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19 de novembro de 2011

Cahiers du Cinéma




  






Vejo a cultura como uma tentativa
permanente de aniquilar com a arte.
Cultura é a regra. Arte é a exceção...

––  Jean-Luc Godard   


O parisiense Jean-Luc Godard revolucionou o cinema. Ousado e criativo, polêmico e sempre destacado entre os grandes criadores da história do cinema, Godard continua a pleno vapor. Já na estreia todas estas qualidades apareciam irrecusáveis: ele primeiro foi crítico da lendária revista "Cahiers du Cinéma" e depois passou a criar curta-metragens experimentais, alguns premiados, como o irônico "Charlotte et Véronique, ou Tous les garços s'appellent Patrick" ("Todos os rapazes se chamam Patrick", 1957), antes de surgir como o cineasta genial de "Acossado" ("À Bout de Souffle", 1960), no qual adotou diversas inovações e quebrou um tabu que vigorava há muitas décadas ao filmar em apenas quatro semanas, um tempo recorde, com a câmera na mão e sem roteiro concluído.

"Acossado", que segue ao pé da letra o significado do título original (a expressão "à bout de souffle", em francês, pode ser traduzida por "sem fôlego"), seria aclamado como uma obra-prima, um filme-manifesto que deu origem ao extenso movimento de renovação da linguagem do cinema que ficaria conhecida como Nouvelle Vague e iria influenciar cineastas do mundo todo, inclusive do Brasil, onde sempre teve fiéis discípulos desde Glauber Rocha (1939-1981) e a primeira geração do Cinema Novo, na década de 1960. A proposta de Godard e da equipe de críticos, roteiristas e cineastas ligados à "Cahiers du Cinéma": quebrar antigos dogmas, valorizar a direção e reabilitar o espírito criativo do filme de autor.

Segundo Godard, "politique des auteurs": o diretor reconhecido, enfim, como o único e principal autor na produção do filme. Na estreia espetacular de "Acossado" e em outros grandes filmes que faria a seguir, Godard redescobre a política e os paradoxos de uma crítica implacável contra as guerras patrocinadas por grandes corporações armamentistas e imperialistas e por uma arte que é provocação e desafio contra o senso comum – um cinema constituído por narrativas sistematicamente iconoclastas e pela recusa à sintaxe cinematográfica tradicional.











Jean-Luc Godard e François Truffaut:
dois nomes do primeiro time da revista
 Cahiers du Cinéma e da Nouvelle Vague.
Também acima, a íntegra do curta de 1957
de Godard, Charlotte et Véronique, ou tous
le garçons s'appellent Patrick.. 
No alto, Alfred Hitchcock  com Truffaut,
fotografados em 1962 por Philippe Halsman
durante as célebres entrevistas que depois
foram transformadas em livro. Abaixo,
a capa do primeiro número da revista
Cahiers du Cinéma, publicado em abril
de 1951, tendo André Bazin como mentor,
com o célebre fundo amarelo que seria mantido
até outubro de 1964. Neste primeiro número,
a ilustração da capa é um fotograma de
Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses),
filme de 1950 de Billy Wilder com
Gloria Swanson e William Holden.

Também abaixo: 1) Godard com
Agnès Varda, única mulher entre os
cineastas da Nouvelle Vague, durante um
encontro de intelectuais da França em 1967
contra a Guerra do Vietnam, fotografados por
Raymond Depardon2) a reunião de gigantes
da Nouvelle Vague e da Cahiers du Cinéma no
Festival de Cannnes em 1968, tendo a partir
da esquerda, Claude Lelouch, Godard, Truffaut
e Louis Malle, com o polonês Roman Polanski
à direita; e 3) Godard no Festival de Cannes,
em 1962, com sua musa Anna Karina, que foi
sua esposa e estrela de oito de seus filmes
















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A suma importância do cinema revolucionário de Godard e as possibilidades que ele e seus companheiros de geração da "Cahiers du Cinéma" e das produções da Nouvelle Vague inauguraram ou redescobriram fornecem os argumentos analíticos ao livro do crítico de cinema e ensaísta Mário Alves Coutinho. "Escrever com a Câmera: A literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard", lançamento da Editora Crisálida, traz uma versão da tese de doutorado que o autor defendeu na Faculdade de Letras da UFMG.

