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16 de outubro de 2012

Lista vermelha da extinção







Provavelmente todos os seres orgânicos que já viveram
nesta terra descenderam de uma única forma primordial,
na qual a vida foi primeiramente soprada pelo Criador.

–– Charles Darwin, "A origem das espécies" (1859).  



O aumento do desmatamento na Amazônia colocou mais de 200 espécies e subespécies de animais e pássaros em risco maior de extinção, segundo a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês). Os dados pessimistas, que fazem parte do relatório de atualização da lista vermelha de espécies ameaçadas em todo o planeta, foram apresentados em Hyderabad, na Índia, onde aconteceu a 11ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP11), megaevento que reuniu Chefes de Estado e ministros de 170 países, incluindo o Brasil, para avaliar o progresso em direção às metas para proteger a vida na Terra.

Entre os relatórios internacionais impactantes apresentados em Hyderabad está a lista de espécies declaradas oficialmente extintas neste começo de século e de milênio. São 10 espécies, incluindo dois pássaros da Amazônia brasileira, o João-de-barba-grisalha (Synallaxis kollari) e o Chororó-do-rio-branco (Cercomacra carbonaria), e o lendário Demônio da Tasmânia (Thylacinus cynocephalus). A única esperança para evitar a completa extinção é que, pelo fato de terem sumido da natureza há pouco tempo, alguns espécimes possam ter sobrevivido em zoológicos, centros de pesquisa ou locais ermos pelo mundo afora.

A conferência das Nações Unidas, concebida para proteger os recursos naturais do planeta, começou com o impacto das listas de espécies em extinção e muitos apelos para assegurar que a biodiversidade não se torne uma vítima da crise financeira global. Segundo a Agência Brasil, os delegados brasileiros e de outros países que participam da reunião de cúpula da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), um dos tratados resultantes da Cúpula da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, alertam que o mundo tem apenas uma década para evitar uma extinção generalizada das espécies, que também representa uma ameaça real e terrível para a Humanidade.









Lista vermelha da extinção: no alto,
nativos do Zimbawe, na África, posam
com um crocodilo gigante caçado pela
tribo no início de 2012 (AP Photo).
Acima, registro de queimada em setembro
de 2012 na Amazônia e mais um massacre
que tem se tornado corriqueiro: uma
carga clandestina de mais de 400 filhotes
de papagaios de uma subespécie
desconhecida, a maior parte morta
durante 
a viagem, apreendida pela
polícia em 
outubro de 2012 em um
veículo no 
interior de São Paulo.

Abaixo, uma 
revoada de periquitos
na Amazônia 
fotografada em janeiro
de 2012 por 
Tim Laman para a edição
internacional 
da revista National Geographic.
Também 
abaixo, uma estatística recente
publicada pela União Internacional para a
Conservação da Natureza (em inglês, IUCN) 






.   





Os números, compilados a cada quatro anos pela União Internacional pela Conservação da Natureza, são impressionantes: quase a metade das espécies de anfíbios, um terço dos corais, um quarto dos mamíferos, um quinto de todas as plantas e 13% das aves do planeta correm risco de extinção, segundo a “Lista Vermelha” das espécies ameaçadas. A relação incluiu 402 espécies na categoria "ameaçado de extinção", totalizando 20.219. A lista completa tem 65.518 espécies, considerando outras categorias, como "quase ameaçado" e "extinto".

A última conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), celebrada em Nagoya, no Japão, havia adotado em 2010 um plano mundial para reverter a perda da biodiversidade até 2020. Mas, desde então, tem sido difícil para os comitês e emissários da ONU levantar centenas de bilhões de dólares necessários para financiamentos. Especialmente nos dias atuais, em que os países desenvolvidos estão às voltas com quadros de crise econômica.



Criticamente ameaçados



Entre as muitas espécies da Amazônia incluídas na “lista vermelha” está o Chororó-do-rio-branco (Cercomacra carbonaria), marcado como “próximo da extinção”. De acordo com a associação internacional BirdLife, a espécie ocupa áreas muito pequenas entre o Brasil e a Guiana. As maiores ameaças são a construção de novas estradas em seus habitats para servir à economia de gado e soja. De acordo com projeções atuais, estes habitats terão desaparecido completamente em 20 anos.

