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14 de julho de 2011

A batalha de papel








Na paz, os filhos enterram seus pais;
na guerra, os pais enterram seus filhos.

–– Heródoto (século 5° a.C.) 


Dizem que em tempos de guerra a primeira vítima é a verdade, mas o jornalista Mauro César Silveira põe as coisas nos seus devidos lugares em "A Batalha de Papel - A Charge como Arma na Guerra Contra o Paraguai". Confrontando as mais conhecidas opiniões apaixonadas e esmiuçando diversas versões oficiais, Silveira apresenta no livro um inventário corajoso ao abordar a infame Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual morreram pelo menos 600 mil soldados. Se é fato que a primeira vítima de uma guerra é a verdade, no livro o autor defende que, no maior conflito já registrado na América Latina (e maior empreendimento bélico da história brasileira), todos os recursos foram mobilizados pelo Segundo Império do Brasil - inclusive o humor.

"O jornalismo sempre escreve a história, direta ou indiretamente", defende Silveira, em entrevista por telefone de Santa Catarina. Gaúcho de Porto Alegre, formado em Jornalismo e com mestrado e doutorado em História, Silveira atualmente é professor de graduação e pós-graduação em Jornalismo pela UFSC. "O problema é que o pior jornalismo também produz história", lamenta. "Então, nas lacunas entre o pior e o melhor jornalismo é que estão as pistas principais para o trabalho do pesquisador", ele explica, alertando que se considera mesmo um jornalista e não um historiador.






A batalha de papel: acima, capa
do livro de Mauro César Silveira, versão
de sua tese de Mestrado. No alto, oficiais
brasileiros em 1865, durante a 
Guerra do Paraguai, em daguerreótipo
de autor desconhecido. Abaixo, um
daguerreótipo de autor anônimo registra
a tropa do coronel Joca Tavares (terceiro
sentado da esquerda para a direita) e seus
auxiliares, incluindo José Francisco Lacerda,
mais conhecido como Chico Diabo (terceiro
em pé, da esquerda para a direita). Também
abaixo, um registro de um cabo anônimo do
1° Batalhão Brasileiro de Voluntários da
Pátria em daguerreótipo anônimo datado
de 1865. As maioria das imagens reproduzidas
abaixo fazem parte da primeira edição do livro
A batalha de papel, exceto quando indicado
em daguerreótipos e em fotografias da época















"A Batalha de Papel" é uma versão revista e ampliada da tese de mestrado de Silveira, que fez carreira nos jornais "Diário de Notícias", "Zero Hora" e "Folha da Manhã", todos de Porto Alegre, e nas revistas "Veja" e "IstoÉ". Sua tese de doutorado, intitulada "A Guerra do Paraguai e as Relações Luso-Brasileiras na Década de 1860-1870" também virou livro em 2003: "Adesão Fatal - A Participação Portuguesa na Guerra do Paraguai", lançamento da Editora PUC-RS.

Especialista no assunto, Silveira alerta que o esforço do governo imperial para conquistar apoio ao envio de tropas contra o país vizinho envolveu escritores, jornalistas e até artistas plásticos, entre eles os maiores cartunistas da época. Para revelar essa faceta pouco conhecida da campanha anti-paraguaia, o jornalista mergulhou nos arquivos do Império e analisou com especial atenção as revistas ilustradas do Rio de Janeiro principal meio de informação dos 15% de brasileiros alfabetizados no Império, de acordo com nosso primeiro censo demográfico, datado de 1872.
A pesquisa exaustiva de Mauro César Silveira resultou na seleção de 202 caricaturas que fazem referência direta ao inimigo paraguaio 38 delas estão reproduzidas no livro. Produzidos no calor da luta, os desenhos expressam a imagem desdenhosa de preconceito e deboche inventada contra o Paraguai que criou raízes durante a guerra e que até hoje sobrevive na memória coletiva da maioria dos brasileiros.