Coutinho examina a filmografia de Godard e se detém em alguns dos clássicos do cineasta que marcaram época e se tornaram referência para cinéfilos e pesquisadores de áreas diversas. Com atenção a detalhes que revelam ideias e conceitos, o pesquisador enumera uma série de evidências nos filmes para defender que Godard, ao fazer cinema, fez literatura – através de todo um processo que Coutinho define como "experimentação dos possíveis da linguagem". 
 














Efeitos de linguagem



A palavra, em certos filmes de Godard, é o fio condutor da análise de Coutinho. "O uso da palavra, em cada um dos muitos filmes que ele fez e vem fazendo, muitas vezes em contraponto ao uso da imagem e do som, sempre foi um recurso a mais para Godard exprimir sua arte e fazer cinema. É curioso você perceber a importância da palavra nos filmes de um cineasta radical como ele sempre foi. Ainda mais que o cinema é uma arte cujo elemento de linguagem mais importante teria sido sempre a imagem", destaca o autor, apontando passos do itinerário de um saber inquieto que Godard soube transformar em grandes cenas, dispersas em ideias e sequências de uma filmografia das mais incomuns.

"A palavra, a escritura, o jogar e o brincar com as palavras, o questionamento da linguagem, são recursos essenciais do cinema de Godard, em praticamente toda sua obra", defende Coutinho, que coloca em destaque no livro a quantidade de efeitos de linguagem nos filmes do cineasta de “Acossado”, "A Chinesa" e "Alphaville", entre outros clássicos: jogos de palavras, frases escritas em jornais e nas paredes, uso de cartazes e pôsteres impressos, questionamentos explícitos da linguagem, a literatura citada várias vezes, paronomásias.
















Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo em cenas
de Acossado (À Bout de Souffle), filmado por
Godard, em sua estreia como diretor de
longas-metragens, com roteiro de Truffaut.

Abaixo, as cenas de beijo em Acossado e em
O demônio das onze horas (Pierrot Le Fou). 
No alto, Anna Karina e Belmondo em cena
de Uma Mulher é uma Mulher, filme de 1961
de Godard, na capa da Cahiers du Cinéma 
















Os efeitos da palavra nos filmes de Godard, alerta Coutinho, potencializam ao extremo as interfaces recorrentes do cinema com a literatura, patentes desde os primeiros filmes, no final do século 19. "Será que poderíamos dizer que em cada um de seus filmes Godard mostra claramente uma ambição não só de fazer cinema, mas, também, e ao mesmo tempo, de fazer literatura?", questiona com propriedade o autor de "Escrever com a Câmera: A literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard".

Coutinho conclui a entrevista fazendo questão de ressaltar que Godard é dos artistas que estão sempre reinventando os caminhos e os meios pelos quais sua arte ganha expressão. Entre cenas e diálogos marcantes da trajetória do cineasta que o entrevistado vai enumerando, recordo o aforismo de outro mestre inventor, Ezra Pound (1885-1972), para quem “os artistas são as antenas da raça”. Coutinho aplaude a lembrança e destaca, de imediato, duas ou três revoluções do cinema que tiveram Godard e suas antenas sempre alertas como protagonista. 











Acima, Marguerite Duras e Godard em

1979; Isabelle Huppert em cena de

Salve-se quem puder”, filme de 1980; e

"Film Socialism" (2010), de Godard,

metáfora sobre a crise nos países da Europa,

filmado a bordo do navio Costa Concordia.


Abaixo, Oskar Werner e Julie Christie em

Fahrenheit 451” (1967) e François Truffaut

durante as filmagens. Na trama, a história de

uma sociedade futurista em que os livros

são proibidos, adaptada do romance de

Ray Bradbury, cujo título faz menção à

temperatura em que o papel pega fogo, e que

teve trilha sonora de Bernard Herrmann,

compositor favorito de Alfred Hitchcock




 





Sem Hitchcock



A equipe original de redatores, editores e colaboradores da revista "Cahiers du Cinéma", criada em 1951 por André Bazin, Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca, além de Godard incluía críticos que ganhariam destaque como cineastas nos anos seguintes, entre eles Bresson, Cocteau, Alexandre Astruc, Éric Rohmer, Maurice Scherer, Jacques Rivette, Claude Chabrol e aquele que talvez ainda hoje seja o nome mais identificado com a revista pelos cinéfilos do mundo todo: François Truffaut (1932-1984).