O BirdLife também rebaixou o João-de-barba-grisalha (Synallaxis kollari), da mesma região de Rio Branco, na Amazônia, de “ameaçado” para “criticamente ameaçado.” A organização afirma que o pássaro tem apenas 206 quilômetros quadrados de habitat adequado e eles podem encolher 83,5% nos próximos 11 anos. O relatório culpa o enfraquecimento do Código Florestal do Brasil pela taxa de desflorestamento na Amazônia e em todo o território brasileiro.









Dois pássaros brasileiros na
lista vermelha criada pelo
BirdLife, que indica situação
irreversível de extinção. Acima, o
Chororó-do-rio-branco. No alto,
João-de-barba-grisalha. Abaixo,
um flagrante feito pelo fotógrafo
Chico Ribeiro sobre a destruição e o
impacto do criminoso Agronegócio
para exportação nas áreas do Pantanal,
na região centro-oeste do Brasil, que
perdeu mais de 75% de suas águas
e suas nascentes nos últimos anos











A “lista vermelha” do BirdLife cobre mais de 10 mil espécies de pássaros no mundo, 197 dos quais aparecem como “criticamente ameaçadas”. Além disso, 389 aparecem como ameaçadas, 727 como vulneráveis e 800 como “quase ameaçadas”. Apenas uma espécie da lista melhorou sua condição na atualização: um dos pássaros mais raros do mundo, o Pomarea (Pomarea dimidiata), avançou de “ameaçado” para “vulnerável”. Endêmico nas Ilhas Cook, no Pacífico Sul, tinha apenas 35 indivíduos em 1983. Esforços de conservação, incluindo programas de criação em cativeiro e remoção de predadores, aumentaram a população para 380 indivíduos.



Origem das espécies



Na época em que o termo "ecologia" foi descrito pelo biólogo alemão Ernst Haeckel (1834–1919) no seu livro “Generelle Morphologie der Organismen” (1866), para designar o estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente em que vivem, o mundo natural considerado estático e sem mudanças desde a criação original já havia sido questionado pelo estudo genial do naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809–1882). A teoria de Darwin ainda hoje soa como revolucionária, mas ele conseguiu convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução ao reunir algumas hipóteses para explicar seu raciocínio sobre como o processo aconteceu durante milhares de milhões de anos. Segundo Darwin, a evolução, ao passo da seleção natural, deu origem à diversidade de espécies vegetais e animais pelos quatro cantos do planeta Terra.







Charles Darwin e o percurso da viagem
 de pesquisa no século 19, a bordo do barco
inglês HMS Beagle. Abaixo, iguana no
parque dedicado à memória de
Charles Darwin nas Ilhas Galápagos,
no Oceano Pacífico, território do
Equador, fotografada por David Braun










Em seu livro de 1859, "A Origem das Espécies” (em inglês, On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life), Darwin introduziu ideias que, em sua época e no século seguinte, levariam a comunidade científica a perceber que as novas descobertas do naturalista acabavam com a importante distinção entre homem e animais. Em paralelo a outras revoluções científicas em curso em seu tempo, o naturalista inglês marcou um capítulo dos mais fundamentais na civilização contemporânea.

Mais de 150 anos depois da publicação dos estudos revolucionários de Darwin, a lista atualizada de animais definitivamente extintos coloca em evidência o maior desafio que se impõe em nossos dias à espécie humana: a preservação da vida no planeta Terra. A lista de animais e plantas ameaçados de extinção é extensa e potencialmente infinita, ainda que mídia e opinião pública concentrem alguma referência somente em baleias, ursos polares e pandas. Veja, na listagem abaixo, alguns tristes registros de espécies que entraram para a “lista vermelha” da extinção.



