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24 de janeiro de 2024

Picasso na fotografia





A arte não tem passado nem futuro.

Tudo o que eu já fiz foi para o presente.

Pablo Picasso (1881-1973).  

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Pablo Picasso é homenageado em um dos mais importantes eventos mundiais de fotografia, o PhotoEspanha, festival anual com sede em Madri. A exposição de abertura do festival, instalada nas galerias do Fernán Gómez Centro Cultural de La Villa, reuniu um grande acervo de retratos de Picasso – talvez o nome mais importante e mais prestigiado da arte no último século, o artista que atravessou todos os estilos e todos os movimentos da Arte Moderna e se mantém como referência e influência marcante da Arte Contemporânea.

A homenagem, nomeada “Picasso na foto”, marca os 50 anos da morte do artista e traz uma seleção de imagens de suas últimas décadas de vida. Os retratos em exposição, que vêm dos arquivos do Museu Picasso de Barcelona e de coleções particulares, abordam os processos criativos e o tempo de lazer do artista – com os dois aspectos constantemente sobrepostos. São imagens que, em sua maioria, foram registradas por nomes que têm um peso incomparável na história da fotografia e do fotojornalismo, compartilhando as galerias da exposição com retratos do artista feitos por amigos e em família.

Entre os fotojornalistas que fizeram retratos de Picasso estão os maiorais do primeiro time como David Douglas Duncan, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Brassai, Man Ray, David Seymour, Lucien Clergue e Cecil Beaton, entre muitos outros. A exposição, que também inclui uma seleção de fotografias que Brigitte Baer reuniu no Catálogo Raisonné de gravuras e litografias de Picasso, depois da temporada no PhotoEspanha segue uma agenda itinerante por outros museus e galerias de diversos países, com curadoria de Emmanuel Guigon, que desde 2016 assumiu o cargo de diretor do Museu Picasso de Barcelona.






      



Exposição Picasso na Fotografia: no alto, Picasso

em foto de sua esposa Jacqueline. Acima, intervenção

de Picasso em foto do álbum de família em que ele

está à mesa com Édouard Pignon, Anna Maria Torra

e Madeleine Lacourière em outubro de 1958.


Também acima, Emmanuel Guigon, diretor do Museu

Picasso de Barcelona e curador da exposição aberta

no Festival PhotoEspanha, diante de um dos célebres

retratos de Picasso, feito por Robert Doisneau em 1952.

Abaixo, com o amigo Gustau Gili Esteve no ateliê de

Notre-Dame-de-Vie, em abril de 1969; e no encontro

com outro mestre,
Joan Miró, fotografados por

Jacqueline Picasso no ateliê em Mougins, em 1967





              




Um diário fotográfico


O acervo de retratos de Picasso no PhotoEspanha destaca especialmente os períodos de convívio do artista com três grandes fotógrafos que fizeram inúmeras visitas à intimidade de Picasso com a família e trabalhando no ateliê em Mougins, na Côte d’Azur, Sul da França, às margens do Mar Mediterrâneo. São eles o francês Lucien Clergue (1934-2014), que fez um diário fotográfico dos dias compartilhados com Picasso ao longo dos anos; o norte-americano David Douglas Duncan (1916-2018), que travou amizade com Picasso desde que se conheceram em 1956, no convívio muito próximo que se estendeu até 1962, quando Duncan publicou um célebre fotolivro sobre a intimidade do artista e seus processos criativos; e Robert Capa (1913-1954), que representa um capítulo à parte na trajetória de Picasso.

Não há como negar que os grandes fotógrafos têm papel importante na criação do mito de Picasso, mas o papel de Robert Capa foi decisivo. Os primeiros contatos entre o artista mais lendário da Arte Moderna e o mais importante fotógrafo de guerras aconteceram na década de 1930, quando Capa e sua companheira, a alemã Gerda Taro, registravam os combates da Guerra Civil Espanhola e os movimentos de resistência contra a repressão imposta pelo general Francisco Franco. Capa, que fundaria a célebre Agência Magnum em 1947, junto com Henri Cartier-Bresson, David Seymour e George Rodger, fez os contatos para a promoção de uma das obras mais importantes de Picasso, “Guernica”: foi por interferência de Capa que David Seymour fotografou Picasso em 1937 diante de sua obra monumental, assim que ela foi pintada, logo após o bombardeio genocida das tropas e aviões franquistas contra a vila espanhola.








Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

entre amigos, em foto de 1959 de Lucien Clergue,

ensaiando músicas com Paco Muñoz e o antiquário

Affrentranger em sua loja em Arles, na França;

e proseando com um motorista de táxi no

aeroporto de Nice, em foto de Lucien Clergue.


Abaixo, um visitante da exposição observa

um retrato de Picasso feito na casa do

artista em Vallouris, França, em 1952, por

Robert Doisneau; e Picasso e Jacqueline

dançando no ateliê da casa em que

viviam em Cannes, no verão de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan













Contador de histórias


Robert Capa e Cartier-Bresson também fotografaram por diversas vezes Picasso em seu quarto, no apartamento em que morava em Paris, na Rue des Grands-Augustins, e a todo vapor no ambiente de trabalho, durante a Segunda Guerra, e todos os biógrafos são unânimes em reconhecer que Capa, Cartier-Bresson e outros grandes fotógrafos ajudaram a disseminar imagens que popularizaram Pablo Picasso como um artista contador de histórias épicas, politizado e irreverente, viril, sedutor e bem-humorado, brincalhão, fumante de charuto, de bem com a vida e dândi, rudemente bonito, que se casou diversas vezes, teve quatro filhos com três mulheres e conquistou incontáveis e belas amantes – tudo contribuindo para a construção da narrativa histórica que levaria Picasso à prosperidade que outros artistas da época nunca alcançaram.

Durante e depois da Segunda Guerra, Capa compartilhava a intimidade de Picasso, e em 1948 passou uma temporada de férias no Mediterrâneo com Picasso e sua esposa da época, Françoise Gilot. Na temporada na praia com Picasso em família, Capa fazia testes com fotografias em filmes coloridos, uma novidade que ainda não estava disponível no mercado, e registrou retratos que estão entre os mais memoráveis na trajetória de Picasso, como o passeio de sombrinha na praia, com o artista descalço acompanhando sua musa (veja mais em Semióticas –Robert Capa em cores).









Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

no ateliê da casa em Cannes, em julho de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan;

e o criador diante da criatura, Guernica,

em fotografia de 1937 de David Seymour.

Abaixo, Picasso no Hotel Vaste Horizon

em Mougins, na Côte d’Azur, em 1937,

em fotografia de sua musa Dora Maar






As musas do artista


As relações de Picasso com as mulheres sempre transparecem em sua obra: todas as musas, sejam amantes, namoradas ou esposas, foram registradas em pinturas, desenhos, esculturas (veja também Semióticas – Picasso em preto e branco). É como se cada uma delas houvesse inspirado uma certa obra-prima, algumas celebrizadas em obras radicais, outras com diversas variantes para o mesmo perfil. Entre todas, talvez nenhuma tenha a importância de sua mais famosa amante, Henriette Theodora Markovitch (1907–1997), mais conhecida pelo pseudônimo de Dora Maar. Intelectual, fotógrafa, poeta e pintora, Dora Maar era francesa descendente de croatas e viveu a infância e a juventude na Argentina. Sua influência foi tão importante para Picasso que foi ela quem ajudou o artista a planejar e pintar “Guernica”, entre outras obras-primas.

Dora e Picasso ficaram juntos por 10 anos, no período em que ele oficialmente esteve casado com Olga Khoklova e depois com Marie-Thérèse Walter, que tinha 17 anos quando se conheceram. Depois do término com Picasso, Dora Maar continuou a pintar, fotografar, escrever, afastada dos amigos e trabalhando em uma rotina de reclusão, mas permaneceu sem reconhecimento até sua morte, em 1997, aos 89 anos. Em 1999, finalmente foi organizada a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, em Paris, e sua obra, inédita e surpreendente, aos poucos começou a ser valorizada.

Do primeiro casamento de Picasso, em 1918, com Olga Khoklova, bailarina nascida na Ucrânia, nasceu, em 1921, Paulo Picasso, seu primeiro filho. Em 1927, Picasso conhece Marie-Thérèse Walter, com quem teve em 1935 outra filha, Maya Picasso. A lista de musas, namoradas e amantes continuou a ganhar acréscimos, mas teve uma pausa em 1943, quando começa seu relacionamento com Françoise Gilot, que seria mãe de seus filhos Claude, nascido em 1947, e Paloma, nascida em 1949. O último casamento viria em 1961, com Jacqueline Roque, com quem Picasso viveu durante duas décadas, no período em que experimentou novas técnicas, novos materiais e novos suportes para sua arte, de 1953 até sua morte, em 8 de abril de 1973, aos 91 anos.