Como se não bastasse o esmero de Truffaut como crítico e cineasta, há quem diga que coube a ele, através de seu trabalho na "Cahiers du Cinéma", mudar o juízo de valor que público e crítica tinham sobre vários nomes em destaque no cinema de sua época, entre eles um certo Alfred Hitchcock. Nas críticas que publicou sobre os filmes do mestre do suspense, e na série de entrevistas que fez entre 1962 e 1967, depois editadas em livro, Truffaut criou um divisor de águas sobre a arte maior de Hitchcock.

 







François Truffaut e Alfred Hitchcock na charge
que ilustrou a publicação original em 1967 do
livro Hitchcock/Truffaut: EntrevistasAcima,
o cartaz original do filme de estreia de Truffaut
na direção de um longa-metragem, em 1959,
Les 400 Coups (no Brasil, 
exibido com
o título "Os Incompreendidos").

Abaixo, 
Jeanne Moreau no cartaz original de
Jules et Jim (no Brasil, "Uma mulher para dois"),
segundo 
filme de Truffaut, de 1962, e em cena do
filme 
junto com Henri Serre e 
Oskar Werner
   













Realizador de obras-primas desde seu filme de estreia em longa-metragem, em 1959, o autobiográfico "Os Incompreendidos" ("Les 400 Coups") – e após três curtas premiados e com elogios unânimes da crítica ("Une Visite", de 1955; "Les Mistons", de 1957; e "Une Histoire D'Eau", de 1958, este em co-direção com Godard), François Truffaut demonstrou com seu livro-entrevista o que poucos haviam percebido até então: que ele era um jornalista surpreendente, capaz de transformar uma série de entrevistas em uma aula de cinema e uma aula de jornalismo, e, principalmente, que Hitchcock era um criador tão extraordinário quanto aqueles pioneiros que criaram as estratégias narrativas mais inventivas da linguagem cinematográfica, como Méliès, Griffith, Chaplin ou Orson Welles. 

Hoje pode parecer lugar comum dizer que Hitchcock dominava plenamente seu ofício, que ele era extremamente minucioso e perfeccionista ou que poucos cineastas como ele estavam mais interessados em extrair sempre mais e mais da sua arte. Mas Truffaut foi o primeiro entre todos os críticos e cinéfilos de sua época a perceber e demonstrar cada um destes detalhes. Palavras de Truffaut, na apresentação ao livro-entrevista sobre o trabalho do mestre: Hitchcock era alguém que inventava o cinema a cada filme.


 




Filho de um humilde vendedor de legumes e verduras, o inglês Alfred Hitchcock (1899-1980) abraçou o cinema desde a juventude e durante décadas construiu sua reputação como mestre dos filmes de suspense. Na segunda metade do século 20, passou a ser reconhecido pelas plateias e pela crítica como um dos mais populares nomes do cinema de todos os tempos. O “mestre do suspense” trouxe muitas inovações técnicas que vão muito além da direção personalíssima e dos roteiros sofisticados.

São atribuídos a Hitchcock grandes revoluções em posições e movimentos de câmera, algumas das mais elaboradas edições já realizadas, utilização surpreendente de trilhas sonoras que realçam personalidades, além de uma série de situações e efeitos narrativos que se estendem a outros filmes de outros diretores, que passaram a ser definidos com o adjetivo “hitchcockiano”. Hitchcock tem sido homenageado com frequência, desde sua morte, em 29 de abril de 1980, pelos principais festivais internacionais de cinema. Mas nem sempre foi assim.






Grandes tributos para marcar os 30 anos sem o mestre aconteceram e se repetem em Veneza, Berlim, Londres, Nova York e até em Havana, Cuba, assim como aconteceu no 63º Festival de Cannes, que teve Hitchcock como principal homenageado e abertura com a exibição de gala de uma cópia restaurada, com cenas inéditas, de “Psicose” (1960), um dos muitos sucessos de público e crítica entre as obras-primas do mestre do suspense. 



