enfrentar e superar a forte concorrência de outros artistas e seus tradicionais estúdios de produção, entre eles, alguns dos grandes pioneiros da Arte Moderna como Henri de Toulouse-Lautrec (1864–1901), mestre da pintura, da litografia e das técnicas mais avançadas para o design gráfico dos cartazes publicitários.

















Das artes gráficas ao Cinema



Com seu ateliê em Paris, Cândido Aragonez de Faria passou a conquistar uma clientela fiel e, gradativamente, estabelece seu prestígio com a prestação de serviços em desenho, ilustrações e artes gráficas. Sua clientela em Paris vai incluir charges e caricaturas sob encomenda para jornais e revistas, ilustrações para livros, impressão de partituras e de programas para óperas, concertos e peças de teatro, criação e impressão de cartazes publicitários em geral e, finalmente, ilustrações e cartazes surpreendentes para os espetáculos de cinema dos irmãos Auguste e Louis Lumière.

Menos de um ano depois da invenção do Cinematógrafo e das primeiras projeções dos filmes pelos irmãos Lumière, em 1895, nos cafés parisienses, começaram a surgir em Paris e em outras grandes cidades de vários países os concorrentes que arriscavam-se no promissor negócio da produção e exibição de filmes. Entre a clientela de Cândido Aragonez de Faria, nesta época, também estavam os vários artistas que trocaram os palcos de teatro e de shows de variedades pela novidade do Cinematógrafo, como Georges Méliès (1861-1938), e empresários como os irmãos Pathé – Charles, Émile, Theóphile e Jacques.



















Admirador do trabalho em artes gráficas do brasileiro, Charles Pathé passa a ser um dos mais assíduos clientes do Atelier Faria. Para não perder o artista para a concorrência que proliferava, o empresário decide então oferecer um contrato de exclusividade para que o atelier do brasileiro passe a atender apenas às encomendas de ilustrações e impressão para os investimentos de sua companhia, a Société Pathé Frères, que concentrava todos os esforços e recursos financeiros na produção e exibição dos espetáculos de cinema. 
 
A partir de 1902, quando a Pathé se torna a principal indústria de produção cinematográfica da Europa, assim como a maior produtora fonográfica do mundo, Cândido Aragonez de Faria é contratado com exclusividade por Charles Pathé para criar todos os cartazes, folhetos e material publicitário que acompanhariam os filmes e equipamentos produzidos pela companhia. É este acervo criado pelo artista brasileiro, com centenas de belas ilustrações e cartazes adotados como modelo para a divulgação dos filmes no mundo inteiro, que está atualmente em destaque em Paris na exposição de inauguração da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé.



por José Antônio Orlando



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Cândido Aragonez de Faria e o Cinema. In: Blog Semióticas, 22 de setembro de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/09/candido-aragonez-de-faria-e-o-cinema.html (acessado em .../.../…).



Para visitar a exposição da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, clique aqui.








 






A partir do alto, cartazes originais criados
por Cândido Aragonez de Faria. Acima e
abaixo, a fachada do prédio em Paris da Fundação
Jérôme Seydoux-Pathé, restaurado com projeto
de instalação e interiores por Renzo Piano





1 de março de 2012

O Brasil de João do Rio







O rapaz que tinha o olhar desvairado perscrutou o vagão. Não havia
ninguém mais — a não ser eu, e eu dormia profundamente…

–– João do Rio, “Dentro da noite” (1910).  



Foi o mais famoso codinome inventado pelo carioca João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921) – que também assinou textos com vários outros nomes, entre eles Claude, Caran d'Ache, Joe, José Antônio José. Polêmico, corajoso, inovador, original, morreu jovem, mas chegou a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. De origem humilde, João do Rio marcou época como repórter e cronista, mas também alcançou a condição de mestre como tradutor e autor de teatro, com suas sátiras políticas e sociais – e para muitos é o inventor de um certo jeito carioca de ser.

