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28 de junho de 2013

Arte entre guerras







Na paz, prepara-te para a guerra.

Na guerra, prepara-te para a paz.    

–– Sun Tzu, “A arte da guerra” (século 4 a.C.).      

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Tarsila do Amaral, Maria Martins e outros grandes nomes do Modernismo brasileiro, que atuaram nos movimentos de vanguarda e produziram trabalhos importantes no Brasil e em outros países, no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, são algumas das ausências notáveis da exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939” (Nova harmonia: abstração entre as guerras, 1919-1939), uma das mais amplas mostras já realizadas sobre a história da arte no período de intervalo entre a primeira e a segunda guerra mundial, em cartaz em Nova York no Guggenheim, museu reconhecido no mundo inteiro por ostentar em seu acervo uma das mais valiosas e invejáveis de todas as coleções internacionais da Arte Moderna.

Ignorados pela mostra internacional no Guggenheim Museum, Tarsila, Maria Martins e artistas como Victor Brecheret, Emiliano Di Cavalcanti, Cícero Dias, Djanira, Cândido Portinari, Iberê Camargo, Alberto da Veiga Guignard e Lasar Segall, entre outros, também marcaram presença na tradição da ruptura dos movimentos de vanguarda e da Arte Moderna no período entre guerras, e todos eles têm obras presentes no acervo do Guggenheim e de outros grandes museus de Nova York, dos Estados Unidos e de outros países, o que torna ainda mais incompreensível a ausência dos brasileiros na exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”. Em sintonia com as experiências que transcorriam na Europa, os modernistas brasileiros descobriram maneiras surpreendentes de criar uma "brasilidade" através da arte. Tarsila e Maria Martins, entre todos eles, talvez sejam os casos mais emblemáticos pela presença no centro da vanguarda europeia desde a década de 1920.

Na época da Semana de Arte Moderna, em 1922, Tarsila do Amaral (1886-1973), assim como Maria Martins (1894-1973), estavam em Paris. Maria acompanhava o segundo marido, o diplomata Carlos Martins, e na temporada em Paris estudava pintura e escultura com mestres que se tornariam, assim como ela, grandes expoentes do Surrealismo; Tarsila também estava em temporada de estudos com amigos e mentores como Constantin Brancusi, Fernand Léger, Albert Gleizes, Blaise Cendrars, Pablo Picasso, André Lhote. Assim como seus mestres, Tarsila produziria uma imaginária marcante, com influência de várias escolas das vanguardas, celebrada como referência do Modernismo, em uma trajetória em que obras como "Abaporu", óleo sobre tela de 1928, entre outras, representam autênticos manifestos e paradigmas, com conotações cubistas, dadaístas, surrealistas, em ícones do nacionalismo traduzidos nas cores e temas da vida rural e urbana brasileira (sobre Tarsila e a Geração Modernista de 1922, veja "Semióticas: Ao sol, carta é farol").












Algumas obras-primas de mestres da Arte na
América Latina: no alto, América Invertida (1943),
do uruguaio Joaquín Torres-García (1874–1949),
único latino-americano na exposição New Harmony:
Abstraction between the Wars, 1919–1939.

Acima, a brasileira Maria Martins (1894- 1973)
fotografada com suas esculturas biomórficas em
Paris, em 1939, por Man Ray, e O impossível,
a obra mais conhecida da artista. Abaixo,
Guerra e Paz (1952-1956), painel monumental
de Cândido Portinari (1903-1962) instalado
na sede da ONU, em Nova York; e a musa do
Modernismo no Brasil, Tarsila do Amaral,
em seu ateliê em São Paulo, em 1930, seguida
de sua obra Operários, de 1933; por uma
fotografia da escrava que conviveu com
a artista na infância e inspirou sua obra
A Negra (1923); e no célebre autorretrato
com casaco vermelho de 1923



             


À frente de seu tempo


Tarsila do Amaral está à frente de seu tempo: somente muitos anos depois, a partir das décadas de 1930 e 1940, os manifestos do Dadaísmo e do Surrealismo fariam escola com expoentes de peso na América Latina, entre eles a pintora mexicana Frida Kahlo e o escritor argentino Jorge Luis Borges. Também à frente de sua época está Maria Martins, escultora, desenhista, gravurista, pintora, escritora e musicista, mineira da pequena cidade de Campanha, sempre lembrada pelos manuais de História da Arte entre as personalidades em destaque nas vanguardas da arte na Europa nas décadas de 1920 e 1930 e como única mulher nos círculos fechados do Dadaísmo e do Surrealismo francês.

Os estudos na Europa e no Japão, a partir da década de 1920, levaram Maria Martins às suas célebres esculturas biomórficas, estruturas orgânicas que travam um estranho diálogo com outras imagens também célebres da Arte Moderna, especialmente certas obras-primas de mestres da vanguarda como Jean Arp, Joan Miró, Salvador Dalí, Picasso e Piet Mondrian, entre outros, além de Marcel Duchamp, de quem ela foi a grande musa inspiradora e com quem ela viveu e trabalhou durante anos. Duchamp dedicou várias obras a Maria Martins. Contorcidas, sensuais, evocando culturas arcaicas e, assim como as telas de Tarsila, inspiradas em lendas do folclore e na natureza da Amazônia, as esculturas biomórficas de Maria Martins, que hoje estão no acervo dos grandes museus, entre eles o MoMA e o Louvre, também atraíram a atenção de André Breton, autor do Manifesto Surrealista, que a convidou para participar do grupo dos mestres, formado por Max Ernst, Yves Tanguy, Marc Chagall e Duchamp. 