Do cinema mudo à invenção do 3D



Como sempre destacou Truffaut, Hitchcock representa, sob vários aspectos, um resumo na história do cinema: nasceu em Londres pouco mais de um ano depois da invenção dos Lumière e começou na profissão de fazedor de filmes no auge do cinema mudo. E fez o que muitos gênios de sua época não conseguiram: superou todas as adaptações do mudo para o falado.
 





Truffaut e Hitchcock fotografados em 1962
por Philippe Halsman durante as célebres
entrevistas que mudariam o juízo de valor
de críticos do mundo inteiro sobre Hitchcock








O sucesso de Hitchcock em Londres chamou a atenção dos executivos de Hollywood. Em 1939, ele embarca para a América e lança seu primeiro filme na Meca do cinema em 1940: "Rebecca", que conquistou o Oscar de Melhor Filme. Daí seguiria uma sequência impressionante de grandes filmes, escrevendo, dirigindo e produzindo grandes campeões de bilheteria, além de se tornar um dos primeiros do primeiro escalão de Hollywood a produzir e dirigir uma série de filmes para a recém-inventada TV. 

Também fez com maestria a passagem do preto-e-branco ao colorido, marcou a técnica e a evolução da linguagem e realizou 54 filmes espetaculares em 54 anos de carreira, lançando experiências pioneiras de efeitos especiais que vão das primeiras imagens em tecnicolor às primeiras experiências com projeções em terceira dimensão, hoje relançadas como novidade e chamadas de 3D.

O sucesso na arte e nas bilheterias, por ironia do destino, nunca resultou em grandes homenagens nem prêmios importantes: nunca conquistou um Oscar nem foi condecorado em vida pelos principais festivais – motivo pelo qual o tributo em Cannes e em outros templos do cinema chega a ser absurdamente tardio para o gênio de Hitchcock e para a legião de fãs incondicionais que ele mantém entre um público que inclui muitos e muitos cineastas e críticos de cinema. 

 







Em 1920, Alfred Hitchcock era um rapaz

magro e de bigode aos 21 anos, quando

teve seu primeiro salário no mundo do cinema:

foi contratado como auxiliar de desenhista de

letreiros para os filmes mudos. A grande chance

viria em 1923, quando o produtor Seymour Hicks

ofereceu a Hitchcock a co-direção do filme

"Always Tell Your Wife", pois o diretor original

havia ficado doente. Também acima, Hitchcock

em família, com a esposa Alma Reville e a única

filha, Patricia, no embarque da Inglaterra para

os Estados Unidos, em 4 de março de 1939.


Abaixo, Hitchcock em 1940, durante as

filmagens de Rebecca, sua estreia no cinema

norte-americano e único dirigido por ele a ter

recebido o Oscar de Melhor Filme. Também

abaixo, o diretor nas filmagens de Psicose,

Janet Leigh na célebre sequência do chuveiro

e o cartaz original de "Psicose" em 1960

















Sempre citado e copiado, o criador de "Um Corpo que Cai" (1958), "Janela Indiscreta (1954), "Os Pássaros" (1963) e "Festim Diabólico" (1948), entre tantas obras geniais, recebeu raras homenagens em vida. Sem grandes prêmios, as principais honrarias que teve talvez tenham sido a condecoração como "Sir" pela rainha da Inglaterra e, em 1967, a publicação do livro "Hitchcock/Truffaut: Entrevistas" – que provocou uma reviravolta ao apontar o diretor de “Psicose” como um dos maiores artífices da história do cinema.

Enquanto o autor-diretor Hitchcock era visto como um cineasta mediano e comercial nos EUA, para Truffaut e os jovens diretores e críticos da "Cahiers du Cinéma", ele era aclamado por sua genialidade. O livro emblemático ganhou uma versão definitiva do próprio Truffaut em 1983, quando foram acrescentados os últimos trabalhos do mestre. Publicado pela primeira vez no Brasil em 1986, pela extinta editora Brasiliense, esgotou rapidamente nas livrarias e passou a ser disputado em sebos e bibliotecas, aclamado como uma das mais importantes publicações sobre cinema de todos os tempos.







