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30 de outubro de 2012

Fotorreportagem desde 1839







Dizer que “a câmera não pode mentir” é simplesmente 
enfatizar as inúmeras fraudes realizadas em seu nome. 

–– Marshall McLuhan.   



Os primórdios da fotografia e da imprensa no Brasil – e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, sede da Corte no Império e primeira capital da República, entre 1839, ano da primeira patente da invenção do daguerreótipo na França, até o ano de 1900, quando a disseminação e a popularização dos processos fotográficos se firmavam como negócio altamente rentável nos centros mais desenvolvidos do território nacional – têm um documento importante com a publicação de um livro de Joaquim Marçal Ferreira de Andrade que tem como título “História da Fotorreportagem no Brasil: A fotografia na imprensa do Rio de de Janeiro de 1839 a 1900”. 

Menos que uma celebração ao processo técnico que provocou revoluções na história da imprensa e na vida social e cotidiana dos indivíduos e das populações desde seu surgimento, e muito mais que um mero relatório de pesquisas sobre eventos, imagens, nomes e datas do Oitocentos relacionadas à fotografia e à invenção da fotorreportagem, o livro de Joaquim Marçal, em publicação conjunta das editoras Elsevier, Campus e Biblioteca Nacional, alcança relações historiográficas que vão além do que outras pesquisas e publicações sobre o tema já revelaram. O autor acompanha a trajetória do jornalismo, da publicidade, das artes gráficas e dos diversos processos do design que envolvem a criação e impressão de imagens, apontando o descompasso de longa data entre a imprensa no Brasil em comparação com países mais avançados.

A edição do livro coincidiu com o reconhecimento do trabalho do pesquisador, com o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco, através do programa Memória do Mundo, ao objeto de pesquisa a que Marçal há décadas tem dedicação: a Coleção Teresa Cristina Maria, um espólio reunindo um acervo valioso de mais de 2.500 imagens dos maiores fotógrafos que atuavam no Brasil no século 19 – como Marc Ferrez, Revert Henry Klumb, Augusto Stahl, Alberto Henschel, Georges Leuzinger, Juan Gutiérrez e Augusto Malta, entre outros. A coleção foi doada pelo imperador Dom Pedro 2° à Biblioteca Nacional antes de embarcar para a Europa, em 1889, forçado pela instauração da República pelos militares.









Fotorreportagem desde 1839: no alto
e acima, tropas armadas do Brasil no
campo de batalha e nas trincheiras, depois
da tomada da cidade de Paysandú, no
Uruguai, durante a Guerra do Paraguai,
em algumas das primeiras fotografias transcritas
em xilogravuras e publicadas na revista
Semana Illustrada. Abaixo, uma gravura de
Heinrich Fleiuss retrata brasileiros e uruguaios
invadindo a cidade de Paysandú; e o imperador
Dom Pedro 2° em Uruguaiana, no
Rio Grande do Sul, em fotografia de 1865
de Luiz Terragno. Sobre os registros
publicados na imprensa brasileira durante
a Guerra do Paraguai, veja também 
Semióticas: A batalha de papel 















A honraria de Memória do Mundo, antes concedida pela Unesco apenas a relíquias como a Bíblia de Johann Gutenberg, surpreendeu Joaquim Marçal, que soube da notícia pela TV, enquanto assistia ao Jornal Nacional da TV Globo. Fiz uma longa entrevista com ele para um jornal de Belo Horizonte, pelo telefone, à época do lançamento do livro. A notícia de que temos em comum a mesma dedicação de pesquisa estabeleceu de imediato entusiasmo e empatia em nossa conversa sobre a história da fotografia no Brasil e o estado atual da pesquisa e conservação dos acervos.

Marçal destaca, na entrevista, que além do status de valorização internacional pelo tombamento pela Unesco do conjunto documental da coleção do imperador, sua expectativa é que o título de Memória do Mundo possa garantir recursos para a pesquisa e digitalização do grande volume de material iconográfico da Biblioteca Nacional e, por extensão, de outros acervos fotográficos importantes do Brasil que ainda permanecem pouco conhecidos. “A fotografia brasileira do século 19 é tão rica quanto desconhecida”, avalia. 









