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11 de novembro de 2021

Cenas da Era do Rock

 




Saxum volutum non obducitur musco.      

    A rolling stone does not gather moss”. 

(Pedra que muito se move não junta musgo.)       

–– Publius Syrus (século 1° antes de Cristo).      



São fetiches para garantir a felicidade de muitas legiões de fãs: uma coleção de centenas de fotografias de grandes astros e estrelas da Era do Rock, que permaneciam inéditas desde as décadas de 1960 e início de 1970, e que só agora reveladas ao público. Trata-se do acervo do fotógrafo inglês Alec Byrne, que desde o final dos anos 1960 cobriu a cena cultural de Londres e acompanhou a trajetória de shows e entrevistas de bandas e músicos britânicos lendários como The Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, The Who, David Bowie, e também artistas de outros países que se apresentavam em Londres, incluindo Chuck Berry, Bob Dylan, Bob Marley, Jimi Hendrix, The Doors, Tina Turner, Aretha Franklin, Abba, Cat Stevens e muitos mais. Depois de mais de 50 anos, Alec Byrne revela seu acervo inédito no livro “London Rock: The Unseen Archive”, um catálogo de belas e surpreendentes imagens da Era do Rock.

Não foi intencional manter as fotografias inéditas por tanto tempo – como revela Alec Byrne na apresentação ao livro. Na verdade todas as imagens ficaram esquecidas em uma caixa nos fundos da garagem da casa onde o fotógrafo morou durante décadas em Los Angeles (EUA) e sobreviveram a incêndios e a inundações que destruíram milhares de outras imagens de sua coleção. Descobertas por ele próprio recentemente, quase por acaso, imediatamente foram digitalizadas, selecionadas e tratadas em photoshop e depois apresentadas à imprensa pelo próprio fotógrafo. Em seguida vieram eventos e shows para apresentação ao público no museu Rock and Rook Hall of Fame em Cleveland, Ohio, e no festival South By Southwest em Austin, Texas, além de uma exposição na National Portrait Gallery em Londres. Agora, finalmente, a seleção de imagens de Alec Byrne ganha publicação no livro de 254 páginas, na verdade um catálogo de luxo em lançamento da Insight Editions de Londres.






                             



Cenas da Era do Rock: no alto, o fotógrafo
Alec Byrne em autorretrato, no final da década
de 1960. Acima, a capa original de "London Rock",
livro de fotografias que reúne imagens que estavam
inéditas há mais de 50 anos, e Alec Byrne fotografado
trabalhando em seu estúdio em Los Angeles.

Abaixo, uma seleção de fotografias apresentadas
no livro, começando com David Bowie em
Paddington Street Gardens, em setembro de
1969; Jimi Hendrix com Mick Jagger em 1967;
e Elton John em julho de 1971, no palco, durante
o concerto no Crystal Palace Bowl

















Uma câmera Rolleiflex


Na apresentação ao livro, que também conta com um prefácio escrito pelo jornalista Tony Norman, o fotógrafo recorda que tudo começou quando ele tinha 17 anos e conseguiu um emprego de meio expediente como office-boy na agência Keystone Press, em Londres, em meados da década de 1960, e passou a conviver diariamente com muitos fotógrafos, repórteres e editores de jornais e revistas. Quando recebeu o primeiro salário, investiu comprando uma câmera Rolleiflex, com sua mãe assinando o contrato para a venda com pagamento em várias parcelas. Desde então, passou a frequentar shows e entrevistas, primeiro por prazer, e depois por investimento para construir um portfólio especializado em figuras do mundo do rock’n’roll, exercitando diariamente seu aprendizado como fotógrafo amador. Em pouco tempo, a publicação de suas fotografias ganhou espaço na revista “New Musical Express” e a assinatura de Alec Byrne passou de “fotógrafo amador” para “fotógrafo profissional”.

