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30 de março de 2014

Zoologia segundo Gervais








Acontece que quando você olha para um animal, você pensa   
que talvez ele se lembre de algo que as pessoas esqueceram.   

–– Amós Oz.      






Pesquisadores da vida animal e das ciências naturais tiveram uma grata surpresa: o Biodiversity Heritage Library (BHL), consórcio de bibliotecas de História Natural, Zoologia e Botânica, criado em 2005, que reúne mais de 40 instituições de vários países, liberou na Internet, na última semana, para consulta e impressão gratuita, uma preciosidade – o lendário e até então pouco conhecido “Atlas de Zoologia”, escrito pelo paleontólogo francês François Louis Paul Gervais (1816–1879) e publicado em 1844, em Paris, pela livraria Germer Baillière.

O “Atlas de Zoologia” de Gervais inclui, além de textos minuciosos com classificações de taxonomia e anatomia, um total de 100 páginas de gravuras pintadas a mão, em policromia, reunindo cerca de 250 ilustrações científicas, produzidas em colaboração por Gervais e diversos artistas franceses na primeira metade do século 19. A edição original de 1844, agora disponível na íntegra, não traz a lista de identificação dos créditos dos autores das ilustrações, mas em algumas delas é possível reconhecer as assinaturas de Prêtre, Meunier e Vaillant.










Imagens da Zoologia segundo o Atlas
de 1844 de Paul Gervaisno alto,
a ave Dodô, também chamada de
Dronte (Raphus cucullatus), já extinta,
que habitava as ilhas Maurício, no
Oceano Índico. Acima, a folha de
rosto da publicação, liberada para
consulta e download pela Biodiversity
Heritage Library, e o retrato de Gervais,
feito a bico de pena por autor anônimo do
século 19. Abaixo, três pássaros extintos
do Novo Mundo: o Pica-Pau do México;
o Pitylus Crysogaster do Chile; e o
Cacique montezuma, ave que habitava a
América Central. Todas as imagens abaixo
foram extraídas da edição original do
“Atlas de Zoologia” de Gervais
(veja link no final do texto)










 



Originalmente, o Atlas de Gervais fazia parte de uma série de publicações científicas da Germer Baillière, que editou em meados do século 19 cerca de 60 livros dedicados à Zoologia, à Botânica e à Paleontologia. Professor da Sorbonne e do Museu de História Natural da França, Paul Gervais também é autor de outros tratados de referência das Ciências Naturais, entre eles aquele que é considerado uma das “bíblias” da Zoologia, o catálogo taxonômico “Histoire Naturelle Des Mammiferes”, que teve sua primeira edição em 1923.



'Pai' dos Dinossauros



Pouco conhecido fora dos círculos acadêmicos, Gervais também é destacado no primeiro time da História das Ciências por diversas publicações que marcaram época, incluindo seus tratados sobre a moderna Zoologia e a Entomologia (ciência que estuda os insetos sob todos os seus aspectos e suas relações com o homem, as plantas, os animais e o meio ambiente), além de ter sido um dos primeiros a se dedicar com sucesso aos estudos da Paleontologia.










Zoologia segundo Gervais: aves
que eram muito comuns no século 19
e que hoje estão na lista das espécies
muito raras e ameaçadas de extinção:
a partir do alto, a Colin ou Perdiz da
Califórnia, que era encontrada no Oeste
dos EUA; o Tangará (Chiroxiphia caudata),
pássaro da fauna sul-americana que habitava
as regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil;
e a Apteryx (Apteryx australis), ave
da Austrália e da Nova Zelândi.

Abaixo, um animal incomum e raro,
também ameaçado de extinção:
o Macroscélide (Rhychoncion petersi),
também chamado sengi, musaranho saltador
ou musaranho elefante (elephant shrew),
pequeno mamífero saltador dos desertos
da África que tem parentesco genético
mais próximo de elefantes que de roedores











Ao pioneiro Paul Gervais também é atribuído o mérito de ter sido um dos primeiros a usar de forma científica o conceito de “Dinossauros” – termo derivado da expressão em grego para “lagartos terríveis”, proposto em 1842 por Richard Owen para classificar os esqueletos de répteis de grande porte já extintos, descobertos naquela época em áreas ermas do Reino Unido. O termo se popularizou no último século, apesar de ser uma definição equivocada, pois atualmente há um consenso na comunidade científica de que, pela taxonomia, os dinossauros estão distantes dos lagartos.

Além de Richard Owen, Paul Gervais divide o título de “pai” dos Dinossauros, em sua concepção científica, com seus contemporâneos William Buckland (o primeiro a publicar a descrição anatômica de um Dinossauro, o Megalossauro, em 1824) e Gideon Mantell, que havia descoberto em 1822 um fóssil gigantesco de um Iguanodonte, mas que somente publicou sua descoberta científica um ano depois de Buckland, em 1925. 