Imagens de guerra: ilustração publicada em
1867 na Semana Illustrada e daguerreótipo
anônimo que registra vários corpos de
soldados paraguaios amontoados
depois da batalha de Humaitá. Abaixo,
uma tropa brasileira com o Conde D'Eu
e seu estado maior, nas proximidades da
cidade de Lambaré, no Paraguai, em
registro de um fotógrafo anônimo em 1868









Acervo de raridades



Joaquim Marçal é o que se pode chamar, de fato, de especialista na trajetória da fotografia no Brasil, reunindo um currículo profissional que inclui atividades como fotógrafo, designer, chefia da divisão de iconografia da Fundação Biblioteca Nacional, título de mestrado em Design, doutorado em História Social e docência na PUC do Rio de Janeiro. “História da Fotorreportagem no Brasil” reúne, na verdade, a quase totalidade da dissertação de mestrado que Marçal apresentou na PUC-Rio, em 2002. Já no trabalho de doutorado, retorna ao Oitocentos com uma investigação sobre imagens fotográficas da Guerra do Paraguai, tendo como orientadores dois intelectuais destacados: Celeste Zenha e José Murilo de Carvalho.

Um dos grandes destaques do livro de Joaquim Marçal é exatamente seu fôlego exploratório para localizar as primeiras imagens, tanto as ilustrações como as fotografias, registradas na imprensa brasileira. O autor destaca que o grande marco, na trajetória das artes gráficas e da imprensa no Brasil, é o aparecimento e o aperfeiçoamento das técnicas de reprodução de ilustrações e fotografias em jornais e revistas que acontece durante a Guerra do Paraguai, o maior e mais sangrento conflito armado da América do Sul.






Ilustrações e fotografias que retratavam o confronto e a união de Brasil, Argentina e Uruguai (cujas tropas militares, em ação conjunta, marcharam contra o vizinho Paraguai, tornando aquele país terra arrasada), eram artigo muito popular e disputado como fetiche no período da guerra, que se estendeu de dezembro de 1864 a março de 1870, e também nos anos e décadas seguintes.

A derrota também marcaria uma reviravolta decisiva na história do Paraguai, transformando completamente o país, que passou de única República das Américas sem nenhum analfabeto para um dos países mais atrasados do continente. O Paraguai também sofreria decréscimo populacional, ocupação militar por mais de dez anos, pagamento de pesada indenização de guerra (que, no caso do Brasil, teve o pagamento estendido até a Segunda Guerra Mundial) e perda de 40% de seu território para Brasil e Argentina.










Guerra do Paraguai e os primeiros registros
em fotojornalismo no Brasil: na imagem do
alto, Rendição de Uruguaiana, recriação
patriótica do campo de batalha em litografia
de Pedro Américo. Acima, os prisioneiros
paraguaios, a maioria formada por índios
muito jovens, descalços e maltrapilhos que
foram transformada em escravos depois
do fim das batalhas. Abaixo, a igreja central
de Paysandú, no Paraguai, completamente
destruída depois da batalha, em fotografia
anônima de 1865. Também abaixo, cenas do
campo de batalha: o Conde D'Eu (com
a mão na cintura) visita as tropas durante
a guerra, e um raro momento de
descontração dos soldados aliados
em foto no acampamento militar










Uma das primeiras fotografias transcritas em xilogravura aparece nas páginas da “Semana Illustrada”, publicada no Rio de Janeiro, sede do Império e posteriormente capital da República. A legenda identifica a imagem, que retrata tropas brasileiras durante a Guerra do Paraguai: “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça, fotografadas ao natural e obsequiosamente oferecidas à Semana Illustrada pelo Ilm. e Exm. Srn. Vianna de Lima”.

Outro dos muitos destaques pelo que trazem de avanços para a historiografia, com importância especial para a história de Minas Gerais, é a identificação pelo autor do livro "História da Fotorreportagem no Brasil" da primeira fotografia produzida em território mineiro, realizada por um fotógrafo anônimo em Ouro Preto, então Vila Rica, possivelmente no começo de 1865, e ofertada como presente ao imperador Dom Pedro 2°.

Trata-se de uma vista panorâmica, como se dizia na época, da atual Praça Tiradentes, enquadrando as tropas em alinhamento militar que ocupavam o largo da praça antes de seguir viagem para os campos de batalha na Guerra do Paraguai. A legenda: “Vista da Praça de Vila Rica no dia da partida da 1ª expedição de Minas para Mato Grosso. Oferecida a Sua Majestade Imperial e Senhor Dom Pedro por seu súdito Antônio de Assis Martins”. 