“Eu estava no lugar certo e na hora certa. Havia uma revolução musical acontecendo e eu estava bem no meio dela”, recorda o fotógrafo. No livro, ele também revela histórias saborosas e confidências sobre algumas das imagens, como o primeiro show de Jimi Hendrix em Londres, que teve na plateia nomes como Mick Jagger, Keith Richards, Eric Clapton e David Bowie, flagrados em retratos surpreendentes enquanto assistiam encantados à performance; a primeira apresentação das canções do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” pelos Beatles no Abbey Road Studios, em 1967, que também foi a primeira transmissão internacional de TV via satélite; ou um cigarro de maconha que Bob Marley dividiu com o fotógrafo na sessão de fotos realizada na suíte do cantor, no Montcalm Hotel, em Londres, em julho de 1975.














Cenas da Era do Rock: no alto, Anita Pallenberg,
Michele Breton e Mick Jagger
fotografados por
Alec Byrne em 1969 durante as filmagens de
"Performance", filme com direção conjunta de
Donald Cammell e Nicolas Roeg. Acima,
um flagrante dos Rolling Stones no palco
durante as gravações do especial para a TV
"Rock and Roll Circus", em 1968, com
Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones.

Abaixo, Brian Jones chegando para as
gravações do "Rock and Roll Circus",
e o registro de Alec Byrne no funeral de
Brian Jones, em junho de 1969. Também abaixo,
The Beatles, Ringo Starr, Paul McCartney,
John Lennon e George Harrison, durante
a transmissão via satélite em junho de 1967,
e Paul McCartney ao telefone em 1968








 


Retratos de grandes lendas


Em 1976, Alec Byrne recebeu uma oferta de trabalho para Los Angeles e se mudou definitivamente de Londres. Nos Estados Unidos, passou a trabalhar com outras pautas além da cobertura de música e terminou abrindo sua própria agência de fotografia, passando a se dedicar em seguida às funções administrativas. Desde então seus arquivos ficaram guardados e, com o passar do tempo, apenas uma ou outra foto foi comercializada para ilustrar álbuns em lançamento ou reportagens sobre grandes lendas da história do rock. No livro, ele recorda que a primeira grande perda aconteceu em Londres, em 1971, quando um incêndio destruiu o estúdio em que ele trabalhava, destruindo grande parte de seu acervo.







Não foi a única perda na trajetória do fotógrafo: durante a mudança para os Estados Unidos, centenas de outros negativos foram danificados pela água do mar no vazamento de um contêiner no navio, durante a travessia do oceano Atlântico. Anos depois, em 1994, o terremoto com magnitude de 6,7 que atingiu Los Angeles destruiu o antigo prédio em que ficava o escritório de Byrne e novamente centenas de negativos foram danificados ou definitivamente perdidos. Nos anos seguintes, vieram um outro incêndio e depois um alagamento que atingiram a casa em que ele morava em Los Angeles, novamente provocando perdas definitivas em fotos ampliadas e em seus negativos. O material que sobreviveu a tantos acidentes permaneceu guardado, ou esquecido, até ser redescoberto pelo fotógrafo.









                             




Cenas da Era do Rock: no alto, Bob Dylan
na entrevista coletiva, minutos antes de subir
ao palco no Festival da Ilha de Wight em 1969;
acima e abaixo, Jim Morrison à frente da
banda The Doors no palco da
Roundhouse, em setembro de 1968.

Também abaixo, Jimi Hendrix no palco do BBQ
em maio de 1967; Led Zeppelin no show "Eletric Magic",
em novembro de 1971; Tina Turner no Empire Pool,
em 1972; Grace Slick à frente da banda
Jefferson Airplane, em uma rua de Londres,
em 1970; e The Yardbirds na formação original,
com Jimmy Page à frente, nas gravações
de um especial para a BBC em 1967.