Extintos no século 20







Rinoceronte Negro   Subespécie que teve por habitat Camarões, na África Ocidental, o Rinoceronte Negro Africano (Diceros bicornis longipes) foi oficialmente declarado extinto em 2011. O motivo: caça implacável para a venda de seus chifres no mercado negro. Aos chifres são atribuídas propriedades terapêuticas e afrodisíacas, embora não haja comprovação científica.







Tartaruga Gigante de Galápagos   Última das tartarugas gigantes (subespécie Chelonoidis nigra abingdon) que dão nome às Ilhas Galápagos, do Equador, o mundialmente famoso Jorge Solitário morreu em junho de 2012, aos 100 anos de idade. Outras espécies de tartaruga da ilha também estão sob risco, devido à baixa taxa de crescimento da população, a maturidade sexual tardia e o endemismo da espécie.

 







Tigres ou Lobos da Tasmânia em
fotografias do Zoológico de Hobart,
Austrália, datadas da década de
1930. Acima, exemplar mumificado 
atualmente em exibição na
Universidade de Sidney



Tigre da Tasmânia –  Nativo da Austrália e da Nova Guiné, o Tilacino (Thylacinus
cynocephalus), mas conhecido como Tigre ou Lobo da Tasmânia (não confundir
com o Diabo da Tasmânia ou Demônio da Tasmânia, animal feroz retratado como
Taz no desenho animado da TV, que é parente dos ursos e que também está ameaçado de extinção) é considerado o maior marsupial conhecido dos tempos modernos. Foi extinto pela ação indiscriminada de caçadores e perda de habitat devido à ocupação humana. O animal tinha locomoção firme e um tanto esquisita, impossibilitando-o de correr em alta velocidade. Podia também realizar um salto bípede, de uma forma similar à do canguru. Os últimos exemplares morreram no Zoológico de Hobart, na Austrália, em 1936, mas apesar de ser oficialmente classificado como extinto, ainda há relatos de avistamentos em áreas mais
isoladas da Austrália.







Bucardo –  A subespécie de cabra Bucardo (Capra pyrenaicatem) tem uma das histórias mais interessantes entre os animais extintos, uma vez que foi a primeira espécie a ser “ressuscitada” por meio de clonagem, em 2003, morrendo apenas sete minutos depois de seu nascimento por insuficiência pulmonar. Era natural da cordilheira dos Pireneus, entre Andorra, França e Espanha. Sua população foi reduzida devido a uma perseguição lenta, mas contínua. No final da década de 1980, a população foi estimada entre 6 e 14 indivíduos. O último a nascer naturalmente morreu em 6 de janeiro de 2000, aos 13 anos.






Pardal Marinho  –  Subespécie não migratória encontrada no sul da Flórida, nas salinas naturais de Merritt Island e ao longo do rio St. Johns. O último Pardal Marinho (Ammodramus maritimus nigrescens) morreu em 17 de junho de 1987, mas só em 1990 o animal foi declarado oficialmente extinto. A população começou a declinar em 1940, quando as autoridades locais passaram a pulverizar a região pantanosa com pesticida, para controle dos mosquitos. O veneno contaminou a cadeia alimentar das aves, que gradativamente entraram em extinção.







Foca-monge do Caribe  –  Espécie descoberta por Cristóvão Colombo em sua segunda viagem à América, em 1494, a Foca-monge do Caribe foi declarada oficialmente extinta em 1952. Sobre ela escreveu Colombo: “Descobri um tipo maravilhoso de foca. São médias, tímidas e aparentemente têm boa pele, o que dá pra fazer casacos”. Daí em diante, o animal foi explorado como fonte de alimento (sua banha também era usada para iluminação e lubrificação) e para o comércio de peles. Desapareceu completamente a partir de 1952.







Huias  –  Nativas da Nova Zelândia, essas aves de plumagem preta, com a ponta das asas e cauda branca, papos laterais de cor laranja, foram extintas pela caça desenfreada. O exotismo das Huias (as fêmeas tinham bicos longos e curvados enquanto nos machos eles eram radicalmente curtos) e de outras espécies locais levaram os exploradores britânicos a fomentar a crença de que toda a flora e a fauna da colônia neozelandesa eram ruins e deveriam ser substituídas por variedades dos países europeus. O último registro visual confirmado de uma Huia ocorreu no final da década de 1970. 










