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15 de janeiro de 2013

Das Minas Gerais






As nuvens do céu azul que se agigantam sobre o horizonte do casario barroco. Os grãos do asfalto que segue serpenteando até sumir no infinito das matas e no horizonte de montanhas distantes. O espaço aberto da imensidão dos vales avistados na Serra do Cipó. Os enigmas das pinturas rupestres e, nas páginas seguintes, uma jararaca escondida, quase invisível, nas ranhuras que se abrem sobre o granito. Prosaicas garrafas de cachaça, enfileiradas no balcão, cachos e cachos de bananas, borboletas e flores, bandeirinhas coloridas, buritis.

Há também detalhes da arte feita pela gente simples, os monumentos seculares de Aleijadinho, os traços cromáticos de Manuel da Costa Athaíde e, na sequência, uma fileira de mandacarus, um estranhamento momentâneo na perspectiva provocado por um espelho transversal, que reflete a bancada respingada de tinta dos artesãos em Prados, as pessoas e os lugares, a mata cercada pelo pasto, o vaqueiro, o prosaico cavalo branco que lembra os seres mitológicos, perdido na vereda, o gado, o curso do rio, o maciço suspenso das cachoeiras em Conceição do Mato Dentro. A fotógrafa Rosa de Luca reuniu em livro uma surpreendente seleção de pontos de vista em cenários e sutilezas extraídas das tradições e do imaginário das Gerais.

São belíssimos enquadramentos coloridos que traduzem o poético e as diferenças de um certo traçado no mapa do Brasil, que desde o Setecentos vem demarcado pelo Coroa Portuguesa como Terra das Minas Geraes de Ouro, Diamantes e Pedras Preciosas. “Arte Vida Minas Gerais” (editora Alles Trade) reúne cerca de 200 imagens produzidas no intervalo de oito meses, entre muitas viagens pelos cenários e lugarejos que Rosa de Luca registra. “Meu trajeto sempre começava por Belo Horizonte”, recorda a fotógrafa, em entrevista por telefone.

















Sertões d
e Minas Gerais: no alto e acima,
João Guimarães Rosa fotografado por
Eugênio Silva para a revista O Cruzeiro,
em reportagem de Álvares da Silva que
junto com o fotógrafo acompanhou a viagem
de dez dias do escritor pelo sertão, em maio
de 1952, seguindo de Três Marias a Araçaí, na
região central de Minas Gerais, com um grupo
de boiadeiros que levava 300 bois e vacas
em um percurso de 10 fazendas e cerca de
240 quilômetros. A travessia de Rosa seguindo o
grupo, que incluía o vaqueiro Manuelzão (na quinta
foto acima), um dos integrantes da comitiva, daria
origem a diversas anotações em cadernetas que,
anos depois, seriam fundamentais para algumas
obras-primas do escritor, entre elas Corpo de Baile,
livro publicado em 1956, Tutameia, de 1967, um
grande clássico da literatura em língua portuguesa:
o romance Grande Sertão: Veredas, de 1956.

Abaixo, outra imagem de valor histórico: um grupo
anônimo de tropeiros em Itabira do Mato Dentro,
terra natal de Carlos Drummond de Andrade, em
retrato feito no começo do século 20 por
Brás Martins da Costa, um dos pioneiros
da fotografia em Minas Gerais. Também
abaixo, fotografias do Santuário do Caraça,
no município de Catas Altasoutros cenários
típicos do interior de Minas extraídos do livro
de Rosa de Luca "Arte Vida Minas Gerais"




  





Começo a entrevista comentando sobre a beleza dos cenários de Minas nas fotos e pergunto se ela conhece a história lendária e as imagens da viagem que o escritor Guimarães Rosa fez pelo sertão mineiro, acompanhando uma tropa de vaqueiros, em 1952. Ela diz que conhece as fotos, do também mineiro Eugenio Silva, que foram publicadas na revista "O Cruzeiro" e que sempre estão presentes nas edições dos livros de Guimarães Rosa e nas reportagens sobre a obra do escritor, mas explica que seu roteiro não teve nenhuma intenção de seguir o trajeto de Rosa pelo sertão.

