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30 de outubro de 2012

Fotorreportagem desde 1839







Dizer que “a câmera não pode mentir” é simplesmente 
enfatizar as inúmeras fraudes realizadas em seu nome. 

–– Marshall McLuhan.   



Os primórdios da fotografia e da imprensa no Brasil – e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, sede da Corte no Império e primeira capital da República, entre 1839, ano da primeira patente da invenção do daguerreótipo na França, até o ano de 1900, quando a disseminação e a popularização dos processos fotográficos se firmavam como negócio altamente rentável nos centros mais desenvolvidos do território nacional – têm um documento importante com a publicação de um livro de Joaquim Marçal Ferreira de Andrade que tem como título “História da Fotorreportagem no Brasil: A fotografia na imprensa do Rio de de Janeiro de 1839 a 1900”. 

Menos que uma celebração ao processo técnico que provocou revoluções na história da imprensa e na vida social e cotidiana dos indivíduos e das populações desde seu surgimento, e muito mais que um mero relatório de pesquisas sobre eventos, imagens, nomes e datas do Oitocentos relacionadas à fotografia e à invenção da fotorreportagem, o livro de Joaquim Marçal, em publicação conjunta das editoras Elsevier, Campus e Biblioteca Nacional, alcança relações historiográficas que vão além do que outras pesquisas e publicações sobre o tema já revelaram. O autor acompanha a trajetória do jornalismo, da publicidade, das artes gráficas e dos diversos processos do design que envolvem a criação e impressão de imagens, apontando o descompasso de longa data entre a imprensa no Brasil em comparação com países mais avançados.

A edição do livro coincidiu com o reconhecimento do trabalho do pesquisador, com o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco, através do programa Memória do Mundo, ao objeto de pesquisa a que Marçal há décadas tem dedicação: a Coleção Teresa Cristina Maria, um espólio reunindo um acervo valioso de mais de 2.500 imagens dos maiores fotógrafos que atuavam no Brasil no século 19 – como Marc Ferrez, Revert Henry Klumb, Augusto Stahl, Alberto Henschel, Georges Leuzinger, Juan Gutiérrez e Augusto Malta, entre outros. A coleção foi doada pelo imperador Dom Pedro 2° à Biblioteca Nacional antes de embarcar para a Europa, em 1889, forçado pela instauração da República pelos militares.









Fotorreportagem desde 1839: no alto
e acima, tropas armadas do Brasil no
campo de batalha e nas trincheiras, depois
da tomada da cidade de Paysandú, no
Uruguai, durante a Guerra do Paraguai,
em algumas das primeiras fotografias transcritas
em xilogravuras e publicadas na revista
Semana Illustrada. Abaixo, uma gravura de
Heinrich Fleiuss retrata brasileiros e uruguaios
invadindo a cidade de Paysandú; e o imperador
Dom Pedro 2° em Uruguaiana, no
Rio Grande do Sul, em fotografia de 1865
de Luiz Terragno. Sobre os registros
publicados na imprensa brasileira durante
a Guerra do Paraguai, veja também 
Semióticas: A batalha de papel 















A honraria de Memória do Mundo, antes concedida pela Unesco apenas a relíquias como a Bíblia de Johann Gutenberg, surpreendeu Joaquim Marçal, que soube da notícia pela TV, enquanto assistia ao Jornal Nacional da TV Globo. Fiz uma longa entrevista com ele para um jornal de Belo Horizonte, pelo telefone, à época do lançamento do livro. A notícia de que temos em comum a mesma dedicação de pesquisa estabeleceu de imediato entusiasmo e empatia em nossa conversa sobre a história da fotografia no Brasil e o estado atual da pesquisa e conservação dos acervos.

Marçal destaca, na entrevista, que além do status de valorização internacional pelo tombamento pela Unesco do conjunto documental da coleção do imperador, sua expectativa é que o título de Memória do Mundo possa garantir recursos para a pesquisa e digitalização do grande volume de material iconográfico da Biblioteca Nacional e, por extensão, de outros acervos fotográficos importantes do Brasil que ainda permanecem pouco conhecidos. “A fotografia brasileira do século 19 é tão rica quanto desconhecida”, avalia. 









