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25 de abril de 2013

O novo Jards






Arte não é só talento, mas sobretudo coragem.
A arte é tão difícil como o amor.

–– Glauber Rocha (1938-1981).    


“Só Morto”, o primeiro disco de um dos grandes nomes da MPB, está finalmente disponível em CD. O original foi lançado em formato de LP de vinil em 1970 e desde então se tornou uma relíquia conhecida apenas pelos colecionadores. Por coincidência, chega agora pela primeira vez ao formato CD como uma homenagem ao artista, que completou 70 anos no dia 3 de março. O nome que consta na certidão de nascimento, por sinal, é tão incomum quanto o nome artístico que ele adotou: Jards Anet da Silva. Desde o final dos explosivos anos de 1960, ele assina somente Jards Macalé.

Não sei de onde tiraram essa história de que Macalé era o nome do pior jogador do Botafogo. Sempre que vejo uma matéria sobre mim encontro essa mesma história, de que ele era o pior. É tudo mentira”, explica o próprio Jards na entrevista que fiz com ele por telefone para um jornal de Belo Horizonte. “Macalé não era o pior e também não era o melhor. Era um jogador que naquela época estava em evidência porque jogava no Botafogo e eu ganhei este apelido porque eu também jogava futebol, só que na praia, e achavam que ele era parecido comigo. Apelido é assim. Ou pega no ato ou não pega”.

Senso de humor apurado, cheio de ironia e afiado nas tiradas inteligentes, Jards Macalé concedeu esta entrevista no dia seguinte a seu retorno ao Rio de Janeiro, vindo de Nova York. A viagem foi um convite que ele nem pensou em recusar, porque era para acompanhar Eryk Rocha na estreia internacional do filme “Jards”, destaque do festival New Directors/New Films, promovido pelo MoMA, Museu de Arte Moderna. 








Jards Macalé aos 70: no alto, um
fotograma de Jards, filme de Erik Rocha.
Acima, Jards no palco do Nublu, em
Nova York. Abaixo, em 1967, na praia
de Copacabana com Maria Bethânia,
na época em que começou a carreira
profissional como violonista e diretor
musical dos primeiros espetáculos de
Bethânia; com Erik Rocha, no festival
de cinema promovido pelo MoMA, e a
capa do disco Só Morto, que agora
chega finalmente ao formato CD,
em lançamento do selo Discobertas








Em Nova York, Jards e Eryk Rocha, filho de Glauber, assistiram às exibições concorridas e participaram de debates no MoMA, no Lincoln Center e em programas de TV. O músico e o cineasta têm mesmo o que comemorar, já que o filme foi aplaudido de pé e muito bem recebido pela crítica, com elogios e reportagens de destaque nos principais veículos de imprensa.

Começamos a entrevista falando sobre o lançamento de “Só Morto” na versão CD, que vem recheada de faixas-bônus que permaneceram inéditas por décadas, mas no minuto seguinte o assunto vai para outras direções e chega à estreia do filme nos Estados Unidos. “Foi uma experiência tão fantástica que depois da estreia fomos celebrar no Nublu, um dos redutos do jazz em Nova York, e a comemoração acabou virando uma canja e o show seguiu com meu improviso no palco, pela madrugada adentro”, conta Jards, feliz com o filme e com a parceria com Eryk Rocha.








Parceiro de Glauber



Novato em cinema Jards não é – muito pelo contrário. Desde a década de 1960, participou como ator e compositor da trilha sonora em filmes marcantes, incluindo um dos lendários longas de Glauber, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, além dos não menos importantes “Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos, “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura, “Se segura, malandro!", de Hugo Carvana, e “Getúlio Vargas”, de Ana Carolina, entre vários outros.

Jards comemora: “Já dizia meu grande amigo Hélio Oiticica que quanto melhor, melhor”. No Brasil, “Jards”, o filme, estreou em janeiro no Festival de Cinema de Tiradentes e segue na agenda de outros festivais, mas só deve chegar ao circuito comercial no segundo semestre de 2013. "Fazer este filme com o Eryk foi muito especial. Foram três semanas no estúdio com a equipe de filmagem, com três câmeras, e saiu um filme muito melhor do que a encomenda. É um filme diferente, mais experimental, que foi surgindo de tentativas, de repetições, de improvisos, e no final ficou mesmo muito parecido com a música que venho tentando fazer desde o primeiro disco”.







No cinema, a próxima parceria já está agendada: Jards Macalé volta a trabalhar com Nelson Pereira dos Santos, que depois do mergulho na obra de Tom Jobim com os recentes “A Música Segundo Tom Jobim” e “A Luz do Tom”, agora prepara um filme sobre o imperador Dom Pedro 2°. “Nelson sabe o que faz e faz um cinema de verdade, incomum. Tudo o que fiz na vida foi em busca desta verdade. E olhando para trás acho que acertei algumas vezes”, ele diz, recordando histórias engraçadas dos amigos e dos “erros e acertos” das muitas parcerias em quase 50 anos de carreira. Mais acertos do que erros, é bom destacar.