"Meu roteiro era sempre assim: eu chegava de avião, entrava no carro em Belo Horizonte e buscava o destino da Estrada Real, com algumas variações no trajeto", recorda Rosa de Luca. "As belas paisagens e as cenas mais espontâneas que pediam enquadramento pela câmera são só uma parte do encanto”, destaca, descrevendo com lembranças de sons, cheiros e sabores as iguarias da culinária, as cores da natureza, as pessoas e o artesanato que encontrou pelo caminho.



Moda, Milão, Bahia, Minas



“Arte Vida Minas Gerais” é o terceiro livro de Rosa de Luca, que nasceu na Itália e está radicada há décadas no Brasil, com dedicação ao registro das paisagens mais deslumbrantes e da diversidade do brasileiro nas cidades e nos confins dos sertões, das montanhas e dos litorais. Ela conta que teve formação em Artes pelo Liceu Artístico de Salerno, na Itália, fazendo questão de destacar que o início de carreira na fotografia teve como marco importante uma exposição que ela conseguiu realizar no Brasil em 1984: “São Paulo Cromática”, realizada no Centro Cultural São Paulo.









No alto, cena rural no Sul de Minas.
Acima, vista do adro da Igreja Matriz
de Santo Antônio em Tiradentes.
Abaixo, uma seleção de portas e janelas
do casario nos cenários do barroco







 .
Depois desta primeira experiência em terras brasileiras, Rosa de Luca retornaria à Itália para trabalhar em Milão e só voltaria ao Brasil em 1990, desta vez para se dedicar à fotografia de moda. Foram diversos trabalhos, alguns deles premiados e selecionados em exposições individuais e coletivas, no Brasil, na Itália e em outros países. Até que surgiu como projeto a determinação de publicar o primeiro livro.

Foi em 2007. Elaborei um longo trabalho de pesquisa que concluí com uma sequência de 60 retratos de nomes das artes plásticas de importância na atualidade”, recorda. Adriana Varejão, Cildo Meireles, Arthur Omar e outros foram flagrados em circunstâncias de trabalho e, no livro – intitulado “Contemporâneas Artes Artistas” (Alles Trade) – todos aparecem com um pequeno perfil biográfico produzido pela historiadora do Museu de Arte Moderna (MAM), Margarida Sant'Anna.

“A ideia inicial era produzir uma série de catálogos, abordando arquitetos, designers etc”, conta. Uma viagem à Bahia, contudo, mudou os rumos do projeto e deu origem ao segundo livro, também publicado pela Alles Trade, em 2008. Rosa de Luca explica que o livro “Arte Vida Sul da Bahia” nasceu quase por acaso. “Tudo começou com uma viagem a trabalho e um passeio que fiz depois. Foi quando decidi reunir uma série de retratos sobre a região Sul da Bahia, tendo como foco principal os artistas e suas produções artesanais. É quase um roteiro de viagem pelas regiões de Belmonte, Santo André, Porto Seguro, Trancoso, Caraíva e tantos outros lugares perto do mar e da mata”, descreve, lembrando enquadramentos e situações mais incomuns que deram origem a belas imagens.



            

  
   



Os tecidos dependurados no varal sob o

sol do sertão, uma das imagens preferidas

da fotógrafa, e a Igreja de Nossa Senhora 

do Carmo em São João del Rei. Abaixo, o

adro da Igreja de Nossa Senhora das Mercês

em Ouro Preto, e um detalhe das tintas do

artesanato no lugarejo conhecido como Bichinho





       
 

O livro sobre as paisagens de Minas Gerais também nasceu de uma viagem a trabalho. “Minas é um mundo, são várias, como aquela passagem do Guimarães Rosa que todo mundo gosta de repetir. Foi difícil, tive que investir, viajar, voltar outras vezes, mas espero que o resultado possa traduzir uma pequena parte das impressões que mexeram comigo”, conta Rosa de Luca. Ela diz que prefere trabalhar sozinha, sem uma equipe de produção. Usa duas câmeras digitais – uma Nikon e uma Canon.