Imagens de guerra: ilustração publicada em
1867 na Semana Illustrada e daguerreótipo
anônimo que registra vários corpos de
soldados paraguaios amontoados
depois da batalha de Humaitá. Abaixo,
uma tropa brasileira com o Conde D'Eu
e seu estado maior, nas proximidades da
cidade de Lambaré, no Paraguai, em
registro de um fotógrafo anônimo em 1868









Acervo de raridades



Joaquim Marçal é o que se pode chamar, de fato, de especialista na trajetória da fotografia no Brasil, reunindo um currículo profissional que inclui atividades como fotógrafo, designer, chefia da divisão de iconografia da Fundação Biblioteca Nacional, título de mestrado em Design, doutorado em História Social e docência na PUC do Rio de Janeiro. “História da Fotorreportagem no Brasil” reúne, na verdade, a quase totalidade da dissertação de mestrado que Marçal apresentou na PUC-Rio, em 2002. Já no trabalho de doutorado, retorna ao Oitocentos com uma investigação sobre imagens fotográficas da Guerra do Paraguai, tendo como orientadores dois intelectuais destacados: Celeste Zenha e José Murilo de Carvalho.

Um dos grandes destaques do livro de Joaquim Marçal é exatamente seu fôlego exploratório para localizar as primeiras imagens, tanto as ilustrações como as fotografias, registradas na imprensa brasileira. O autor destaca que o grande marco, na trajetória das artes gráficas e da imprensa no Brasil, é o aparecimento e o aperfeiçoamento das técnicas de reprodução de ilustrações e fotografias em jornais e revistas que acontece durante a Guerra do Paraguai, o maior e mais sangrento conflito armado da América do Sul.






Ilustrações e fotografias que retratavam o confronto e a união de Brasil, Argentina e Uruguai (cujas tropas militares, em ação conjunta, marcharam contra o vizinho Paraguai, tornando aquele país terra arrasada), eram artigo muito popular e disputado como fetiche no período da guerra, que se estendeu de dezembro de 1864 a março de 1870, e também nos anos e décadas seguintes.

A derrota também marcaria uma reviravolta decisiva na história do Paraguai, transformando completamente o país, que passou de única República das Américas sem nenhum analfabeto para um dos países mais atrasados do continente. O Paraguai também sofreria decréscimo populacional, ocupação militar por mais de dez anos, pagamento de pesada indenização de guerra (que, no caso do Brasil, teve o pagamento estendido até a Segunda Guerra Mundial) e perda de 40% de seu território para Brasil e Argentina.










Guerra do Paraguai e os primeiros registros
em fotojornalismo no Brasil: na imagem do
alto, Rendição de Uruguaiana, recriação
patriótica do campo de batalha em litografia
de Pedro Américo. Acima, os prisioneiros
paraguaios, a maioria formada por índios
muito jovens, descalços e maltrapilhos que
foram transformada em escravos depois
do fim das batalhas. Abaixo, a igreja central
de Paysandú, no Paraguai, completamente
destruída depois da batalha, em fotografia
anônima de 1865. Também abaixo, cenas do
campo de batalha: o Conde D'Eu (com
a mão na cintura) visita as tropas durante
a guerra, e um raro momento de
descontração dos soldados aliados
em foto no acampamento militar










Uma das primeiras fotografias transcritas em xilogravura aparece nas páginas da “Semana Illustrada”, publicada no Rio de Janeiro, sede do Império e posteriormente capital da República. A legenda identifica a imagem, que retrata tropas brasileiras durante a Guerra do Paraguai: “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça, fotografadas ao natural e obsequiosamente oferecidas à Semana Illustrada pelo Ilm. e Exm. Srn. Vianna de Lima”.