Arte é assim. Tem que sair do lugar de conforto, tem que procurar o novo, tem que criar. Foi assim que a arte e a cultura no Brasil produziram o que temos de melhor. Foi desse jeito com nossos grandes artistas, foi assim com as revoluções que o Tropicalismo inventou”, destaca, lembrando de novo o gênio de Hélio Oiticica. “Foi o Oiticica que deu o pontapé inicial para o que chamamos de Tropicalismo quando registrou em cartório a palavra Tropicália, lá em 1958. Hoje ninguém mais fala disso, mas temos que falar porque é importante”.













Memórias da MPB: no alto, Jards Macalé no
final da década de 1960. Acima, bastidores
do terceiro Festival da Record, em 21 de
outubro de 1967, noite da final do festival, com
uma reunião de tropicalistas com Edu Lobo 
(vencedor do festival, com “Ponteio”, parceria
com José Carlos Capinam). Na primeira foto,
em preto e branco, estão, entre outros,
Nara Leão, Sidney Miller, Rita Lee e os
irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista
(da formação original de Os Mutantes),
Zé Rodrix (de óculos, embaixo da escada),
Maurício Maestro (de óculos), Os Incríveis
(no alto da escada), Marilia Medalha, Gilberto Gil,
Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso,
Nana Caymmi (sentada), Geraldo Vandré,
Roberto Carlos, Sergio Ricardo (sentado),
David Tygel, os integrantes do MPB4,
Capinam, Marcelo Frias (dos Beat Boys) e
Torquato Neto. Abaixo, Jards Macalé com
Wally Salomão; e o produtor musical
Guilherme Araújo (sentado), um dos
mentores da Tropicália, em fotografia de
1968 com Arnaldo Baptista, Rita Lee,
Caetano Veloso, Nana Caymmi, Sérgio
Dias Baptista, Jorge Ben,
Gal Costa e Gilberto Gil












É proibido proibir!



Jards Macalé começou a carreira profissional em 1965, como violonista e diretor musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia no Rio de Janeiro, e estava no “olho do furacão”, como ele diz, no mesmo grupo que também tinha, entre outros, futuros medalhões das artes plásticas, da literatura, do cinema e da música, além do poeta e jornalista do Piauí Torquato Neto e dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Bethânia, Gal Costa, José Carlos Capinam.

Lá estávamos todos nós no apartamento em que eu morava em Ipanema, até que um dia aconteceu o fogo que atravessou o Atlântico, vindo da revolta dos estudantes nas ruas do maio de 1968 francês. Lembro que foi o Guilherme Araújo que chegou de Paris muito impressionado, contando que nunca viu nada igual, que os estudantes tomaram as ruas da cidade, ficaram acampados, e por todo lado se via os grafites dizendo 'é proibido proibir'. Para nós, que buscávamos o novo, naquela ditadura militar que foi terrível, esta mensagem foi uma luz no fim do túnel: é proibido proibir”.








Jards no palco com Luiz Gonzaga,
registrado pela revista “Pop”, na edição
de outubro de 1976, e com o “malandro”
Moreira da Silva, seu parceiro no
samba de breque Tira os óculos
e recolhe o homem. Abaixo,
Jards com Vinicius de Moraes
no começo da década de 1970






 


A frase do grafite das revoltas estudantis do maio de 1968 francês foi transformada em canções que marcaram época e se fez a História, contada ao telefone por um dos principais protagonistas. “Para nós, que mergulhamos na Tropicália, naquele contexto de repressão, é muito triste, tristíssimo, descobrir que hoje os espaços da mídia no Brasil foram tomados por tanta estupidez, tanta bobagem repetida, tanto lixo importado. Não sou contra o produto importado. Nunca fui. Mas ao menos deveriam ter o cuidado de importar o luxo de outros países, e não somente o lixo”.

E a experiência de completar 70 anos? Muda alguma coisa ou não muda nada? – pergunto. “Muda tudo”, ele responde, disparando uma gargalhada. “Muda porque agora sou outra pessoa. Aquele Jards Macalé que veio até aqui tem seu valor, vou guardar com carinho as boas lembranças. Mas agora virei outro: nasceu o novo Jards”.



Obra em várias mídias



Planos e projetos encaminhados não faltam. O “novo Jards” segue na temporada de lançamento do filme com Eryk Rocha no Brasil e no exterior, está finalizando um CD com canções inéditas (que têm como parceiros Adriana Calcanhotto, Elton Medeiros, Luiz Melodia), organiza os registros de sua obra em várias mídias e está em negociações para a instalação do acervo em um instituto cultural, trabalha com Nelson Pereira dos Santos no novo filme e, para completar, também faz parte do elenco que vai acompanhar o Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, programada para julho, no Rio de Janeiro. Ele comemora, bem-humorado: “Jards com o Papa Francisco, já pensou? Por essa ninguém esperava. Nem eu”.









O “novo Jards” também diz que está surpreso e satisfeito com as novas parcerias, mas quero ouvir sobre as histórias do passado e pergunto sobre os antigos parceiros do velho Jards, incluindo Glauber Rocha, Vinicius de Moraes, Egberto Gismonti, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Augusto Boal, Moreira da Silva, Paulinho da Viola, Jorge Mautner, Naná Vasconcelos, Torquato, Capinam, Rogério Duprat, Chico Buarque, Gal Costa, Bethânia, Clara Nunes, Nara Leão.