Mesmo excluindo a participação brasileira, a exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939” tem o mérito de reunir célebres obras-primas de artistas de vários países que atuaram na Europa entre as duas guerras mundiais. No mesmo Guggenheim Museum, a partir de hoje está aberta ao público outra exposição que tem a arte das vanguardas do Modernismo como tema: “Kandinsky in Paris, 1934–1944”, com 150 obras da última década de vida do pintor que é apontado como um dos criadores da arte da Abstração, para muitos a mais radical das inovações da Arte Moderna.



Kandinsky em Paris



A mostra “Kandinsky in Paris, 1934–1944” também é o retrato do drama pessoal do artista, nascido na Rússia e naturalizado francês. Depois que o governo nazista fechou a Escola Bauhaus, em Berlim, onde Kandinsky foi professor e um dos mentores do projeto educacional revolucionário e libertário, ele retornaria melancólico, em 1933, aos subúrbios parisienses de Neuilly-sur-Seine, onde havia morado e trabalhado em ateliês na primeira década do século (veja mais sobre a Escola Bauhaus em "Semióticas: Criança e design em 1900").










Fases distintas de Vasily Kandinsky (1866-1944)
em destaque nas exposições do Guggenheim
Museum: no alto, Striped (Rayé), de 1934,
da exposição New Harmony: Abstraction
between the Wars, 1919–1939. Acima,
 Contraste accompagné (1935), uma das
150 telas da fase final do artista reunidas na
mostra Kandinsky em Paris, 1934–1944,
apresentada pelo Guggenheim em 1945.
Abaixo, a capa do catálogo da exposição
de 1945, criada pelo artista em 1944









Na França, o vocabulário formal de Kandinsky mudaria de novo, radicalmente, e seus diagramas de amebas, embriões e outros ícones primitivos criaram um imaginário de cores e traços agrupados que seriam predominantes em suas pinturas tardias. No lugar antes ocupado por suas cores primárias características, a fase final de Kandinsky iria agrupar tons mais suaves de pigmentos diluídos, com sugestões figurativas e formais que lembram ícones do folclore da Rússia de sua infância. Simultaneamente, no mesmo Guggenheim Museum, a outra exposição, “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”, também traz uma série surpreendente das obras-primas que Kandinsky produziu em uma década na Escola Bauhaus.

Ao selecionar obras-primas de mestres da História da Arte no período entre as duas guerras, a exposição “New Harmony" explora um recorte fundamental localizado na época em que a novidade da Abstração e das formas radicais da distorção das vanguardas amadurece, finca raízes nas artes plásticas e estabelece novos domínios que vão da teoria da cor à composição musical. Nomeada em homenagem a uma tela de Paul Klee (“New Harmony”, de 1936), a mostra no Guggenheim segue a cronologia dos mestres pioneiros e seus discípulos até que a Segunda Guerra é deflagrada, em 1939.










New Harmony (1936), tela do pintor e
poeta suíço naturalizado alemão Paul Klee.
Acima, Paul Klee fotografado em Berna,
Suíça, em 1939, por Walter Henggeler.
Abaixo, uma das salas da exposição
com obras de Kandinsky e Paul Klee



                     

Um século de Abstração



No caminho aberto na primeira década do século 20 pelas experimentações da vanguarda de Pablo Picasso, Georges Braque, Kandinsky, Duchamp e Mondrian, “Nova harmonia: abstração entre as guerras, 1919-1939” apresenta 40 obras em pintura, escultura e trabalhos sobre papel de 20 artistas de nacionalidades diversas, entre eles pintores e escultores como os franceses Fernand Léger e Francis Picabia, o alemão Kurt Schwitters, o norte-americano Alexander Calder, o suíço Alberto Giacometti e o uruguaio Joaquín Torres-García, único latino-americano selecionado.

A arte da Abstração, que completa seu primeiro centenário, também recebeu uma homenagem sem precedentes com outra megaexposição, intitulada “Inventing Abstraction, 1910–1925”, que esteve em cartaz no MoMA, também em Nova York, entre 23 de dezembro e 15 de abril de 2013 (veja também “Semióticas: Inventando a Abstração”). Mas enquanto a exposição no MoMA reuniu, pela primeira vez em um século, obras mais antigas do abstracionismo e da não-figuração, incluindo pinturas, desenhos, livros, esculturas, filmes, fotos, música atonal e apresentações ao vivo de dança e orquestra, a mostra do Guggenheim vai à segunda fase do Abstracionismo.






Anna Riwkin registrou em Paris, em 1933,
o primeiro time dos surrealistas:
Tristan Tzara, Paul Eluard,
Andre Breton, Hans Arp,
Salvador Dali, Yves Tanguy,
Max Ernst, Rene Crevel e Man Ray.
Abaixo, a pintura em guache de 1938
Composición, de Joaquín Torres-García,
e Romulus et Remus, móbile de 1928
em arame e madeira do escultor e pintor
norte-americano Alexander Calder (1898–
1976), destaques na mostra New Harmony












Tracey Bashkoff, que assina a curadoria da mostra “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”, destaca na apresentação ao catálogo o caráter inédito da proposta, já que algumas das mais célebres obras-primas do período, que foram selecionadas da coleção permanente do museu ou tomadas de empréstimo em instituições internacionais, nunca estiveram reunidas em um só evento. Bashkoff também chama atenção para o marco que o acervo em exposição representa para os avanços na ordem pictórica, em relação aos trabalhos dos pioneiros da Abstração.