  


Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com sua primeira esposa, Olga Khoklova, no ano

em que se casaram, 1918. Abaixo, um desenho de

Picasso para registrar um encontro na intimidade

entre amigos em Paris, 1919: a partir da esquerda,

Jean Cocteau, Olga, Eric Satie e Clive Bell.


Abaixo, Picasso com mulheres importantes

em sua trajetória: com Marie-Thérèse Walter;

com os retratos de Dora Maar (em fotografia

de Brassaï em 1939); com Dora Maar e amigos

no ateliê em Mougins (a partir da esquerda,

Ady, Marie e Paul Cuttoli, Man Ray, Picasso

e Dora Maar), fotografados por Man Ray;

e com Françoise Gilot e Javier Vilato, seu

sobrinho, em foto de 1948 de Robert Capa















As formas apaixonadas


A lista extensa de musas e amantes de Picasso também inclui, entre as mais conhecidas, Fernande Olivier (com quem ele viveu de 1904 a 1912), Marcele Humbert (de 1912 a 1917), Lee Miller (de 1943 a 1945), Geneviéve Laporte (de 1944 a 1953) e Sylvette David (de 1954 a 1955), entre outras. O artista despertava a paixão de suas musas, e cada rompimento foi doloroso, porque ao que se sabe nenhuma delas nunca aceitou o fim do relacionamento. Os amores de Picasso e sua relação intensa com tantas musas e amantes não provocou grandes escândalos na época, mas têm gerado alguma polêmica nos últimos anos. A mais recente aconteceu em 2021, no embalo da publicidade internacional do movimento “Me Too”, contra o assédio sexual, quando professoras de história da arte e seus alunos fizeram um protesto no Museu Pablo Picasso de Barcelona, com a intenção de denunciar os relacionamentos abusivos do artista, mas sem grande repercussão.

Outras denúncias sobre comportamento abusivo na trajetória do artista e sua dominação “animalesca” sobre as mulheres com quem se relacionava são descritos por sua neta, Marina Picasso (filha de Paulo e neta de Olga Khoklova), no livro “Meu Avô, Pablo Picasso”, que desde o lançamento em 2001 foi um best-seller internacional. Marina, uma das privilegiadas herdeiras de Picasso, nasceu em 1950, em Cannes, e teve um irmão, Pablo, que cometeu suicídio aos 24 anos – segundo ela, por culpa e negligência do avô, que nunca quis dividir sua herança bilionária em vida e nunca se preocupou em dedicar sua atenção para os filhos e os netos.








Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com os filhos Claude e Paloma, no verão de 1951,

em foto de Edward Quinn.; e Picasso com Claude

em 1954, assistindo a uma tourada em Vallouris,

França, em fotografia de Jean Meunier.

Claude Picasso morreu em 2023, aos 76 anos.


Abaixo, Picasso na praia, em Cannes, 1965,

em fotografia de Lucien Clergue. No final

da página, a capa do livro de Marina Picasso,

que foi lançado em 2001, e dois retratos de

Picasso por Robert Capa: na praia, em 1948,

e fumando, na casa de Vallauris, em 1949




                 


Contradições bilionárias


No livro, Marina Picasso relata: “Minha avó Olga, humilhada, manchada, degradada por tantas traições, acabou sua vida paralisada, sem que meu avô fosse uma única vez vê-la no seu leito de angústia e de desolação. No entanto, ela tinha abandonado tudo por ele: o seu país, a carreira, os sonhos, o seu orgulho”. Olga nunca aceitou o divórcio de Picasso e, oficialmente, permaneceu casada com ele até morrer, em 1955. Criador de uma obra extensa e das mais valiosas entre todos os acervos do mundo da arte, Picasso morreu sem deixar testamento. Seus bens e obras foram divididos entre os quatro filhos em 1974, por um acordo judicial.