Outro dos muitos destaques pelo que trazem de avanços para a historiografia, com importância especial para a história de Minas Gerais, é a identificação pelo autor do livro "História da Fotorreportagem no Brasil" da primeira fotografia produzida em território mineiro, realizada por um fotógrafo anônimo em Ouro Preto, então Vila Rica, possivelmente no começo de 1865, e ofertada como presente ao imperador Dom Pedro 2°.

Trata-se de uma vista panorâmica, como se dizia na época, da atual Praça Tiradentes, enquadrando as tropas em alinhamento militar que ocupavam o largo da praça antes de seguir viagem para os campos de batalha na Guerra do Paraguai. A legenda: “Vista da Praça de Vila Rica no dia da partida da 1ª expedição de Minas para Mato Grosso. Oferecida a Sua Majestade Imperial e Senhor Dom Pedro por seu súdito Antônio de Assis Martins”. 







 
Como identificar, entretanto, data e autoria, quando não há registro verbal? No caso da foto das tropas em Ouro Preto, o enigma se desfaz com a comparação da publicação de uma minuciosa recriação em cópia litográfica quase literal da mesma fotografia pela “Semana Illustrada” em julho de 1865, creditada a Henrique Fleiuss, mestre de ofício e entusiasta da novidade da “fotorreportagem” que ele ajudava a instaurar na imprensa brasileira.



Coleção do Imperador



Outros casos de razoável fidelidade das cópias litografias ou em xilogravura, em relação ao original fotográfico, que surgem em diversas publicações do período, são destacadas por Joaquim Marçal, que enumera análises, registros e uma profusão de gravuras, cartuns, mapas e fotografias que surgem em periódicos como “Ilustração do Brasil”, “O Besouro”, “A Cigarra”, “O Mercúrio”, “O Mosquito”, “A Comédia Social”, “A Vida Fluminense”, “O Torniquete” e “O Mequetrefe”, entre muitos outros – com o mérito adicional de abordar não apenas o Rio de Janeiro, estendendo a abrangência a questões nacionais e internacionais do período, no que se refere à reprodução técnica, à economia e à socialibidade em geral.

Tenho a pesquisa como missão”, reconhece Joaquim Marçal. A vocação ele atribui a questões de família, especialmente a influência do trabalho de seu pai, o escritor Olímpio de Souza Andrade. Pesquisador destacado em seu tempo e especialista na vida e obra de Euclides da Cunha, o pai de Joaquim Marçal também recebeu um prêmio importante da Unesco, no final da década de 1950, e chegou a ter seu trabalho publicado na célebre Coleção Brasiliana.









Viagens da Família Imperial do Brasil:
no alto, Dom Pedro 2° e família fotografados
no Vale das Pirâmides, Egito, em 1871.
Acima, Ouro Preto, antiga Vila Rica, em
daguerreótipo datado de 1881 de autoria
atribuída ao Imperador Pedro 2°. Abaixo,
capas de duas publicações pioneiras na
imprensa brasileira: a revista Semana Illustrada,
de Henrique Fleuiss, que circulou de 1860 a 1876;
e a Revista Illustrada, de Angelo Agostini, que
circulou de 1876 a 1898. Também abaixo, 
um marco historiográfico registrado pelo
autor do livro, Joaquim Marçal, com a
identificação da primeira fotografia feita
em território das Minas Gerais: uma vista
panorâmica por um fotógrafo anônimo da
praça central (atualmente Praça Tiradentes)
em Ouro Preto, então Vila Rica, registrada
possivelmente em 1865, com uma
legenda em dedicatória para
o imperador Dom Pedro 2°









Nos últimos anos, Joaquim Marçal também foi destaque na mídia por conta da curadoria que realizou em diversas exposições sobre fotografias do século 19, entre elas “De Volta à Luz”, “A Coleção do Imperador Dom Pedro 2°” e “Fotografia Brasileira e Estrangeira no Século 19”, apresentadas em São Paulo e no Rio de Janeiro e no exterior, em Buenos Aires, na Argentina, no Porto e em Lisboa, em Portugal. Uma amostra da qualidade de seu trabalho está refletida na publicação sobre a história da fotorreportagem no Brasil.