 
Como identificar, entretanto, data e autoria, quando não há registro verbal? No caso da foto das tropas em Ouro Preto, o enigma se desfaz com a comparação da publicação de uma minuciosa recriação em cópia litográfica quase literal da mesma fotografia pela “Semana Illustrada” em julho de 1865, creditada a Henrique Fleiuss, mestre de ofício e entusiasta da novidade da “fotorreportagem” que ele ajudava a instaurar na imprensa brasileira.



Coleção do Imperador



Outros casos de razoável fidelidade das cópias litografias ou em xilogravura, em relação ao original fotográfico, que surgem em diversas publicações do período, são destacadas por Joaquim Marçal, que enumera análises, registros e uma profusão de gravuras, cartuns, mapas e fotografias que surgem em periódicos como “Ilustração do Brasil”, “O Besouro”, “A Cigarra”, “O Mercúrio”, “O Mosquito”, “A Comédia Social”, “A Vida Fluminense”, “O Torniquete” e “O Mequetrefe”, entre muitos outros – com o mérito adicional de abordar não apenas o Rio de Janeiro, estendendo a abrangência a questões nacionais e internacionais do período, no que se refere à reprodução técnica, à economia e à socialibidade em geral.

Tenho a pesquisa como missão”, reconhece Joaquim Marçal. A vocação ele atribui a questões de família, especialmente a influência do trabalho de seu pai, o escritor Olímpio de Souza Andrade. Pesquisador destacado em seu tempo e especialista na vida e obra de Euclides da Cunha, o pai de Joaquim Marçal também recebeu um prêmio importante da Unesco, no final da década de 1950, e chegou a ter seu trabalho publicado na célebre Coleção Brasiliana.









Viagens da Família Imperial do Brasil:
no alto, Dom Pedro 2° e família fotografados
no Vale das Pirâmides, Egito, em 1871.
Acima, Ouro Preto, antiga Vila Rica, em
daguerreótipo datado de 1881 de autoria
atribuída ao Imperador Pedro 2°. Abaixo,
capas de duas publicações pioneiras na
imprensa brasileira: a revista Semana Illustrada,
de Henrique Fleuiss, que circulou de 1860 a 1876;
e a Revista Illustrada, de Angelo Agostini, que
circulou de 1876 a 1898. Também abaixo, 
um marco historiográfico registrado pelo
autor do livro, Joaquim Marçal, com a
identificação da primeira fotografia feita
em território das Minas Gerais: uma vista
panorâmica por um fotógrafo anônimo da
praça central (atualmente Praça Tiradentes)
em Ouro Preto, então Vila Rica, registrada
possivelmente em 1865, com uma
legenda em dedicatória para
o imperador Dom Pedro 2°









Nos últimos anos, Joaquim Marçal também foi destaque na mídia por conta da curadoria que realizou em diversas exposições sobre fotografias do século 19, entre elas “De Volta à Luz”, “A Coleção do Imperador Dom Pedro 2°” e “Fotografia Brasileira e Estrangeira no Século 19”, apresentadas em São Paulo e no Rio de Janeiro e no exterior, em Buenos Aires, na Argentina, no Porto e em Lisboa, em Portugal. Uma amostra da qualidade de seu trabalho está refletida na publicação sobre a história da fotorreportagem no Brasil.

Registro de pesquisas que alcança dos primórdios da imprensa e das artes gráficas no Brasil aos avanços alavancados pelas nos técnicas da fotografia, nas décadas de 1880 e 1890, no livro Marçal enumera eventos e periódicos para destacar pioneiros esquecidos, reconhecendo o mérito de profissionais que fizeram nossos primeiros jornais e revistas ilustradas. Entre tantos pioneiros, alguns poucos surgem como exceção pelo reconhecimento que tiveram em seu tempo e no século seguinte.

Uma destas poucas exceções é Marc Ferrez, nome fundamental da fotografia, que obteve as mais importantes condecorações pela excelência de seu trabalho, no Brasil e em outros países, especialmente nos EUA e na França, onde suas fotos foram exibidas com destaque na Exposição Universal de 1900, em Paris. Ferrez fotografou famosos e anônimos, o trabalho escravo, os primeiros contatos com povos indígenas, festas religiosas, acontecimentos políticos e diversas paisagens, nas cidades e nos confins do Brasil, em ângulos e perspectivas que depois dele ganharam a condição de cenários de cartões postais.