Todos parceiros da maior importância”, ele diz, lembrando de cada um deles com histórias saborosas que trazem à conversa outros nomes, outras artes, outras épocas. A conversa chega aos tempos sombrios da ditadura militar, tempos difíceis, e Jards recorda as tristezas e a repressão do período, mas também as alegrias e agitos da Swinging London, durante a temporada que passou com Gilberto Gil e Caetano Veloso, que estavam exilados na Inglaterra. Gil e Caetano foram presos pela ditadura militar em dezembro de 1968, acusados de subversão, e permaneceram presos durante meses, sem qualquer julgamento. Enquanto o mundo assistia ao pouso da espaçonave Apollo 11 na lua, em 21 de julho de 1969, Gil e Caetano eram obrigados a deixar o Brasil e seriam proibidos de retornar por mais três anos.






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Jards Macalé e Os Brasões em 1969,
durante o quarto Festival Internacional
da Canção, quando  Gothan City, canção
de Jards e Capinam, foi vaiada pela plateia
do Maracanãzinho. Acima, Caetano e Gil,
 amigos no exílio em Londres, por imposição
da ditadura militar; e Gal Costa em visita aos
amigos no exílio, em fotos de 1971 publicadas
pela revista Fatos & Fotos. Gil e Gal fizeram
um show histórico em 26 de novembro de 1971,
na London University, que só foi lançado em
CD no Brasil em 2014. Abaixo, Jards entre
amigos em visita a Caetano e Gil em Londres,
em 1971, na época da produção do álbum de
Caetano Transa; a partir da esquerda, em foto
de Antonio Guerreiroo engenheiro de som
Maurice Hughes, os músicos Aureo de Souza,
Jards Macalé, Caetano e Moacir Albuquerque.

Também abaixo, Gil e Caetano diante da
torre do Big Ben e passeando na Trafalgar
Square, em 1969, durante o exílio em Londres;
Caetano, Jards e Moacir Albuquerque durante
os ensaios para as gravações do álbum Transa,
em fotografias de Pedro Paulo Koellreutter;
Jards com João Ubaldo, Alberto Cavalcanti
e Glauber Rocha em 1979 (fotografados por
Paula Maria Gaitán); Jards em 2003 com
Jorge Mautnere Jards em 2013, em
autorretrato com Jorge Ben Jor
































Da temporada em Londres saíram duas obras-primas com participação intensa de Jards Macalé: a primeira foi o filme “O Demiurgo”, de Jorge Mautner, que além de Jards também teve no elenco Mautner, Caetano, Gil, Norma Bengell, Péricles Cavalcanti, Roberto Aguilar, Leilah Assunção, Gal Costa e Dedé Gadelha, esposa de Caetano – um filme experimental como poucos, mistura de drama, comédia, poesia, música e filosofia. Glauber dizia que “O Demiurgo” é o melhor filme do exílio e sobre o exílio, enquanto Jorge Mautner define o filme como uma fábula musical e uma chanchada filosófica que retrata a saudade do Brasil.

A segunda obra-prima desta temporada com os amigos no exílio em Londres permanece em destaque entre os melhores discos brasileiros de todos os tempos, “Transa”, de Caetano Veloso, álbum lançado em 1971, resultado de mais de oito meses de ensaios com produção e arranjos por conta de Jards, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Souza. “Ensaiávamos num parque de Londres, todos os dias. Parecíamos aqueles malucos do 'Blow Up' (filme de Michelangelo Antonioni). Quem nos visse ali, sempre daquele jeito, pensaria que estávamos num eterno piquenique”, recorda.



Vapor barato



As histórias de Londres trazem à tona as principais referências de Jards, seus ídolos da Velha Guarda e os cantores e cantoras da Era do Rádio, Carmen Miranda, Orlando Silva, Marlene e Emilinha Borba, o primeiro encontro com Nélson Cavaquinho e Ciro Monteiro numa mesa de botequim, a descoberta dos gigantes do jazz e o impacto que foi ouvir pela primeira vez Erik Satie, compositor e pianista, precursor das vanguardas minimalistas. Na trajetória da formação de Jards também houve as aulas de música e os mestres que teve a sorte de encontrar pelo caminho, Guerra Peixe, Turibio Santos, Dauelsberg, Jodacil Damasceno, Ester Scliar.












Entre tantas histórias e personagens célebres que vão surgindo na entrevista, comento sobre a relação afetiva de muitos da minha geração com as belas canções de Jards Macalé, muitas delas com lugar cativo entre os grandes clássicos da MPB, “Mal Secreto”, “Gothan City”, “Movimento dos Barcos”, “Rua Real Grandeza”, “Poema da Rosa”, “ Anjo Exterminado”, “Alteza”, "The Archaic Lonely Star Blues", "Love, Try and Die" e, especialmente, “Vapor Barato”, sua parceria com o poeta Wally Salomão que teve aquela mítica e longa versão ao vivo de Gal Costa em “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor”, em 1971, tido com um dos shows mais importantes da música brasileira.