Registro de pesquisas que alcança dos primórdios da imprensa e das artes gráficas no Brasil aos avanços alavancados pelas nos técnicas da fotografia, nas décadas de 1880 e 1890, no livro Marçal enumera eventos e periódicos para destacar pioneiros esquecidos, reconhecendo o mérito de profissionais que fizeram nossos primeiros jornais e revistas ilustradas. Entre tantos pioneiros, alguns poucos surgem como exceção pelo reconhecimento que tiveram em seu tempo e no século seguinte.

Uma destas poucas exceções é Marc Ferrez, nome fundamental da fotografia, que obteve as mais importantes condecorações pela excelência de seu trabalho, no Brasil e em outros países, especialmente nos EUA e na França, onde suas fotos foram exibidas com destaque na Exposição Universal de 1900, em Paris. Ferrez fotografou famosos e anônimos, o trabalho escravo, os primeiros contatos com povos indígenas, festas religiosas, acontecimentos políticos e diversas paisagens, nas cidades e nos confins do Brasil, em ângulos e perspectivas que depois dele ganharam a condição de cenários de cartões postais.









As imagens, registradas em daguerreótipos e outras técnicas fotográficas por pioneiros como Marc Ferrez, eram posteriormente retocadas e redesenhadas por ilustradores para publicação nos principais jornais e revistas. Para o leitor significava um novo mundo aquela possibilidade, até então inédita, de visualizar as imagens impressas e relacionadas aos fatos narrados – ainda que, na realidade brasileira, somente a partir do começo do século 20 as técnicas de impressão, com o uso do clichê como matriz, garantiriam uma impressão de melhor qualidade e em cores.

Diante das lacunas intermináveis de nossa história cultural – e considerando o novo perigo virtual que representa, em sites e blogs, uma impressionante profusão repetida de plágios para informações equivocadas e atribuições errôneas – o autor permite, através deste “História da Fotorreportagem no Brasil”, o acesso e livre trânsito a lições preciosas e trajetórias contextualizadas para professores, estudantes, pesquisadores e profissionais de diversas áreas, considerando o complexo e ainda nebuloso universo que as possibilidades da fotografia e da imprensa ilustrada vêm inaugurar em território brasileiro, a partir de meados de 1800.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotorreportagem desde 1839. In: Blog Semióticas, 30 de outubro de 2012. Disponível em http://semioticas1.blogspot.com/2012/10/fotorreportagem-desde-1839.html (acessado em .../.../...).



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Cenas do Brasil Antigo: Augusto Riedel 
registrou, em 1865, a reunião quinzenal dos
escravos e funcionários nas minas de ouro
em Morro Velho, região de Nova Lima,
Minas Gerais (no alto). Acima, fotografia
de Marc Ferrez registra escravos em uma
fazenda de café na Serra da Mantiqueira,
Minas Gerais, em 1885; e a sessão de votação
da Lei Áurea, em maio de 1888, que
extinguiu a escravidão no Brasil








14 de julho de 2011

A batalha de papel








Na paz, os filhos enterram seus pais;
na guerra, os pais enterram seus filhos.

–– Heródoto (século 5° a.C.) 


Dizem que em tempos de guerra a primeira vítima é a verdade, mas o jornalista Mauro César Silveira põe as coisas nos seus devidos lugares em "A Batalha de Papel - A Charge como Arma na Guerra Contra o Paraguai". Confrontando as mais conhecidas opiniões apaixonadas e esmiuçando diversas versões oficiais, Silveira apresenta no livro um inventário corajoso ao abordar a infame Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual morreram pelo menos 600 mil soldados. Se é fato que a primeira vítima de uma guerra é a verdade, no livro o autor defende que, no maior conflito já registrado na América Latina (e maior empreendimento bélico da história brasileira), todos os recursos foram mobilizados pelo Segundo Império do Brasil - inclusive o humor.

