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7 de fevereiro de 2012

Máximo no mínimo







eu em mim 
eu em minas 
eu em minas de mim 

–– Affonso Ávila, “Código de Minas”  


Ele diz que é uma reestreia, com seu bom humor característico e uma lucidez invejável aos 84 anos, comemorados em janeiro. Um novo livro de Affonso Ávila sempre provoca bastante expectativa. Afinal, cada obra do autor traz um novo poeta – como registrou com propriedade o crítico, tradutor e poeta José Paulo Paes. O mais novo trabalho de Affonso Ávila, na verdade, são dois – cada um a seu modo muito densos e diferentes, reunidos em um único volume.

A capa em cores quentes e o emblemático título – "Poeta Poente" – traduzem à perfeição o conteúdo das páginas e versos elaborados em duas partes, "Mínimo" e "Alciáticas". A primeira, escrita entre 2005 e 2009, intercala poemas breves, quase filosóficos, irônicos, com belas ilustrações e imagens em gradações de preto e branco da série de aquarelas de Sérgio Luz, designer de Belo Horizonte que também assina capa e projeto gráfico dos livros mais recentes do poeta.

Depois do surpreendente mergulho em profundidade na beleza dos 40 poemas de "Mínimo", "Alciáticas", na segunda metade de "Poeta Poente" (Editora Perspectiva), é mais uma surpresa para o leitor: 21 poemas brevíssimos, em diálogo com o simbolismo hermético de uma coleção de xilogravuras do século 16, extraídas de "Emblemata" (Emblematum Libellus), obra atribuída ao sábio renascentista Andrea Alciato (1492-1550), também conhecido como Alciati, publicada pela primeira vez na Alemanha em 1531.







Máximo no mínimo: o poeta Affonso Ávila
em Ouro Preto, fotografado por Carol Reis
durante participação como homenageado no
Fórum das Letras em 2010. Abaixo, Affonso
em 1963, durante a Semana Nacional da
Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte










"A 'Emblemata' é conhecida como o Livro dos Emblemas e me acompanha há muito tempo. Foi minha dedicação de pesquisa de longa data pelo barroco que me levou até o descobrimento de Alciato, que é tido como precursor do barroco", explica o poeta veterano, pai de cinco filhos e avô de oito netos.

"Este livro, que batizei de 'Poeta Poente', mais que os outros que publiquei, é uma tradução intersemiótica", ele destaca, revelando os critérios adotados para a edição das duas séries. Os versos de "Mínimo", revela o poeta, foram escritos em um período de recuperação de perdas afetivas e imprevistos de saúde, que incluem a dolorosa perda da esposa, a também escritora Laís Corrêa de Araújo, em dezembro 2006.



A graça do trocadilho



"Posso dizer que este 'Poeta Poente' é uma reestreia. Na primeira parte, com a poética da reflexão e na segunda, com o sentido de tirar o máximo do mínimo. Esta tem sido minha máxima existencial nos últimos tempos: tirar o máximo do mínimo", ironiza, fazendo graça do trocadilho que reúne as elaborações concisas e sofisticadas dos versos poéticos e também as questões sobre expectativa de vida para um poeta que comemora mais de oito décadas – “muito bem vividas”, completa.










Xilografias de Andrea Alciato publicadas
em Emblemata, livro de 1531: imagens em
contraponto para Alciáticas, série de poemas
que Affonso Ávila incluiu em Poeta Poente







"Na verdade, eu preciso urgentemente tirar o máximo do mínimo", conclui o poeta, que coleciona uma extensa lista de premiações, como o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1991, por “O Visto e o Imaginado”. Outro premiação das mais importantes veio em 2007, quando recebeu, por "Cantigas do Falso Alfonso el Sábio" (Ateliê Editorial), o Prêmio Portugal Telecom de Literatura. A distinção dos prêmios e homenagens teve início, na verdade, desde que publicou os primeiros livros, "O Açude” e “Sonetos da Descoberta", ambos em 1953, época em que trabalhava como auxiliar de gabinete de Juscelino Kubitschek, então governador de Minas.

Depois viriam "Carta do Solo" (1961), "Frases-feitas" (1963), “Poesia Anterior” (1969), “Barrocolagens” (1981) e outras preciosidades em poesia, além de tratados sobre o barroco setecentista mineiro e brasileiro que alcançaram a condição de clássicos, entre eles “Barroco Mineiro: Glossário de Arquitetura e Ornamentação”, lançado em 1979 pela Companhia Editora Nacional, que fizeram dele uma das referências latino-americanas dos estudos sobre o barroco. Um dos marcos de seu percurso no levantamento e conservação do patrimônio das cidades históricas mineiras é a criação do Iepha – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. 