Aula sobre o cinema



Considerado pela crítica especializada e pelos cinéfilos uma aula fundamental sobre a história e os segredos da sétima arte, o livro foi relançado recentemente pela Companhia das Letras, com nova tradução e projeto gráfico, centenas de imagens e prefácio inédito do crítico e professor Ismail Xavier. Nas saborosas entrevistas a Truffaut, Hitchcock analisa um a um todos os seus 54 longas-metragens e outros tantos curtas e filmes feitos para a TV. Também explica em minúcias os efeitos a que recorreu para criar cenas antológicas, resgata scripts abandonados e revela anedotas impagáveis sobre si mesmo e sobre alguns de seus grandes astros e estrelas. 

Poético e rigorosamente jornalístico, o livro de entrevistas "Hitchcock/Truffaut" abre o primeiro capítulo com um diálogo dos mais emblemáticos, que vai adquirir outros nuances ao longo de 16 capítulos em mais de 200 páginas de perguntas e respostas e imagens de tirar o fôlego. François Truffaut pergunta: Senhor Hitchcock, o senhor nasceu em Londres em 13 de agosto de 1899. De sua infância, conheco apenas uma história, a da delegacia. É uma história verdadeira?

Alfred Hitchcock: Sim. eu tinha talvez quatro ou cinco anos. Meu pai me mandou à delegacia de polícia com uma carta. O delegado a leu e trancou-me numa cela por cinco ou dez minutos dizendo "veja o que se faz com os meninos maus".

François Truffaut: E o que o senhor tinha feito para merecer isso?

Hitchcock: Não posso imaginar. Meu pai sempre me chamava de "minha ovelhinha sem pecado". Realmente, não posso imaginar o que possa ter feito. 










Imagens de Hitchcock em 1960, no set
de filmagens de Psicose: no alto, com
Anthony Perkins; acima, em fotografias
promocionais de Jean Loup Sieff
para lançamento de Psicose.

Abaixo, o cineasta durante as
filmagens de Marnie, em 1964, com
Sean Connery; uma seleção de cartazes
originais de filmes do mestre Hitchcock,
com destaque para Os pássaros e
Lifeboat (Um barco e nove destinos),
filme de 1944; e o mestre com sua esposa
e principal colaboradora durante toda a
carreira, Alma Reville, fotografados em
Hollywood, em agosto de 1963, por
Phil Stern, durante o trabalho nos
estúdios da Paramount e em casa,
na intimidade, após o jantar
















O papel de Alma



Hitchcock é um mundo: cada filme encerra complexidades de conteúdo e questões técnicas que traduzem, descobrem, inventam formas de tradução de ideias e de interpretações de raciocínios em linguagem cinematográfica. Mas falar das obras-primas que ele realizou desde a década de 1920 implica, necessariamente, em destacar a participação fundamental de uma parceria que, durante mais de 50 anos, ele manteve com a esposa, Alma Reville. Descrita pelos biógrafos do cineasta como extremamente inteligente, dedicada ao marido, discreta, otimista, Alma sempre atuou à sombra do marido, desconhecida para o público e vivendo intensamente os papeis de roteirista, montadora (edição dos filmes) e produtora dos grandes sucessos do mestre do suspense.

Nas entrevistas com Truffaut, a senhora Alma Reville mal aparece na conversa. Mas, logo no início, Hitchcock admite que, sem ela, ele jamais teria conseguido financiamento para seu primeiro filme. O mestre, em poucas palavras, também explica como sua mulher o ajudou a superar muitas dúvidas e inseguranças. "Depois de cada trecho de filmagens”, confidencia Hichcock a Truffaut, “o tempo todo, desde o início de tudo, eu costumo olhar para minha esposa e pergunto: E então? Está indo bem? Funciona?"....









Aparições do mestre 



Também conhecido entre seus pares de Hollywood por ser um mestre do marketing, Hitchcock usou em vários de seus filmes um recurso, que ele mesmo inventou, que faria história e teria muitos imitadores: o “cameo” (em português, “camafeu”), uma "participação especial". Hitchcock é visto em aparições breves, geralmente no início de seus filmes, segundo ele próprio para não distrair o público do enredo principal. Há "cameos" de Hitchcock em todos os seus 54 longas, mas algumas das aparições do mestre são quase enigmas, difíceis de identificar. Confira a lista com algumas delas:


Rear Window (Janela Indiscreta, 1954) – Hitchcock aparece 
dentro do apartamento do pianista. 