Em todos os sentidos, a nova exposição confirma que Picasso é um caso único. Ele trabalhou intensamente na arte, da infância à velhice, e deixou uma quantidade impressionante de obras surpreendentes, mas a amostragem das fotos que registra sua trajetória revela algo mais do que o artista em ação, em seu ateliê ou nas pausas em momentos de lazer: são imagens que traduzem a vida e as contradições de Picasso em pequenos fragmentos. Sua importância para a arte e a cultura do século 20 é inquestionável, assim como sua interminável paixão pela criação. Apesar disso, Picasso é um artista que divide opiniões e sua reputação muitas vezes precede a sua arte. Talvez por estes detalhes a exposição de sua presença marcante em décadas da história da fotografia traz mais perguntas do que respostas, mas não há como negar que sua relação com a câmera foi, antes de tudo, um veículo – uma estratégia para perpetuar sua própria autoimagem cuidadosamente construída, tão grandiosa quanto mítica.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Picasso na fotografia. In: Blog Semióticas, 24 de janeiro de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/01/picasso-na-fotografia.html (acessado em .../.../…).


 
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30 de novembro de 2012

Picasso em preto e branco







Há pessoas que transformam o sol numa simples
mancha amarela, mas também há aquelas que fazem
de uma simples mancha amarela o próprio sol...

 –  Pablo Picasso (1881-1973).   


Sobre Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, o homem que provocou algumas das grandes revoluções na História da Arte no século 20, muito já foi dito e quase tudo já foi mostrado. Quase tudo. Uma das nuances mais expressivas do artista espanhol permanecia pouco conhecida do público e nunca havia sido reunida: coube ao Museu Guggenheim de Nova York, com curadoria a cargo de Carmen Giménez, a honra de pela primeira vez reunir uma centena de obras de Picasso em que a ausência de cor – ou antes a presença de variações monocromáticas do preto ao branco, incluindo matizes do cinza – é investigada em todas as suas possibilidades.

Picasso black and white”, uma das mais ambiciosas mostras de trabalhos do mestre na última década, reúne 118 obras que só pela característica monocromática já formam uma série especialíssima entre os milhares de trabalhos que Picasso produziu. Na maioria são pinturas, mas há também esculturas, gravuras, litografias, aquarelas e desenhos. Uma dúzia das peças faz parte do acervo do próprio Guggenheim de Nova York. As demais pertencem a 30 museus e coleções particulares em diversos países, incluindo os três grandes museus dedicados exclusivamente a Picasso, em Barcelona, em Málaga e em Paris, motivo pelo qual as negociações demoraram algumas décadas.










Cinco retratos de Pablo Picassono alto,
fotografado em 1957, em close, e dançando
no seu ateliê, no Sul da França, por
David Douglas Duncan. Acima, o jovem
Picasso aos 22 anos, em 1904, em
Montmartre, Paris. Abaixo, o artista em
em um esboço de autorretrato feito em
Barcelona, em 1900, e em autorretrato em
óleo sobre tela de 1907, pintado em Paris










A exposição, que na abertura foi apontada pelo jornal “The Guardian” como o principal acontecimento das artes plásticas em 2012, fica aberta ao público em Nova York até o final de janeiro, mas também recebe visitantes on-line através do site do Museu Guggenheim (veja o link no final deste artigo). No catálogo de “Picasso black and white”, a curadora Carmen Giménez reconhece que teve dúvidas sobre o ineditismo da proposta: desde a ideia inicial, pensou que reunir trabalhos monocromáticos de um dos artistas mais geniais de todos os tempos era um projeto fascinante demais para ninguém ter tentado antes.

As dificuldades que a curadora confessa ter encontrado para reunir as obras específicas a fizeram entender que muitos antes dela, muito provavelmente, tentaram, mas não conseguiram reunir tantas obras de Picasso. "O uso do preto e branco em Picasso merece consideração à parte. Seus trabalhos em preto e branco aparecem em todas as décadas desde 1904, mas nunca teve um período só de negro ou só branco, à exceção dos desenhos e gravuras de seus três últimos anos de vida”, explica Carmen Giménez.








Obras-primas na exposição Picasso black
and white: no alto, La planchadora,
pintura em óleo sobre tela de 1904. Acima,
Hombre, mujer y niño, de 1906. Abaixo,
Picasso em frente à sua pintura de 1948,
La cocina, fotografado por Herbert List








O mais essencial



Podemos perceber que suas numerosas obras em preto e branco surgem em estudos diferentes, intercalados em séries diferentes, o que torna impossível classificá-los todos sob a mesma intenção técnica ou direcionados a um mesmo simbolismo ", completa a curadora, enumerando algumas das séries ou fases em que o preto e branco prevalecem nos questionamentos e invenções da arte de Picasso, todas com alguma peça ou estudo incluído na exposição.

