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12 de fevereiro de 2012

O cérebro de Alex







Não há diferença fundamental entre o ser humano e os
animais nas suas faculdades mentais. Os animais, assim
como todo ser humano, demonstram sentir prazer, dor,
felicidade, sofrimento. E, entre os homens ou entre os
animais, não é o mais forte que sobrevive, nem o mais
inteligente, mas sim aquele que melhor consegue
se adaptar continuamente a mudanças.

–– Charles Darwin (1809–1882).   



Quando Alex morreu, aos 31 anos, em setembro de 2007, os mais respeitados jornais dos Estados Unidos e Europa estamparam, nas primeiras páginas, a notícia, em manchete. A morte de Alex também foi destaque em redes como a CNN e reproduzida em TVs, sites da Internet, rádios e revistas do mundo inteiro, inclusive no Brasil. Foi uma comoção. Até mesmo a revista inglesa "The Economist", que tem na sua seção de obituário um dos espaços lendários e mais celebrados do jornalismo contemporâneo, pela primeira vez abriu uma exceção aos grandes nomes da "intelligentsia" e também homenageou Alex. Outra comoção.

Nos Estados Unidos, o programa "Good Morning, America", campeão de audiência matinal da rede ABC, também abriu um precedente em décadas: pela primeira vez, uma única notícia ocupou todo o tempo do programa, que bateu seus próprios recordes de audiência com a reportagem sobre a morte de Alex – o representante mais famoso da espécie conhecida como papagaio-cinzento africano, que é, entre todos os pássaros, o que melhor imita a voz humana. A comoção internacional provocada pela morte de Alex veio completar seu status de celebridade, conquistado em muitas reportagens e participações ao vivo em programas de TV nos últimos 30 anos. Para além da repercussão que a notícia da morte do papagaio causou na imprensa, a história de vida de Alex é, no mínimo, inusitada.

Ele foi comprado por uma cientista norte-americana, Irene Maxine Pepperberg, quando tinha apenas um ano de idade. Viveram juntos por três décadas, dividindo experimentos sobre linguagem nas universidades de Harvard, Branleis e Massachusetts, onde Irene trabalha como professora de psicologia e cognição animal. Alex conquistou a fama por conta de domínio de certas habilidades quase inacreditáveis, em se tratando de um papagaio. O pássaro inteligente e falante e a cientista motivada mantiveram uma relação apaixonada, intensa e estável – que trouxe avanços consideráveis na pesquisa sobre linguagem e comportamento animal.













Além do progresso científico resultante dos experimentos com Alex, a doutora Irene também contabilizou problemas e desafetos com outros cientistas, que a acusavam de invalidar a pesquisa pelo envolvimento emocional que mantinha com o papagaio. Irene também perdeu o marido, que a abandonou em um momento de crise, e mudou várias vezes de emprego, o que obrigou a cientista e o papagaio a muitos sacrifícios financeiros e a longos períodos de vida nômade entre mais de uma universidade.



Habilidades cognitivas



Os experimentos da doutora Irene com Alex e a história da vida cotidiana dos dois durante exatos 30 anos estão contados pela cientista em documentários e em livros que são best-sellers no mundo inteiro, incluindo a série "The Alex Studies - Cognitive and communicative abilities of gray parrots". Os bastidores do convívio e as peripécias da pesquisa revolucionária e polêmica – que em muitos momentos variam de aspectos filosóficos a mal-entendidos hilários, dignos de cenas típicas das comédias do grupo Monty Python – também resultaram no relato autobiográfico "Alex e Eu", publicado no Brasil pela editora Record, um livro que tem atrativos tanto para pesquisadores da linguagem ou do comportamento animal como para o leitor que pretende apenas acompanhar uma história divertida e muito fora do comum.












O que nunca deixou de surpreender nas experiências e avanços científicos alcançados por Irene e Alex é a inteligência do papagaio – que nas palavras da própria cientista "abriu uma janela para o vasto mundo da mente dos animais". Nos experimentos em casa e no ambiente acadêmico, Alex estabelecia diálogos "inteligentes" com Irene e demonstrava domínio incomum sobre formas simbólicas, tais como letras, palavras e números.

Alex, segundo os relatos de Irene – todos com credenciais de equipes científicas – também dominava um extenso vocabulário em inglês, sabia somar e identificava corretamente cores, objetos e conceitos abstratos como "maior" e "menor", "mais" e "menos", "longe" ou "perto", "todos" ou "nenhum", "verdadeiro" ou "errado".

Em seus relatórios de pesquisa, a professora descreve passagens cotidianas e lembra histórias de outros animais que desafiaram cientistas, entre eles, o lendário cavalo alemão Clever Hans, que era apresentado em grandes espetáculos em teatros e exposições: seu proprietário solicitava perguntas à audiência, que quase sempre tratavam de números e operações matemáticas complexas. Clever Hans nunca falhou – provocando a ira dos céticos e dos cientistas enquanto viveu.










