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16 de fevereiro de 2013

Poeta Leminski







saber não basta, carece corromper   
comprometer e ameaçar o que existe   

acordei bemol   
tudo estava sustenido   

sol fazia   
só não fazia sentido   

 ––  Paulo Leminski.     


Tido entre os grandes poetas brasileiros das últimas décadas, parceiro de Caetano Veloso, Haroldo de Campos, Moraes Moreira, Wally Salomão, Itamar Assumpção, entre outros, autor de um sem número de canções, mentor de atividades e produções culturais das mais diversas, hippie, ensaísta, professor, jornalista, publicitário, contista, tradutor, autor de literatura infanto-juvenil, romancista, Paulo Leminski (1944–1989) foi descoberto em agosto de 1963, na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda realizada em Belo Horizonte, que reuniu alguns dos importantes intelectuais do Brasil naquele momento, entre poetas, críticos, professores e tradutores.

Naquela época, Leminski era um judoca faixa-preta de 19 anos que escrevia versos e que tinha viajado de Curitiba a BH para participar do evento. Impressionou a todos os poetas veteranos e cabeças pensantes presentes, incluindo o organizador da Semana, Affonso Ávila (1928–2012), sua esposa, a também escritora e poeta Laís Corrêa de Araújo (1928–2006), os expoentes da Poesia Concreta, Augusto de Campos, Haroldo de Campos (1929–2003) e Décio Pignatari (1927–2012), e mais, entre outros, Luiz Costa Lima, Benedito Nunes, Roberto Pontual, Frederico Moraes.

Na memória de todos, o jovem Leminski causou a melhor impressão, cheio de novas ideias e ao mesmo tempo em total sintonia com os veteranos. Tive a sorte de entrevistar algumas vezes Affonso Ávila (veja mais em Semióticas: Máximo no mínimo), Haroldo de Campos e Décio Pignatari – e todos sempre foram unânimes em destacar aquela primeira impressão que Leminski conseguiu imprimir em todos, em 1963, e o valor que sua literatura adquiriu, com seus textos híbridos, personalíssimos, seus haikais e trocadilhos. Para Haroldo de Campos, Leminski foi o melhor poeta de sua geração – a mesma geração que tem, entre outros, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil.











Paulo Leminski: no alto, em 1986, fotografado
por Jonas Banhos. Acima, com Alice Ruiz
em 1981, no Rio de Janeiro, fotografado por
Julio Covello). Abaixo, aos 18, em duas fotos de
1963, fotografado por Julie Bozon de Campos
com Haroldo de Campos e com Pedro Xisto; e
na Serra do Rola Moça, Região Metropolitana
de Belo Horizonte, quando o jovem Leminski
viajou de Curitiba a BH para participar da
Semana de Poesia de Vanguarda.

Também abaixo, em três retratos feitos por
Jonas Banhos em 1984; e em quatro fotografias
de 1978: 1) em Curitiba, em foto de Nani Góis
com Caetano Veloso e Alice Ruiz;
2) no Rio de Janeirocom Caetano e
Moraes Moreira3) com Gilberto Gil,
também no Rio de Janeiro; e 4) com
Alice Ruiz e Rita Lee, fotografados
por Orlando Azevedo no quarto do hotel
Iguaçu Campestre, em Curitiba, no início
dos anos 1980, à espera do show que
Rita Lee apresentaria no Teatro Guaíra

































Exatos 13 anos depois daquele primeiro encontro em BH, o primeiro livro de Leminski seria lançado: “Quarenta Clics em Curitiba” (1976). Sete anos depois, no sexto livro que publicou, Caprichos & Relaxos” (1983), seu primeiro lançamento por uma grande editora, a Brasiliense, Haroldo de Campos escreveu na apresentação: Foi em 1963, na Semana de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, que Leminski nos apareceu, 18 ou 19 anos, Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô, o Senhor Bananeira”. Agora, 50 anos depois da estreia que provocou a melhor impressão nos veteranos, Leminski ganha, finalmente, um tributo de peso. Chegou às livrarias “Toda Poesia”, edição da Companhia das Letras que reúne mais de 600 poemas de sua obra escrita e publicada.