As imagens, registradas em daguerreótipos e outras técnicas fotográficas por pioneiros como Marc Ferrez, eram posteriormente retocadas e redesenhadas por ilustradores para publicação nos principais jornais e revistas. Para o leitor significava um novo mundo aquela possibilidade, até então inédita, de visualizar as imagens impressas e relacionadas aos fatos narrados – ainda que, na realidade brasileira, somente a partir do começo do século 20 as técnicas de impressão, com o uso do clichê como matriz, garantiriam uma impressão de melhor qualidade e em cores.

Diante das lacunas intermináveis de nossa história cultural – e considerando o novo perigo virtual que representa, em sites e blogs, uma impressionante profusão repetida de plágios para informações equivocadas e atribuições errôneas – o autor permite, através deste “História da Fotorreportagem no Brasil”, o acesso e livre trânsito a lições preciosas e trajetórias contextualizadas para professores, estudantes, pesquisadores e profissionais de diversas áreas, considerando o complexo e ainda nebuloso universo que as possibilidades da fotografia e da imprensa ilustrada vêm inaugurar em território brasileiro, a partir de meados de 1800.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotorreportagem desde 1839. In: Blog Semióticas, 30 de outubro de 2012. Disponível em http://semioticas1.blogspot.com/2012/10/fotorreportagem-desde-1839.html (acessado em .../.../...).



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Cenas do Brasil Antigo: Augusto Riedel 
registrou, em 1865, a reunião quinzenal dos
escravos e funcionários nas minas de ouro
em Morro Velho, região de Nova Lima,
Minas Gerais (no alto). Acima, fotografia
de Marc Ferrez registra escravos em uma
fazenda de café na Serra da Mantiqueira,
Minas Gerais, em 1885; e a sessão de votação
da Lei Áurea, em maio de 1888, que
extinguiu a escravidão no Brasil








13 de junho de 2012

Gostos da Belle Époque






Também tivemos a nossa Belle Époque, por sinal que feia como

sete dias de chuva. Começou com a República. Basta comparar a

iconografia imperial com a posterior, para ver a coisa inestética

que veio depois de D. Pedro II. Gravuras de Debret e Rugendas,

pintores régios, figuras de Angelo Agostini – cheias dos nossos usos,

costumes, tipos, ruas, casas, campos, estradas, árvores, céus e

alegorias – tudo isso foi substituído pelo duro documento fotográfico.

–– Pedro Nava, “Baú de Ossos” (1972).   

  

Não são poucos os historiadores que relacionam a criação da Coca-Cola com o início da Belle Époque. A bebida nasceu com a chegada da Revolução Industrial em Atlanta, Estados Unidos, inventada logo depois da Guerra de Secessão, na mesma época em que tem início a Belle Époque em Paris, França, até então considerada centro cultural do mundo. Em 1884, o farmacêutico John Pemberton (1831–1888) lançou a mistura alcoólica “Pemberton's French Wine Coca”, anunciada como bebida intelectual, vigorante do cérebro e tônica para os nervos, feita da mistura de folhas de coca, grãos de noz-de-cola e álcool.

O puritanismo religioso foi um impedimento ao sucesso comercial da primeira versão da bebida, mas Pemberton não desistiu: retirou o álcool da fórmula e passou meses no porão de sua casa em Atlanta adicionando ingredientes à água carbonada para chegar a um outro xarope. Em maio de 1886, a nova bebida começa a ser vendida e seu primeiro anúncio publicitário é publicado como Coca-Cola, nome dado por Frank Robinson, que utilizou a sua própria caligrafia para fazer o logotipo que sobrevive ainda hoje.











Imagens da Belle Époque:
a partir do alto da página, dois
dos primeiros anúncios publicitários
da Coca-Cola, impressos na década de
1890 em sofisticadas técnicas de policromia.

Acima, The Walkers (Bazille et Camille),
pintura impressionista de 1865 de Claude Monet;
e
Tempo de chuva na praça de Rådhuspladsen
em Copenhague, Dinamarca. Pintura em óleo sobre
tela de 1905 do dinamarquês Paul Gustave Fischer.