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Caça ao tigre: lazer e aventura
para a "nobreza" e a aristocracia
da Europa, em suas viagens pelas
colônias do Oriente, foi uma prática
incentivada e celebrada desde
meados do século 19







Tigres de Java  –  Subespécie imponente, o maior dos felinos vivia na ilha de Java, na Indonésia. No início do século 19, eram tão temidos que tornaram a ilha um tabu para navegadores e colonizadores do Ocidente. Com o aumento da população humana e com queimadas fora de controle, a maior parte da ilha tornou-se área de cultivo, resultando em uma redução grave no habitat natural dos animais. Para se livrar do perigo, os homens caçavam os tigres. Os safáris de matanças, com o passar do tempo, seriam transformados em programa requintado de lazer e aventura para a aristocracia da Europa na ilha e nas demais colônias do Oriente. O último Tigre de Java foi caçado e morto no final do ano de 1972.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Lista vermelha da extinção. In: Blog Semióticas, 16 de outubro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/10/lista-vermelha-da-extincao.html (acessado em .../.../...).











12 de fevereiro de 2012

O cérebro de Alex







Não há diferença fundamental entre o ser humano e os
animais nas suas faculdades mentais. Os animais, assim
como todo ser humano, demonstram sentir prazer, dor,
felicidade, sofrimento. E, entre os homens ou entre os
animais, não é o mais forte que sobrevive, nem o mais
inteligente, mas sim aquele que melhor consegue
se adaptar continuamente a mudanças.

–– Charles Darwin (1809–1882).   



Quando Alex morreu, aos 31 anos, em setembro de 2007, os mais respeitados jornais dos Estados Unidos e Europa estamparam, nas primeiras páginas, a notícia, em manchete. A morte de Alex também foi destaque em redes como a CNN e reproduzida em TVs, sites da Internet, rádios e revistas do mundo inteiro, inclusive no Brasil. Foi uma comoção. Até mesmo a revista inglesa "The Economist", que tem na sua seção de obituário um dos espaços lendários e mais celebrados do jornalismo contemporâneo, pela primeira vez abriu uma exceção aos grandes nomes da "intelligentsia" e também homenageou Alex. Outra comoção.

Nos Estados Unidos, o programa "Good Morning, America", campeão de audiência matinal da rede ABC, também abriu um precedente em décadas: pela primeira vez, uma única notícia ocupou todo o tempo do programa, que bateu seus próprios recordes de audiência com a reportagem sobre a morte de Alex – o representante mais famoso da espécie conhecida como papagaio-cinzento africano, que é, entre todos os pássaros, o que melhor imita a voz humana. A comoção internacional provocada pela morte de Alex veio completar seu status de celebridade, conquistado em muitas reportagens e participações ao vivo em programas de TV nos últimos 30 anos. Para além da repercussão que a notícia da morte do papagaio causou na imprensa, a história de vida de Alex é, no mínimo, inusitada.

Ele foi comprado por uma cientista norte-americana, Irene Maxine Pepperberg, quando tinha apenas um ano de idade. Viveram juntos por três décadas, dividindo experimentos sobre linguagem nas universidades de Harvard, Branleis e Massachusetts, onde Irene trabalha como professora de psicologia e cognição animal. Alex conquistou a fama por conta de domínio de certas habilidades quase inacreditáveis, em se tratando de um papagaio. O pássaro inteligente e falante e a cientista motivada mantiveram uma relação apaixonada, intensa e estável – que trouxe avanços consideráveis na pesquisa sobre linguagem e comportamento animal.













Além do progresso científico resultante dos experimentos com Alex, a doutora Irene também contabilizou problemas e desafetos com outros cientistas, que a acusavam de invalidar a pesquisa pelo envolvimento emocional que mantinha com o papagaio. Irene também perdeu o marido, que a abandonou em um momento de crise, e mudou várias vezes de emprego, o que obrigou a cientista e o papagaio a muitos sacrifícios financeiros e a longos períodos de vida nômade entre mais de uma universidade.