Estão em “Picasso black and white” obras do período Azul, dos primeiros anos do século 20, as colagens e naturezas-mortas com letras e números por volta de 1912, o surrealismo e os elementos geométricos da década de 1920, as formas redondas a partir da década de 1930, a angústia da guerra traduzida no grande painel “Guernica” (1937), o erotismo extremado das gravuras e dos retratos de mulher, as litografias sobre as metamorfoses de um touro, as minotauromaquias, as séries de denúncia sobre o massacre militar na Guerra da Coreia em 1951, os estudos sobre interiores de inspiração espanhola, os últimos desenhos no ateliê em Mougins e outras dezenas de peças selecionadas em um acervo de milhares de obras-primas.








Obras-primas de Picasso: a partir
do alto, "El acordeonista" (1911),
óleo sobre tela em justaposição cubista;
"Hombre fumando una pipa", aquarela
de 1923; e Atelier de la Modiste”
pintura em óleo sobre tela de 1926









Carmen Giménez também cita a definição célebre de Frank Lloyd Wright, autor do impressionante projeto arquitetônico do museu, que se referiu às formas circulares do prédio e do trajeto que aguarda o visitante como um “convite para entrar no mais essencial do espírito de seu próprio interior”. Separadas da sedução das cores, tão marcantes nas fases e estilos sucessivos de Picasso, as obras monocromáticas reunidas no Guggenheim se aproximam do “espírito interior” de que falava Lloyd Wright – defende a curadora.

Despojado das cores que conduzem o olhar, Picasso explora a percepção de outras formas e estruturas. A força que emana destas obras, que não estão entre as mais conhecidas do pintor, atravessa o filtro de gradações monocromáticas e revela novos sentidos que são um convite ao mais essencial de que falava Lloyd Wright”, explica Giménez. O efeito, completa a curadora, é como se o visitante tivesse colocado óculos de cinema 3D para observar as chaves do enigma. O enigma em questão é a evolução revolucionária da arte de Picasso através da passagem do tempo. 









A face das amantes segundo
o artista genial: no alto,
"Marie-Thérèse", pintura de 1931).
Acima, "Buste de femme (Dora Maar) 3",
desenho de 1938. Abaixo, "Portrait de
femme (Françoise Gilot)", pintura
de 1946, e "Mujer sentada en un
sillón (Dora)", pintura de 1938










Retrato das paixões



O visitante recebe as boas-vindas quando encontra no saguão de entrada duas impressionantes esculturas em bronze em tamanho natural que pertencem ao Museu Reina Sofia, da Espanha: “Mujer com vaso” (1933) e “Mujer com los brazos abiertos” (1961). É a senha para uma centena de obras-primas, produzidas no período cronológico que se estende de 1904 até 1971, data dos estudos eróticos das séries “Tres figuras” e “Buste de femme”, que inclui os últimos desenhos e rascunhos inacabados do mestre.

Além da última série, produzida com o artista enfrentando problemas de saúde e visão cada vez mais debilitada, no ateliê às margens do Mediterrâneo, no sul da França, há várias outras telas conhecidas de Picasso com o título “Buste de femme”, dedicadas a retratar algumas de suas paixões. Uma das mais célebres está presente na mostra do Guggenheim: "Buste de femme (Dora Maar) 3", óleo sobre tela datado de 1938.

















No alto, Picasso em 1937, fotografado por
Dora Maar enquanto finalizava "Guernica",
sua obra máxima, em exposição permanente
no Museu Reina Sofia, em Madri. Acima, um
dos estudos para "Cabeza de caballo",
uma referência direta a "Guernica"
apresentada na exposição do Guggenheim.

Abaixo, o artista em duas fotografias de 1956:
em seu ateliê da Rue des Grands-Augustins, em
Paris, fotografado por Alexander Liberman;
e em seu ateliê em Vallauris, na Côte d'Azur,
sul da França, com a estrela Brigitte Bardot,
fotografados por Jerome Brierre para uma
reportagem da revista Life












Na cronologia da obra de Pablo Picasso, o recorte proposto pela exposição do Guggenheim alcança desde os últimos trabalhos até um dos períodos iniciais, conhecido como fase azul, quando o jovem artista pintou imagens em tons melancólicos de azul e cinza que traduziam alguma solidão, morte e abandono. Foi quando Picasso deixou seu país de origem para tentar outros voos, passando dos primeiros estudos de arte em Madri à mudança definitiva para Paris. Tempos difíceis, em que ele aceitou todo tipo de trabalho para sobreviver, mas também uma época em que conheceu um seleto grupo de amigos, também artistas e escritores, que o acompanhariam pelos anos seguintes nos bares e nos ateliês dos bairros parisienses de Montmartre e Montparnasse.