O inusitado e a tradição



Ela conta que, até o projeto do primeiro livro, trabalhou com filme analógico. Depois passou para a tecnologia digital pela facilidade maior para pré-editar o material: além de produzir as fotos originais, ela também assina direção de arte e o projeto gráfico de seus livros. Nas belas imagens emolduradas nas páginas de “Arte Vida Minas Gerais”, a fotógrafa registra cenas que remetem à tradição, ao barroco, à religiosidade, mas também à pedra preciosa, ao detalhe inusitado, como convém ao trabalho de qualidade na arte como no fotojornalismo mais cotidiano.









Da Serra do Cipó ao Vale do Jequitinhonha, e daí a Milho Verde, Carrancas, Catas Altas, Barão de Cocais, Bichinho, Ouro Preto, Mariana – cenários muito diferentes entre si que remetem a diversos extratos de história, coletânea extensa e preciosa de paradoxos entre metrópoles e pequenas cidades, punjança industrial e delicadeza artesanais. É como aponta o prefácio do livro: “nas cidades históricas, com as suas ruas de pedra, estão intactas, bem-guardadas, as histórias de heroísmo e brasilidade, iluminadas pelo nosso primeiro compromisso, que é, e sempre será, com a liberdade. Elas nos trazem, todo o tempo, para o início de tudo, e seus sinos nos embalam, apontando o caminho e o rumo, não importa a encruzilhada”.

O livro também traz breves textos assinados pela atriz, cineasta e escritora Bruna Lombardi, pela própria Rosa de Luca e por Margarida Sant'Anna. Bruna e Margarida participaram dos projetos anteriores da fotógrafa. A apresentação de Bruna é um poema em prosa: “Assim como as pedras preciosas escondem seu brilho dentro, Minas Gerais esconde infinitos tesouros, que vão se mostrando aos poucos a todos aqueles que a descobrem", registra, em uma das passagens.








Margarida Sant'Anna, em texto tão breve quanto didático, recorda a relação entre os cenários de Minas e os modernistas da Semana de Arte Moderna de 1922. Em seu projeto de “descoberta do Brasil”, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e vários outros fizeram em 1924 a lendária viagem às cidades históricas de Minas, onde encontraram os encantos esquecidos da arquitetura, da pintura e da talha barroca, mas também das manifestações populares. Margarida destaca que Tarsila, anos mais tarde, registraria suas impressões de viagem:

As decorações murais de um modesto corredor de hotel, o forro das salas, feito de taquarinhas coloridas e trançadas, as pinturas das igrejas, simples e comoventes, executadas com amor e devoção por artistas anônimos; o Aleijadinho, nas suas estátuas e nas linhas geniais de sua arquitetura religiosa, tudo era motivo para as nossas exclamações admiradas”... Para os modernistas da década de 1920 e ainda hoje – aponta Margarida, com propriedade – a originalidade da cultura mineira tem seus polos de interesse no legado barroco e no patrimônio da expressão popular.








Cenários barrocos de Minas: no alto,
menina trabalha em artesanato na Associação
Cultural Sempre Viva em São Gonçalo do
Rio das Pedras. Acima, a capa do livro
Arte Vida Minas Gerais. Abaixo, duas páginas
do livro; detalhes da extração de pedraria em
garimpo de topázio na região central do Estado;
e uma visão noturna sobre o cenário
barroco de Ouro Preto






Lembranças e enquadramentos


 
Mas entre tantas belas imagens que remetem à literatura e aos sentimentos de Minas, qual ou quais as preferidas de Rosa de Luca? “Todas, com certeza”, brinca a fotógrafa, ao telefone, rindo e fazendo piada com a curiosidade sem tamanho do repórter. Depois ela reconhece que, realmente, uma ou outra imagem publicada no livro trazem com mais força à lembrança circunstâncias que ultrapassam os cenários do enquadramento.