Habilidades cognitivas



Os experimentos da doutora Irene com Alex e a história da vida cotidiana dos dois durante exatos 30 anos estão contados pela cientista em documentários e em livros que são best-sellers no mundo inteiro, incluindo a série "The Alex Studies - Cognitive and communicative abilities of gray parrots". Os bastidores do convívio e as peripécias da pesquisa revolucionária e polêmica – que em muitos momentos variam de aspectos filosóficos a mal-entendidos hilários, dignos de cenas típicas das comédias do grupo Monty Python – também resultaram no relato autobiográfico "Alex e Eu", publicado no Brasil pela editora Record, um livro que tem atrativos tanto para pesquisadores da linguagem ou do comportamento animal como para o leitor que pretende apenas acompanhar uma história divertida e muito fora do comum.












O que nunca deixou de surpreender nas experiências e avanços científicos alcançados por Irene e Alex é a inteligência do papagaio – que nas palavras da própria cientista "abriu uma janela para o vasto mundo da mente dos animais". Nos experimentos em casa e no ambiente acadêmico, Alex estabelecia diálogos "inteligentes" com Irene e demonstrava domínio incomum sobre formas simbólicas, tais como letras, palavras e números.

Alex, segundo os relatos de Irene – todos com credenciais de equipes científicas – também dominava um extenso vocabulário em inglês, sabia somar e identificava corretamente cores, objetos e conceitos abstratos como "maior" e "menor", "mais" e "menos", "longe" ou "perto", "todos" ou "nenhum", "verdadeiro" ou "errado".

Em seus relatórios de pesquisa, a professora descreve passagens cotidianas e lembra histórias de outros animais que desafiaram cientistas, entre eles, o lendário cavalo alemão Clever Hans, que era apresentado em grandes espetáculos em teatros e exposições: seu proprietário solicitava perguntas à audiência, que quase sempre tratavam de números e operações matemáticas complexas. Clever Hans nunca falhou – provocando a ira dos céticos e dos cientistas enquanto viveu.










O cérebro de Alex: a partir do alto,
fotografias do papagaio Alex e a cientista 
Irene Maxine Pepperberg. Acima,
o cavalo Clever Hans em ilustrações do
começo do século 20. Clever Hans foi a
 sensação das feiras populares em Leipzig,
na Alemanha, e em outras cidades da
Europa. Abaixo, Clever Hans fotografado
em 1904 e em 1909, durante apresentações
com seu treinador Von Osten. Uma
comissão de cientistas comandada
pelo psicólogo Oskar Pfungst concluiu,
em um polêmico e muito questionado
relatório publicado em 1907, que o cavalo
apenas obedecia a uma série de
sinais corporais de seu treinador








 



O caso de Alex com a cientista norte-americana Irene Pepperberg e outros registros comprovadamente verdadeiros – como o lendário cavalo alemão Clever Hans, que a cada apresentação em teatros e exposições atraía multidões em cidades e feiras da Europa, no começo do século 20 – não são casos isolados envolvendo um animal inteligente. Muito pelo contrário.

Seja na vida cotidiana ou na ficção, animais inteligentes povoam a imaginação humana há milênios, como comprovam relatos da mitologia na Antiguidade Clássica, passando pela Bíblia e outros livros sagrados, pelas histórias de Sherazade nas Mil e Uma Noites e pelas tantas fábulas medievais. Há também os clássicos da literatura universal, com destaque para a gigantesca baleia branca “Moby Dick” (1851), de Herman Melville.






O cérebro de Alex: acima, ilustração do
chileno Ricardo Martinez para a edição
de Moby Dick em espanhol, lançada pelo
El País” em 1980. Abaixo, alguns astros
do cinema e da TV e seus animais
supostamente "inteligentes": o mais famoso
Tarzan, com Johnny Weissmuller e o
chimpanzé Cheeta, famosos pelas séries de
cinema nas décadas de 1930 e 1940 (na imagem
em cores, com Maureen O'Sullivan e Johnny
Weissmuller durante as filmagens de
Tarzan, O homem macaco, filme de 1932);
e Brian Kelly, Luke Halpin e Tommy Norden
em cena de Flipper, série de sucesso da NBC
produzida de 1964 a 1967 sobre o golfinho
que era animal de estimação dos filhos de
um oficial da guarda costeira na Flórida.