Não é por coincidência que o início da Abstração e da própria Arte Moderna têm como endereço os ateliês e bares de Montmartre e Montparnasse, em Paris, nas primeiras décadas do século 20. Ali surgiram as amizades intensas, que atravessariam décadas e que sinalizaram coordenadas importantes para a arte e a cultura no último século. É onde se encontram Braque, Pablo Picasso, André Breton, Isadora Duncan, Guillaume Apollinaire, Gertrude Stein, Ezra Pound, Paul Valéry, Erik Satie, James Joyce, Antonin Artaud, Anais Nïn, Coco Chanel, Luis Buñuel, Salvador Dalí, Federico Garcia Lorca, Max Ernst, Marcel Duchamp, Man Ray e alguns outros nomes de referência quando o assunto é Cubismo, Fauvismo, Expressionismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo e suas variantes abstratas e figurativas.

Entre tantas obras-primas de Pablo Picasso, um dos trunfos da exposição é “Las damas de honor” (1957), a maior das 44 variações produzidas pelo artista para homenagear a célebre pintura “Las Meninas” (1656), de Diego Velázquez. A tela, que Picasso pintou durante uma temporada na Califórnia, evidencia o respeito profundo do artista pelo grande nome da tradição da pintura espanhola: a austeridade cinzenta de sua “Las damas de honor” é quase uma demonstração didática das concepções da arte moderna em comparação com a maestria figurativa de Velázquez, definido por Picasso com grande reverência como “o pintor dos pintores”.








O artista sensual e suas formas
amorosas e eróticas: no alto,
Desnudo reclinado, de 1942.
Acima, El beso, pintura de 1969.

Abaixo, Le repas frugal (Saltimbanques),
gravura em zinco sobre papel-marfim
da série realizada entre 1904 e 1913







Depois da temporada de estreia no Guggenheim, a exposição “Picasso black and white” tem uma extensa agenda itinerante que vai percorrer cidades dos Estados Unidos e capitais da Europa. O primeiro ponto depois de Nova York será o Museu de Belas Artes de Houston, em fevereiro, que recentemente apresentou um aquecimento para a mostra "Black and white" ao reunir uma exposição com reproduções de retratos de Picasso feitos por alguns dos grandes fotógrafos do último século.



Contraponto fabuloso

 

Fotografia e cinema, aliás, fornecem um contraponto fabuloso para analisar a obra do autor de “Guernica”: as formas modernas da fotografia e do cinema, que ganharam o estatuto de arte no decorrer do Novecentos, passaram a primeira metade do século 20 restritos ao preto e branco – ou antes às matizes do preto, do branco e cinza, que os grandes mestres identificam como o maior dos desafios da representação pictórica.





Picasso e sua releitura moderna para uma
obra-prima de Velázquez: "Las damas de
honor", de 1957. Abaixo, "Toros", aquarela
de 1968, e "La cocina", de 1948, tela que
representa uma estranha complexidade que
surge dos elementos mais simples



Mesmo que seja impossível separar a fulgurância da cor da arte de Picasso, patente em sua alegria sensual de momentos que mudaram os rumos da História (como a “bomba” estética lançada em 1907 com “Demoiselles D'Avignon”, que definiria os rumos das vanguardas do modernismo, ou ainda o grito de protesto com "Guernica" e tantos outros trabalhos personalíssimos), a mostra “Picasso black and white” lança luzes sobre a trajetória e os avanços da arte no último século, através de um olhar generoso e sem precedentes sobre um de seus principais artífices.

Depois de encontrar tantas obras-primas impressionantes em seus traços monocromáticos, resta concluir que o gênio de Picasso muitas vezes relegou o colorido a um segundo plano. Contudo, observando melhor a grande arte que ele produziu e revolucionou, durante quase um século, tanto a cor como a ausência de cor parecem ser o que há de menos importante.


por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Picasso em preto e branco. In: Blog Semióticas, 30 de novembro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/11/picasso-em-preto-e-branco.html (acessado em .../.../...).



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