Abaixo,
a capa em 
policromia do catálogo ilustrado
Le Nouvelle Mode, editado em Paris no ano de
1900; Uma jovem lendo, pintura em óleo
sobre tela de 1898 de Ricardo López Cabrera;
e o ápice da ornamentação em O beijo, pintura
de 1908 de Gustav Klimt, uma obra carregada
de erotismo e de expressionismo
















Nos bares, o xarope do farmacêutico John Pemberton era apresentado em copos de vidro e misturado na hora de servir. Curioso é que os primeiros cartazes publicitários coloridos que anunciavam o produto faziam mais sucesso que a bebida e por isso passaram a ser distribuídos como brinde aos clientes que compravam o produto engarrafado para levar para casa ou seguir viagem. As primeiras garrafas vinham com tampas de rolha, mas a partir de 1900, foi adotada a novidade da “tampa coroa”.

Enquanto a Coca-Cola ganhava o mundo, florescia a partir da França a Belle Époque – com sua pluralidade de tendências filosóficas, científicas e sociais, incluindo o aparecimento das vanguardas nas artes, na literatura, na música e na arquitetura, reforçada com as reformas urbanas em Paris e nas capitais da Europa, irradiando seus reflexos nas cidades de outros continentes. Favorecida por um longo período de paz internacional que só seria interrompido em 1914, quando explodiria a Primeira Guerra Mundial, é a época das ostentações e das grandes invenções: eletricidade, telégrafo, telefone, cinema, estradas de ferro, automóveis, aviões. A história da arte também classifica este período, do final do século 19 até o final dos anos 1920, como época da Art Nouveau, com obras de arte e objetos industriais criados para destacar uma exuberância decorativa de curvas assimétricas, formas botânicas e motivos florais.














Paris no final do século 19: no alto,
cartaz original criado por Alphonse Mucha,
o maior nome da Art Nouveau, para a peça
“A Dama das Camélias", de Alexandre Dumas,
estrelada por Sarah Bernhardt, em litografia colorida
de 1896. Também acima, pintura anônima que retrata
o Port St. Denis; e duas fotografias anônimas,
a primeira com data de 1880, mostrando a
Avenue des Champs-Élysées, e a segunda de
1900, mostrando a clientela do Café de La Paix.

Abaixo, Robert De Niro com Dominique Sanda
fotografados por Eva Sereny nas filmagens de
"Novecento", filme de 1976 de Bernardo Bertolucci
que apresenta uma retrospectiva da história desde a
Belle Époque na Itália, em 1900, até a Segunda Guerra.
Também abaixo, o momento histórico em que o brasileiro
Alberto Santos Dumont voa sobre Paris na manhã
do dia 19 de outubro de 1901 e provoca uma grande
comoção na multidão que vai às ruas








 



Coca-Cola nos grotões



No Brasil, é comum situar a Belle Époque entre 1889, com o fim do Império e a Proclamação da República, e 1922, ano de realização da Semana de Arte Moderna de São Paulo, mas há pesquisadores que defendem a extensão do período até a Revolução de 1930, que por sua vez encerra a primeira fase da República. Por aqui, entretanto, a associação entre a Belle Époque e a popularização da Coca-Cola sempre gerou controvérsias, visto que o início da comercialização da bebida importada dos EUA só acontece a partir dos anos 1930, ainda assim restrita ao público de maior poder aquisitivo.

Somente mais tarde, no contexto da Segunda Guerra, sob pressão do governo do presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, e com a instalação das primeiras bases militares norte-americanas no Norte e no Nordeste do Brasil, é que o comércio de Coca-Cola passou a ser cada vez mais frequente. Em 1941, Getúlio Vargas autoriza a inauguração da primeira fábrica de Coca-Cola em solo brasileiro, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Dois anos depois, iria ao ar, pela Rádio Nacional, “Um Milhão de Melodias”, o primeiro programa a ser patrocinado pela Coca-Cola no Brasil.