Amadurecimento da vanguarda



A mostra pretende mapear o amadurecimento da vanguarda na Abstração, em seus nexos mais abrangentes, até a explosão da Segunda Guerra na Europa”, explica Bashkoff, considerando que o ambiente propício às experimentações de vanguarda se estabelece quando as fronteiras são redesenhadas ou reabertas, depois da Guerra de 1917, com centros de formação tradicional da Europa, especialmente em Paris, sendo revigorados pelo intercâmbio criativo com artistas do mundo inteiro. Nas décadas de 1920 e 1930, arte e cultura alcançam progressos notáveis, até que em 1939 surge de novo o tumulto da guerra.








Duas figuras de 1932 do escultor e pintor
suíço Alberto Giacometti (1901–1966) na
exposição New Harmony: no alto, Femme qui
marche, escultura em ferro e gesso. Acima,
Femme égorgée, escultura moldada em
bronze. Abaixo, uma ala da exposição
com obras de Giacometti







Entre os destaques, a mostra traz algumas das obras-primas de artistas que permanecem quase desconhecidos para a grande maioria do público, caso do pintor, desenhista, escultor, escritor e professor Joaquín Torres-García (1874–1949), considerado o primeiro dos construtivistas da América Latina. Nascido em Montevideo, filho de mãe uruguaia e pai catalão, Torres-García viveu durante mais de 40 anos nos Estados Unidos e na Europa, com atuação destacada na França e na Espanha, onde foi colaborador de Antoni Gaudí. Na mostra "New Harmony", Torres-García aparece entre os destaques da Arte Moderna no entre guerras com obras-primas ainda hoje supreendentes, entre elas "Composión", de 1938, e “América Invertida”, de 1943.

Outro convite à descoberta, segundo Bashkoff, é a visão radical da revista “De Stijl” (“O estilo”, em holandês), publicação iniciada em 1917 por Theo van Doesburg, tendo colaboradores como Mondrian e o designer Gerrit Rietveld. Não por acaso, Theo van Doesburg, Mondrian e Rietveld viriam a compor um importante movimento de vanguarda, o Neoplasticismo, que exerceu profunda influência no mundo inteiro, no último século, não só sobre as artes plásticas, mas também sobre os rumos do que hoje se conhece de forma mais geral e abrangente por "design".










Obras do holandês Theo van Doesburg, artista
plástico, designer gráfico, poeta e arquiteto, além
de professor da Bauhaus e um dos fundadores
e líderes da lendária revista De Stijl, reunidas na
mostra New Harmony:  no alto, Composition
décentralisée, aquarela de 1924, e duas páginas
da De Stijl. Abaixo, Composition, obra realizada
entre 1925-1926. Também abaixo, a célebre
cadeira vermelha e azul, obra do arquiteto e designer
holandês Gerrit Thomas Rietveld (1888-1965)
e a capa do disco da banda White Stripes, tributo
ao design pioneiro, intitulado De Stijl







De Stijl: trajetórias



Através da trajetória das formulações radicais da revista “De Stijl”, que circulou durante uma década, entre 1917 e 1928, e que com frequência adotava a forma de manifesto, foi desenvolvida toda uma linguagem estética universal formada a partir de princípios da geometria, sugerindo formas de equilíbrio e harmonia na arte e na vida em sociedade. Na arquitetura e no design gráfico, de interiores, de moda e industrial, tudo indica que a influência da 'De Stijl' talvez tenha ido ainda mais longe.

Com o intercâmbio entre o grupo da “De Stijl' e a Escola Bauhaus, o ideal neoplástico tornou-se imensamente popular, com produção e consumo em escala industrial de infindáveis peças diretamente inspiradas pelas propostas do grupo holandês. Este ideal neoplástico, desde então, adquiriu um caráter ‘moderno’, voltado para o futuro. Até hoje, obras como a Poltrona de Rietveld e outros projetos do período da Bauhaus são imediatamente associadas a uma atitude voltada para o futuro, sendo comum ver até mesmo em filmes de ficção científica cenários recheados de elementos neoplásticos como forma de realçar o aspecto ‘futurista’ do ambiente”, completa Bashkoff.


 






O legado do grupo “De Stijl” também está presente na liberdade dos cartuns, nas histórias em quadrinhos e no que se convencionou chamar de “graphic novel”, além de embalagens em geral e até em áreas insuspeitas e improváveis como a música pop: em 2000, o duo norte-americano de blues-rock White Stripe lançou um álbum denominado “De Stijl”, cuja capa é composta por uma foto do casal de integrantes da banda em um ambiente inspirado pelo movimento holandês – pontuado por blocos lisos vermelhos e brancos e hastes pretas.



Revoluções: Dadaísmo e Surrealismo



Ao observar algumas das imagens presentes na mostra do Guggenheim, é possível reconhecer de memória, sem muito esforço, certas padronagens industriais do último século. Segundo Bashkoff, de todas as experiências estéticas e formais da arte naquele período entre guerras, incluindo as revoluções do Dadaísmo e do Surrealismo, as composições da “De Stijl”, tanto quanto sua influência para os mestres da Bauhaus e de outras escolas, fincaram mais forte suas raízes no imaginário popular e nas linhas de montagem industrial pelo mundo afora.