Sim, você tem razão, porque Vapor Barato é um hino. É uma história que entrou na vida de muita gente lá nos anos 1970 com a interpretação 'Fa-Tal' da Gal e é uma canção que volta sempre. Vapor Barato está sempre voltando. Voltou nos anos 1990, no filme do Walter Salles ('Terra Estrangeira'), depois voltou na gravação do Rappa, depois com o Zeca Baleiro. Engraçado que toda hora tem alguém fazendo contato comigo por causa de Vapor Barato, querendo Vapor Barato na trilha sonora disso e daquilo. O que é muito bom. Só posso comemorar, porque também sempre gostei muito de Vapor Barato”.







Para encerrar a entrevista, voltamos ao primeiro disco, “Só Morto”, lançamento recente do Selo Discobertas. “Este CD foi outra grande surpresa. Mas olha o que falei no começo da nossa conversa: aí já é o novo Jards (risos). Foi um presente da melhor qualidade para o novo Jards, uma homenagem bacana que recebi de presente de aniversário de 70 anos do Marcelo Fróes, que é um cara muito especial, um pesquisador e produtor como poucos, pouquíssimos”.

O disco de 1970 tinha quatro músicas: “Soluços”, dele próprio, e “O Crime”, parceria com Capinam, no Lado A. No Lado B, “Só Morto / Burning Night” e “Sem Essa”, duas parcerias de Jards e Duda (Carlos Eduardo Machado). “O Marcelo Fróes me procurou e disse que tinha encontrado as outras gravações, todas elas inéditas em CD. Fiquei animado com o projeto e, depois, quando recebi o CD pronto, tão bem cuidado, tão profissional, foi só felicidade”.







Só Morto” saiu com as quatro faixas como compacto duplo em 1970. Agora, tem como acréscimo 10 canções que foram gravadas ao vivo em shows realizados entre 1970 e 1973, com Jards Macalé acompanhado do Grupo Soma, um dos mais conceituados do “rock brasilis” na década de 1970. As quatro canções do primeiro Jards não ganharam sucesso popular, mas a importância daquele compacto duplo é sempre destacada pelos fãs e pelos pesquisadores da música brasileira, ainda que o disco permanecesse uma raridade, conhecido apenas por uns poucos colecionadores.

Jards, no comando dos arranjos, no violão e nos vocais, é sempre uma surpresa: tom personalíssimo, grave, experimental e crítico, por vezes gritado, por vezes irônico, festivo, ritmado. Na primeira metade da década de 1970, Jards contava com o auxílio luxuoso do Soma, formado por Ricardo Peixoto (guitarra), Jaime Shields (guitarra), Bruno Henry (baixo) e Alírio Lima (bateria), além da presença muito especial de Zé Rodrix no piano e no órgão.



Música com atitude



Completam a trilha de “Só Morto”, além das quatro canções originais, uma lista de pérolas da MPB que inclui versões para “Gothan City” (de Jards e Capinam), “Só Morto / Burning Night” (Jards e Duda), “Let's Play That” (Jards e Torquato Neto), “Poema da Rosa” (Jards e Augusto Boal), “Orora Analfabeta” (Belizário Gomes e Waldeck Macedo) e mais três parcerias da dupla de “Vapor Barato”, Jards e Wally Salomão, em “Revendo Amigos”, “Anjo Exterminado” e “Rua Real Grandeza”.

 



O novo Jards, tanto quanto o antigo, é falante, provocador, imprevisível. Faz reverência aos amigos e às parcerias, em especial a Wally Salomão, morto aos 60 anos, em 2003. “Wally é uma pessoa importantíssima para mim e para o Brasil. Grande poeta, grande pensador, grande na música e na atitude. Faz muita falta sua inspiração, sua conversa franca”. Antes de concluir a entrevista, arrisco um desafio: muitos se referem a você como “maldito da MPB”, ou “marginal”, ou “pós-tropicalista”, mas qual é a melhor definição para a música de Jards Macalé?

Ele faz uma pausa e diz que para responder terá que recorrer a duas figuras geniais, segundo ele duas das personalidades mais brilhantes com as quais teve a sorte do convívio: Hélio Oiticica e João Gilberto. “Veja bem... (risos). Vou responder sua pergunta, José, com frases famosas dos mestres Oiticica e João Gilberto. Oiticica dizia: minha arte é música, a arte que faço é música. E o João Gilberto, quando faziam perguntas difíceis sobre a Bossa Nova, respondia: Bossa Nova não existe, o que existe é samba. Então, agora eu digo a você: minha vida é música, mas o que eu faço é samba”. Só quando concluímos a entrevista é que percebo que falamos durante quase duas horas. Agora, enquanto termino a redação da matéria, penso na sábia definição do artista por ele mesmo e acrescento: sim, é samba. Da melhor qualidade.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O novo Jards. In: Blog Semióticas, 25 de abril de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/04/o-novo-jards_8633.html (acessado em .../.../...).



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1 de abril de 2013

Aventuras da percepção

 





Ut quod ali cibus est aliis fuat acre venenum.

(O que é alimento para alguns, é amargo veneno para outros – In:
"De Rerum Natura"Titus Lucretius Carus, século 1° antes de Cristo).