Cenas da Belle Époque no Brasil:
Getúlio Vargas em 1911, anos antes de
chegar à Presidência da República, ao lado
de sua esposa, dona Darci. Também acima,
Getúlio Vargas ao centro, com seus fieis 
seguidores, durante a curta estadia em
Itararé (SP) em seu caminho para a
tomada do poder no Rio de Janeiro,
depois do êxito das tropas militares
na linha de frente. Abaixo, o encontro
entre os presidentes Getúlio Vargas e
Franklin Roosevelt na base aérea
norte-americana instalada em
Natal (RN), em 28 de janeiro de 1943











Cinco décadas antes disso, quando a industrialização do produto mais identificado com a invasão norte-americana em todo o mundo ainda dava seus primeiros passos, com as investidas do farmacêutico John Pemberton em Atlanta, as instituições brasileiras explodiam em reviravoltas provocadas por dois eventos de impacto. São divisores de águas no Brasil, na segunda metade do século 19, a Lei Áurea de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão (assinada por Dona Isabel, princesa imperial, que estava na regência, durante viagem do imperador Dom Pedro 2° ao exterior), e o levante militar em 15 de novembro de 1989, que pôs fim à soberania do imperador e proclamou a República.

O período identificado como Belle Époque, no Brasil, vai coincidir com um movimento demográfico de grandes proporções, com a chegada das grandes levas de imigrantes ao território nacional. É também a época em que a imensa população de escravos recém-libertados e seus descendentes passam a ocupar as periferias das cidades, enquanto as classes mais abastadas se estabelecem nos centros urbanos. São os antigos senhores de escravos que também vão firmar a novidade do consumo de produtos industrializados, a grande maioria importada das capitais da Europa.












Gostos da Belle Époque: acima, Dom Pedro 2°
fotografado por Marc Ferrez em 1885, no Paço
de São Cristóvão, Rio de Janeiro. No alto,
Família Imperial no exílio, reunida no
Castelo d’Eu, Normandia, França, em 1918,
fotografada por P. Gavelle. Em primeiro plano,
partir da esquerda: Dona Maria Francisca
(em pé) e Dona Elisabeth Dobrzenky de
Dobrzenicz (sentada), tendo ao colo Dom João
Maria; a seu lado, Dona Isabel, futura Condessa
de Paris, e Dom Pedro Gastão, ambos em pé.
Sentados, Conde d’Eu e Princesa Isabel,
seguidos de Dona Pia Maria, em pé, Dom Luís,
sentado, Dom Luís Gastão e Dom Pedro Henrique,
Príncipe do Grão-Pará, ambos em pé. No
segundo plano, da esquerda para a direita,
em pé, Dom Pedro de Alcântara, Dom Antônio
e Dona Maria Pia. Na segunda imagem,
Princesa Isabel e Conde d’Eu fotografados
por P. Gavelle em 1919.

Abaixo, imagem rara dos arquivos
do Museu Imperial de Petrópolis
apresenta um desfile de carruagens e uma
batalha de flores na avenida principal, no
Carnaval, em fevereiro de 1888. Também
abaixo, fotografia de Augusto Malta que
registra a Rua do Ouvidor, no centro do
Rio de Janeiro, por volta de 1900;
e a recém-inaugurada Avenida Central,
em 1909, no centro do Rio de Janeiro,
em fotografia de Marc Ferrez mostrando
à esquerda a Praça Floriano Peixoto e o
Teatro Municipal, e à direita, a Escola
Nacional de Belas Artes











.











Marcada pelas grandes invenções, capitaneadas pela proliferação de imagens da fotografia, do cinema, de jornais e revistas e muitos anúncios publicitários, a Belle Époque, também no Brasil, vai testemunhar um “embelezamento” dos hábitos da vida cotidiana, com a entrada do design sofisticado nos objetos utilitários, nas vestimentas e nos detalhes rebuscados na arquitetura e na fachada das casas. A República, recém-instalada, almejava inaugurar uma nova era no país e, por conta disso, tentou minimizar tudo o que lembrava o Império e o passado da colonização portuguesa. 



Arquitetura e 'embranquecimento'
 


Dentre estas novas metas, alardeadas como progresso pelos republicanos que chegaram ao poder, se destaca a legislação que oficialmente procurava o “embranquecimento” do povo brasileiro, marginalizando os negros recém-libertados e incentivando a recepção de povos imigrantes, nomeados nos documentos com as características de “brancos e letrados”. A vida cultural nas capitais também buscava novo rumo, com a tentativa de importar novos hábitos de consumo na ilusão de ganhar alguma aproximação das culturas francesa e italiana. 