Psycho (Psicose, 1960) – passa com chapéu de cowboy 
em frente ao carro em que Marion está.

Frenzy (Frenesi, 1972) – aparece no meio da multidão que está às margens do rio quando um corpo da vítima aparece boiando. 

Suspicion (Suspeita, 1941) – aparece enviando uma carta 
no posto dos correios da cidade. 






O beijo memorável dos protagonistas
James Stewart e Grace Kelly em cena
de Janela Indiscreta (“Rear Window”, 1954).
Truffaut declarou certa vez que era impossível
não notar que Hitchcock "filmava cenas de
amor como cenas de crime, e cenas de crime
como cenas de amor. Acontece que em seus
filmes fazer amor e morrer são a mesma coisa"








    Shadow of a Doubt (A Sombra de uma Dúvida, 1943) – aparece num trem jogando cartas com um homem e uma mulher.  

    Spellbound (Quando Fala o Coração, 1945) – sai do elevador do Empire Hotel carregando uma maleta e fumando um cigarro. 

    Blackmail (Chantagem e Confissão, 1929) – aparece em cena como um passageiro no metrô que é importunado por um garoto. 

    Family Plot (Trama Macabra, 1976) – aparece de perfil por trás do vidro de uma porta como se estivesse a falar e a gesticular. 

    Dial M for Murder (Disque M Para Matar, 1954) – aparece no canto inferior esquerdo de uma foto pendurada na parede da sala. 









        The Birds (Os Pássaros, 1963) – aparece passeando pela calçada 
        do lado de fora da loja de animais. 

        Lifeboat (Um Barco e Nove Destinos, 1944) – inicialmente, o diretor teve a ideia de aparecer como um corpo boiando próximo ao barco. Porém, entusiasmado com seu sucesso na tentativa de perder peso, decidiu aparecer posando para fotos "Antes & Depois" a respeito de um remédio para emagrecimento mostrado num jornal. 

        Rope (Festim Diabólico, 1948) – aparece duas vezes. Logo no início, 
        aparece atravessando a rua. Mais tarde, uma caricatura de Hitchcock
        aparece num neon que reflete na janela do apartamento. 

        Notorius (Interlúdio, 1946) – aparece em uma festa realizada 
        na mansão de Alexander Sebastian.










        O cineasta completamente apaixonado pelas
        belas mulheres de seus filmes: acima, com
        Grace Kelly no set de Disque M para Matar.

        Abaixo, com Kim Novak, fotografados durante
        as filmagens de Vertigo; com Tippi Hedren, na
        abertura do Festival de Cannes, em 1963, quando
        Os pássaros teve exibição Hors Concours;
         e com Ingrid Bergman e Cary Grant
        durante as filmagens de Notorius















        Vertigo (Um Corpo Que Cai, 1958) – aparece aos exatos 11 minutos 
        de filme, caminhando em frente ao estaleiro de Gavin Elster. 

        Strangers in a Train (Pacto Sinistro, 1951) – aparece aos 5 minutos 
        de filme, embarcando no trem com um contrabaixo. 

        Foreign Correspondent (Correspondente Estrangeiro, 1940) – aparece aos 12 minutos de filme, lendo um jornal e usando um chapéu. 

        Rebecca (Rebecca, A Mulher Inesquecível, 1940) – aparece bem no final 
        do filme, na rua, perto de uma cabine telefônica. 






        • The Lady Vanishes (A Dama Oculta, 1938) – aparece quase 
          ao final da Victoria Station, fumando um cigarro. 

          North by northwest (Intriga Internacional, 1959) – aparece logo no começo do filme, em cena de 15 segundos em que corre para pegar o ônibus. 

          Topazio (Topázio, 1969) – aparece na estação de trem, numa cadeira de rodas,
          depois se levanta para cumprimentar um homem. 

          To Catch a Thief (Ladrão de Casaca, 1955) - aparece em torno dos dez minutos, sentado ao lado de Cary Grant em um ônibus.
               Marnie (1964) – aparece no começo do filme, no corredor do hotel.



          por José Antônio Orlando.


          Como citar:

          ORLANDO, José Antônio. Cahiers du Cinéma. In: Blog Semióticas, 19 de novembro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/11/cahiers-du-cinema.html (acessado em .../.../...).















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