O verso sofisticado



A seleção e organização de “Toda Poesia”, a cargo de Alice Ruiz, viúva de Leminski, também poeta e sua parceira em muitos trabalhos, inclui os primeiros versos publicados por ele em sua terra natal, ainda em edição artesanal, assim como os poemas publicados em "Quarenta Clics em Curitiba" e em seus livros, que estavam fora de catálogo há décadas, e os póstumos, como “Winterverno" (2001), além de ensaios assinados por Caetano Veloso, Haroldo de Campos, Wilson Bueno, José Miguel Wisnik, Leyla Perrone-Moisés e Alice Ruiz.





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Morto em 7 de junho de 1989, em decorrência do agravamento de uma cirrose hepática, poucos meses antes de completar 45 anos, Leminski sempre preferiu escrever poemas breves, especializando-se no haicai, forma poética das mais concisas, surgida no século 16 – ligada ao Taoismo e à filosofia espiritualista dos mestres zen-budistas – e forte referência para grande parte das publicações artesanais de seus contemporâneos no final da década de 1960 e anos seguintes.

Cabe (quase) tudo nos versos sofisticados de Leminski, do mais prosaico, pessoal, cotidiano, ao erudito e o pop: seu jeito muito pessoal de composição criava mosaicos poéticos muito autênticos com brincadeiras, bom humor e ironias, trocadilhos, ditados populares, gírias e palavrões, tudo combinado de uma forma sempre surpreendente e instigante. Nos ensaios que acompanham “Toda Poesia”, Leminski é reconhecido como voz poderosa na poesia brasileira contemporânea – apontado na linhagem dos poetas-inventores, aqueles que criam novos processos ou novas formas de diálogo com a tradição.

A transição entre o erudito e o pop, passando pelo mais coloquial e pela dedicação amorosa ao haikai, com sua brevidade que oscila da reflexão filosófica à anedota, observados a posteriori aproximam Leminski dos chamados “poetas marginais” que nos anos 1970 formaram a "geração mimeógrafo", entre eles Ana Cristina César (1952–1983), Cacaso (pseudônimo de Antônio Carlos de Brito, 1944–1987), Francisco Alvim e Chacal (Ricardo Carvalho Duarte), que estiveram à margem das publicações das grandes editoras e que foram reunidos pelo célebre estudo "26 Poetas Hoje", que Heloísa Buarque de Hollanda publicou pela Editora Brasilense em 1976.

























Poeta Leminski: a partir do alto, outros


encontros com poetas de sua geração.


Com Gilberto Gil; com Wally Salomão; em

performance de capoeira com Jorge Mautner

em uma temporada no Rio de Janeiro em 1980;

e fotografado em sua casa em Curitiba, também

em 1980. Abaixo, Pàulo Leminski nas célebres

fotografias de Dico Kremer em que posou nu









 


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Tal aproximação tem provocado alguns equívocos, já que a historiografia com frequência associa a literatura – e especialmente a poesia – de Leminski à produção dos poetas marginais, à “geração mimeógrafo” dos anos 1970, apesar dele nunca ter mantido nenhum contato ou relação com o grupo que, na maioria, tinha atuação centrada no Rio de Janeiro, com sua produção artesanal de livros e folhetos impressos principalmente em mimeógrafos, sem qualquer tipo de vínculo com as editoras tradicionais, e vendidos em poucas cópias para um público restrito em shows, exposições e bares ligados ao ambiente da contracultura.



A diversidade imprevisível



Há semelhanças sim com a poesia da geração mimeógrafo e com muitos nomes de sua geração, mas as referências de Leminski são outras, de Petrônio (“Satyricon”) ao James Joyce de “Finnegans Wake”, dos beatniks norte-americanos à tríade concretista Pignatari-Haroldo-Augusto de Campos, do simbolista francês Rimbaud e do experimentalismo de Stéphane Mallarmé ao sindicalista polonês Lech Walesa (cujos vastos bigodes, à moda de Nietzsche, foram adotados por Leminski), mais Descartes, Leon Trotski, Samuel Beckett, Yukio Mishima, Matsuo Bashô, o lendário criador de haikais, Cruz e Sousa e vários outros nomes de uma galeria tão diversa quanto imprevisível. 