Com a chegada das populações de imigrantes, a maioria vinda dos países europeus, a arquitetura e o urbanismo têm um salto qualitativo considerável nos primeiros tempos da República, especialmente no final do século 19 e na primeira década do século 20: é dessa época a popularização de novidades como os automóveis que passam a ocupar as paisagens urbanas e também a fundação de Belo Horizonte, primeira cidade planejada no Brasil, com os amplos espaços livres das praças e dos largos das igrejas e da Estação Ferroviária, suas amplas e extensas avenidas em traçado geométrico e prédios suntuosos que abrigavam a administração pública e a modernidade dos teatros e dos cinemas.










Gostos da Belle Époque: acima,
cenas de Belo Horizonte no início
do século 20, a primeira cidade
planejada do Brasil com suas
amplas avenidas em traçado
geométrico e prédios suntuosos
que abrigavam a modernidade dos
cinemas. Abaixo, registros em
fotografias anônimas sobre as
reformas urbanísticas no
Rio de Janeiro, com a demolição
dos cortiços e a abertura de
amplas praças e avenidas,
seguindo o modelo francês de
arquitetura e urbanismo 


 






Outro marco arquitetônico na Belle Époque brasileira foi a grande reforma urbanística no Rio de Janeiro, então Capital Federal, com a demolição dos cortiços e antigos casarios no centro da cidade e a abertura das amplas avenidas, empreendidas pelos projetos de Pereira Passos e Rodrigues Alves. As reformas e as novas construções fundadas no estilo em voga na França e em outros países da Europa também chegaram a São Paulo, como apontam dois estudos inspirados sobre a arquitetura e a iconografia da Belle Époque paulistana, há décadas considerados itens de colecionares, que retornaram às livrarias em lançamentos da Companhia Editora Nacional.



Cenários de 1900



Em “São Paulo: Belle Époque” e “Memória e Tempo das Igrejas de São Paulo”, os belos traços da artista plástica Diana Dorothéa Danon transformam detalhes arquitetônicos e fachadas remanescentes de igrejas, mosteiros, palacetes, estações e antigos casarões em desenhos, aquarelas e poemas. O trabalho da artista encontra nas novas edições apoio em textos referenciais de dois especialistas: o jornalista Leonardo Arroyo e o arquiteto e urbanista Benedito Lima de Toledo. Formada em pintura pela Escola de Belas Artes de São Paulo, em 1959, Diana Danon, que em 2012 completa 83 anos, está em boa companhia.







Leonardo Arroyo, que foi colaborador dos jornais “A Notícia” e “Folha da Manhã”, venceu o Prêmio Jabuti em 1985 com o livro “A Cultura Popular em Grande Sertão: Veredas” – enquanto Benedito Lima de Toledo, professor titular de História da Arquitetura na USP, publicou uma série de livros sobre urbanismo e arquitetura, entre eles “São Paulo: Três Cidades em um Século” e “Álbum Iconográfico da Avenida Paulista”. Nos ensaios que produziram para acompanhar as dezenas de ilustrações e os fragmentos poéticos de Diana Danon, Arroyo e Toledo abordam o contexto das construções do século 16 ao século 20, que têm como pano de fundo a riqueza oriunda do café.

Produzidos a partir da década de 1960, imagens e poemas de Diana Danon resgatam em detalhes a beleza de edificações que estavam espalhadas por Higienópolis, Campos Elíseos, Santa Cecília e Bela Vista – mas que não resistiram ao tempo e à especulação imobiliária. “A cidade surpreendia seus próprios moradores”, destaca a artista na breve apresentação aos livros, situando as transformações que a riqueza fácil e desmedida vinda das fazendas e do comércio do café provocava de forma ininterrupta nos belos cenários da cidade antiga. 












A Belle Époque resgatada nos traços
de Diana Danon: no alto, desenho
que retrata a casa onde morou a
Marquesa de Santos, seguido do
Monumento à Independência,
localizado no parque em São Paulo
que também abriga o Museu do
Ipiranga. Também acima, e abaixo,
detalhes da fachada do Teatro Municipal
da capital de São Paulo








Sem saber que um monstro estava sendo gerado, com patética ingenuidade galardoavam-na com o dístico: a cidade que mais cresce no mundo! Quanto bonde não foi marcado com essa frase que o paulistano sempre leu como uma lisonja e não como uma uma advertência... Quanto prefeito, governador, quanto político não repetiu a frase com inconsequência de novo-rico, deixando a cidade entregue ao seu crescimento desordenado”, aponta Diana Danon.