"O jornalismo sempre escreve a história, direta ou indiretamente", defende Silveira, em entrevista por telefone de Santa Catarina. Gaúcho de Porto Alegre, formado em Jornalismo e com mestrado e doutorado em História, Silveira atualmente é professor de graduação e pós-graduação em Jornalismo pela UFSC. "O problema é que o pior jornalismo também produz história", lamenta. "Então, nas lacunas entre o pior e o melhor jornalismo é que estão as pistas principais para o trabalho do pesquisador", ele explica, alertando que se considera mesmo um jornalista e não um historiador.






A batalha de papel: acima, capa
do livro de Mauro César Silveira, versão
de sua tese de Mestrado. No alto, oficiais
brasileiros em 1865, durante a 
Guerra do Paraguai, em daguerreótipo
de autor desconhecido. Abaixo, um
daguerreótipo de autor anônimo registra
a tropa do coronel Joca Tavares (terceiro
sentado da esquerda para a direita) e seus
auxiliares, incluindo José Francisco Lacerda,
mais conhecido como Chico Diabo (terceiro
em pé, da esquerda para a direita). Também
abaixo, um registro de um cabo anônimo do
1° Batalhão Brasileiro de Voluntários da
Pátria em daguerreótipo anônimo datado
de 1865. As maioria das imagens reproduzidas
abaixo fazem parte da primeira edição do livro
A batalha de papel, exceto quando indicado
em daguerreótipos e em fotografias da época















"A Batalha de Papel" é uma versão revista e ampliada da tese de mestrado de Silveira, que fez carreira nos jornais "Diário de Notícias", "Zero Hora" e "Folha da Manhã", todos de Porto Alegre, e nas revistas "Veja" e "IstoÉ". Sua tese de doutorado, intitulada "A Guerra do Paraguai e as Relações Luso-Brasileiras na Década de 1860-1870" também virou livro em 2003: "Adesão Fatal - A Participação Portuguesa na Guerra do Paraguai", lançamento da Editora PUC-RS.

Especialista no assunto, Silveira alerta que o esforço do governo imperial para conquistar apoio ao envio de tropas contra o país vizinho envolveu escritores, jornalistas e até artistas plásticos, entre eles os maiores cartunistas da época. Para revelar essa faceta pouco conhecida da campanha anti-paraguaia, o jornalista mergulhou nos arquivos do Império e analisou com especial atenção as revistas ilustradas do Rio de Janeiro principal meio de informação dos 15% de brasileiros alfabetizados no Império, de acordo com nosso primeiro censo demográfico, datado de 1872.
A pesquisa exaustiva de Mauro César Silveira resultou na seleção de 202 caricaturas que fazem referência direta ao inimigo paraguaio 38 delas estão reproduzidas no livro. Produzidos no calor da luta, os desenhos expressam a imagem desdenhosa de preconceito e deboche inventada contra o Paraguai que criou raízes durante a guerra e que até hoje sobrevive na memória coletiva da maioria dos brasileiros.












Cenas da Guerra do Paraguai:
a partir do alto, ilustração do século 19
sobre os Voluntários da Pátria, seguida
por daguerreótipo que registra prisioneiros
paraguaios em 1866. Acima, detalhe
da pintura de Pedro Américo em
óleo sobre tela, A Batalha de Avahy,
datada de 1877. Abaixo, A rendição
de Uruguaiana, desenho de 1865
de Victor Meirelles; e a batalha pela
tomada da cidade de Paysandú, no
Uruguai, em dezembro de 1964, em
gravura de um artista anônimo publicada em
1865 pela revista da França Illustration



