Enquanto os brasileiros acompanham sucessivas ameaças de retrocessos nas questões dos Direitos Civis e das liberdades individuais, com propostas anacrônicas de legislações para internação compulsória e endurecimento da repressão ao uso de psicoativos, em muitos países a discussão avança não só na descriminalização, mas também na abrangência em questões de saúde, educação e – por que não? – arte e cultura. A produção de artistas sob a influência das drogas é o que propõe uma corajosa e oportuna exposição apresentada na Maison Rouge, um dos nobres endereços de referência em Paris sobre artes plásticas e design.

Sous Influences – Arts plastiques et produits psychotropes” (Sob influência – artes plásticas e psicotrópicos) reuniu um acervo extenso e diversificado de 250 obras-primas de 90 artistas de vários estilos, várias épocas e vários países, incluindo trabalhos do brasileiro Hélio Oiticica. Todas as obras selecionadas para a mostra, de algum modo, estão ligadas aos efeitos de substâncias psicoativas e a maioria delas vem com a indicação “criada pelo artista em estados alternativos de consciência”. Como se pode prever, cada artista em cada criação apresentada tenta capturar sensações ou até mesmo alucinações provocadas pelas mais variadas experiências nas aventuras da percepção.










Aventuras da percepção: no alto da página,
Cogumelo venenoso fluorescente, instalação
e fotografia de 2004 de Carsten Höller, obra
que abre o catálogo da exposição apresentada
na Maison Rouge, em Paris. Acima, 
Trip triptych (1983), uma homenagem
do alemão Ralf Winkler ao outsider e
artista do grafite Jean-Michel Basquiat.

Abaixo, Basquiat em Nova York, em 1982,
com Annina Nosei, que foi sua primeira
agente; Dos cabezas, Andy Warhol e
Basquiat em pintura de 1982 de Basquiat;
e Basquiat em ação na Factory de
Andy Warhol, em Nova York, fotografado
em 1985 por Lizzie Himmel em 1983
por Lee Jaffe. Também abaixo, visitante
observa uma pintura de Basquiat sem
título, identificada como Pecho/Oreja


















Desde o início dos tempos, desde o alvorecer da civilização humana, os artistas sempre encontraram pelo caminho substâncias psicoativas em plantas, fungos, maceração e bebidas as mais variadas, que levaram a passagens místicas, à iluminação, mas também provocaram confusão, intoxicação, morte” – explica Antoine Perpère, curador da exposição na Maison Rouge e coordenador de um centro de atendimento a dependentes químicos em Paris.

No texto em que apresenta a exposição, Perpère repete um célebre enunciado – “a diferença entre remédio e veneno é a dose” – atribuído desde a Idade Média ao místico Paracelso (1493–1541), um dos fundadores da Farmacologia, mas também poderia lembrar grandes poetas e pensadores dos últimos séculos como Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Sigmund Freud, Walter Benjamin, Dylan Thomas, Aldoux Huxley, Allen Ginsberg, William Burroughs, Timothy Leary, Michel Foucault e Jim Morrison, entre outros que dedicaram a experiências com embriaguez, alucinógenos, e outros estados alterados de consciência, escritos preciosos, alguns deles destacados entre os documentos em exposição.





 








Aventuras da percepção:  acima,
entrada principal da Maison Rouge, em
Paris, com instalações multicoloridas,
ópio no aroma do incenso e sensações
lisérgicas provocadas por peças exclusivas
de design e pelas obras da exposição
Sob influência. Acima, três cartazes em
homenagem a Timothy Leary, um dos
mentores do LSD, com arte do músico e
performer multimídia francês Jaïs Elalouf.
Abaixo, Sans titre, escultura em tubos de
PVC de 2007 de Vincent Mauger




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Psicofármacos e êxtase, pesquisa estética



"Os artistas, que sempre permanecem em busca de novas formas de criação, de transgressões, de estímulos, de caminhos para a imaginação, nunca estiveram alheios à descoberta dos efeitos das mais variadas experiências, inclusive a transgressão das drogas", reconhece Perpère. Para ressaltar os fundamentos da exposição, ele alerta sobre um necessário juízo de valor, uma vez que a proposta da curadoria foi traduzir, transcrever e documentar determinadas experiências de artistas a partir de substâncias psicotrópicas, antigas e novas, na tentativa de permitir que cada indivíduo perceba a complexidade constante de seus efeitos.

O artista não é um drogado como qualquer outro porque o artista tem a preocupação de traduzir e transmitir o que vivenciou ao estar sob aquela influência", afirma o curador. Perpère enumera algumas questões conceituais sobre o “corpus”, antes de concluir a breve apresentação com um alerta: segundo o curador, a exposição, inédita e ousada, não tem por objetivo fazer julgamentos morais e muito menos apologia das drogas, mas sim buscar a reflexão e um melhor entendimento sobre as conexões entre processos criativos e o uso instrumental de substâncias psicoativas.