 


A partir do alto, Peinture murale (1924–25),
Femme tenant un vase (1927) e Trois
soeurs (1933), obras-primas na mostra
New Harmony do pintor e desenhista francês
Fernand Léger (1881-1975), que foi
professor de Tarsila do Amaral.

Abaixo, visitantes no Gugenheim diante de
uma pintura de Kandinsky; uma das salas
da exposição; e, no final da página, uma
seleção de obras da mostra: Four or Five
Times (Quatre ou cinq fois), óleo sobre tela
de 1929 do pintor e fotógrafo norte-americano
Emanuel Rudzitsky, mais conhecido como
Man Ray (1890–1976), seguida por
Composition N° 96 (1935), do pintor alemão
Friedrich Vordemberge-Gildewart (1899–1962)
e por Column (1923), escultura do russo
Naum Gabo em acrílico, madeira, metal e vidro









Com sua mistura de cores contrastantes e figuras geométricas de traços mínimos, imprecisas e irregulares, a influência da 'De Stijl' torna-se imediatamente reconhecível não só nas artes plásticas, com a Abstração passando de experiência marginal ao centro da concepção estética de toda uma época, sendo em sequida apropriada pela indústria cultural em tudo o que envolva composição e diagramação em artes gráficas, de livros, jornais, revistas, discos, cartazes e letreiros em geral ao cinema, à moda, ao mobiliário”, destaca Bashkoff.

Exemplos e modelos desta influência maciça de elementos dadaístas e surrealistas permaneceram e se multiplicaram durante as últimas décadas, conduzindo a profusão de padronagens de telas e cardápios de conteúdo em nossa era digital, muitas vezes atualizadas com inspiração nos célebres estudos geométricos em dimensão espacial das obras-primas de mestres da Abstração. Segundo Bashkoff, quando falamos em design gráfico, em qualquer suporte, a arte original de Mondrian e dos estetas da “De Stijl” está em primeiro plano como referência, em variações que vão de estampas para usos diversos aos objetos industriais produzidos em larga escala, não necessariamente relacionados à arte.

Na lista dos convites à descoberta de Bashkoff também estão construtivistas como o escultor russo Naum Gabo (1890–1977), expoente da Arte Cinética e ativista da Documenta 1, em Kassel, além de colaborador importante da "De Stijl". “A influência de Gabo, que defendia a abstração geométrica e migrou para a Europa em 1921, quando a política soviética começou a apoiar a expressão mais conservadora contra as artes de vanguarda, é fundamental para a escultura se afirmar no ambiente da Arte Moderna”, aponta Bashkoff. Naum Gabo é outro dos mestres que também participaram da comunidade educacional da Bauhaus, lar de artistas com ideais sociais como Josef Albers, Vasily Kandinsky, Paul Klee e László Moholy-Nagy, todos eles com obras em destaque na mostra do Guggenheim Museum.


por José Antônio Orlando. 


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Arte entre guerras. In: Blog Semióticas, 28 de julho de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/06/arte-entre-guerras.html (acessado em .../.../...).



Para uma visita virtual ao Guggenheim Museum,  clique aqui.

















31 de julho de 2012

Criança e design em 1900







A criança que tem a liberdade e a oportunidade de usar
suas mãos de maneira lógica, entendendo as consequências e
usando elementos reais, desenvolve uma personalidade forte.

––  Maria Montessori (1870-1952). 
   

O século 20 começou sob o signo do design e com a criança elevada a um novo patamar na vida em sociedade. A popularização da fotografia e a novidade do cinema, o aperfeiçoamento de diversas máquinas e a multiplicação dos processos industriais na produção de objetos utilitários, que proporcionavam mais conforto e funcionalidade à vida cotidiana, também coincidiram com uma nova visão sobre os brinquedos e brincadeiras e, especialmente, sobre o que seriam os direitos da infância.

Tratadas, nos séculos anteriores, como pequenos adultos, as crianças ainda muito jovens ingressavam na condição de mão-de-obra para o trabalho: quando não formavam multidões de operários infantis, tornavam-se úteis na economia familiar, realizando tarefas, imitando seus pais e suas mães, acompanhando seus ofícios, cumprindo um papel predominante de mão-de-obra fácil e disponível sem reservas perante a coletividade. Para crianças e adolescentes, foi a partir de 1900 que as coisas começaram a mudar.

No começo do século passado surgiriam as primeiras noções científicas sobre a importância do “brincar” para o desenvolvimento da infância. Na Europa, um marco pioneiro para o novo patamar na valorização da criança é estabelecido exatamente em 1900, com a publicação de um livro pela educadora sueca Ellen Karolina Sofia Key (1849–1926). Com o título corajoso e premonitório de “O século da criança” (Barnets ahrundrade), o livro destacava este direito fundamental de meninos e meninas que muitas vezes passava despercebido, como se fosse menos importante ou supérfluo: o direito de brincar. Libertária, militante pelos direitos femininos e pelo voto feminino, uma feminista à frente de seu tempo, Ellen Key, em conjunto com outros teóricos da educação, entre eles o brasileiro Paulo Freire, recebem um tributo importante com uma exposição promovida pelo MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York.

