Também abaixo, Chuck Berry no palco do
Hard Rock, em 1973; Bob Marley na sessão
de fotos no Montcalm Hotel, em 1975;
e Aretha Franklin no camarim antes do
show no Hammersmith Odeon em 1968


 

 







                                    






 

Impacto emocional


Ao recordar sua trajetória e a história de suas fotografias, Alec Byrne conta que o entusiasmo que teve ao ter seu trabalho publicado pela primeira vez pelas revistas “New Musical Express” e “Melody Maker” mudou sua visão de mundo e o levou a um caminho que ele nunca havia planejado ou cogitado. Em 1969, aos 20 anos, ele fundou sua própria agência de fotografia em Londres e começou a vender fotos para revistas de todo o mundo. A trajetória seguiu uma linha ascendente por mais de uma década de shows e encontros com músicos e bandas em entrevistas e sessões de lançamentos e gravações, até que no final dos anos 1970, também por um acaso não planejado, Alec Byrne assumiu cada vez mais as funções de empresário e “aposentou-se” da música e dos ambientes do rock e seu acervo de imagens foi para as caixas de arquivo, onde permaneceu praticamente intocado e inédito durante décadas.

Quando eu estava fazendo essas fotografias, a princípio ainda adolescente, não tinha ideia – absolutamente nenhuma – de que estava registrando um dos momentos mais influentes da história da cultura pop. Na época, simplesmente senti que havia descoberto um ótima maneira de ganhar dinheiro e seguir a vida. Eu adorava tudo aquilo, mas a vida era agitada e não havia tempo para refletir sobre o que tudo significava”, confessa Alec Byrne, na apresentação ao livro. “Acho que uma das razões pelas quais todas essas fotografias ficaram guardadas nas caixas por tanto tempo é porque eu sempre pensei no que elas significavam para mim. Nunca me ocorreu, até depois das primeiras apresentações em público, o quanto estas imagens significavam também para outras pessoas. É maravilhoso, apesar dos incêndios, das inundações e do terremoto, e depois de todos esses anos, finalmente poder compartilhar estes retratos com outras pessoas e saber que o impacto das emoções que eles registram também significa muito para tanta gente”.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Cenas da Era do Rock. In: Blog Semióticas, 11 de novembro de 2021. Disponível em https://semioticas1.blogspot.com/2021/11/cenas-da-era-do-rock.html  (acessado em .../.../…).


Para comprar o livro "London Rock: The Unseen Archive",  clique aqui.
















23 de dezembro de 2019

A noite do Natal de Banksy




Natal nos traz de volta às ilusões da infância, recorda 
aos mais velhos os prazeres da juventude e transporta 
os viajantes de volta à lareira e à tranquilidade do lar. 

–– Charles Dickens, The Pickwick Papers (1836). 


O artista mais polêmico, mais político, mais surpreendente e mais misterioso de nossa época, do qual ninguém sabe realmente a verdadeira identidade, no melhor estilo lendário dos super-heróis que mantêm a identidade em segredo para salvar o mundo, registrou em dose dupla, em latitudes bem distantes no mapa do Hemisfério Norte, suas mensagens polêmicas e políticas para o Natal de 2019. As novas obras com a assinatura provocadora de Banksy surgiram às vésperas do Natal na cidade de Birmingham, na Inglaterra, e na cidade palestina de Belém (Bethlehem), na Cisjordânia – terra natal do mítico Rei Davi nos relatos da Bíblia Sagrada e também, segundo a tradição do Cristianismo, o verdadeiro local do nascimento de Jesus Cristo.

A autenticação das novas obras de Banksy com mensagens sobre o Natal foi feita pelo próprio artista na Internet, em seu site oficial e na conta que ele mantém no Instagram. A obra que surgiu em Birmingham é uma declaração poderosa do artista e militante político de esquerda sobre os relatórios oficiais que confirmam o aumento da pobreza e da falta de moradia no Reino Unido: Banksy grafitou em um muro, ao lado de um banco público onde com frequência dormem moradores de rua, a imagem de duas renas de Papai Noel, figuras típicas dos enfeites mais apreciados nas festas natalinas. Na cidade palestina de Belém, o artista montou a instalação de um pequeno presépio tradicional, com as figuras de Maria, José, o menino Jesus recém-nascido na manjedoura do estábulo e alguns animais, próximo a um muro perfurado por tiros da artilharia pesada dos soldados do Estado de Israel.