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Flagrantes de Paulo Leminski: a partir
do alto, 1) na praia, em 1978, em foto de
Dico Kremer; 2) em 1980, em Curitiba,
fotografado por Monica Vendramini;
3) no Festival Art Curitiba, também em
1978; 4) na Universidade Estadual de
Londrina, no início da década de 1980.

Abaixo, em 1984, no Rio de Janeiro,
com Ana Maria Magalhães, durante as
filmagens de Assaltaram a Gramática,
curta-metragem de Ana Maria Magalhães;
com Itamar Assumpção em 1988; na foto de
1986 de Jonas Banhosna caricatura que
foi inspirada na mesma foto, desenhada por
Fernando Carvall; e com sua companheira
Alice Ruiz em fotografias de Dico Kremer



 

 
 

    .



             




            




 
Entre as influências, assim como é influência para todos os “marginais” da geração de Leminski, há também o tropicalista Torquato Neto (1944–1972), além do investimento com a poesia nos mais diversos suportes e formatos, levada às ruas, praças e bares como alternativa de publicação e de resistência à censura imposta pela ditadura militar. Para Leminski e para muitos “marginais” daquele período histórico, tudo passou a ser considerado suporte para a expressão e a impressão da poesia, fosse um folheto, um guardanapo de papel, um cartão, uma camiseta, cópias em xerox, apresentações teatrais em calçadas e pontos de ônibus.

Leminski não viveu para ver a Internet e as redes sociais povoando nosso dia a dia, mas é impressionante como ele é uma personalidade presente nos domínios da World Wide Web em uma extensa variedade da produção extratextual tanto dele como sobre ele. Tem de tudo: textos, poemas, vídeos, fotos, entrevistas, músicas, performances, sem contar que Leminski é o pretenso protagonista de nada menos que seis perfis “oficiais” no Twitter e outros tantos no Facebook e no Instagram. O poeta de Curitiba também aparece em canais de vídeos no Youtube e é homenageado em centenas de sites e blogs de fãs e mais fãs. Nada mal para alguém que não conviveu com o computador e que se dizia apaixonado, perdidamente apaixonado, por uma antiga máquina de escrever.


por José Antônio Orlando. 


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Poeta Leminski. In: Blog Semióticas, 16 de fevereiro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/02/poeta-leminski.html (acessado em .../.../...).











Para visitar a lista de parcerias musicais de Leminski,  clique aqui.
















Imagens de Leminski: no alto, com
Alice Ruiz. Abaixo, em São Paulo, em
1983, fotografado por Ovidio Vieira;
em Curitiba, fotografado em casa
e no estúdio; e um verso do poeta
em grafite num muro de Curitiba



Abaixo, uma pequena amostra das pérolas de Paulo Leminski que foram reunidas na edição de Toda Poesia: 



                                                      Aqui jaz um grande poeta.

                                                     Nada deixou escrito.

                                                     Este silêncio, acredito,

                                                     são suas obras completas 

 



tão
alta
a
torre
até
seu
tombo
virou
lenda


* * *


vão é tudo
que não for prazer
repartido prazer
entre parceiros


vãs
todas as coisas que vão






eu vi o sol ao quadrado
o sol de olho saltado
multiplicado pelo sol


* * *


no campo
em casa
no palácio
está nas últimas
a última flor do lácio
cretino
beócio
palhaço
dê o último adeus
à última flor do lácio
a fogo
a laço
ninguém segura
a queda da última flor do lácio






sim
eu quis a prosa
essa deusa
só diz besteiras
fala das coisas
como se novas
não quis a prosa
apenas a ideia
uma ideia de prosa
em esperma de trova
um gozo
uma gosma
uma poesia porosa

(em “caprichos & relaxos”)


* * *


aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?

(em “distraídos venceremos”)





um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra

(em “la vie en close”)


* * *

a uma carta pluma
só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais do que bruma
uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
fosse uma sombrinha aberta
como se, ai, como se,
de quantos como se
se faz essa história
que se chama eu e você
(em “o ex-estranho”) 







 


* * *



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