Também abaixo, o lendário Cabo Rusty,
na atuação de Lee Aaker e seu cão, o pastor
alemão Rin-Tin-Tin, no filme de 1954 que
deu origem à série de TV produzida de 1954
a 1957 e que valeu a cão uma estrela na
Calçada da Fama em Hollywood; a pequena
Elizabeth Taylor, estreando no cinema ao lado
da cadela da raça Collie, Lassie, no filme
de 1943 Lassie Come Home; e o brasileiro
Carlos Miranda em O Vigilante Rodoviário,
junto com Lobo, o cão Pastor Alemão,
no primeiro dos seriados produzidos
para cinema e TV no Brasil, na
década de 1960, pela extinta TV Tupi










Estrelas do cinema e da TV



Assim como o cavalo lendário de 1900 ou o caso recente de Alex, há os animais "inteligentes" que chegaram ao estrelato no cinema e na televisão, no decorrer do último século – como o chimpanzé Cheetah, companheiro inseparável do Tarzan dos anos 1930 e 1940 (papel que tornou célebre o nadador olímpico Johnny Weissmuller), os diversos papagaios inteligentes que falam coisas indiscretas e revelam segredos, com ou sem a companhia de piratas, o golfinho Flipper, que propagou no senso comum a ideia de que golfinhos têm uma inteligência surpreendente, ou os cães Rin-Tin-Tin e Lassie, e até o pastor alemão Lobo, parceiro do Vigilante Rodoviário no primeiro dos seriados brasileiros produzidos para o cinema e para a TV, entre vários outros astros e estrelas do mundo animal.

Como sempre acontece, o papagaio Alex foi acusado frequentemente por expoentes da comunidade científica internacional de ser apenas uma fraude, um truque ilusionista forjado por treinamentos cruéis e intensivos. Mas curioso é que a suposta fraude nunca ficou provada, e Alex seguiu surpreendendo cada vez mais a todos por anos e anos. Às vezes, ficava entediado com as repetições dos experimentos e pedia para terminar – outras vezes também pregava peças para provocar a cientista e as bancas examinadoras, errando de propósito e depois pedindo desculpas pelo erro que era, na verdade, travessura.

 








"Ao usar Alex como exemplo", registra a autora, numa das muitas passagens confessionais de "Alex e Eu", lembrando que há mais de quatro mil anos os humanos convivem com os papagaios como animais domésticos – "consegui convencer muitos céticos que o abismo existente entre humanos e animais não é tão grande como se pensa".



Discípulos no mundo inteiro



As lições de Irene Pepperberg atingiram muitos discípulos no mundo inteiro. Para o consultor de comportamento animal e treinador Yuri Domeniconi, brasileiro que acompanhou a história de Alex e Irene por mais de 20 anos e utiliza métodos parecidos em seu trabalho, o grande mérito do trabalho da cientista norte-americana foi estabelecer um capítulo importante não só para a pesquisa acadêmica, mas para a história da humanidade.














"A doutora Irene tem hoje 60 anos e dedicou metade de sua existência a um trabalho que é uma lição de coragem, de inteligência e de vida", destaca Domeniconi, que mora no Rio de Janeiro, em entrevista por telefone. "A questão da comunicação entre humanos e animais é muito antiga. Está em todos os textos religiosos, na literatura e nas artes. O que a doutora Irene fez foi enfrentar algumas certezas que estavam estabelecidas, o que acabou provocando algum escárnio e muita incompreensão de outros cientistas, que, infelizmente, preferiram o refúgio do preconceito", analisa o biólogo, que é vegetariano e, por conta de seu trabalho para zoológicos e outras instituições, no Brasil e no exterior, tem sido presença constante em programas de TV para demonstrações de treinamento e controle de animais.