No alto da página, o clássico “lobo
vermelho com rodas de bolinhas
 para puxar” criado como objeto
para uma exposição de artes plásticas
em 1980 por Keith Haring e depois
transformado em brinquedo industrial
de sucesso no mundo inteiro. Acima,
peças avulsas da coleção O Barco, de
1915, seguida do catálogo da exposição
no MoMA e retrato datado de 1920
da educadora sueca Ellen Key.

Abaixo, Jean Piaget, biólogo e psicólogo
suíço que tem uma profunda influência
na educação e que teorizou sobre a
cognição humana a partir da observação
de seus próprios filhos, fotografado em família,
em 1936, com a esposa Valentine Châtenay e
os filhos Lucienne, Laurent e Jacqueline;
e uma amostra do acervo e dos
cartazes promocionais da exposição
O Século da Criança: Crescendo
com Design, 1900-2000






         



 

 
Intitulada "Century of the Child: Growing by Design, 1900-2000" ("O Século da Criança: Crescendo com Design, 1900-2000"), a exposição no MoMA, sem precedentes em sua abrangência e na iniciativa de abordar um universo de tamanha complexidade em aspectos didáticos, lúdicos e historiográficos, apresenta, de 29 de julho a 5 de novembro, uma linha do tempo sobre a trajetória da relação entre as crianças e artistas de diversas áreas que, ao produzirem peças “para brincar”, marcaram o design no século 20. O cenário inicial da trajetória que a exposição reconstitui, destacam os curadores, abarca a Belle Époque, na passagem do século 19 para o século 20, um período que teve o progresso técnico como palavra de ordem.

As muitas novas invenções, os avanços nas artes e nas ciências, com melhorias nas técnicas e nas condições de saúde e de higiene, começariam a estabelecer também na vida cotidiana uma nova visão sobre a infância, valorizando com maior ênfase a educação e os brinquedos que, já no final do século 19, passariam a ser incorporados às linhas de produção industrial. Com a evolução nas relações sociais, a criança gradativamente deixaria a condição precoce de pequeno adulto e passaria a ter papel central nas preocupações da família e da sociedade.










 
 


 

Mudam as leis, muda a visão da infância



A exposição no MoMA contextualiza o cenário que abrigou as mudanças gradativas, pontuando a linha do tempo do último século através da memorabilia de brinquedos e brincadeiras resgatados em imagens, textos breves e objetos. Estão em cena as artes plásticas, a educação e as ações políticas. Há 100 anos, nos Estados Unidos, o trabalho do sociólogo e pioneiro do fotojornalismo Lewis Wickes Hine (1874-1940), que fez séries de fotos para denunciar as condições de escravidão a que era submetida a mão-de-obra infantil no campo e nas fábricas, levou a mudanças nas leis trabalhistas.

Na Europa, Ellen Key e outros pioneiros rompem tabus sobre a infância e a condição feminina, denunciando situações inadequadas ou aviltantes. Ao declarar que "as crianças são o futuro e nosso recurso mais valioso", Ellen Key atiçou a ira dos conservadores e dos empresários que exploravam a mão-de-obra infantil. Uma das primeiras mulheres a defender em público a necessidade da participação feminina na vida social e política, contestada em sua época e depois reconhecida por seu pioneirismo como líder feminista e teórica de referência nas áreas de família, infância, educação e ética, Ellen Key sustentava um ideário que ainda hoje parece avançado.













Em uma de suas teses, Ellen Key argumenta que a maternidade é tão crucial para a sociedade que o governo, e não os maridos, é que deveriam sustentar as mães e seus filhos. As ideias da militante pioneira do feminismo, das sufragistas e dos direitos da infância e da adolescência, que influenciaram leis e questões de escolaridade em diversos países e foram retomadas por outros importantes teóricos no decorrer do último século, estão registradas em seu livro de 1900 "O Século da Criança" e foram homenageadas por sua atualidade na exposição aberta no MoMA.

Otimista e visionária ao focar o século 20 como um período de descoberta intensificada sobre a importância crucial dos direitos e do bem-estar da infância, Ellen Key, suas ideias e seu livro de 1900 fornecem o suporte teórico para a retrospectiva apresentada em detalhes na mostra “O Século da Criança: Crescendo com Design, 1900-2000”. Com brinquedos, jogos, móveis pequenos, livros, áreas de lazer para que o público possa experimentar jogos e brincadeiras de outras épocas, o evento também apresenta bazar para venda de réplicas industriais de uma centena dos brinquedos e objetos reunidos na exposição. Um link para visita virtual e um catálogo dos brinquedos à venda estão disponíveis no site do MoMA.



Objetos para crianças


 
"Uma exposição que busca nos objetos antigos novas maneiras de pensar sobre o processo de design e criatividade", diz o subtítulo do catálogo que apresenta a mostra organizada pelo departamento de design e arquitetura do MoMA. No catálogo, disponível on-line, há fotografias de todos os objetos em exposição, com histórico e explicação sobre a operação de cada um deles, além dos ensaios produzidos pelos curadores Juliet Kinchin e Aidan O'Connor e pelos professores especialistas em história da educação Tanya Harrod, Medea Hoch, Francis Luca, Amy Ogata e Maria Paola Maino.

















Criança e design em 1900: no alto,
as miniaturas comercializadas pela
indústria automobilística desde o começo
do século 20, seguidas pelos objetos da
educação como atividade lúdica na
primeira infância na concepção do
pioneiro tcheco Ladislav Sutnar, designer,
arquiteto e especialista em eletrônica.