Apontado como o maior jornalista de seu tempo, também foi um dos mais controversos personagens das primeiras décadas da República, motivo pelo qual foi sempre caluniado e diminuído por alguns de seus pares e pelos adversários políticos e desafetos. Pode-se dizer que, se não fosse seu gênio criador, por pouco Paulo Barreto – aliás, João do Rio – seria um daqueles personagens que ficariam esquecidos no passado.

Relegado durante muito tempo à condição de cronista menor, nos últimos anos o cronista do Rio Antigo teve seu prestígio aumentado. Hoje considerado o criador da crônica social moderna e precursor da geração modernista, o escritor acaba de ganhar o que talvez seja sua biografia definitiva: "João do Rio: Vida, Paixão e Obra" (Editora Civilização Brasileira). Escrita pelo também jornalista e pesquisador João Carlos Rodrigues, a biografia exalta as facetas pioneiras do cronista e o contexto de grandes transformações (sociais, políticas, urbanísticas) em que sua obra incomum foi produzida.







O Brasil de João do Rio: no alto,
a Avenida Rio Branco
no Rio de Janeiro,
em fotografia anônima datada de 
1910.
Acima e abaixo, João do Rio nas páginas
da 
revista Bahia Illustrada, edição
número 39, de 1921









"Ele antecipa muito do jornalismo contemporâneo", explica Rodrigues, em entrevista por telefone. O biógrafo de João do Rio foi produtor de discos, roteirista e diretor de cinema e TV, além de editor da prestigiada revista "Filme Cultura" na década de 1980. Rodrigues também pode ser classificado como especialista na obra do cronista do Rio Antigo. Entre os livros que publicou estão uma antologia de crônicas do autor, "Histórias da Gente Alegre", o "Catálogo Biográfico João do Rio" e "João do Rio: Uma Biografia", para o qual obteve, em 1990, uma Bolsa Vitae de Literatura.



Vida e obra reunidas



Outros três livros de João Carlos Rodrigues têm a questão do negro em primeiro plano: o ensaio historiográfico "O Negro Brasileiro e o Cinema", o catálogo "África Negra" e um estudo biográfico sobre um pioneiro esquecido da bossa nova, "Johnny Alf: Duas ou Três Coisas que Você não Sabe". "Ao contrário de outros autores, acredito que uma boa biografia, além de não ter pudores sobre a vida pessoal do biografado, não pode também prescindir da análise da sua obra", destaca Rodrigues.








O Brasil de João do Rio: no alto,
o cronista em um retrato sem data e
sem autoria. Acima, a Rua do Ouvidor,
no Centro do Rio de Janeiro, em fotografia
anônima datada de 1890. Abaixo,
o Cinema Pathé em 1919, também no
Centro do Rio de Janeiro, em
fotografia de Marc Ferrez








O biógrafo de João do Rio cita trabalhos elogiados em outros países para comprovar sua tese de que vida e obra têm que vir reunidas para consagrar o estudo. "Alguns dos melhores trabalhos biográficos que conheço seguem essa diretriz. Foi assim com Oscar Wilde por Richard Ellman, Jean Genet por Edmund White, William Burroughs por Ted Morgan, Proust por George Painter, e ainda Noel Rosa por Carlos Didier e João Máximo, ou Lima Barreto por Francisco Assis Barbosa", completa.

Há muitas outras referências. Por exemplo: qualquer semelhança entre os escritores João do Rio (1881-1921) e o irlandês Oscar Wilde (1854-1900) não seria mera coincidência, alerta João Carlos Rodrigues, carioca de 1949. Como Wilde, João do Rio caminhava com a polêmica: era inovador, talentoso, nasceu quase pobre e ascendeu socialmente, conquistando a fama e também o ódio que ela desperta naqueles que são menos talentosos.

Tido como excêntrico por seus hábitos pouco comuns que seus inimigos apontavam como bizarros, "flâneur" (aquele que perambula pelas ruas da cidade por prazer e sem compromisso), "dândi" elegante e de cara raspada, numa época em que era obrigatório aos homens de bem ostentar barba cultivada e vastos bigodes, cavanhaques e suíças, João do Rio, como Oscar Wilde na Grã-Bretanha vitoriana, estava décadas à frente de seu tempo e isso gerava muitos desafetos. Não por acaso, João do Rio foi tradutor de Wilde no Brasil: é dele a versão em português mais conhecida da peça "Salomé", que Wilde publicou em 1894.







