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13 de março de 2014

Flagrantes de Cartier-Bresson






Fotografar é encontrar o momento
decisivo, é colocar na mesma linha
de mira a cabeça, o olho e o coração.
–– Henri Cartier-Bresson (1908-2004).  


Morto em 2004, aos 95 anos, aclamado como um dos maiores nomes da história da fotografia, Henri Cartier-Bresson é o grande homenageado do Centro Pompidou de Paris, que apresenta a mais completa retrospectiva já feita sobre sua obra. Uma unanimidade quando se fala em arte da fotografia, Cartier-Bresson inventou o conceito de “momento decisivo” (definido na citação acima, em epígrafe) e alterou completamente os critérios de qualidade e composição fotográfica. Como fotógrafo, ele viajou e registrou cenas de países dos cinco continentes, retratou famosos, anônimos e miseráveis, fez a cobertura jornalística de grandes festas populares, de guerras, de revoluções, e fundou, com Robert Capa, a Agência Magnum, cooperativa internacional de profissionais da fotografia que marcou época e mudou os rumos do fotojornalismo. Além de tudo, Cartier-Bresson também foi pintor, desenhista, cineasta, ator, poeta e antropólogo, entre outras habilidades às quais se dedicava ocasionalmente.

A exposição no Centro Pompidou, homenagem ao fotógrafo e ao pensador Cartier-Bresson, militante das esquerdas, do comunismo e do surrealismo, vai permanecer em cartaz até 9 de junho e depois segue para Madri e outras capitais de países da Europa (veja link para uma visita virtual no final deste artigo), reunindo uma seleção de 500 fotografias em preto e branco e um vasto acervo de documentos diversos de Cartier-Bresson e sobre Cartier-Bresson, incluindo filmes, desenhos, pinturas, cartas, rascunhos, livros, catálogos, jornais e revistas. Uma das surpresas é uma ampla sala dedicada ao trabalho ainda pouco conhecido do cineasta Cartier-Bresson, incluindo a exibição dos documentários que ele realizou e as obras em parceria com nomes como o mestre do cinema francês Jean Renoir, de quem foi assistente de direção e ator em vários filmes.

Um fotógrafo deve respeitar a atmosfera de uma cena para integrar o cenário de fundo, acima de tudo, para evitar qualquer artifício que suprime a verdade humana. Também deve esquecer a câmera e quem a manipula” – repetia Cartier-Bresson em entrevistas. A vasta e sempre atual produção do fotógrafo, que inclui retratos, paisagens, estudos sobre construções de arquitetura, flagrantes impressionantes de fotojornalismo e registros de viagens por vários países, já mereceu estudos célebres dos mais importantes pensadores da fotografia – de Roland Barthes a Susan Sontag, de Paul Valery a Jean Baudrillard e Fredric Jameson – mas nunca havia sido reunida em uma amostra abrangente como a que apresenta o Pompidou.













Henri Cartier-Bresson em ação:
 no alto e acima, o fotógrafo em 1989,
em ação nas ruas de Paris, fotografado
por Charles Platiau. Acima, duas de
suas fotografias mais conhecidas,
ambas de 1932: Allée du Prado, 
Marseille, France; e o homem que
salta sobre a água em Derrière
la Gare Saint-Lazare.

Abaixo, Henri Cartier-Bresson
fotografado em 1932, quando retornou
a Paris, depois da temporada de um
ano na África; L'escalier en spirale
et les enfants, fotografia feita em um
orfanato em Paris, em 1955, trabalho
em parceria de Cartier-Bresson e sua
segunda esposa, Martine Franck,
também fotógrafa; a festa da
Peregrinação de Santo Inocêncio na
província de Grassano, Itália, em 1973;
e os anjos e freiras nas ruas de Paris,
na foto de 1955. Todas as fotografias
reproduzidas nesta página estão no
catálogo da exposição organizada pelo
Centro Pompidou de Paris

















Organizada cronologicamente, em três grandes núcleos, a exposição é uma parceria do Centro Pompidou com a fundação que mantém o acervo do fotógrafo – a Fondation Henri Cartier-Bresson, que foi criada por ele próprio em 2003, com sua esposa e a única filha. A exposição também inclui imagens inéditas do fotógrafo, considerado por muitos como “pai do fotojornalismo”, além das obras que ele realizou em conjunto com vários outros artistas – entre elas os registros de seu trabalho no cinema, como assistente de Jean Renoir e como diretor de documentários.



Surrealismo & fotojornalismo



O primeiro núcleo da exposição, que cobre o período de 1926 a 1935, destaca a ligação do fotógrafo com André Breton e outros artistas do Surrealismo, suas viagens pela Europa, África, México e Estados Unidos e sua descoberta da fotografia: segundo os biógrafos, a fixação de Cartier-Bresson com a atividade de fotógrafo surgiu em 1932, quando ele viu pela primeira vez na revista “Photographies” uma foto do húngaro Martin Munkacsi que o impressionou muito. A foto de Munkacsi registrava três rapazes negros no Congo, África, correndo nus contra a luz, em direção ao mar. Desde então, uma câmera Leica 35mm passou a ser sua companhia permanente.












Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Livourne, Toscane, Italie, fotografia
em composição surrealista de 1933;
Couples par la Seine, de 1936; e
Femmes musulmanes en prière,
Srinagar, Cachemire, de 1948.