O cérebro de Alex: a partir do alto,
fotografias do papagaio Alex e a cientista 
Irene Maxine Pepperberg. Acima,
o cavalo Clever Hans em ilustrações do
começo do século 20. Clever Hans foi a
 sensação das feiras populares em Leipzig,
na Alemanha, e em outras cidades da
Europa. Abaixo, Clever Hans fotografado
em 1904 e em 1909, durante apresentações
com seu treinador Von Osten. Uma
comissão de cientistas comandada
pelo psicólogo Oskar Pfungst concluiu,
em um polêmico e muito questionado
relatório publicado em 1907, que o cavalo
apenas obedecia a uma série de
sinais corporais de seu treinador








 



O caso de Alex com a cientista norte-americana Irene Pepperberg e outros registros comprovadamente verdadeiros – como o lendário cavalo alemão Clever Hans, que a cada apresentação em teatros e exposições atraía multidões em cidades e feiras da Europa, no começo do século 20 – não são casos isolados envolvendo um animal inteligente. Muito pelo contrário.

Seja na vida cotidiana ou na ficção, animais inteligentes povoam a imaginação humana há milênios, como comprovam relatos da mitologia na Antiguidade Clássica, passando pela Bíblia e outros livros sagrados, pelas histórias de Sherazade nas Mil e Uma Noites e pelas tantas fábulas medievais. Há também os clássicos da literatura universal, com destaque para a gigantesca baleia branca “Moby Dick” (1851), de Herman Melville.






O cérebro de Alex: acima, ilustração do
chileno Ricardo Martinez para a edição
de Moby Dick em espanhol, lançada pelo
El País” em 1980. Abaixo, alguns astros
do cinema e da TV e seus animais
supostamente "inteligentes": o mais famoso
Tarzan, com Johnny Weissmuller e o
chimpanzé Cheeta, famosos pelas séries de
cinema nas décadas de 1930 e 1940 (na imagem
em cores, com Maureen O'Sullivan e Johnny
Weissmuller durante as filmagens de
Tarzan, O homem macaco, filme de 1932);
e Brian Kelly, Luke Halpin e Tommy Norden
em cena de Flipper, série de sucesso da NBC
produzida de 1964 a 1967 sobre o golfinho
que era animal de estimação dos filhos de
um oficial da guarda costeira na Flórida.

Também abaixo, o lendário Cabo Rusty,
na atuação de Lee Aaker e seu cão, o pastor
alemão Rin-Tin-Tin, no filme de 1954 que
deu origem à série de TV produzida de 1954
a 1957 e que valeu a cão uma estrela na
Calçada da Fama em Hollywood; a pequena
Elizabeth Taylor, estreando no cinema ao lado
da cadela da raça Collie, Lassie, no filme
de 1943 Lassie Come Home; e o brasileiro
Carlos Miranda em O Vigilante Rodoviário,
junto com Lobo, o cão Pastor Alemão,
no primeiro dos seriados produzidos
para cinema e TV no Brasil, na
década de 1960, pela extinta TV Tupi










Estrelas do cinema e da TV



Assim como o cavalo lendário de 1900 ou o caso recente de Alex, há os animais "inteligentes" que chegaram ao estrelato no cinema e na televisão, no decorrer do último século – como o chimpanzé Cheetah, companheiro inseparável do Tarzan dos anos 1930 e 1940 (papel que tornou célebre o nadador olímpico Johnny Weissmuller), os diversos papagaios inteligentes que falam coisas indiscretas e revelam segredos, com ou sem a companhia de piratas, o golfinho Flipper, que propagou no senso comum a ideia de que golfinhos têm uma inteligência surpreendente, ou os cães Rin-Tin-Tin e Lassie, e até o pastor alemão Lobo, parceiro do Vigilante Rodoviário no primeiro dos seriados brasileiros produzidos para o cinema e para a TV, entre vários outros astros e estrelas do mundo animal.

Como sempre acontece, o papagaio Alex foi acusado frequentemente por expoentes da comunidade científica internacional de ser apenas uma fraude, um truque ilusionista forjado por treinamentos cruéis e intensivos. Mas curioso é que a suposta fraude nunca ficou provada, e Alex seguiu surpreendendo cada vez mais a todos por anos e anos. Às vezes, ficava entediado com as repetições dos experimentos e pedia para terminar – outras vezes também pregava peças para provocar a cientista e as bancas examinadoras, errando de propósito e depois pedindo desculpas pelo erro que era, na verdade, travessura.

 








"Ao usar Alex como exemplo", registra a autora, numa das muitas passagens confessionais de "Alex e Eu", lembrando que há mais de quatro mil anos os humanos convivem com os papagaios como animais domésticos – "consegui convencer muitos céticos que o abismo existente entre humanos e animais não é tão grande como se pensa".



Discípulos no mundo inteiro



As lições de Irene Pepperberg atingiram muitos discípulos no mundo inteiro. Para o consultor de comportamento animal e treinador Yuri Domeniconi, brasileiro que acompanhou a história de Alex e Irene por mais de 20 anos e utiliza métodos parecidos em seu trabalho, o grande mérito do trabalho da cientista norte-americana foi estabelecer um capítulo importante não só para a pesquisa acadêmica, mas para a história da humanidade.














