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17 de maio de 2014

Lygia Clark no MoMA






O erótico vivido como profano e a arte vivida
como sagrada se fundem numa experiência
única. Trata-se de misturar arte com vida.

–– Lygia Clark (1920-1988).   




Lygia Clark ganhou destaque internacional com uma grande retrospectiva de sua obra no MoMA – Museum of Modern Art, em Nova York, aberta ao público de 10 de maio a 24 de agosto de 2014. Maior exposição já dedicada a uma brasileira em um museu dos EUA, “Lygia Clark: The Abandonment of Art, 1948-1988” (Lygia Clark: O Abandono da Arte, 1948-1988) aborda, pela primeira vez, todas as fases da carreira da artista que se autointitulava “não artista e que se tornou uma referência, na segunda metade do século 20, na busca dos limites das formas não convencionais de arte.

Com um acervo de 300 obras nunca reunidas em uma única exposição, tomadas de empréstimo, depois de longas negociações, em coleções públicas e privadas no Brasil e outros países, a mostra apresenta desenhos, pinturas, fotografias, filmes, esculturas, objetos, instalações e obras participativas criadas nas quatro décadas de produção artística de Lygia Clark. O acervo, organizado de forma cronológica, foi reunido pela curadoria do MoMA a partir de três grandes temas: Abstração, Neoconcretismo e Abandono da Arte.

Além das obras e instalações permanentes em exposição, completam a programação do MoMA o lançamento de um catálogo com a obra completa de Lygia Clark, que inclui fac-símiles de projetos e escritos inéditos da artista, e uma série de eventos paralelos, entre oficinas, palestras e exibição de documentários com participação de Lygia – entre eles "O Mundo de Lygia Clark" (1983), de Eduardo Clark; "Memória do Corpo" (1973), de Mario Carneiro; e cinco curtas-metragens sobre a obra de Lygia realizados entre 1974 e 1979 por Anna Maria Maiolino. Também está na programação uma mostra de filmes experimentais brasileiros dos anos 1960 e 1970, com produções de Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Neville D'Almeida, Ivan Cardoso, Rubens Gerchman, Hélio Oiticica e Lygia Pape, entre outros (veja link para o catálogo e para uma visita virtual no final deste artigo).







  




No alto, cenas da abertura da exposição
Lygia Clark: The Abandonment of Art,
1948-1988” no MoMA, Museum of Modern Art,
em Nova York. Acima, Lygia Clark sua
Máscara Abismo com tapa-olhos em 1968.

Abaixo, Lygia Clark em uma experiência
de "arte relacional" no Rio de Janeiro,
na década de 1970; e fotografada em
Paris, em 1970, por Alécio de Andrade.
Também abaixo: 1) Lygia na primeira
Exposição Neoconcretaem 1959;
2) Lygia em frente às suas obras
Unidades, de 1958; e 3) a capa do
catálogo com a obra completa editado
pelo MoMA para a exposição











Na edição do catálogo, os organizadores da exposição apresentam de forma linear a trajetória da artista, nascida em 23 de outubro de 1920, em Belo Horizonte, Minas Gerais, e morta aos 67 anos em decorrência de um ataque cardíaco em 25 de abril de 1988, para colocar em relevo sua prática inovadora, desde seus primeiros trabalhos com tendências abstratas, literalmente abertos à participação ativa do espectador. Mais abrangente publicação já lançada sobre a arte de Lygia Clark, o catálogo reúne todo o acervo da exposição e outros trabalhos em belíssima seleção de imagens, com estudo biográfico, textos inéditos da artista e ensaios de Cornelia Butler, Luis Pérez-Oramas, Sergio Bessa, Eleonora Fabião, Briony Fer, Geaninne Gutiérrez Guimarães, André Lepecki, Zeuler Lima, Christine Maciel e Frederico de Oliveira Coelho.




Arte de vanguarda e prática terapêutica



No dossiê para a imprensa, os curadores da mostra e também organizadores do catálogo, Cornelia Butler e Luis Pérez-Oramas, destacam a importância e a atualidade de Lygia Clark e apontam que a exposição pretende valorizar sua produção inovadora e reinscrevê-la em discursos atuais da arte em diversas perspectivas, especialmente nos questionamentos e pesquisas sobre abstração, na participação interativa do público em diversos suportes e nas práticas terapêuticas.





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Ao reunir todas as partes da sua produção tão radical e tão pioneira é possível observar que ela sempre esteve na vanguarda”, aponta Luis Pérez-Oramas, reconhecendo que o pioneirismo de Lygia Clark se dá em várias frentes – seja na participação ativa dos espectadores através da composição permanente de suas obras de arte não convencionais, seja em suas práticas com arte sensorial que a levaram a pesquisas com terapia psicanalítica e a desenvolver uma série impressionante de novas proposições terapêuticas fundamentadas na arte.