Sucesso editorial na década de 1990, a primeira edição de "A Batalha de Papel" chegou a ter sucessivas edições pela L&PM. A nova versão, revista e ampliada, inclui textos inéditos entre eles o posfácio "A corrida inglória dos cavalos paraguaios", no qual Silveira questiona os preconceitos e as grossas e deslavadas mentiras que os caricaturistas da imprensa brasileira propagandeavam nos anos da Guerra do Paraguai e que permanecem em evidência na imprensa atual.
"Com certeza estão ali as origens do preconceito contra o povo paraguaio que perdura até hoje. O país do lado é apresentado sempre como lugar de negócios escusos, pátria de ladrões e contrabandistas, quando na verdade não era nada disso. É incontestável a importância política, social e econômica do Paraguai no contexto da época, quando era um país que se orgulhava do analfabetismo zero e que chegou a ser considerado como o único país independente no continente sul-americano", aponta Silveira. 
No livro "A Batalha de Papel", o conflito é reapresentado pelo autor trafegando em duas vias: a das batalhas reais e violentas travadas pelo exército paraguaio para resistir frente à Tríplice Aliança da parceria Argentina/Brasil/Uruguai, liderada pelos brasileiros, e a das guerrilhas de papel protagonizada pelas penas dos desenhistas a serviço da Corte de Dom Pedro II. Uma constatação se destaca: as charges contra o Paraguai vêm confirmar sem nenhuma sutileza aquela máxima sobre a verdade ser a primeira vítima em tempos de guerra.


Guerra mobilizou artistas



Muito além do impacto documental, o livro "A Batalha de Papel" pode ser tomado como uma aula de jornalismo como defende o próprio Mauro César Silveira. Apresentado como uma grande reportagem dotada de todos os ingredientes do trabalho jornalístico investigativo, emoldurado por um texto agradável que dinamiza a leitura e seduz os leitores, por mais leigos que eles sejam no assunto. Silveira questiona e analisa a intenção dos caricaturistas da Corte brasileira sobre o inimigo de guerra.

"A dura e crua verdade é que, utilizando a charge, amparada em textos-legendas e editoriais, a imprensa brasileira contribuiu vergonhosamente para a deformação completa dos fatos", destaca Silveira sobre o conflito. Na avaliação do autor, a Guerra do Paraguai alcançou a dimensão trágica do genocídio.











Cenas da Guerra do Paraguai:
acima, daguerreótipos datados de
1865 que retratam o campo de batalha
durante os violentos ataques militares às
terras paraguaias. Abaixo, o general D. Bartolomé Mitre
com suas tropas em Tuiutí, no Paraguai, em fotografia
de 1866 do Estúdio Bate & Cia. Também abaixo, uma
litografia publicada na revista Semana Illustrada 
mostra as vivandeiras, mulheres que
seguiam as tropas vendendo alimentos
para os soldados e socorrendo feridos

















Cético, inconformista e iconoclasta, o autor exercita as virtudes do jornalismo em busca de versões dissonantes e da denúncia sobre os danos do malfeito. Econômico em citações bibliográficas, recorre a diversas fontes e confronta a transcrição de documentos e depoimentos. Ele diz que foi paciente nas pesquisas: leu mais de 100 publicações da época e vasculhou bibliotecas no Brasil e no exterior, tendo em mira a determinação jornalística para reabrir as cicatrizes do passado.

Entre tantas charges e piadas violentas, Silveira diz que tem preferência por certas imagens reproduzidas no livro. "Em uma delas, de autoria do grande Angelo Agostini, o ditador Francisco Solano López é apresentado como O Nero do Século XIX, empunhando sua espada e escalando uma montanha de crânios e esqueletos. É terrível, mas muito eficiente como propaganda de guerra", destaca.














A batalha de papel. Acima, três
caricaturas pelo traço refinado de
Ângelo Agostini: 1) para Solano López;
2) para o desfile militar no Rio de Janeiro
em 1° de março de 1870, depois da
vitória na Guerra do Paraguai; e 3) para
o retorno do escravo que recebeu
alforria depois de participar das batalhas
na condição de Voluntário da Pátria.

Abaixo, daguerreótipos da época da guerra
registram soldado e oficial paraguaios
feitos prisioneiros e transformados em
escravos, depois que foram capturados no
campo de batalha; e ilustração para a 
morte de Solano Lopez, publicada
na Semana Illustrada em edição
datada de 27 março de 1870 












Silveira reconstitui com sua pesquisa uma minuciosa trajetória para destacar que os grandes artistas da época se engajaram no esforço de guerra, empenhando a arte do humor e das imagens impressas. "Era uma arte que estava bastante desenvolvida no Rio de Janeiro, em sintonia com os melhores padrões europeus. O esforço de guerra, afinal, trouxe popularidade para a recém-criada imprensa no Brasil e mobilizou a opinião do povo brasileiro em favor do conflito", completa.