Cenas da Guerra do Paraguai:
a partir do alto, ilustração do século 19
sobre os Voluntários da Pátria, seguida
por daguerreótipo que registra prisioneiros
paraguaios em 1866. Acima, detalhe
da pintura de Pedro Américo em
óleo sobre tela, A Batalha de Avahy,
datada de 1877. Abaixo, A rendição
de Uruguaiana, desenho de 1865
de Victor Meirelles; e a batalha pela
tomada da cidade de Paysandú, no
Uruguai, em dezembro de 1964, em
gravura de um artista anônimo publicada em
1865 pela revista da França Illustration



















Sucesso editorial na década de 1990, a primeira edição de "A Batalha de Papel" chegou a ter sucessivas edições pela L&PM. A nova versão, revista e ampliada, inclui textos inéditos entre eles o posfácio "A corrida inglória dos cavalos paraguaios", no qual Silveira questiona os preconceitos e as grossas e deslavadas mentiras que os caricaturistas da imprensa brasileira propagandeavam nos anos da Guerra do Paraguai e que permanecem em evidência na imprensa atual.
"Com certeza estão ali as origens do preconceito contra o povo paraguaio que perdura até hoje. O país do lado é apresentado sempre como lugar de negócios escusos, pátria de ladrões e contrabandistas, quando na verdade não era nada disso. É incontestável a importância política, social e econômica do Paraguai no contexto da época, quando era um país que se orgulhava do analfabetismo zero e que chegou a ser considerado como o único país independente no continente sul-americano", aponta Silveira. 
No livro "A Batalha de Papel", o conflito é reapresentado pelo autor trafegando em duas vias: a das batalhas reais e violentas travadas pelo exército paraguaio para resistir frente à Tríplice Aliança da parceria Argentina/Brasil/Uruguai, liderada pelos brasileiros, e a das guerrilhas de papel protagonizada pelas penas dos desenhistas a serviço da Corte de Dom Pedro II. Uma constatação se destaca: as charges contra o Paraguai vêm confirmar sem nenhuma sutileza aquela máxima sobre a verdade ser a primeira vítima em tempos de guerra.


Guerra mobilizou artistas



Muito além do impacto documental, o livro "A Batalha de Papel" pode ser tomado como uma aula de jornalismo como defende o próprio Mauro César Silveira. Apresentado como uma grande reportagem dotada de todos os ingredientes do trabalho jornalístico investigativo, emoldurado por um texto agradável que dinamiza a leitura e seduz os leitores, por mais leigos que eles sejam no assunto. Silveira questiona e analisa a intenção dos caricaturistas da Corte brasileira sobre o inimigo de guerra.

"A dura e crua verdade é que, utilizando a charge, amparada em textos-legendas e editoriais, a imprensa brasileira contribuiu vergonhosamente para a deformação completa dos fatos", destaca Silveira sobre o conflito. Na avaliação do autor, a Guerra do Paraguai alcançou a dimensão trágica do genocídio.











Cenas da Guerra do Paraguai:
acima, daguerreótipos datados de
1865 que retratam o campo de batalha
durante os violentos ataques militares às
terras paraguaias. Abaixo, o general D. Bartolomé Mitre
com suas tropas em Tuiutí, no Paraguai, em fotografia
de 1866 do Estúdio Bate & Cia. Também abaixo, uma
litografia publicada na revista Semana Illustrada 
mostra as vivandeiras, mulheres que
seguiam as tropas vendendo alimentos
para os soldados e socorrendo feridos

















Cético, inconformista e iconoclasta, o autor exercita as virtudes do jornalismo em busca de versões dissonantes e da denúncia sobre os danos do malfeito. Econômico em citações bibliográficas, recorre a diversas fontes e confronta a transcrição de documentos e depoimentos. Ele diz que foi paciente nas pesquisas: leu mais de 100 publicações da época e vasculhou bibliotecas no Brasil e no exterior, tendo em mira a determinação jornalística para reabrir as cicatrizes do passado.

Entre tantas charges e piadas violentas, Silveira diz que tem preferência por certas imagens reproduzidas no livro. "Em uma delas, de autoria do grande Angelo Agostini, o ditador Francisco Solano López é apresentado como O Nero do Século XIX, empunhando sua espada e escalando uma montanha de crânios e esqueletos. É terrível, mas muito eficiente como propaganda de guerra", destaca.














A batalha de papel. Acima, três
caricaturas pelo traço refinado de
Ângelo Agostini: 1) para Solano López;
2) para o desfile militar no Rio de Janeiro
em 1° de março de 1870, depois da
vitória na Guerra do Paraguai; e 3) para
o retorno do escravo que recebeu
alforria depois de participar das batalhas
na condição de Voluntário da Pátria.