"Como jornalista, ele foi um renovador histórico da imprensa brasileira, fundindo a reportagem e a crônica num novo gênero personalíssimo e então pouco comum", explica Rodrigues, para quem João do Rio foi, como cidadão e artista, o arquétipo incomparável de uma época sinistra. "Mulato, gordo e homossexual, era também, segundo os provincianos da República Velha, um exemplo típico do carioca com todas as suas qualidades e defeitos”, aponta. 



Imitadores menos talentosos



Segundo Rodrigues, o Rio de Janeiro da Belle Époque, que trazemos no inconsciente sem o termos vivenciado, é em grande parte uma “invenção” de João do Rio". O biógrafo também destaca que, desde o início do século passado, a verve e o estilo de João do Rio têm sido exaustivamente repetidos, através de décadas e décadas, por imitadores cada vez menos talentosos. "Se como autor de ficção ele filia-se à estirpe dos malditos, como cronista ele antecipa todos os grandes jornalistas que fizeram carreira na Capital Federal e alguns dos mais destacados cronistas em nossos dias", avalia.





O novo livro de Rodrigues teve origem em "João do Rio: Uma Biografia", publicado em 1996 pela Top Books. Porém, alerta o biógrafo, não é uma mera nova edição revista. "Foi totalmente reescrito em mais da metade, eliminando trechos redundantes, incluídas novas informações, corrigidos erros tipográficos ou de informação, eventualmente esclarecidos ou modificados alguns pontos de vista", explica.

Rodrigues diz que teve a preocupação de fazer o segundo livro mais acessível, com o cuidado de não perder a densidade das informações. "Acredito que esta nova versão ficou muito melhor que a primeira", conclui. A originalidade dos escritos na imprensa e em trabalhos literários rendeu a João do Rio, há 100 anos, uma vaga na Academia Brasileira de Letras.








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Comoção nas ruas da Capital Federal
em junho de 1921: o velório e o enterro
de João do Rio pararam o Rio de Janeiro
e reuniram uma multidão de mais de
100 mil pessoas, segundo jornais da época.
Abaixo, João do Rio em retrato publicado
em 1921 pelo jornal Gazeta de Notícias











Mais que um jornalista, João do Rio foi um pioneiro que inovou por volta de 1900 ao revelar, em seus muitos contos, crônicas e reportagens, um Brasil e um Rio de Janeiro pouco conhecidos para os próprios cariocas e para os brasileiros letrados de sua época. Nos diversos jornais em que trabalhou, granjeou enorme popularidade, aclamado e reconhecido como celebridade nas ruas, nos salões da sociedade e nos bares da vida boêmia dos primeiros tempos da República.



Conto, crônica, reportagem 



Como homem de letras, deixou obras de valor inquestionável. Como teatrólogo, um de seus grandes sucessos foi sua peça "A Bela Madame Vargas", representada pela primeira vez em 22 de outubro de 1912, no Teatro Municipal. Deixou obra vasta, mas efêmera, que de modo algum representa sua importância da cultura brasileira e nem corresponde à imensa popularidade que desfrutou em vida.







Quando morreu, era diretor do jornal diário "A Pátria", que fundara em 1920. Seu trabalho como jornalista também teve grande destaque nos jornais "Cidade do Rio", criado e comandado por José do Patrocínio, "Gazeta de Notícias" e "O País", além das revistas importantes "Ilustração Brasileira", "Kosmos" e "Renascença", entre outras publicações do começo do século 20.

João do Rio foi pioneiro também no cuidado com seus textos efêmeros que foram publicados em jornais e revistas: grande parte deles foi reunida pelo próprio autor em livros, entre eles "As Religiões do Rio" (1906), "Cinematographo: Crônicas Cariocas" e "A Alma Encantadora das Ruas" (1918), talvez sua obra mais conhecida.