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A noite do Natal de Banksy: no alto, as renas
de Papai Noel grafitadas junto a um banco
de rua na cidade de Birmingham, Inglaterra.
Acima, as renas fotografadas à luz do dia e
a multidão que se formou ao saber da notícia
do novo trabalho do misterioso grafiteiro.
Abaixo, o vídeo postado por Banksy em
sua página oficial no Instagram para
confirmar a autoria de sua nova obra


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Mantendo sua condição décadas como um dos grandes mistérios do mundo da arte, Banksy também publicou em sua página no Instagram um pequeno vídeo sobre a nova obra na Vyse Street, uma área de joalherias e lojas de grifes luxuosas em Birmingham. Em poucos minutos, o enquadramento em câmera fixa mostra no grafite as duas renas prestes a voar arrastando o banco que substitui o trenó do Papai Noel. Na trilha-sonora, a canção “I'll Be Home for Christmas” (Eu estarei em casa no Natal) – um clássico nostálgico que todo final de ano retorna em filmes, programas de TV e anúncios de publicidade, desde que foi lançada em 1943, por Bing Crosby, para homenagear os soldados que passariam o Natal nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial, e que foi regravada, entre muitos outros, por Ella Fitzgerald, Nat King Cole, Frank Sinatra, Elvis Presley e The Carpenters. No vídeo de Banksy, um morador de rua, identificado na legenda como “Ryan”, se prepara para passar a noite deitado no banco, na calçada da rua, sob as estrelas, enquanto passam pessoas e carros. “Deus abençoe Birmingham”, diz a legenda.



A cicatriz de Belém



Na cidade palestina de Belém ocupada por tropas militares do Estado de Israel, a mensagem de Banksy para o Natal de 2019 não é nem menos polêmica nem menos política que as duas renas mágicas de Papai Noel arrastando, no lugar do trenó, o banco de rua usado como cama pelos sem-teto de Birmingham. O pequeno presépio, batizado pelo artista como “Scar of Bethlehem” (A cicatriz de Belém), foi instalado na rua, em frente ao muro construído por Israel para impedir o acesso do povo palestino, bem na entrada do The Walled-Off Hotel (Hotel cercado) – uma peça de resistência que o próprio Banksy inaugurou em 2017 com o slogan provocador de “o pior hotel do mundo” e que mistura, aos aposentos para hospedagem de turistas, as funções como museu para abrigar seu acervo de arte de contestação e como manifesto político e ideológico em protesto pela violência dos israelenses contra os palestinos na região.







A noite do Natal de Banksy: no alto e acima,
o presépio instalado na rua, em Belém, na
Cisjordânia, em frente ao muro construído pelo
Estado de Israel contra o povo da Palestina.

Abaixo, detalhe das figuras do presépio
e a pintura de 2005 em que Banksy retrata o
muro de Israel como uma barreira que impede a
entrada de José e Maria na cidade de Belém







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No presépio de Banksy, as figuras tradicionais da sagrada família estão posicionadas diante de um pedaço do muro que foi perfurado por um tiro, disparado por artilharia de guerra, cujo formato em quatro pontas acima de José, de Maria e do menino Jesus, rodeados por uma vaca e um burro, faz lembrar a estrela de Natal. No pedaço do muro atrás do presépio é possível ler em grafites meio apagados as palavras rabiscadas em inglês e francês: amor e paz. O árabe Wissam Salsaa, um dos funcionários contratados por Banksy para administrar o Hotel Walled-Off, declarou às agências de notícias que a instalação do presépio na rua, pelo artista e militante político, simboliza uma “cicatriz da vergonha” pela violência que o muro representa e, também, um protesto contra todos que apoiam a ocupação ilegal dos territórios palestinos pelas tropas militares e pelos assentamentos de colonos financiados pelo Estado de Israel.