"A doutora Irene tem hoje 60 anos e dedicou metade de sua existência a um trabalho que é uma lição de coragem, de inteligência e de vida", destaca Domeniconi, que mora no Rio de Janeiro, em entrevista por telefone. "A questão da comunicação entre humanos e animais é muito antiga. Está em todos os textos religiosos, na literatura e nas artes. O que a doutora Irene fez foi enfrentar algumas certezas que estavam estabelecidas, o que acabou provocando algum escárnio e muita incompreensão de outros cientistas, que, infelizmente, preferiram o refúgio do preconceito", analisa o biólogo, que é vegetariano e, por conta de seu trabalho para zoológicos e outras instituições, no Brasil e no exterior, tem sido presença constante em programas de TV para demonstrações de treinamento e controle de animais.

Domeniconi (fotos abaixo), que mantém um site sobre bichos e se orgulha de hospedar, em casa, animais como cobras, lagartos, cães, pássaros e aves (entre eles, várias araras e papagaios da mesma espécie de Alex), foi o convidado de honra no lançamento nacional do livro de Irene Pepperberg, com exibição de fotografias e vídeos sobre Alex em eventos no Rio de Janeiro e em São Paulo. No site e nas atividades que promove, Domeniconi comenta o passo a passo das experiências na relação com os animais e faz apresentação didática com suas aves, demonstrando a inteligência e as habilidades que cada animal pode atingir.


 






O cérebro de Alex: acima, o consultor
de comportamento animal e treinador
Yuri Domeniconi com sua ajudante. Abaixo,
Irene e Alex e a capa do livro Alex e Eu
na primeira edição em português











"O trabalho da doutora Irene é um convite para as pessoas prestaram mais atenção nos animais e em si mesmas. As pessoas atualmente vivem muito separadas da natureza. É preciso retornar ao mundo natural para entendermos mais sobre nós mesmos", defende Domeniconi. "Meu trabalho com animais também traz muitas experiências curiosas", explica o biólogo.

"Às vezes os animais chegam impossíveis, problemáticos, e depois de algum tempo saem felizes", completa, revelando que, além de treinar determinados comandos, sempre tenta ensinar um pouco da língua dos bichos para os seres humanos e um pouco da linguagem dos humanos para os animais. "O mais importante é encontrar uma certa sintonia entre cada animal e seu dono ou tratador”, recomenda Domeniconi.










Os animais sempre têm níveis de raciocínio que são possíveis de serem alcançados com relativa facilidade, alerta o biólogo. “Se houver confiança mútua, os resultados são sempre surpreendentes", conclui o biólogo, que se considera um seguidor convicto das teorias de Irene Pepperberg – segundo as quais o reino animal está povoado de criaturas que têm inteligência e consciência de linguagem entre seus semelhantes e com outros seres.



Reconhecimento da comunidade científica



Se à primeira vista o relato fascinante e emotivo da doutora Irene poderia passar por mais um espetáculo midiático destinado aos programas de variedades nas tardes de domingo, o reconhecimento da comunidade científica colocou um fim às polêmicas e estabeleceu a seriedade e o alcance das descobertas da pesquisadora. Tanto que "Alex & Me" foi eleito o melhor livro do ano pelo "The New York Times", passando à condição de best-seller instantâneo em vários países.

Nos Estados Unidos, as primeiras surpresas com o trabalho da doutora Irene Pepperberg surgiram há mais de uma década, em 2000. Foi quando houve o lançamento do primeiro livro da série "The Alex Studies", que descrevia experiências de linguagem e cognição entre o papagaio e os cientistas envolvidos no projeto. "The Alex Studies" levou Irene e Alex à condição de celebridades disputadas em programas de TV e popularizou questões antes restritas a estudos de PhD.









De sua experiência de três décadas de aprendizado com o papagaio, Irene Pepperberg construiu a The Alex Foundation, centro de referência internacional em pesquisa sobre cognição e comunicação animal, com aval do MIT's Media Lab., em reconhecimento pelo status que Alex conquistou no seleto panteão de celebridades não-humanas e inteligentes.

As fronteiras do conhecimento que fascinaram a doutora Irene, desde seus primeiros "diálogos" com o papagaio cinza, são velhas conhecidas de quem se dedica à pesquisa científica, aos animais e às mais complexas questões de linguagem e comunicação. Mas no caso de Alex e Irene, a relação que se estabeleceu abre novas possibilidades de estudo sobre a capacidade da mente dos bichos e coloca em xeque as fronteiras milenares que diferenciam exatamente um homem de um animal.



por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O cérebro de Alex. In: Blog Semióticas, 12 de fevereiro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/02/o-cerebro-de-alex.html (acessado em .../.../...).



Para visitar o site da The Alex Foundation,  clique aqui.



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