No alto e acima, paisagens do barroco mineiro
no traço de Tarsila do Amaral (1886-1973),
em desenhos feitos durante a viagem de 1924
que o grupo modernista de Tarsila, Mário de
Andrade, Oswald de Andrade e o poeta
franco-suíço Blaise Cendrars, junto com
outros amigos, fizeram de trem a Minas Gerais,
passando por Belo Horizonte, Ouro Preto,
São João del-Rei, Tiradentes, Mariana e
Congonhas. Abaixo, Paisagem Imaginativa,
cenários barrocos de Ouro Preto traduzidos
em pintura em óleo sobre madeira de 1939 de
Alberto da Veiga Guignard (1896-1962)






 
A bibliografia ímpar como poeta, ensaísta, crítico e tradutor rendeu reconhecimento – tanto que Affonso Ávila é sempre apontado, por unanimidade, como autor de uma das obras mais consistentes e importantes da cultura brasileira contemporânea. Na trajetória do poeta e pesquisador também está a organização de um evento considerado divisor de águas – a Semana Nacional da Poesia de Vanguarda, realizada em Belo Horizonte, em 1963, na qual marcaram presença poetas e cabeças pensantes como Affonso e Laís, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Luiz Costa Lima, Benedito Nunes, Roberto Pontual e Frederico Moraes, incluindo jovens poetas que ganhariam projeção nacional, como Paulo Leminski.



Fortuna crítica



Empenhado no trabalho cotidiano, aos 84 anos, Affonso também mantém uma permanente militância no jornalismo que vai de colaborações em diversos jornais, do "Suplemento Literário do Minas Gerais" ao "O Estado de S.Paulo", além de ter sido o mentor para a criação das revistas “Vocação”, no início dos anos 1950, e “Barroco”, que lançou em 1969 e dirigiu até 1996.

A lista de homenagens ao poeta também é extensa e inclui as bienais de literatura e o Fórum das Letras, em Ouro Preto, além de publicações oficiais como “Fortuna Crítica de Affonso Ávila” e “Resíduos Seiscentistas em Minas – Textos do Século do Ouro e As Projeções do Mundo Barroco”, lançadas em edições comemorativas em 2006 pela Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais e pelo Arquivo Público Mineiro.








Em junho de 2010, mais um tributo de peso em Minas Gerais: a surpreendente exposição “constructopoético – affonso80anosávila”, realizada pela UFMG em vários espaços do Palácio das Artes reunindo obras de arte e materiais diversos como livros, cartas, documentos, acervo pessoal do poeta, desenhos de outros artistas sobre a obra do escritor e um audiovisual produzido para o evento por Éder Santos, pioneiro da videoarte em Belo Horizonte, baseado num poema do mestre.

"Voo firme de maestria artesanal e altanaria poética", como registrou outro poeta e teórico do primeiro time, Haroldo de Campos (1929-2003), qualificando a excelência e o lugar do poeta que nasceu no Bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte, onde vive ainda hoje. Ou, em outras palavras, como o próprio poeta define, na brevidade do lirismo em "Oitenta", um dos últimos fragmentos de "Alciáticas":


"Oitenta"

número redondo

amálgama de aros



Nenhuma dúvida: a poesia de Affonso Ávila, certamente, alcança aquela habilidade rara, incomum, de condensar e traduzir a complexidade, mostrando o máximo no mínimo, como sempre convém à grande arte.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Máximo no mínimo. In: Blog Semióticas, 7 de fevereiro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/02/maximo-no-minimo.html (acessado em .../.../...).






O poeta declarou que toda criação é tributária de outras
criações no permanente processo de linguagem da poesia

O poeta afirmou que todo criador é tributário de outros no
processo de linguagem da poesia

O poeta se confessou um criador tributário de outros na
linguagem de sua poesia

O poeta não esconde que sua poesia é tributária da linguagem
de outros criadores

O poeta não esconde que sua poesia é influenciada pela
linguagem de outros criadores

O poeta não faz segredo de que se utiliza da linguagem de
outros poetas

O poeta fala abertamente que se apropria da linguagem de
outros poetas

O poeta é um deslavado apropriador de linguagens

O POETA É UM PLAGIÁRIO


(Affonso Ávila, em O Discurso da Difamação do Poeta, 1978)







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