Duas delas me comovem de modo especial, talvez por isso estão nas últimas páginas. Uma é o longo varal de roupas secando, dependuradas, no meio do sertão. Outra são os dois vaqueiros na curva da estrada de asfalto. Mas cada foto pode ter seu encanto. É como o trabalho dos artesãos em lugares como Bichinho ou Pitangueiras, com a beleza tão diferente em cada uma daquelas peças, que comove e encanta”, explica, para completar, depois de uma breve pausa em pensamento. “Basta olhar com atenção para descobrir a qualidade única do que, na verdade, sempre esteve ali”.
 


  
           












Depois desta entrevista, que publiquei em um jornal de Belo Horizonte em 2010, Rosa de Luca lançou um novo livro no Bienal de São Paulo, em 2012, retomando a trajetória iniciada com os belos registros fotográficos sobre o Sul da Bahia e sobre Minas Gerais. “Brasil Arte Vida” (Alles Trade) também retrata com maestria a ocupação humana e paisagens deslumbrantes, captadas no Parque Nacional da Serra do Bodoquena (MS), Lagoa Bonita (MA), Rio Tapajós (PA), Alta Floresta (MT), Pantanal (MT) e Rio Amazonas.

Tanto nos projetos anteriores, como no atual “Brasil Arte Vida”, as imagens mantêm um forte apelo cromático, com a habilidade incomum de Rosa de Luca para fundir o mais poético e o trivial, cotidiano. Pós-produção, manipulação em sistema, photoshop? Sim, há páginas reservadas a sobreposições, justaposições, profundidade em macro. Mas talvez sejam os detalhes que menos interessam, porque a maior parte das fotografias é resultado de captação e transposição direta. Em outras palavras, uma lição para aprender e um deleite para os sentidos, definitivamente saborosos.


por José Antônio Orlando. 



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Das Minas Gerais. In: Blog Semióticas, 15 de janeiro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/01/das-minas-gerais.html (acessado em .../.../…).


Para comprar "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa,  clique aqui.











Acima, arte gráfica de Rosa de Luca,
a partir de fotografias de detalhes do casario
barroco de Minas Gerais, e o pequeno
índio no telhado, uma das imagens do novo
livro da fotógrafa, Brasil Arte Vida




9 de março de 2012

Bracher barroco








Encontrei-me com Minas Gerais através 
da pintura de Carlos Bracher. É o maior 
elogio que, de coração, lhe posso fazer. 

–– Carlos Drummond de Andrade, 1979.   




Considerado por unanimidade um dos grandes artistas plásticos em atividade no Brasil, o pintor, desenhista, escultor e poeta Carlos Bracher apresenta mais um trabalho de excelência: o livro "Ouro Preto – Olhar Poético", com texto e aquarelas de sua autoria. Partindo das referências históricas desde as origens de Vila Rica e de personalidades emblemáticas do século 18 como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, além de Tiradentes, Marília de Dirceu, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e outros heróis e poetas da Inconfidência, Bracher apresenta um roteiro poético sobre a cidade que, em suas palavras, deu origem à "civilização mineira".

Mineiro de Juiz de Fora, expoente de uma família de artistas, Bracher escolheu Ouro Preto para viver desde 1971. "Eu conhecia Ouro Preto de passeios e temporadas. A partir do Carnaval de 1971 fui morar na cidade e desde então, com a vivência e as experiências do dia a dia, a minha paixão por Ouro Preto tem sido cada vez mais avassaladora", confessa.

"Ouro Preto – Olhar Poético" é o segundo livro que Bracher publica. O primeiro, dedicado a Brasília ("Bracher Brasília"), foi lançado em setembro de 2006 reunindo uma seleção de textos e 66 quadros sobre os cenários mais conhecidos da Capital Federal. "Na verdade este livro sobre Ouro Preto foi o primeiro que escrevi”, ele explica, em entrevista por telefone. “Foi concluído no primeiro semestre de 2006, mas por diversas razões o livro sobre Brasília saiu primeiro e o projeto sobre Ouro Preto ficou adiado, primeiro por um motivo, depois por outro”.

