Entre os artistas reunidos em “Sous Influences” estão desde expoentes das vanguardas do começo do século 20, como Francis Picabia, Antonin Artaud e Jean Cocteau, até nomes contemporâneos como o grafiteiro e pintor Jean-Michel Basquiat, o cineasta Larry Clark, os fotógrafos Nan Goldin e Irving Penn, o pioneiro da arte multimídia Nam June Paik e também seu discípulo Takashi Marakami, entre outros, além de Damien Hirst, o multimilionário e supervalorizado inventor de instalações bizarras e polêmicas que ganharam a mídia na última década – com suas esculturas hiperrealistas de casais em mirabolâncias sexuais e urnas de vidro transparente com tubarões, vacas e ovelhas reais flutuando em formol.













Aventuras da percepção: no alto,
L'Aspirine c'est le champagne du matin,
instalação criada em 2009 em lâmpadas de
LED e alumínio pela francesa Jeanne
Suspuglas. Acima e abaixo, Dots Obsession
(Infinity Mirrored Room), 1998 
(Obsessão pelas bolinhas no infinito
quarto espelhado), instalação psicodélica
com espelhos, luzes e formas infláveis de
plástico flutuantes que simulam o infinito,
uma criação da arquiteta e artista plástica
japonesa Yayoi Kusama








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Nesta exposição em Paris, Hirst surpreende mais uma vez com uma obra inédita, cifrada e complexa, simples apenas na aparência: batizada de “A Última Ceia”, pode ser descrita como uma série de serigrafias emuldoradas e dependuradas em uma parede. O que Damien Hirst faz é substituir as figuras de Jesus Cristo e seus 12 apóstolos por embalagens de remédios, cujos nomes foram trocadas por marcas de alimentos típicos da Inglaterra, como batatas, tomates, salsicha e feijão. Com isso, põe em destaque a denúncia sobre o peso que medicamentos controlados têm na vida cotidiana de milhões e milhões de pessoas.



Oiticica: anarquista, concretista, tropicalista



Mas Damien Hirst não é o maior destaque nem o mais ousado entre os artistas reunidos na exposição pioneira em Paris. Um dos que roubaram a cena e provocaram sensação na imprensa internacional, na abertura da exposição, foi o brasileiro Hélio Oiticica (1937–1980) , único latino-americano selecionado para a mostra. Apontado como “anarquista e atualíssimo” pela curadoria, pioneiro da Arte Concreta, do Neo-Concretismo e do Tropicalismo, iconoclasta e teórico, Oiticica está presente em “Sous Influences” com uma de suas intervenções incendiárias e incomuns nas proposições de suporte: a obra “Quasi-Cinema 02.CC5”, desenvolvida em 1973 para a série “Cosmococa”.











    Aventuras da percepção: no alto,
    Last Supper (2013), a “ última ceia”
    em instalação com serigrafias de
    Damien Hirst, que substituiu as
    imagens de Cristo e seus 12
    apóstolos por embalagens de
    remédios com nomes de marcas
    de alimentos típicos da Inglaterra.
    Acima, o brasileiro Hélio Oiticica no
    ateliê, no Rio de Janeiro, e a imagem
    de Jimi Hendrix na incendiária
    Quasi-Cinema 02.CC5, instalação
    que Oiticica desenvolveu em 1973
    para a série Cosmococa, agora em
    destaque na mostra da Maison Rouge.

    Abaixo, duas fotografias selecionadas de
    1998 de Michel François, "Petite fille
    et boteille"  e "L. a la datura"; três grafites
    de Ernest Pignon fotografados nas ruas de
    Paris em homenagem a Arthur Rimbaud;
    e um breve registro em vídeo sobre
    as obras e instalações da exposição


      

     
















Hélio Oiticica, sempre lembrado por seus “Parangolés”, alegorias pontuadas de enigmas para vestir, questionador e indiferente a estilos e modismos, traduz o universo e a mística das drogas ilícitas através da distorção sobre uma imagem conhecida de um dos heróis da era do rock. Em direções opostas das previsíveis variações cromáticas chapadas de seu contemporâneo Andy Warhol, com quem conviveu durante vários períodos em Nova York, na década de 1970 – a intervenção de Oiticica questiona não a percepção das cores, mas o sentido das coisas: sua instalação fica em cima de uma mesa tradicional de madeira que tem, sobre os traços do rosto de Jimi Hendrix, linhas de pó branco, utilizando a capa do disco “War Heroes” como bandeja e, sob a capa, uma folha de papel alumínio.

Warhol, aliás, é uma das ausências sensíveis em “Sous Influences” – lembrado apenas indiretamente por citações ou por obras de seus pupilos e discípulos selecionados, certamente deixado de fora por conta das dificuldades burocráticas para a exibição de suas obras originais ou de réplicas em suportes variados. Mesmo considerando uma ou outra ausência sensível pelas afinidades do tema abordado, pelo que se vê nas imagens de divulgação e no “dossiê de imprensa” (veja links para visita virtual à mostra na Maison Rouge no final deste artigo), a curadoria teve o cuidado de reservar detalhes que podem levar o visitante à imersão em uma autêntica experiência psicodélica, com ambientes que aguçam por contraste todos os sentidos, em roteiros com iluminação surpreendente, pontuados de belas e estranhas imagens, acordes de música suave, ruídos intrigantes e até aromas simultâneos.