O muro começou a ser construído por Israel na Cisjordânia em 2002, como barreira contra o povo da Palestina, com extensas fileiras de blocos de concreto maciço de mais de oito metros de altura. Em 2004, o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, principal órgão judiciário da ONU, declarou que a construção do muro era ilegal e determinou que ele deveria ser removido, mas o Estado de Israel não cumpriu a determinação do parecer e continuou com a construção da barreira e com novas ocupações forçadas em territórios palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Símbolo das ocupações, a barreira de concreto construída por Israel tem sido uma fonte de inspiração para a arte subversiva de Banksy, que fez várias pinturas no muro e criou um novo modelo de resistência com sua mistura de arte e política, amplificando para o mundo a voz de protesto dos palestinos e transformando o espaço, que representa violência e segregação racial, em uma atração turística.








A noite do Natal de Banksy: no alto,
a pomba branca da paz, que no território
palestino ocupado pelas tropas militares do
Estado de Israel usa colete à prova de balas.

Acima e abaixo, a fachada do The Walled-Off Hotel
instalado por Banksy na fronteira da Cisjordânia,
em frente ao muro de Israel. Também abaixo,
detalhes do hotel e do muro; o saguão do
hotel; uma hóspede em um dos quartos;
e a janela do quarto com luneta e vista
para o "muro da vergonha"



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Criações subversivas



Com o passar dos anos a popularidade e a surpreendente criatividade de Banksy só vêm aumentando, com grafites e murais de arte e política pintados por ele clandestinamente em Bristol, na Inglaterra, que se supõe ser sua terra natal, em Londres e em outras cidades de vários países pelo mundo afora – o que faz muitos questionarem se as obras personalíssimas de Banksy são criações subversivas de um só artista ou resultado de um trabalho coletivo que mobiliza apoiadores e co-autores espalhados em outras latitudes, distantes das fronteiras da Inglaterra. Além da cena do presépio e do Hotel Walled-Off instalados na Cisjordânia, no muro de Israel contra os palestinos estão diversos trabalhos de Banksy pintados por ele sob disfarce nos últimos anos, alguns destacados entre suas obras mais populares. Lá estão, entre outros, a menina de vestido rosa revistando o soldado israelense fortemente armado e de mãos para cima, assim como a imagem de uma escada que convida o observador a subir e pular o muro ou o ativista em preto e branco com máscara prestes a atirar, no gesto de protesto, um buquê de flores coloridas.

Outras imagens de Banksy no “muro da vergonha” incluem a garotinha levada ao céu por balões coloridos, uma janela que rompe o concreto e abre para uma pacífica paisagem de montanhas – e também a pomba branca que traz no bico um ramo de oliveira, símbolo da paz desde o Antigo Testamento da Bíblia. No grafite de Banksy, porém, a pomba branca da paz, nos territórios palestinos ocupados pelas tropas de Israel, veste um colete à prova de balas e tem o coração marcado à distância na mira de uma arma. Outra obra muito conhecida de Banksy que aborda uma cena tradicional de Natal é uma pintura feita por ele em 2005 mostrando a passagem bíblica da Natividade descrita nos evangelhos: na versão de Banksy, José e Maria, antes do nascimento do menino Jesus, são impedidos de chegar a Belém pela barreira do muro construído na Cisjordânia pelos israelenses.









A noite do Natal de Banksy: no alto,
a gravura Garota com balão e a cena
espetacular da destruição da obra
durante o leilão na Sotheby's de Londres.

Acima, a tela com chimpanzés no lugar dos
parlamentares do Reino Unido, que bateu
recorde em leilão recente também na
Sotheby's. Abaixo, detalhes da tela
com a atuação dos chimpanzés









Além das obras com mensagens para o Natal em Birmingham e na Cisjordânia, Banksy tem sido notícia com grande destaque internacional em diversas ocasiões nos últimos meses. Em outubro de 2018, houve a destruição espetacular de sua obra em um disputado leilão na Sotheby’s, em Londres. Após ser vendida pelo preço recorde de um milhão de libras (mais de R$ 6 milhões), a gravura “Garota com balão” foi destruída por um triturador de papel que estava escondido na moldura e foi misteriosamente acionado por controle remoto, diante do espanto da equipe de leilões e da plateia com imprensa e compradores. A obra havia sido grafitada em um mural em Londres, em 2002, mas foi destruída por vândalos, o que levou Banksy a fazer cópias em papel, sendo uma delas a que foi triturada no leilão da Sotheby’s.