Diamantina teve papel importante


O jornal "O Jequitinhonha", da cidade mineira de Diamantina, destacou-se no século 19 como uma publicação pioneira, progressista e libertária - um jornal de tendência republicana num país monarquista, que se intitulava porta-voz do Partido Liberal e um órgão de denúncia no Norte de Minas Gerais. Fundado por Joaquim Felício dos Santos e por seu cunhado Josefino Vieira Machado, o Barão de Guaicuí (o primeiro número circulou em 30 de dezembro de 1860), o jornal teve seu apogeu durante a Guerra do Paraguai, principalmente no período 1868-1869. Com o fim da guerra, assumiu a partir de 1870 uma posição radical a favor do regime republicano, sobrevivendo ainda por mais dois anos.








A trajetória pioneira e incomum do jornal de Diamantina é abordada pela jornalista e professora universitária Maria de Lourdes Reis nas páginas do livro "Imprensa em Tempo de Guerra: O jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai", que acaba de ganhar uma quinta edição revista e ampliada, lançamento das Edições Cuatiara.

O livro, que inclui uma série de fotografias e ilustrações da época, é uma versão da dissertação de Mestrado que a autora, mineira de Belo Horizonte, defendeu na PUC-RS em 2002, após a conclusão do curso de História das Sociedades Ibero Americanas - incluindo um período de quase três anos buscando subsídios em livros, revistas e jornais em bibliotecas e arquivos em Belo Horizonte, Diamantina e Rio de Janeiro.

Maria de Lourdes Reis faz questão de destacar que está muito feliz e satisfeita com o resultado do trabalho reunido no livro, mas reconhece que tanto na pesquisa como nos trabalhos para viabilizar a edição as dificuldades foram enormes, principalmente porque o acervo das edições de "O Jequitinhonha" encontra-se dividido em três instituições diferentes: Hemeroteca Pública de Minas Gerais, em Belo Horizonte; Biblioteca Antônio Torres, em Diamantina; e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.










Imagens da cidade de Diamantina no final
do século 19, em daguerreótipos de autor
desconhecido. Abaixo, fotografia de 1868
de Augusto Riedel registra moradores na
Rua Direita de Diamantina. Também abaixo,
capa da edição do livro sobre a caricatura
na história do Brasil e ilustração anônima
que retrata os líderes do Paraguai e do
 Brasil: o presidente Solano López e
imperador Dom Pedro 2°











"Posso dizer que foi fascinante trabalhar nesta pesquisa que gerou o livro 'Imprensa em Tempos de Guerra'. Principalmente porque recupera a importância que teve O Jequitinhonha. Encontra-se no amarelado silêncio de suas páginas fonte para compor um trecho da história de Minas pouco explorado", explica Maria de Lourdes, que tem outros livros publicados em gêneros diversos como poesia ("Repassagem", de 1985; "Minhas Gerais", de 1987; "Polícia Militar destas Gerais", de 1994), infantil ("Quem-Quem", de 1986; "Circo Mambembe", de 1993) e crônica ("Flor de Vidro", coletânea de autores mineiros, de 1990; "Olhos para o Mundo", de 1999).

"A metodologia usada foi o caminho sugerido pela História Nova, baseada na pesquisa em jornais e publicações de época", destaca a autora. "A leitura e a interpretação de O Jequitinhonha levam o leitor a conhecer uma nova versão da Guerra do Paraguai que é, sem dúvida, um dos capítulos mais ricos em possibilidades de análises simbólicas para o historiador", completa. Como bem destaca a autora, a verdadeira história daquela guerra terrível, como são todas as guerras, ainda está por ser escrita.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A batalha de papel. In: Blog Semióticas, 14 de julho de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/batalha-de-papel.html (acessado em … /… /…).


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