    Aventuras da percepção: no alto,
    pílulas e comprimidos diversos,
    agulhas, fragmentos de radiografias,
    acrílico e resina sobre madeira na
    instalação Gravity's Rainbow Small
    (Arco-íris de pequena gravidade),
    trabalho de 1998 do norte-americano
    Fred Tomaselli. Acima, artista islandês
    Erró, colaborador de Björk, compara
    seringa usada por viciados a arma
    poderosa em Dáileog 2013 (Uma dose),
    painel de 1,70cm de altura em diversas
    técnicas, inspirado em personagens e
    design de histórias em quadrinhos.

    Abaixo, Autorretratos: o primeiro de
    Antonin Artaud, ator, dramaturgo, poeta,
    escritor, artista plástico, anarquista e
    dissidente do movimento surrealista,
    com obra em giz e carvão sobre papel,
    de 1947; o segundo, pintura
    em óleo sobre tela de 1939 do polonês
    Stanislaw Ignacy Witkiewicz, também
    dramaturgo, romancista, pintor,
    fotógrafo, filósofo da arte e antropólogo,
    que foi oficial do Exército Russo durante
    Primeira Guerra Mundial. Tanto Artaud
    como Witkiewicz, com suas experiência
    na arte e na literatura, traduzem e
    simbolizam os efeitos das
    drogas psicotrópicas e alucinógenas
    sobre as sensações táteis e visuais








O visitante encontra, a partir da entrada da galeria principal da Maison Rouge, decoração e objetos em cores contrastantes, espelhos estrategicamente posicionados para provocar sensações de duplicidade ou vertigem, incensos que simulam cheiro de ópio e uma instalação lisérgica em Optical Art, do artista belga Carsten Höller, nomeada como "Swinging Corridor" (Corredor flutuante), criada em 2005 e reconstruída para o espaço de acesso à exposição, que leva o observador a acreditar que as paredes estão tremendo e em ligeiros movimentos contínuos. Os relatos do público indicam o efeito alcançado: segundo a curadoria, a maioria dos entrevistados na saída da instalação diz, muito surpresa, que chegou a sentir de forma nítida os efeitos da embriaguez e de outras viagens alucinógenas.












Aventuras da percepção: presença
do fotógrafo Irving Penn na mostra
Sous Influence, com duas imagens
da série fotográfica Mégots, de 1974,
com resíduos e pontas de cigarro
e de marijuana elevados ao status
de obra de arte. No alto, Dessin sous
l’influence du haschich (1853), do
médico Jean-Martin Charcot,
que foi professor de Freud.

Abaixo, reconstituição de uma instalação
da década de 1960 do artista e cineasta
francês Daniel Pommereulle, nomeada
como Objetos de tentação, com uma mesa
de mármore cheia de drogas e objetos
usados para consumi-las







Além de obras-primas de vários momentos da História da Arte, a mostra em Paris também reúne objetos raros, como uma seleção de equipamentos utilizados através nos tempos nas práticas de Farmacologia. Nesta seção, são especialmente enigmáticos os desenhos da série a nanquim feitos “sob a influência de haxixe”, a partir de 1853, por um dos nomes de destaque no Panteão das Ciências: Jean-Martin Charcot (1825–1893), célebre médico e cientista francês, autor de importantes contribuições para o conhecimentos de diversas doenças e síndromes, pioneiro da psiquiatria e professor de alunos que se tornariam referência até nossos dias, entre eles Sigmund Freud, Joseph Babinski e James Parkinson, entre vários outros.



Cenas e imagens de impacto



Na mesma seção da exposição, há também uma grande sala com fotografias e réplicas de objetos usados para o consumo de drogas no mundo inteiro – com destaque para a instalação de equipamentos de experiências sociais realizadas no decorrer do século 20 e na atualidade em países europeus como Suíça, Dinamarca, Holanda e outros, que têm espaços autorizados e livres com infraestrutura para viciados e dependentes químicos.








    Aventuras da percepção: fotografia
    e cinema na exposição sobre arte e
    drogas da Maison Rouge, com Fix,
    de 2012 (no alto), do fotógrafo espanhol
    Alberto Garcia-Alix. A palavra “Fix”
    escrita na parede é uma gíria usada
    para “dose de droga”, normalmente
    injetada. Acima, Le Poète Exhale
     (O poeta exala), fotografia de 1959
    de Lucien Clergue que retrata
     Jean Cocteau, ativista cultural,
    cineasta, poeta, escritor, dramaturgo,
    artista plástico, diretor de teatro e ator.

    Abaixo, Jean Cocteau fotografado em
    1922 por Man Ray; um retrato de Jean Cocteau
    e Jean Marais, fotografados em 1939 por
    Cecil Beaton; e Jean Marais em
    cena de Orfeé, filme de 1950 de
    Cocteau. Viciado em ópio e álcool,
    Cocteau retratou as alterações dos sentidos
    da percepção provocadas pelos alucinógenos
    em diversos trabalhos, entre eles o célebre
    poema Ópium, de 1930, escrito e
    ilustrado “sob influência”








  



Entre tanta obra surpreendente em exposição, uma das séries mais inusitadas são os autorretratos do norte-americano Bryan Lewis Saunder, todos declaradamente criados sobre efeito de drogas – com seu uso minucioso desde 1995 de pelos menos uma substância diferente a cada dia, ou a cada autorretrato, inspirado pelas variações e misturas mais escatológicas, de molhos absurdamente picantes a álcool, chás alucinógenos, cristais de metanfetamina, maconha, ópio, haxixe, cocaína e os mais diversos medicamentos “legais”.