Domeniconi (fotos abaixo), que mantém um site sobre bichos e se orgulha de hospedar, em casa, animais como cobras, lagartos, cães, pássaros e aves (entre eles, várias araras e papagaios da mesma espécie de Alex), foi o convidado de honra no lançamento nacional do livro de Irene Pepperberg, com exibição de fotografias e vídeos sobre Alex em eventos no Rio de Janeiro e em São Paulo. No site e nas atividades que promove, Domeniconi comenta o passo a passo das experiências na relação com os animais e faz apresentação didática com suas aves, demonstrando a inteligência e as habilidades que cada animal pode atingir.


 






O cérebro de Alex: acima, o consultor
de comportamento animal e treinador
Yuri Domeniconi com sua ajudante. Abaixo,
Irene e Alex e a capa do livro Alex e Eu
na primeira edição em português











"O trabalho da doutora Irene é um convite para as pessoas prestaram mais atenção nos animais e em si mesmas. As pessoas atualmente vivem muito separadas da natureza. É preciso retornar ao mundo natural para entendermos mais sobre nós mesmos", defende Domeniconi. "Meu trabalho com animais também traz muitas experiências curiosas", explica o biólogo.

"Às vezes os animais chegam impossíveis, problemáticos, e depois de algum tempo saem felizes", completa, revelando que, além de treinar determinados comandos, sempre tenta ensinar um pouco da língua dos bichos para os seres humanos e um pouco da linguagem dos humanos para os animais. "O mais importante é encontrar uma certa sintonia entre cada animal e seu dono ou tratador”, recomenda Domeniconi.










Os animais sempre têm níveis de raciocínio que são possíveis de serem alcançados com relativa facilidade, alerta o biólogo. “Se houver confiança mútua, os resultados são sempre surpreendentes", conclui o biólogo, que se considera um seguidor convicto das teorias de Irene Pepperberg – segundo as quais o reino animal está povoado de criaturas que têm inteligência e consciência de linguagem entre seus semelhantes e com outros seres.



Reconhecimento da comunidade científica



Se à primeira vista o relato fascinante e emotivo da doutora Irene poderia passar por mais um espetáculo midiático destinado aos programas de variedades nas tardes de domingo, o reconhecimento da comunidade científica colocou um fim às polêmicas e estabeleceu a seriedade e o alcance das descobertas da pesquisadora. Tanto que "Alex & Me" foi eleito o melhor livro do ano pelo "The New York Times", passando à condição de best-seller instantâneo em vários países.

Nos Estados Unidos, as primeiras surpresas com o trabalho da doutora Irene Pepperberg surgiram há mais de uma década, em 2000. Foi quando houve o lançamento do primeiro livro da série "The Alex Studies", que descrevia experiências de linguagem e cognição entre o papagaio e os cientistas envolvidos no projeto. "The Alex Studies" levou Irene e Alex à condição de celebridades disputadas em programas de TV e popularizou questões antes restritas a estudos de PhD.









De sua experiência de três décadas de aprendizado com o papagaio, Irene Pepperberg construiu a The Alex Foundation, centro de referência internacional em pesquisa sobre cognição e comunicação animal, com aval do MIT's Media Lab., em reconhecimento pelo status que Alex conquistou no seleto panteão de celebridades não-humanas e inteligentes.

As fronteiras do conhecimento que fascinaram a doutora Irene, desde seus primeiros "diálogos" com o papagaio cinza, são velhas conhecidas de quem se dedica à pesquisa científica, aos animais e às mais complexas questões de linguagem e comunicação. Mas no caso de Alex e Irene, a relação que se estabeleceu abre novas possibilidades de estudo sobre a capacidade da mente dos bichos e coloca em xeque as fronteiras milenares que diferenciam exatamente um homem de um animal.



por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O cérebro de Alex. In: Blog Semióticas, 12 de fevereiro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/02/o-cerebro-de-alex.html (acessado em .../.../...).



Para visitar o site da The Alex Foundation,  clique aqui.



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