Abaixo, daguerreótipos da época da guerra
registram soldado e oficial paraguaios
feitos prisioneiros e transformados em
escravos, depois que foram capturados no
campo de batalha; e ilustração para a 
morte de Solano Lopez, publicada
na Semana Illustrada em edição
datada de 27 março de 1870 












Silveira reconstitui com sua pesquisa uma minuciosa trajetória para destacar que os grandes artistas da época se engajaram no esforço de guerra, empenhando a arte do humor e das imagens impressas. "Era uma arte que estava bastante desenvolvida no Rio de Janeiro, em sintonia com os melhores padrões europeus. O esforço de guerra, afinal, trouxe popularidade para a recém-criada imprensa no Brasil e mobilizou a opinião do povo brasileiro em favor do conflito", completa.



Diamantina teve papel importante


O jornal "O Jequitinhonha", da cidade mineira de Diamantina, destacou-se no século 19 como uma publicação pioneira, progressista e libertária - um jornal de tendência republicana num país monarquista, que se intitulava porta-voz do Partido Liberal e um órgão de denúncia no Norte de Minas Gerais. Fundado por Joaquim Felício dos Santos e por seu cunhado Josefino Vieira Machado, o Barão de Guaicuí (o primeiro número circulou em 30 de dezembro de 1860), o jornal teve seu apogeu durante a Guerra do Paraguai, principalmente no período 1868-1869. Com o fim da guerra, assumiu a partir de 1870 uma posição radical a favor do regime republicano, sobrevivendo ainda por mais dois anos.








A trajetória pioneira e incomum do jornal de Diamantina é abordada pela jornalista e professora universitária Maria de Lourdes Reis nas páginas do livro "Imprensa em Tempo de Guerra: O jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai", que acaba de ganhar uma quinta edição revista e ampliada, lançamento das Edições Cuatiara.

O livro, que inclui uma série de fotografias e ilustrações da época, é uma versão da dissertação de Mestrado que a autora, mineira de Belo Horizonte, defendeu na PUC-RS em 2002, após a conclusão do curso de História das Sociedades Ibero Americanas - incluindo um período de quase três anos buscando subsídios em livros, revistas e jornais em bibliotecas e arquivos em Belo Horizonte, Diamantina e Rio de Janeiro.

Maria de Lourdes Reis faz questão de destacar que está muito feliz e satisfeita com o resultado do trabalho reunido no livro, mas reconhece que tanto na pesquisa como nos trabalhos para viabilizar a edição as dificuldades foram enormes, principalmente porque o acervo das edições de "O Jequitinhonha" encontra-se dividido em três instituições diferentes: Hemeroteca Pública de Minas Gerais, em Belo Horizonte; Biblioteca Antônio Torres, em Diamantina; e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.










Imagens da cidade de Diamantina no final
do século 19, em daguerreótipos de autor
desconhecido. Abaixo, fotografia de 1868
de Augusto Riedel registra moradores na
Rua Direita de Diamantina. Também abaixo,
capa da edição do livro sobre a caricatura
na história do Brasil e ilustração anônima
que retrata os líderes do Paraguai e do
 Brasil: o presidente Solano López e
imperador Dom Pedro 2°











"Posso dizer que foi fascinante trabalhar nesta pesquisa que gerou o livro 'Imprensa em Tempos de Guerra'. Principalmente porque recupera a importância que teve O Jequitinhonha. Encontra-se no amarelado silêncio de suas páginas fonte para compor um trecho da história de Minas pouco explorado", explica Maria de Lourdes, que tem outros livros publicados em gêneros diversos como poesia ("Repassagem", de 1985; "Minhas Gerais", de 1987; "Polícia Militar destas Gerais", de 1994), infantil ("Quem-Quem", de 1986; "Circo Mambembe", de 1993) e crônica ("Flor de Vidro", coletânea de autores mineiros, de 1990; "Olhos para o Mundo", de 1999).

"A metodologia usada foi o caminho sugerido pela História Nova, baseada na pesquisa em jornais e publicações de época", destaca a autora. "A leitura e a interpretação de O Jequitinhonha levam o leitor a conhecer uma nova versão da Guerra do Paraguai que é, sem dúvida, um dos capítulos mais ricos em possibilidades de análises simbólicas para o historiador", completa. Como bem destaca a autora, a verdadeira história daquela guerra terrível, como são todas as guerras, ainda está por ser escrita.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A batalha de papel. In: Blog Semióticas, 14 de julho de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/batalha-de-papel.html (acessado em … /… /…).


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