Cotações em alta e crise global



Também na Sotheby’s, um ano depois da destruição espetacular de “Garota com balão”, Banksy bateu um novo recorde: em 3 de outubro de 2019, sua irônica e monumental pintura em óleo sobre tela, chamada de “Devolved Parliament” (Parlamento devolvido ou parlamento “involuído”), que mostra chimpanzés no lugar de deputados no Parlamento Britânico, atingiu um valor muito acima das expectativas e foi vendida a um comprador anônimo por 12 milhões de dólares, equivalente a 9,8 milhões de libras ou mais de R$ 50 milhões. O quadro, medindo 4,46 metros por 2,67 metros – a maior tela conhecida do artista – foi pintado em 2009 e havia sido doado por Banksy para uma exposição no Museu de Bristol. Os recordes de preços elevaram ainda mais as cotações para obras do artista e outros leilões já estão anunciados para os próximos meses, à revelia de Banksy, colocando à venda obras que foram retiradas de espaços públicos e das ruas contra sua vontade.







A noite do Natal de Banksy: no alto
e acima, a obra apresentada por Banksy
no Natal de 2018 em um terreno baldio
em Port Talbot, no País de Gales.

Abaixo, a criança migrante pede socorro
grafitada nas ruínas do canal na
cidade de Veneza, na Itália





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Banksy também ganhou destaque no Natal de 2018 com um mural sobre o tema da pobreza e dos moradores de rua, além de marcar presença em 2019 durante um dos principais eventos mundiais do mundo das artes, a Bienal de Veneza, na Itália, que aconteceu em maio. Às vésperas do Natal do ano passado, um outro surpreendente mural de Banksy surgiu em Port Talbot, cidade ao sul do País de Gales, no Reino Unido. A obra, pintada em paredes de um terreno baldio, mostrava uma criança com os braços abertos apreciando as cinzas de uma fogueira que caíam como neve. A imagem da fogueira, queimando em uma caixa, lembra o fogo aceso pelos sem-teto nas ruas e por pessoas que tentam evitar o frio em abrigos para imigrantes.

Em Veneza, Banksy marcou presença com uma obra grafitada em um dos canais por onde trafegam as gôndolas tradicionais e com uma performance não autorizada em uma praça da cidade durante a Bienal. A obra grafitada surgiu no canal do distrito de Dorsoduro, chamando atenção para o drama mundial dos refugiados – um tema cada vez mais frequente na arte de Banksy. O mural mostra uma criança migrante grafitada em uma antiga construção em ruínas que fica submersa quando sobem as marés. A criança, com expressão de tristeza no rosto, veste um colete salva-vidas e segura com o braço erguido um sinaleiro que está aceso com chama e fumaça na cor rosa-choque, do tipo usado pelas embarcações nos mares e nos rios para indicar à distância algum perigo ou acidente e para pedir por socorro.







A noite do Natal de Banksy: no alto
e acima, a performance na praça durante
Bienal de Veneza e vídeo publicado
por Banksy no Instagram para registrar
sua autoria e a reação da plateia.