Abaixo, as figuras em 3D do
videogame Katamari Damacy,
criação da Namco Bandai Games





 




Em sua maioria, os mais de 500 objetos foram selecionados no acervo do próprio MoMA, mas também há itens garimpados em universidades, em outros museus e em instituições de pesquisa de 20 países. Há também os objetos e jogos que vêm de coleções industriais, projetos de engenharia e arquitetura escolar, playgrounds, creches, hospitais infantis, programas educacionais, equipamentos de segurança e mostruários em geral produzidos nas últimas décadas para o público infantil. Muitos dos itens nunca foram apresentados antes em uma exposição aberta ao público.

Entre estas raridades estão peças originais como uma casa de bonecas de 1912, criada pelo designer escocês Jessie Marion King em madeira pintada e couro, o clássico “lobo vermelho com rodas de bolinhas para puxar” criado como objeto para uma exposição de artes plásticas em 1980 por Keith Haring e depois transformado em brinquedo industrial de sucesso no mundo inteiro, assim como o “Rubik's Cube”, o cubo mágico original, inventado por Erno Rubik em 1974.













Criança e design em 1900: acima, o clássico
cubo mágico de 1974, seguido pela esfera de
Chuck Hoberman, de 1994, e pela cadeira em
miniatura criada em 1918 por Gerrit Rietveld.

Nas imagens abaixo, uma sala com as atividades
programadas pelo método Montessori, criado
pela italiana Maria Montessori; a educadora
acompanhada por seu filho, Mario, em 1950,
em visita a uma das escolas que fundou
(Casa dei Bambini); e um conjunto original do
material didático criado por ela e produzido
em escala industrial a partir de 1920










Pontuadas por frases e referências extraídas do livro de 1900 de Ellen Key, cada seção da exposição se propõe a percorrer determinados aspectos da trajetória da infância e do brinquedo pelas décadas no século passado, examinando visões individuais e coletivas em objetos produzidos exclusivamente para crianças. Dos mais antigos aos mais recentes, a exposição reúne desde materiais educativos com base nas teorias de pioneiros da moderna pedagogia como o alemão Friedrich Froebel (1782–1852), que defendia a influência crescente do movimento de jardim de infância desde o século 19, até registros dos experimentos do suíço Jean Piaget (1896-1980), que teorizou sobre a cognição humana a partir das observações sobre seus filhos e influenciou a educação de maneira profunda, e também tijolos de brinquedo e outros objetos feitos em argila e madeira pintados por crianças na escola de arte livre Francesco Randone em Roma, concebidos pela italiana Maria Montessori (1870–1952).

Médica, feminista e educadora pioneira que revolucionou as práticas de educação os modelos de escola na primeira metade do século 20, Montessori foi polêmica e influente em seu tempo e permaneceu influente para as gerações de teóricos e profissionais do campo pedagógico que vieram depois dela. As teses e práticas de Montessori destacam a ênfase mais na autoeducação do aluno do que no papel do professor como fonte de conhecimento, sempre defendendo que a educação é uma conquista da criança e que já nascemos com a capacidade de ensinar a nós mesmos, se nos forem dadas as condições.











O método educacional de Maria Montessori, contestado em sua época, por seu foco em um primeiro momento na educação de crianças pobres, com o tempo passou a ser usado por muitas escolas públicas e privadas do mundo inteiro. Seguindo a perspectiva desenvolvimentista de Montessori, o acervo reunido pela exposição do MoMA também traça o fio condutor da história dos brinquedos e brincadeiras no decorrer do último século.

Outra presença citada em destaque na exposição é o brasileiro Paulo Freire, mestre da educação como prática da liberdade. Patrono da Educação no Brasil, referência da educação no mundo inteiro por sua formulação teórica e sua prática na arte do ensino, com vários prêmios e condecorações internacionais, incluindo 35 títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por importantes instituições, entre elas a Universidade de Bolonha, na Itália, o mais antigo centro de educação superior, que completa 1.000 anos de atividade, Paulo Freire é destacado por sua pedagogia crítica na defesa da concepção da criança como um aprendiz ativo e por sua visão da educação como um processo que sempre deve incentivar e nunca inibir o poder criativo.









Criança e design em 1900: acima, duas salas
da exposição no MoMA. Abaixo, uma gravura
original para quarto infantil, criada em 1903
por Mariska Undi; e os bonecos de madeira
da série sobre travessuras infantis, criação
da década de 1930 de Minka Podhájská











A pedagogia crítica de Paulo Freire dialoga com os ensinamentos de grandes pioneiros que permanecem como referência até nossos dias. Seja para Ellen Key, como para Froebel, Montessori e demais educadores citados, a criança não é um pretendente a adulto e, como tal, um ser incompleto. Desde seu nascimento, já é um ser humano integral, o que inverte o foco da sala de aula tradicional, centrada no professor. Não foi por acaso que as escolas que eles fundaram também evidenciam a prevalência do aluno em atividades lúdicas de educação pelos sentidos e pelo movimento.

 

Formas e cores de vanguarda



Observando a linha do tempo construída pelos objetos manufaturados e suas réplicas em escala industrial, transparece uma evolução que reflete mudanças nos métodos de ensino e, a partir das primeiras décadas do século 20, aproximação com as formas e cores das experimentações artísticas dos movimentos de vanguarda. Esta aproximação também foi percebida em sua época por outros pensadores, entre eles Walter Benjamin (1892–1940) e Johan Huizinga (1872–1945), apreciadores do trabalho de Ellen Key e também citados pelos organizadores da exposição no MoMA. 