Bracher barroco: no alto, a imagem do
Cristo segundo Bracher, pintura em óleo
sobre tela reproduzida na capa do livro
Ouro Preto –– Olhar PoéticoAcima,
o artista em ação no ateliê instalado
na casa onde mora, e pintando
nas ruas de Ouro Preto.

Abaixo, Bracher nas ruas da cidade
de Tiradentes, com os cenários da
cidade barroca traduzidos na pintura em
óleo sobre tela; e diante do Santuário
do Senhor Bom Jesus, no Adro dos
Profetas esculpidos em pedra sabão pelo
Aleijadinho, na cidade de Congonhas













O livro propõe uma visita a Ouro Preto numa perspectiva que alcança muito além da história e do conjunto arquitetônico, levando o leitor a passear pelos logradouros, museus, igrejas, contando casos da cidade, do “renascimento” ocasionado pelas visitas dos modernistas na década de 1920 e do estilo que encanta turistas e pesquisadores. “São muitos detalhes para publicar um livro de qualidade. A própria edição é demorada, cheia de detalhes e revisões, e tem também a questão do patrocínio, que é sempre um complicador", revela o artista.



Barroco em roteiro amoroso



Nas páginas de "Ouro Preto – Olhar Poético", Carlos Bracher apresenta um roteiro amoroso que remonta à Vila Rica de 300 anos no passado, com seus personagens históricos e outros mais recentes – como Dona Olímpia, Bené da Flauta, os artesãos – e cenários, fotografias, imagens de Rugendas, referências culinárias e um leque de questões culturais. O projeto, ele explica, nasceu de uma proposta que pretendia uma “síntese amorosa”.











"Posso dizer que é uma síntese amorosa sobre o sentimento das coisas encantadas", destaca. A Ouro Preto de Carlos Bracher se desnuda em personagens, artistas, poetas e sonhadores, propondo uma viagem por imagens da história e cenas retratadas em aquarelas que ele produziu ao longo do tempo. Entre outros personagens da trajetória da cidade, presentes no livro, Bracher define o Aleijadinho:

"Donde vinha a força daquele homem? Do mutilado com seus ferrões presos às mãos paralíticas, ferros invioláveis da dor, da excrescência máxima da feiúra do corpo a transitar a intangível beleza revertida, de alguém a dialogar com o divino da encarnação, transfigurando chagas em cantaria, suplício em poesia. Aleijadinho detinha a real senha da pulsação, os vórtices fecundos e a entrega devocional dos desígnios definitivos do que seja, em verdade, arte".










A sequência de aquarelas com cenários de igrejas, ladeiras, casarios e a Praça Tiradentes é intercalada com textos breves em linguagem poética. Bracher recria o passado – com traços e palavras em busca dos enigmas encobertos e das raízes profundas que fizeram da antiga Vila Rica e da moderna Ouro Preto as matrizes do pensamento artístico e libertário da identidade nacional.



Mestres de primeira grandeza



Aos 72 anos e depois de seis décadas de vida dedicada às artes plásticas, Bracher está entre os brasileiros que mais tiveram exposições de seus trabalhos no exterior, com dezenas de mostras individuais em importantes museus e palácios em Paris, Roma, Milão, Londres, Madri, Haia, Moscou, Bruxelas, Basileia, Frankfurt, Praga, Estocolmo, Miami, Tóquio, Pequim, entre outras cidades do mundo.

Atualmente, e até o final deste ano, sua obra está em uma exposição de retrospectiva na Suíça, terra de seus antepassados, com uma seleção feita pelo próprio artista de 48 pinturas entre as mais de 10 mil que já produziu. A retrospectiva, que já foi apresentada na Rússia e em vários países da Europa, depois da Suíça tem um itinerário extenso que inclui Itália, França e Suécia. Otimista, absorto pela verdade da obra de arte e encantado pelos cenários barrocos de Ouro Preto, Bracher faz do novo livro uma declaração de amor à cidade que desde 1971 adotou como sua.