Viagens com anfetaminas, LSD e tudo o mais também são traduzidas por diversos outros, inclusive em autorretratos – caso das duas séries de homenagens ao lendário Timothy Leary, professor de Harvard, ícone maior dos anos 1960, um dos mentores do LSD. Leary e o LSD são inspiração para os cartazes do artista multimídia francês Jaïs Elalouf e para as pinturas surrealistas do austríaco Arnulf Rainer, “Faces Farces”, autorretratos após o artista ter passado por alucinações com misturas de ácidos. Rainer, há alguns anos, foi ele mesmo objeto de estudos por especialistas, tendo participado de um programa de pesquisa científica da Universade de Lausanne sobre os efeitos do uso de drogas como o LSD. 









    Aventuras da percepção: três imagens
    de Faces Farces, uma sequência de
    autorretratos do fotógrafo e pintor
    austríaco Arnulf Rainer, todos feitos
    sob influência, depois de alucinações
    provocadas por experiências com LSD.
     Abaixo, uma serigrafia da série de 1987
    American Express, do artista francês
    Raymond Hains, que reconstituiu imagens
    para demonstrar o efeito de distorções da
    visão após o consumo de LSD e ácidos





O efeito infinito



Experiências com ácidos, anfetaminas e alucinógenos também fornecem o ambiente e a pesquisa de materiais e formas para a arquiteta e designer japonesa Yayoi Kusama. A partir de suas próprias viagens, registradas em um “diário eletrônico”, Yayoi Kusama deu início às pinturas e desenhos minimalistas que se repetem na estamparia que cobre suas instalações de labirintos – cenários onde o visitante pode penetrar e que parecem saídos de um parque de diversões do futuro, com luzes, espelhos e estruturas psicodélicas que simulam o infinito.

Entre as fotografias, há muitas imagens fortes – mas as de maior impacto por certo vem de Larry Clark, conhecido no mundo inteiro desde o cruel e realista “Kids” (1995), que mostra em tom de documentário o cotidiano de adolescentes às voltas com skates, Aids e todo tipo de uso diversional de drogas. Na exposição, Larry Clark apresenta uma série documental em sépia e preto e branco sobre viciados e suas práticas nos Estados Unidos – entre eles uma grávida injetando heroína.

O visitante também tem à disposição muitos filmes e peças de videoarte exibidos em grandes telões de alta definição. “Filmes e vídeos em suportes variados desempenham um papel especialmente importante nesta exposição”, explica Antoine Perpère, lembrando que só através do registro audiovisual é possível reconstituir experiências efêmeras e em alguns casos transcendentais, místicas, como as performances de Isadora Duncan, Artaud, o cinema poético e surrealista de Jean Cocteau, as performances contemporâneas de criação coletiva. 











     

     Aventuras da percepção: acima, três

    autorretratos em técnicas diversas pelo

    norte-americano Bryan Lewis Saunders,

    que desde 1995 realiza pelo menos um

    autorretrato por dia depois de fazer

    “experiências” com os mais diversos tipos

    de drogas e medicamentos. A partir do

    alto, as telas batizadas de Marijuana;

    ½ Gramme cocaine; e Nature.

    Abaixo, Morphine








Nas palavras do curador, o potencial do audiovisual surge como uma atualização das experiências ancestrais do Shaman – o curandeiro que viaja em espírito a outra dimensão e retorna para contar o que aprendeu para seus pares na tribo. No caso dos registros em exposição, filmes e peças em videoarte parecem permitir um melhor entendimento sobre a própria produção em artes plásticas, especialmente nos casos selecionados, em que se pode acompanhar desde tentativas iniciais de criação e transcrição pelo artista até a possibilidade de reconstituir, a partir da obra final. os processos de determinadas intuições ou percepções.

Antoine Perpère também alerta sobre a urgência da sociedade discutir a questão do uso diversional e medicinal de substâncias atualmente consideradas drogas lícitas ou ilícitas. “O que posso dizer é que tudo indica que guerra às drogas não funciona. Sou a favor da descriminalização do uso de drogas”, reconhece o curador. Seu argumento principal: na História da Civilização, as experiências com psicoativos não têm nada de novo. Vêm de séculos e, em alguns casos, milênios. Sem contar que substâncias como café, tabaco, álcool e tantas outras, hoje consumidas normalmente em larga escala, no mundo inteiro, um dia também já foram proibidas e consideradas ilícitas.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Aventuras da percepção. In: ____. Blog Semióticas, 1° de abril de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/04/aventuras-da-percepcao.html (acessado em .../.../...).


Para uma visita virtual à exposição na Maison Rouge, clique aqui


Para baixar o "dossiê de imprensa" da exposição "Sous Influence", clique aqui.










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