A trajetória de Lygia Clark faz dela uma artista atemporal e sem um lugar muito bem definido dentro da História da Arte, tanto que ela autointitulava-se "não artista". Pintora, escultora, escritora, “performer”, terapeuta, professora: em 1972, morando em Paris desde 1968, foi convidada a ministrar um curso sobre comunicação gestual na Sorbonne e, segundo os biógrafos, suas aulas eram verdadeiras experiências coletivas apoiadas na manipulação dos sentidos e das sensações. 













São dessa época algumas das proposições impressionantes da artista, tais como “Arquiteturas biológicas, 1969", “Rede de elástico, 1973", “Baba antropofágica, 1973" e “Relaxação, 1974". Em 1976, há uma alteração marcante na trajetória, quando Lygia Clark retorna para o Rio de Janeiro para se dedicar às práticas terapêuticas com experiências individuais e coletivas em arte sensorial através dos seus "objetos relacionais". 



Abstração geométrica



Na apresentação ao evento no MoMA, Pérez-Oramas destaca no primeiro módulo da exposição, dedicado à abstração, a presença de predecessores fundamentais na obra de Lygia Clark, desde o diálogo de suas obras iniciais com mestres da arte brasileira e com grandes nomes das vanguardas, Duchamp, Calder, incluindo seus contemporâneos na abstração geométrica, Paul Klee, Fernand Léger (de quem foi aluna), Piet Mondrian, Vladimir Tatlin, Max Bill, Georges Vantongerloo.










A arte de Lygia Clark: no alto e acima,
desenhos e pinturas da primeira fase
questionam os limites entre obra e moldura 
a partir do alto, “Sem título” (1954),
Superfície Modulada nº 9” (1957) e
Superfície Modulada n° 4” (1957).

Abaixo, "Estudo" (1957) e "Composição"
(1953), formas geométricas e cores em
diálogo com as célebres experiência de
Mondrian e de Escher. Também abaixo,
painel montado em mosaico de pastilhas
no edifício Mira Mar, na Avenida Atlântica,
Rio de Janeiro, criado em 1951.
Exceto quando indicado, todas as
imagens fazem parte do acervo da
Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark”
e foram extraídas do catálogo do MoMA
Lygia Clark: The Abandonment of Art















 


Mas o grande apelo para o público está no segundo e terceiro núcleos da mostra, com os objetos relacionais da artista e suas proposições sensoriais que questionam o suporte material da obra de arte – alguns eram aplicados diretamente no corpo dos participantes, como mostram vídeos da época. Além da exibição dos originais, os visitantes contam com ajuda de monitores treinados para reproduzir com réplicas as experiências sensoriais propostas por Lygia Clark.

Como característica marcante dos desenhos e pinturas iniciais da artista, nas décadas de 1940 e 1950, já estava a complexidade das superfícies e o questionamento sobre o suporte material, com a exploração dos limites entre obra e moldura. “O que eu quero é compor um espaço e não compor dentro dele”, escreveu Lygia Clark certa vez, reconhecendo que a linha construtivista da arte brasileira – no concretismo, no neoconcretismo e seus desdobramentos – a levou a investigações para a arte além dos limites do tradicional e das formas convencionais. Nessa época, surgem os “Bichos”.










A arte de Lygia Clark: amostras das,
metamorfoses permanentes na série
“Bichos” e outras séries de Lygia Clark:
a partir do alto, Relógio de Sol”, de 1960,
e “O Dentro é o Fora”, de 1963.

Abaixo, uma série de "Bichos" na
instalação do MoMA; a escultura
Trepante, Versão 1”, de 1965, 
e “Óculos” (Goggles), de 1968





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Além do limite convencional



Por volta de 1960, Lygia Clark encontrou uma maneira de desdobrar as investigações sobre arquitetura e topologia de sua fase neoconcreta para um repertório tridimensional. O resultado foi a série de esculturas conhecida como “Bichos”, obras interativas que Lygia Clark concebeu para serem inteiramente e infinitamente remoldadas por seus manuseadores.

Em cada um dos “Bichos”, as linhas orgânicas se tornam dobradiças entre painéis, permitindo que a escultura seja transformada de um achatamento esquemático para uma variedade de configurações tridimensionais inesperadas. Algumas destas obras carregam enorme semelhança com seres vivos específicos, como o “Caranguejo” (1960), enquanto outros evocam temas da investigação artística de Lygia, como “Relógio de Sol” (1960). 