Abaixo, a fachada principal e uma
das vitrines da loja criada por Banksy
em uma esquina de Londres




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Identidade secreta e direitos autorais



Também em Veneza, Banksy instalou sem autorização na praça principal uma barraca exibindo uma montagem com uma série de pinturas a óleo. Vistas no conjunto, as obras emolduradas formavam a figura de um enorme e luxuoso navio de cruzeiros em um largo canal, cercado por pequenos barcos de gôndolas. Pelo Instagram, Banksy confirmou sua autoria para a imagem grafitada e para a instalação na praça. Ele também postou um vídeo de um minuto mostrando sua enigmática instalação e a pequena multidão que se formou ao redor, com pessoas questionando a mensagem política da montagem, até a chegada da polícia local para pedir que a exposição fosse desmontada. “Apesar de ser o maior e mais prestigiado evento de arte do mundo”, escreveu ele com ironia no Instagram, “por algum motivo, nunca fui convidado”. Ele não confirmou, mas é possível que o protagonista do vídeo, que usa chapéu e não mostra o rosto, seja o próprio Banksy.

As questões sobre a verdadeira identidade e sobre direitos autorais são também as notícias mais recentes sobre Banksy. Em outubro, ele mais uma vez surpreendeu a todos a abriu uma loja em Londres, em Croydon, um espaço na esquina com amplas vitrines que antes abrigavam uma tradicional loja de tapetes. Para não fugir à regra das atitudes incomuns do artista, não se trata de uma loja convencional, porque nada pode ser comprado ali e as portas não serão abertas ao público. Trata-se de uma estratégia para garantir direitos legais e registrar a marca “Banksy”, já que uma editora de cartões e agendas da Inglaterra iniciou a comercialização sem autorização de produtos que trazem impresso o nome Banksy. Por orientação de advogados, o próprio Banksy vai comercializar réplicas de suas obras e artigos que trazem seu nome para garantir seus direitos como marca registrada. A loja em Croydon, chamada Gross Domestic Products (Produto interno bruto), na verdade é uma vitrine, já que as vendas serão feitas exclusivamente pela Internet.







A noite do Natal de Banksy: no alto,
e também acima e abaixo, uma amostra
das imagens inéditas de Banksy em ação,
bem de perto, fotografado por seu antigo
parceiro Steve Lazarides e apresentadas
como divulgação para o livro autobiográfico
recém-lançado pelo próprio Lazarides,
"Banksy Captured". No final da página,
Banksy posando para a foto de Lazarides
e um registro do grafite original de 2002
Garota com balão 
em uma rua de Londres 





Há também um livro de memórias e de fotografias que está sendo lançado neste final de ano por Steve Lazarides, fotógrafo, artista plástico, curador de galerias, antigo colaborador de Banksy e, tal como ele, também nascido na cidade de Bristol. O livro ilustrado de Lazarides, chamado “Banksy Captured”, traz em 256 páginas muitas fotografias que registram o próprio Banksy em ação, visto bem de perto, mas devidamente de costas, ou com o rosto encoberto por sombras, por um chapéu ou pelo capuz de um moletom, além de uma ou outra tarja impressa para evitar a identificação, em relatos de aventuras anárquicas e fascinantes sobre a criação de algumas obras e sobre os 11 anos da parceria iniciada na década de 1990. Detalhe importante: Banksy e Lazarides romperam relações e não se falam há anos, nem por e-mail.

Mesmo com as revelações anunciadas pelo novo livro, Banksy e seus tantos mistérios continuam a gerar dúvidas e especulações. Em nossa era de extrema vigilância de câmeras e de infinitos aparatos de segurança, de reconhecimento facial automático e de milhões de dispositivos eletrônicos conectados às mídias sociais, é impressionante como Banksy consegue há décadas manter sua identidade em anonimato. Como ele faz isso? Steve Lazarides responde na primeira página de seu livro. “Banksy é muito bom em escolher as pessoas em quem ele confia. O círculo interno é muito leal, ninguém nunca se voltou contra ele”, escreve o antigo parceiro. Diante da complexidade criativa de sua arte que questiona e reflete uma compaixão genuína pelas causas sociais, o que nos resta senão desejar que toda lealdade sobreviva para garantir sorte e vida longa ao talentoso Banksy?



por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. A noite do Natal de Banksy. In: Blog Semióticas, 23 de dezembro de 2019. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2019/12/a-noite-do-natal-de-banksy.html (acessado em .../.../...).














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