 







Zoologia segundo Gervais: a partir
do alto, o Thylacine (Thylacinus
cynocephalus), mais conhecido como
Tigre da Tasmânia, que habitava a
Austrália e ilhas do Oceano Pacífico,
foi extinto no século 20; o Diabo ou
Demônio da Tasmânia (Sarcophilus
harrisii), que habitava a Austrália e suas
ilhas, hoje restrito a uma área de pequena
extensão, protegida, na Tasmânia; e o
Coala (Phascolarctos cinereus),
mamífero marsupial, que tem registro
no Atlas de 1844 com diferenças
radicais em relação ao aspecto da 
espécie que atualmente é encontrada
apenas em zoológicos e áreas de
proteção no Sul da Ásia e Austrália.

Abaixo, um felino já extinto e pouco
conhecido, de grande porte, que
habitava áreas extensas da região
Centro-Oeste do Brasil, descrito no
Atlas de Gervais como Felis elegans;
e o Ecureuil de Botta, mais conhecido
como esquilo vermelho ou esquilo voador,
de cor ruiva e peito branco, que entrou em
processo de extinção em toda a Europa
no decorrer do século 20 devido à
introdução de outras espécies,
como o esquilo cinzento da América do
Norte, e à fragmentação de seu habitat













Os tratados de Gervais sobre Zoologia e Paleontologia também foram fundamentais para outros grandes cientistas do século 19, especialmente para o inglês Charles Darwin e para o dinamarquês Peter Wilhelm Lund – naturalista que em meados do século 19 veio da Europa para se dedicar à pesquisa de campo no Brasil, trabalhando em mais de 200 cavernas de Minas Gerais, na região de Lagoa Santa, e descrevendo 115 espécies de animais, na maioria extintos há milênios, entre eles o célebre Tigre de Dentes de Sabre (Smilodon populator).



Extintos nos últimos séculos e décadas



O livro original de Gervais inclui animais que sobreviveram até nossos dias, mas o que mais impressiona é que muitos deles, a maioria, foram extintos nos últimos séculos e nas últimas décadas, entre eles o pássaro Dodô, que habitava as Ilhas Maurício, no Oceano Índico, os famigerados Tigre da Tasmânia (felino) e Diabo ou Demônio da Tasmânia (marsupial), além de muitas espécies de pássaros e mamíferos que habitavam grandes extensões do território brasileiro.

Além da tragédia da extinção, que se agravou nas últimas décadas, uma observação atenta da maior parte das ilustrações provoca nos cientistas e também nos leigos algumas dúvidas difíceis de serem esclarecidas, entre elas as diferenças marcantes entre espécies desenhadas nas ilustrações do Atlas de 1844 e sua aparência tal como os conhecemos na atualidade. 













Outros mamíferos extintos após a primeira
edição do Atlas de Paul Gervais: no alto, o
Semnopithecus flavimanus, que habitava a
Indonésia até o final do século 19 e começo
do século 20; os antigos cães selvagens da
África; e dois de mamíferos dos desertos da
Austrália, o Musaranho (Sorex araneus),
mamífero insetívoro semelhante a um rato,
mas com o focinho mais afinado, e o
Mirmecobio (Myrmecobius fasciatus),
também conhecido como Numbat, de
pequeno porte e de hábitos solitários.

Abaixo, a Mara (Dolichotis patagonum),
também chamada Mara da Patagônia ou
Lebre da Patagônia, mamífero de
parentesco mais próximo das capivaras
do que dos coelhos e lebres, de grande
porte (adulto, pesa mais de oito quilos),
que desapareceu dos campos e planícies
da América do Sul. Também abaixo, outro
marsupial já extinto: o Phalangista ursina,
que habitava a Indonésia e a Austrália;
três espécies de aracnídeos peçonhentos
que habitavam países do continente europeu,
também extintos no século 20; e a Piramboia
 (Lepidosiren paradoxa), peixe pulmonado
ósseo muito raro, que atualmente é encontrado
apenas em áreas restritas da Bacia Amazônica
regiões pantanosas das
Américas Central e do Sul 






 


 
A pergunta mais frequente sobre alguns dos animais retratados pelas ilustrações do Atlas de 1844 diz respeito à aparência atual de muitos pássaros, felinos e marsupiais que ainda sobrevivem: teriam estas espécies passado por tantas e tão radicais transformações no decorrer dos últimos dois séculos ou os autores das ilustrações do Atlas de Gervais tomaram certas “liberdades artísticas” para a elaboração dos traços dos desenhos?

Além de sua importância para pesquisadores de várias áreas das ciências, o “Atlas de Zoologia” de Gervais também apresenta um grande interesse para o público leigo pela beleza das ilustrações – motivo pelo qual a divulgação recente pela imprensa da liberação, para consulta e download da íntegra do catálogo, provocou uma avalanche de acessos para o portal na Internet do Biodiversity Heritage Library, com ocasionais panes e travamentos do sistema. Além do Atlas de 1844 de Gervais, o consórcio científico BHL também apresenta milhares de publicações históricas originais e relatórios recentes sobre biodiversidade, totalizando mais de 100 mil volumes ilustrados, todos abertos para consulta pública e download gratuitos.



por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Zoologia segundo Gervais. In: Blog Semióticas, 30 de março de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/03/zoologia-segundo-gervais.html (acessado em .../.../...).



















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