Além do lirismo dos versos e das imagens pesquisadas e retratadas por Diana Danon, os textos de Benedito Toledo e Leonardo Arroyo situam o desenvolvimento desordenado da metrópole no final do século 19 e começo do século 20. Nos ensaios historiográficos, o que se coloca frente a frente é o antigo patrimônio da metrópole e o crescimento tentacular fundado na riqueza descompromissada e na importação desvairada de modismos estrangeiros, sem nenhum planejamento ou plano diretor sobre o urbanismo que pudesse conter os excessos dos interesses predatórios, que surgem mascarados com o discurso otimista em nome do progresso.










Cenários do passado paulistano:
o Viaduto Santa Ifigênia, construído
em 1913, auge da Belle Époque,
na ilustração de Diana Danon
datada de 1972; e a fachada principal
do Mosteiro da Imaculada Conceição
da Luz, localizado na avenida Tiradentes
e inaugurado em 1774. Abaixo, um
antigo sobrado da Avenida Paulista e
Diana Danon em ação, em 2011, aos
81 anos, desenhando um sobrado do
bairro do Brás. Também abaixo, a
fachada do Museu do Ipiranga
 e o conjunto hospitalar da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia,
com seus tijolinhos aparentes,
construído no final do século 19







 

O estilo afrancesado



Tanto em “São Paulo: Belle Époque” como em “Memória e Tempo das Igrejas de São Paulo”, as belas imagens, a maioria em preto e branco, e os textos breves resgatam a pujança de uma época que ficou no passado, deixando um mínimo de edificações para o tempo presente. Entre detalhes da reconstituição iconográfica de Diana Danon, que participou de mais de 50 mostras individuais e coletivas de artes plásticas entre 1959 e 2008, o leitor encontra relatos de curiosidades e estudos detalhados sobre traços arquitetônicos e construções específicas.

Enquanto os desenhos e as aquarelas primam pela qualidade em minúcias, os textos de Toledo e Arroyo envolvem quiproquós sobre a população de imigrantes e a prática disseminada pela burguesia paulistana em importar hábitos e modismos da Europa, a odisseia da subida da Serra do Mar, o ecletismo dos novos bairros, o cotidiano dos trabalhadores estrangeiros e a presença fundamental dos “capomastri”, os arquitetos aptos para a execução e finalização de qualquer que fosse o projeto. Em meio às questões de urbanismo e arquitetura, Diana Danon transforma a pesquisa de campo em poesia:


A igreja em reforma
estava escura.
Atrás de mim, a senhora
vendia velas.
Algumas num canto ardiam
silenciosas.







Enquanto registra referências poéticas ao trabalho de desenho que investiu nos cenários pesquisados, Diana Danon também estabelece juízos de valor com rigor de avaliação científica, apontando que havia os “bolos de noiva”, de ornamentação prolixa e de gosto duvidoso, que por sua vez conviviam com outras construções. Pela originalidade de concepção e execução, muitas delas, destaca Diana Danon, poderiam figurar ao lado das melhores expressões europeias das edificações na Belle Époque.

Os ensaios de Toledo e Arroyo confirmam as intuições e as breves avaliações de Diana Danon, destacando que em algumas regiões da maior cidade do território nacional, como a Avenida Paulista, o ambiente era mais propício ao “gosto francês”. “As imensas residências, cada uma com um estilo diverso, constituíam impressionante documento de ecletismo. Neoclássico, toscano, florentino, egípcio, neorromano, Art Nouveau, todos os estilos e pretensos estilos ali estavam enfileirados”, aponta Toledo.

A conclusão para os dois estudos não deixa de ser melancólica, ainda que soe como um alerta para a importância do planejamento urbano e da preservação do patrimônio cultural, estético, artístico, documental, científico, social ou ecológico, como forma de não repetir os erros irreversíveis cometidos num passado nem tão distante. O patrimônio investigado, a partir da observação nostálgica dos traços arquitetônicos da Belle Époque que restaram como monumentos isolados, também representa uma lição da história para o presente e o futuro, a demonstrar que a industrialização e as maquinarias, colocadas em movimento em nome de um pretenso progresso a qualquer custo, nem sempre são garantia de avanços acertados ou de melhorias na qualidade de vida.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Gostos da Belle Époque. In: Blog Semióticas, 13 de junho de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/06/gostos-da-belle-epoque.html (acessado em .../.../…).



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