Abaixo, Mahatma Gandhi, líder pacifista
da resistência não violenta que levou
à independência da Índia do Reino Unido
e inspirou movimentos pela liberdade
no mundo inteiro, fotografado por
Cartier-Bresson em 1948; a multidão
na fila para atendimento em um banco
em Xangai, China, em 1948; e uma
procissão de Corpus Christi em 1952
em County Kerry Tralee, na Irlanda.

Também abaixo, imagens do pós-guerra
de Cartier-Bresson na Américaem
1947: 1) um homem negro enforcado
no Mississippi; 2) negros no Harlem,
em Nova York; 3) três mulheres
em Los Angeles, Califórnia. E a
mobilização em Washington, em 1957,
contra o racismo e pelos Direitos Civis
















O segundo núcleo, que vai de 1936 a 1946, destaca a atuação política de Cartier-Bressn: seu engajamento na luta contra o fascismo, sua participação como colaborador em jornais e revistas de militância comunista e socialista, sua atuação na Resistência Francesa contra os nazistas e sua extensa cobertura sobre a Segunda Guerra Mundial. Quando explodiu a guerra, ele alistou-se no exército francês e acabou prisioneiro das tropas nazistas, mas conseguiu fugir e juntar-se à Resistência.

O terceiro núcleo da exposição vai do fim da Segunda Guerra Mundial à década de 1970, quando ele decidiu abandonar as atividades de repórter fotográfico. Em 1947, há um capítulo especial em sua biografia e na história da fotografia – é quando Cartier-Bresson fundou a agência de fotógrafos Magnum, junto com Robert Capa, Bill Vandivert, George Rodger e David Seymour e começou o período mais sofisticado de seu trabalho, cumprindo pautas de fotojornalismo em vários países sob encomenda de publicações internacionais como as revistas “Life”, “Vogue” e “Harper's Bazaar”.
















Na apresentação à exposição no Centro Pompidou, o curador Clement Cheroux destaca que o objetivo principal da retrospectiva, além de demonstrar que a trajetória de Cartier-Bresson se confunde com os avanços da fotografia no século 20, é lançar luzes sobre alguns aspectos da obra do fotógrafo que permaneciam como referências cifradas apenas para especialistas e pesquisadores de sua obra – especialmente as questões políticas e o surrealismo. 



Fotografia como Grande Arte



Segundo o curador Clement Cheroux, as questões políticas ficam evidentes quando se observa cada uma de suas imagens a partir do contexto da época, na Segunda Guerra e em outros conflitos armadas ao longo do século 20, mas também nas cenas impressionantes de linchamentos de negros nos EUA, nos movimentos populares nas ruas da China ou da Índia, nos processos de independência das ex-colônias francesas na África, na Ásia, na América e nas barricadas dos estudantes nas ruas de Paris, em maio de 1968.



 


Acima, a célebre fotografia de 1931
de Martin Munkacsi no Congo,
África, que, segundo os biógrafos,
provocou fixação em Cartier-Bresson
e o levou ao ofício de fótografo.

Abaixo, o casal anônimo na véspera
de Ano Novo em Times Square,
Nova York, em fotografia de 1959;
e quatro célebres cenas parisienses
de Cartier-Bresson: o garotinho feliz
em Rue Mouffetard, Paris, 1954;
o trabalhador braçal em Les Halles,
Le Marché Central, fotografia
de 1952; e os beijos flagrados
em Jardin des Plantes, 1959,
e no bistrô em 1968




















O ponto de vista especialíssimo de Cartier-Bresson, que demonstra à perfeição os preceitos seculares da proporção áurea aplicada à fotografia, também deve muito ao Surrealismo, segundo Cheroux, que destaca a influência de André Breton na formação do fotógrafo. Uma influência reconhecida pelo próprio Cartier-Bresson em entrevistas e em suas últimas anotações – entre elas, uma confissão datada de 2003: "O surrealismo teve um efeito profundo em mim e toda a minha vida eu fiz o meu melhor para nunca mais traí-lo”.

Neste contexto, até mesmo algumas das imagens do fotógrafo mais conhecidas do grande público – como aquela foto em que um homem salta sobre a água na Gare Saint-Lazare em Paris, em 1932 – assumem novos sentidos e possibilidades de interpretação que não afastam nem diminuem seu valor “jornalístico”, mas elevam o registro fotográfico à condição explícita de grande arte. Estudioso dos cálculos geométricos e das perspectivas desde a juventude, Cartier-Bresson é um caso raro que conseguiu reunir, ao “realismo” dos flagrantes em fotojornalismo, um sem número de nuances e sugestões sobre as cenas de absurdos e impasses da condição humana. 
 

por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Flagrantes de Cartier-Bresson. In: Blog Semióticas, 13 de março de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/03/flagrantes-de-cartier-bresson.html (acessado em .../.../...).











Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Simone de Beauvoir em Paris, 1946,
e uma cena prosaica registrada em
Camagey, Cuba, 1963. Abaixo, um
anônimo visitante na exposição de
Cartier-Bresson no Centro Pompidou,
em Paris; e Cartier-Bresson em ação
em Nova York, em 1961, em
fotografia de Dennis Stock








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