 

 

O segundo núcleo inclui, além dos “Bichos”, as séries “O Dentro é o Fora” (1963) e “O Antes é o Depois” (1963), que apresentam tripas de metal entrelaçadas, sem dobradiças. Completam o núcleo obras da série “Trepantes” (1965), estruturas de metal compostas por aço inoxidável retorcido em linhas líricas e formas circulares, e “Caminhando”, que a artista criou em 1963, retorcendo uma tira de papel em 180 graus para colar suas pontas e gerar um Anel de Moebius – uma forma circular que aparenta ter dois lados, mas na verdade tem apenas um, recortado longitudinalmente até o seu limite. 

 

Exílio e abandono da arte



O terceiro núcleo da exposição aborda o período a partir do final da década de 1960, quando ela passou a se dedicar exclusivamente a obras que incluíam a participação ativa do público, que poderia transcender o papel de mero espectador, acabando com a distinção entre artista e plateia – com trabalhos muito polêmicos em sua época, uma vez que Lygia Clark nunca os considerou nem como “performance” nem como “happenings”. 







Lygia Clark no ateliê: acima, em seu
estúdio no Rio de Janeiro, na década de
1950. Abaixo, "Escada", pintura em
óleo sobre tela de 1951.

Também abaixo, Lygia em Paris,
em 1969, trabalhando na instalação
"Arquitetura Biológica II”, em fotografias
de Alécio de Andrade; e amostras das
célebres performances coletivas sob
o comando de Lygia também registradas
em fotografias de Alécio de Andrade:
A casa é o corpo”, apresentada na
Bienal Internacional de Veneza, em 1968;
"Arquiteturas biológicas", em Paris, 1969;
"Rede de Elástico" (Paris, 1973)






 
Pelo contrário: estas investigações de sua última fase terminaram por levá-la a questionar profundamente o status e utilidade de trabalhos convencionais como meios de expressão. Entre 1966 e 1988, um período que coincidiu com uma crise pessoal e uma subsequente longa temporada de exílio na Europa, Lygia retomou de forma radical conceitos e práticas que havia confrontado em trabalhos anteriores. Fez objetos muito simples a partir de coisas como luvas, sacos de plástico, pedras, conchas, água, elásticos e tecidos.

Estes “objetos sensoriais”, segundo Pérez-Oramas, foram criados para tornar possível uma consciência diferente de nossos corpos, nossas capacidades perceptuais e as nossas restrições físicas e mentais. Os “objetos sensoriais” da artista tinham o propósito de serem ativados em contato e coordenação com as nossa s funções corporais e orgânicas.

Ao combinar nossos gestos com esses simples objetos, ela pretendia projetar uma dimensão orgânica sobre os materiais inertes e industriais”, explica Pérez-Oramas. Nessa época, Lygia parou de se definir como artista e passou a se concentrar no desenvolvimento de experiências sensoriais de uso terapêutico.










A casa é o corpo



Além dos três núcleos em exposição no sexto andar do MoMA, o quarto andar é dedicado exclusivamente a uma única instalação: "A casa é o corpo: penetração, ovulação, germinação, expulsão". Criada em 1968 por Lygia Clark para a Bienal de Veneza, a instalação simula em minúcias o aparelho reprodutor feminino e permite ao público uma experiência de imersão corpórea ao percorrer o seu interior.

Obra de fundamental importância para a história da arte brasileira – como destaca Maria Alice Milliet no ensaio biográfico “Lygia Clark: obra-trajeto”, publicado em 1992 pela EDUSP – “A Casa é o Corpo” se constituía de um grande balão plástico situado no centro de uma estrutura formada por dois compartimentos laterais e um labirinto de 8 metros de comprimento – uma obra-ambiente concebida “para ser penetrada pelo visitante como abrigo poético”.















 
Ao entrar (“penetração”) no primeiro dos três compartimentos da instalação, o espectador encontra um quarto escuro de piso macio; depois, segue para a “ovulação”, um espaço repleto de materiais esféricos (balões, bolas de borracha e de isopor); em seguida, entra em uma bolha transparente no formato de uma lágrima (“germinação”) e, ao final do percurso, atravessa uma cortina de fios de “cabelo” para se deparar com um espelho deformado onde vê o próprio reflexo.

Passados quase 50 anos, as imagens de “A casa é o corpo” ajudam a explicar o impacto e o estranhamento que a obra sensorial e as ideias de Lygia Clark provocaram no Brasil e naquela Bienal de Veneza, com sua influência posterior em conceitos como “suporte”, “instalação”, “arte conceitual”, “arte-terapia”. A atual celebração de sua obra pelo MoMA e a recepção unânime e surpreendente de público e crítica a trazem de volta ao futuro.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Lygia Clark no MoMA. In: Blog Semióticas, 17 de maio de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/05/lygia-clark-no-moma.html (acessado em .../.../...).



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A arte de Lygia Clark: no alto,
uma amostra e um coletivo da série
"Bicho" (1963). Acima, "Sem título" (1957).

Abaixo, registro da Vernissage da mostra
de Lygia Clark apresentada no MoMA 



 






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