Acima, o clássico ônibus escolar, item da
extensa lista de séries Playmobil, seguido pelo
módulo de construção articulada Zoob, criada
por Michael Grey em 1977, e a mola maluca
em metal ou em plástico transparente, criada
em 1943 pelo casal Richard e Betty James.

Abaixo, amostras do acervo na exposição
do Moma, seguida pelo "módulo para montar"
que Friedrich Froebel desenvolveu em 1837,
seguido pela “cadeira infantil” de 1935, de
Alvar Aalto, pela “lousa mágica” que
André Cassagnes lançou em 1960, e pelos
blocos universais da Lego, que começaram
a ser produzidos em escala industrial na
Dinamarca após a Segunda Guerra, em 1949








 
 
Benjamin é referenciado pela curadoria e pelos ensaístas convidados por seus escritos sobre criança, juventude e educação, “Über Kinder, Jugend und Erziehung”, publicado no Brasil em coletânea intitulada “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação” (Duas Cidades/Editora 34, 2002). Johan Huizinga é lembrado por sua tese publicada pela primeira vez em 1938 e desde então elevada à categoria de item obrigatório nas pesquisas sobre jogos, brincadeiras e elementos lúdicos na cultura contemporânea: “Homo Ludens”, publicado no Brasil em 1991 pela Editora Perspectiva.

A exposição “O Século da Criança” em Nova York inclui, em seu acervo de surpresas, livros infantis coletados por Alfred H. Barr em uma viagem na década de 1920 à União Soviética, antes de ser nomeado diretor-fundador do MoMA. Há ainda os objetos mais familiares tais como blocos de Lego, variações de peças de plástico para montar, miniaturas de carros e eletrodomésticos, bonecas e bonecos. Também estão no acervo a "lousa mágica", que André Cassagnes lançou em 1960, a "mola maluca", em metal ou em plástico transparente, criada em 1943 pelo casal Richard e Betty James, e outros objetos simples que ainda permanecem à venda nas gôndolas de lojas de brinquedos. O que não falta, entre os objetos em exposição, são as muitas peças assinadas por designers e arquitetos famosos.









 








Entre os objetos curiosos e valiosos, há os exóticos e as novidades da época que sobreviveram e ainda se mantêm no gosto popular: o mobiliário de Alvar Aalto, uma cadeira de Charles Eames e Eero Saarinen, carteiras escolares por Arne Jacobsen, o posto de combustíveis de Jean Prouvé, equipamentos para playgrounds de Isamu Noguchi, uma mesa de vidro projetada por Gio Ponti, miniaturas estilizadas e objetos de decoração de Ray Eames.

Há também os projetos originais de Aleksandr Rodchenko para mobiliário e enfeites no quarto e na sala da menina, que também impressionam pela atualidade, e até bonecos de super-herois, cartilhas de alfabetização, livros para colorir, fotografias e ilustrações que há décadas são estampas clássicas de capas para cadernos. Na seção “mundo animal” há réplicas de tamanhos e espécies diversos, em escala ampliada ou reduzida, em formato realista ou em variações imaginárias, incluindo os bichos infláveis de 1972 de Libuse Niclov e até os Muppets e os Gremlins, para citar apenas alguns.



Enigmas e possibilidades espontâneas



Entre os 500 brinquedos em exposição, há aqueles objetos que surgem como enigmas, assim como há outros que na forma e na aparência já sugerem inequívocas possibilidades de brincadeiras espontâneas. Com o contexto original de cada objeto listado em breves textos de referência, extraídos da obra pioneira de Ellen Key e de seus discípulos e seguidores pelas décadas seguintes, a exposição surpreende quando revela que muitas das peças e brincadeiras reunidas foram desenvolvidas, sob encomenda exclusiva, para serem usadas como suporte de propostas teóricas e de movimentos educacionais que estiveram em voga em determinado momento do século 20.






 



Duas referências à década de 1960:
o robô articulado feito em metal,
lançado para promover o seriado de TV
Perdidos no Espaço, e o cartaz pacifista
assinado por Schneider que avisa:

A guerra não é saudável nem para as
crianças nem para os outros seres vivos

Abaixo, amostras do acervo na exposição
do Moma e uma ilustração criada por
Arthur Rackham para uma rara edição de 1917
dos contos de fadas dos Irmãos Grimm










Ao reunir imagens e objetos do cotidiano infantil do tempo de nossos pais e avós, a mostra do MoMA interpreta o passado recente, resgata raridades que estavam esquecidas e ilumina o jogo e a brincadeira como elementos fundamentais da cultura humana, direcionados tanto ao desenvolvimento de habilidades motoras, intelectuais e interacionais, como à simples presença material na experiência e na organização de programas recreativos dos mais variados.

Há também um setor da exposição no MoMA que reserva um espaço de destaque para o caso especialíssimo da escola Bauhaus, reunindo peças de brincar inventadas por seus alunos e professores de 1919 a 1933 que ganhariam o status de brinquedos universais, como os moldes para montar com figuras geométricas coloridas ou os blocos de madeira que imitam paredes, portas, janelas e telhados da construção civil.