Uma conversa com Carlos Bracher é um encadeamento sem fim de lembranças e de ideias inspiradas sobre o tempo presente. No pouco tempo da entrevista ao telefone, ele descreve os passos de composição do livro e recorda momentos importantes de sua formação, os mestres que conheceu e com os quais conviveu e outros que ele tem como referência, mesmo sem ter encontrado pessoalmente, como é o caso de Alberto da Veiga Guignard, pintor sempre lembrado por suas paisagens mineiras e professor que nasceu em 1896 em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, que viveu muitos anos no exterior e que, de volta ao Brasil, acabou adotando Ouro Preto como sua cidade até sua morte em 1962. "Guignard é encantador", resume Carlos Bracher. 

Bracher também reconhece que sua formação teve início num ambiente familiar propício para a arte. Ele conta com orgulho que foi desde a infância, em Juiz de Fora, que a literatura, as artes plásticas e a música nortearam sua trajetória. A dedicação à arte, que o levaria às primeiras experiências do reconhecimento ainda na década de 1950, iria ultrapassar em pouco tempo as fronteiras de sua cidade-natal. Além dos primeiros estudos em Juiz de Fora, Bracher também teve a sorte, como ele diz, de ter sido aluno em sua temporada em Belo Horizonte de Fayga Ostrower (1920–2001) e de Inimá de Paula (1918–1999), entre outros mestres de primeira grandeza. 






 
Já em 1967, Bracher conquistava a premiação máxima de pintura no país, com o "Prêmio de Viagem ao Estrangeiro", do Salão Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, pelo qual permaneceu por dois anos na Europa participando de cursos e oficinas de aperfeiçoamento em pintura. Em 1968, outro destaque surpreendente: o Prêmio Revelação do Ano, concedido pelo “Jornal do Brasil”. Os fatos marcantes de sua carreira são muitos, enumerados no decorrer das últimas décadas, entre eles a grande retrospectiva "Pintura Sempre", em 1989, com curadoria de Olívio Tavares de Araújo, no MASP de São Paulo.



A família do artista



Fiel ao uso de telas, tintas, pincéis e cores, sem nunca ter se filiado aos movimentos de vanguarda que se aproximaram de outros suportes e outras tecnologias, Bracher também destaca com orgulho em sua trajetória a série de 100 quadros que realizou, entre 1990 e 1992, para comemorar o centenário da morte do pintor Van Gogh (1853-1890) – que teve exposições em diversas galerias e museus no Brasil e no exterior, assim como outras séries e seleções temáticas das obras que produziu. 






 
Filho do pintor, professor e compositor Waldemar Bracher e irmão dos artistas plásticos Nívea e Décio Bracher, casado com Fani Bracher, outro nome de destaque na pintura brasileira contemporânea, e pai de duas filhas, Blima e Larissa, Carlos Bracher defende que a obra de arte é, desde sempre, o melhor que o ser humano pode produzir. 

“A arte e a cultura formam um conjunto que distingue o ser humano de todos os outros seres do planeta”, ele diz, quando questionado sobre o valor e a importância da obra de arte no mundo atual. “Sem a obra de arte o ser humano não seria em nada diferente dos outros animais. A arte é a descoberta do mais humano que existe em nós mesmos”, conclui.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Bracher barroco. In: Blog Semióticas, 9 de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/bracher-barroco.html (acessado em .../.../...).












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Carlos Bracher fotografado em Ouro Preto,
cidade que escolheu para viver desde 1971.
Acima, uma de suas muitas pinturas em
óleo sobre tela dedicadas à cidade barroca,
Paisagem de Ouro Preto (Rua Direita e
Igreja São José), de 1991. Abaixo, o casal
na vida cotidiana e nas artes plásticas:
Carlos Bracher e Fani Bracher, casados
desde 1968, em fotografia de Edmar Luciano
 








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