"É preciso destacar que ele foi brutalmente atacado física e moralmente nas páginas dos principais jornais cariocas de seu tempo", destaca João Carlos Rodrigues. Segundo o biógrafo, depois de sua morte trágica por um suposto ataque cardíaco, em plena rua, no centro do Rio de Janeiro, antes dos 40 anos, João do Rio foi rapidamente esquecido. Mas em que período da história da literatura se encaixa sua obra? Rodrigues considera que esta é uma questão da maior complexidade.







Cenas da Belle Époque em 1900: acima,
um evento social no Rio de Janeiro em 1908.
Abaixo, duas fotografias de Marc Ferrez nas
ruas do Rio de Janeiro em 1895: na primeira,
dois meninos vendedores de jornal; na segunda,
um jovem negro vendedor de doces.
Também abaixo, Afonso Segreto fotografado
ao chegar da Europa, em junho de 1898,
com os equipamentos e projetores para a
Empreza Paschoal Segreto. Os irmãos,
vindos da Itália, foram os precursores da
história do cinema produzido no Brasil










Alfredo Bosi diz que João do Rio está no pré-modernismo. Lúcia Miguel Pereira, sempre intransigente, acha que o lugar dele é entre os nomes do realismo. Permitam-me discordar
”, argumenta João Carlos RodriguesA primeira definição é muito vaga, e a segunda não se sustenta com a leitura de qualquer um dos contos de 'Dentro da Noite', por exemplo, com sua aura de morbidez e maldição”.



Wilde e Proust como companhia



Para o biógrafo, a obra e a importância de João do Rio não tem equivalentes entre os escritores brasileiros de seu tempo. “Acredito que ele fique mais à vontade enquadrado no decadentismo que floresceu na Europa de meados do século XIX até a década de 1930. A grande verdade é que João do Rio foi o principal precursor do modernismo no Brasil", aponta Rodrigues, lembrando que a obra de João do Rio está na companhia de ilustres representantes como "O Retrato de Dorian Gray" (1891), de Oscar Wilde, ou mesmo "Em Busca do Tempo Perdido" (1913), de Marcel Proust.








"Um tema comum a estes autores é o estranhamento e a insatisfação, expressos quer em crônicas de viagem ao Oriente ou ao baixo mundo ali da esquina, quer em obras ficcionais passadas nesses mesmos cenários, ou em jornadas ao interior de si mesmos, movidas pela magia do sobrenatural, pelo absinto, pelo ópio, pelo éter ou pelo haxixe. Há todo um clima erótico, de grande ambiguidade, misógino, e que frequentemente descamba em misticismo ou sadomasoquismo. Todos esses ingredientes estão presentes e em destaque nos textos de João do Rio", explica Rodrigues.

Se na literatura a expressão de João do Rio rende comparações aos gênios universais de Oscar Wilde e Marcel Proust, o biógrafo também ressalta que, na imprensa, sua atuação não foi nada menos que memorável. Ao reunir no mesmo texto elementos característicos ao mesmo tempo da reportagem e da crônica, ele criou um novo gênero que esbanjava originalidade.









Os textos de João do Rio, publicados nos principais jornais da então Capital Federal, sempre causavam grande admiração dos leitores, o que rendeu ao autor muitos fãs, mas também muitos inimigos, como o gaúcho Pinheiro Machado, temido figurão da República Velha. Muito provavelmente, Paulo Barreto usou diversos pseudônimos em suas matérias para fugir das previsíveis perseguições.



Tradução do Rio Antigo



Na seara da sátira política e social, o autor produziu um inédito e corajoso retrato do Rio de Janeiro e dos cariocas nas duas primeiras décadas do século 20, conforme atestam as diversas obras reunidas por ele próprio no livro "A Alma Encantadora das Ruas". Amante daquela que desde aquele tempo era a mais popular das festas brasileiras, João do Rio também destaca o Carnaval nos textos deste verdadeiro retrato do Rio Antigo. O livro foi um dos primeiros trabalhos de pesquisa de que se tem notícia a chamar a atenção da imprensa e da alta sociedade para os espetáculos de Momo que reuniam multidões nas ruas.
 