Mas o retorno ao acervo lúdico da escola Bauhaus não é uma exclusividade da exposição em Nova York. Amostras de brinquedos e brincadeiras que fornecem as coordenadas a todo um programa de ensino também estão na grande retrospectiva sobre a escola Bauhaus montada em um dos maiores espaços de arte da Europa, o Barbican Centre, em Londres, até 12 de agosto. “Bauhaus: Art as Life” é uma das mais importantes mostras já dedicadas à história dos intensos 14 anos de duração da célebre escola de arte e design alemã e ao seu estilo que reunia brincadeira e proposta pedagógica. Curiosamente, várias peças e objetos didáticos reunidos na retrospectiva em Londres também são destaque no evento promovido pelo MoMA, em Nova York.









 


Projetos de uso didático e recreativo saídos
das oficinas e salas de aula da escola Bauhaus
estão presentes simultaneamente no MoMA
e na retrospectiva em Londres: acima,
a partir do alto, pião, brinquedo que foi

desenvolvido por Ludwig Hirschfeld-Mack
 entre 1919 e 1933 para estudos de geometria;
e os blocos para construção de prédios
criados em 1924 para uso nas aulas de
física por Alma Siedhoff-Busche.

Abaixo, um clássico jogo de tabuleiro
produzido na Itália, na década de 1940,
criação de autor não identificado,
que fez sucesso no mundo inteiro e gerou
muitas variações em cópias e similares
ainda comercializados na atualidade








 
Brincadeiras da Bauhaus



Na seleção há obras de Wasily Kandinsky, Marcel Breuer, Gunta Stölzl e Paul Klee, entre outros mestres da história da arte no século 20 que aparecem como professores nos quadros da escola Bauhaus. Comparar o trabalho dos mestres e as peças dos estudantes desenvolvidas a partir dos originais pode oferecer um amplo panorama do “espírito” que regia cada lição em sala de aula, empreendida pela Bauhaus, entre experiências pedagógicas lúdicas e com ênfase na criatividade.

Palavra cuja tradução é “casa para construir”, “Bauhaus” foi escolhido em 1919 como nome para a escola de arte que se tornaria a mais famosa e mais revolucionária da história. Fundada pelo arquiteto Walter Gropius, em Weimar, na Alemanha, a partir do ideário socialista pós-revolução russa de 1917, a Escola Bauhaus teve, no período entre 1919 e 1933 e nos anos e décadas seguintes, uma influência marcante nas gerações de artistas do modernismo e alcançou também a arquitetura, o design de interiores, o design industrial, a moda e as artes gráficas, além de gerar uma safra muito particular de "brinquedos educativos". 



















Criança e design em 1900. Acima, cartaz da
mostra sobre a escola Bauhaus em Londres,
seguido de duas peças em exposição:
1) fotografia da década de 1920 da garota
usando o mobiliário escolar criado por
Marcel Breuer; 2) a professora Ise,
esposa de Walter Gropius, que fundou a
Escola Bauhaus em 1919, faz pose, em 1925,
usando máscara de robô e sentada em
uma cadeira tubular criada por Breuer,
que também foi professor da Bauhaus;
3) Erich Dieckmann, professor da Bauhaus,
e a cadeira para um repouso confortável,
projeto desenvolvido por ele em 1931.

Abaixo, Josef Albers e Wassily Kandinsky,
artistas e professores da Bauhaus, em 1933,
na época do fechamento da escola pelos
nazistas; e Walter Gropius comemorando
seu aniversário de 80 anos, em 1963,
cercado por alunas e amigos. Também
abaixo, uma coleção de meias-calças em
padrões geométricos, peças de vestuário
criadas na década de 1920 por alunos da
Bauhaus com ousadia futurista; o célebre
berço criado na escola Bauhaus por Peter Keler,
uma peça que introduziu mudanças radicais no
mobiliário doméstico; e uma planilha de projeto
em design industrial desenhada na década
de 1920 por Kandinsky









 
A retrospectiva em Londres reúne cerca de 400 trabalhos criados na Escola Bauhaus, incluindo brinquedos, móveis, filmes, fotografias, projetos e objetos dos mais variados que capturam a essência lúdica da escola alemã. Há também os convites de festas, as fantasias, os presentes feitos a mão e as fotografias íntimas de professores e estudantes que mostram muito da criatividade que imperava na escola e que faria história como meta de excelência para o aprendizado no século seguinte.

Aprendidos desde a primeira infância em todas as culturas e latitudes do planeta, o brinquedo e o brincar, enumerados em perspectiva histórica em seu contexto de manufatura ou de produto em escala industrial, seja no acervo reunido pelo MoMA e na retrospectiva da Bauhaus, seja nos detalhes da vida cotidiana, podem levar o observador a perceber como tanto a guerra como os esportes, as artes, as ciências, a filosofia e o design industrial são construídos pelo instinto do jogo e da competição.

Assim como a memória afetiva de cada um de nós, a linguagem, o mito, o sagrado e também a rotina da vida cotidiana com nossos objetos utilitários são marcados desde o início pelo jogo, que ainda está presente na essência das principais atividades da cultura e dos rituais nos sociedades modernas e contemporâneas. Daí sua importância: para desencadear nossa percepção sobre todo o universo de elementos simbólicos que nos cercam e para reforçar mentalidades que possam garantir a crianças de todas as idades e de todas as classes sociais, do mundo inteiro, a plenitude da infância.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Criança e design em 1900. In: Blog Semióticas, 31 de julho de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/07/crianca-e-design.html (acessado em .../.../…).



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