O Brasil de João do Rio: acima, o antigo
Theatro São Pedro, na Praça Tiradentes,
centro do Rio de Janeiro. No alto, vista da
Avenida Central em fotografia de 1910.
Abaixo, a Rua do Ouvidor também em 1910









"Esta imperdível biografia escrita por João Carlos Rodrigues penetra e retransmite esse incêndio interior. Retém o fascínio da Belle Époque tardia que este país conheceu", elogia na apresentação do livro João Antônio, jornalista e escritor de livros que também misturam reportagem e ficção. "E dela se poderá extrair um filme incomum pela riqueza da vida e das gentes que povoaram o mundo do escritor. Seu ritmo, tão romanesco como cinematográfico, recupera uma humanidade rica, diferente, inédita e intensamente brasileira".

João do Rio, um pioneiro que atingiu domínios da literatura e do jornalismo que seus contemporâneos não alcançavam, é a mais completa tradução no Rio Antigo para o “flâneur”, aquele personagem que o pensador alemão Walter Benjamin (1892-1940) iria identificar em Baudelaire e em outros poetas malditos na Paris do século 19. Travestido de repórter, João do Rio percorre as primeiras grandes avenidas, ruas, becos, ladeiras e vielas, do centro à periferia, à procura da matéria-prima de que é composta sua obra. O pintor da vida moderna – com anuncia o ensaio célebre de Baudelaire publicado em 1863 no jornal "Le Figaro", um dos trabalhos do poeta e pensador francês dedicados ao estudo da arte e da literatura frente à curiosidade urbana de sua época – também caberia como uma luva para definir o lugar de João do Rio.






O “flâneur” tupiniquim pintou como poucos a realidade carioca, como ele descreve em seus textos de impressionante atualidade, entre eles “As Religiões no Rio”, coletânea de artigos e ensaios que publicou na imprensa e depois reuniu em livro, em 1904, pela livraria Garnier, de Paris, que também publicava os livros de Machado de Assis. Reeditada pela primeira vez quase um século depois, pela Nova Aguilar, em 1976, a coletânea de João do Rio traz em cabalísticos 27 escritos uma seleção de suas investigações e reflexões sobre feitiços, simpatias, espiritismo, judaísmo, satanismo, exorcismo e cultos diversos, de católicos e protestantes a evangélicos, religiões de origem africana, maronistas, positivistas e outros tantos.

A variedade de rituais é precedida por uma introdução escrita por ele mesmo em que os verbos “pintar” e “escrever” são tomados como sinônimo para observar e descrever as diversas formas de espiritualidade e o estranho fenômeno daqueles mercadores da fé que propagam falsidades e mentiras para, desavergonhadamente, dominar corações e mentes das vítimas de bom coração  em nome, quase sempre, de um Deus cruel, vingativo, e na verdade muitas vezes, para os próprios mercadores, inexistente.

O Rio, como todas as cidades nestes tempos de irreverência, tem em cada rua um templo e em cada homem uma crença diversa”, relata Paulo Barreto sob seu pseudônimo mais célebre. “Eu olhava a turba colorida, a série de perfis exóticos, de caras espanholas e árabes, de olhos luminosos brilhando à luz dos lampadários. Havia gente morena, gente clara; mulheres vestidas à moda hebraica de túnica e alpercata, mostrando os pés, homens de chapéus enterrados na cabeça, caras femininas de lenço amarrado na testa e crianças lindas”. Ao leitor mais atento, a impressão dominante é que João do Rio pintava as cenas cariocas de hoje mesmo ou de ontem, talvez, e não há mais de um século.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O Brasil de João do Rio. In: Blog Semióticas, 1° de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/joao-do-rio.html (acessado em .../.../...).


















Brasil de João do Rio: entrada do Rio de Janeiro, 
vendo-se o cais Pharoux e suas adjacências, em
fotografia de Marc Ferrez do final do século 19



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