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20 de janeiro de 2012

O mundo segundo Tom Jobim






 Música é o silêncio que existe entre 

as notas, como disse algum filósofo. 

A linguagem musical me basta. 


– Tom Jobim (1927-1994).   



Tem algo de estranho e de extremamente familiar em “A Música segundo Tom Jobim”. Não é um documentário no sentido tradicional, com entrevistas, narração em off, texto na tela. Na verdade, não há nenhum texto, nenhuma entrevista, nenhuma narração. Parece mais um show, ou antes um concerto: somente a beleza das canções de Tom com ele mesmo e com dezenas de grandes intérpretes do Brasil e de outros países. Um detalhe que faz toda a diferença para embalar as melhores lembranças dos admiradores de Tom e da boa música: os créditos identificando canções, intérpretes, datas e outras referências só aparecem no final do filme...

Encontrei o diretor Nelson Pereira dos Santos após a sessão especial para convidados em Belo Horizonte, no Diamond Mall. Foi uma breve entrevista, que por sorte continuou na manhã seguinte, pelo telefone, com o cineasta a caminho do aeroporto. Começo a conversa comentando sobre a estranheza do formato do documentário e pergunto qual foi o modelo, se há outro filme que segue esta mesma estrutura narrativa.

Não verdade não há outro filme assim. Acho que inventamos um novo modelo que não havia sido realizado antes”, ele diz, bem-humorado e feliz com a recepção emocionada da plateia de convidados que incluía imprensa, músicos e a família de Tom – sua irmã Helena, que mora há alguns anos em Belo Horizonte, e os netos, entre eles Dora Jobim, que dividiu com Nelson a direção do filme. “Mas não foi uma invenção premeditada”, alerta o cineasta, realizador de “Rio, 40 Graus” (1955), “Vidas Secas” (1963), “Como Era Gostoso o Meu Francês” (1971), Memórias do Cárcere” (1984) e outros clássicos de primeira linha do cinema no Brasil. 






Durante nossas tentativas de encontrar uma linguagem original para apresentar este filme, nos trabalhos de produção e no processo de edição, este novo formato foi se impondo", explica o diretor. "Chegamos a produzir uma narração em off, depois descartamos e começamos a gravar depoimentos do Chico Buarque, que seriam uma forma de apresentar cada uma das cerca de 40 canções selecionadas. Mas também descartamos quando percebemos que cada canção falava por si só e tudo ficou mais espontâneo".

Nelson Pereira dos Santos recorda que foram muitas tentativas antes de encontrar o caminho para que o documentário apresentasse sua linguagem original. "Tentamos várias opções para a narração. Todas foram descartadas porque soavam repetitivas. Até que veio o formato definitivo, sem nenhuma narração e nenhuma legenda, com maior espaço para a música e as imagens em fusões e sobreposições. Funciona até como um aspecto lúdico, porque o público pode tentar descobrir quem canta, qual é a canção. Como você viu, somente ao final do filme temos a lista de créditos que identifica cada imagem de arquivo”, explica o diretor, que também anuncia para o próximo ano um outro documentário sobre Tom Jobim, agora no formato tradicional.

Nelson destaca que o segundo filme, na verdade, ficou pronto antes deste “A Música Segundo Tom Jobim”. “O título do outro filme sobre Tom Jobim é 'A Luz do Tom' e ele foi feito primeiro. É um projeto meu e do Marcos Altberg e tem como foco três mulheres da maior importância na vida e na música do Tom. O outro documentário reúne os depoimentos das três, cada uma em seu espaço. São elas a Helena Jobim, irmã do Tom e autora de uma biografia sobre ele, mais a Thereza de Otero Hermanny, primeira namorada do Tom, primeira esposa e mãe do Paulo Jobim. E também a última esposa, a Ana Lontra Jobim, que acompanhou o Tom nos discos e nas turnês com a Banda Nova. Este segundo projeto vai estrear no início do próximo ano, assim que conseguirmos lugar na agenda dos blockbusters que dominam a programação dos cinemas brasileiros”.










Pergunto por qual motivo “A Música Segundo Tom Jobim” foi lançado antes, se foi feito depois de “A Luz do Tom”. Nelson explica que preferiu lançar o filme musical primeiro. “O musical tem mais apelo de público, porque todo mundo no mundo inteiro conhece as músicas do Tom e não tem como não se encantar. Este primeiro documentário, com as canções maravilhosas do Tom, vai funcionar também como uma espécie de campanha de divulgação para o segundo filme”, ele diz.

Pergunto também sobre a ausência mais sensível neste “A Música Segundo Tom Jobim”: João Gilberto, o principal nome da Bossa Nova e para muitos o intérprete mais importante de todos para as canções de Tom. “Isso foi um problema. Mas, na verdade, João Gilberto aparece logo nas primeiras cenas do filme, quando apresentamos os primeiros passos da Bossa Nova. João aparece em segundo plano, tocando violão enquanto Elizeth Cardoso canta. Também aparece na imagem da capa do disco 'Chega de Saudade' e em uma fotografia de um texto do próprio Tom sobre ele".

Segundo Nelson, o impedimento de uso das imagens de João Gilberto foi devido a uma questão de direitos autorais. "Todo o material disponível com imagens do João Gilberto interpretando canções do Tom Jobim está comprometido com outro filme, também um documentário, que o próprio João está produzindo e que também deve ser lançado em breve. Queria muito ter incluído as imagens do João Gilberto cantando algum dos clássicos que fizeram a história da Bossa Nova, mas infelizmente não foi possível”, confessa o cineasta.












O mundo segundo Tom Jobim: no alto,
Tom Jobim e Vinicius de Morais
em 1960, em visita a Brasília, no córrego
que inspirou a canção "Água de beber".
Acima, João Gilberto e Tom Jobim, amigos
desde o final da década de 1950; e o encontro
de um sexteto invejável nos primórdios da
Bossa Novafotografado em Nova York,
em 1962, na época do célebre concerto no
Carnegie Hall: Stan Getz, Milton Banana,
Tom Jobim, Creed Taylor e o casal
João Gilberto e Astrud Gilberto.

Abaixo, Astrud e Tom no estúdio, em 1964,
em Nova York, nas gravações de um álbum
célebre, Getz/Gilberto, que reuniu Stan Getz,
João Gilberto, Astrud e Tom, para muitos o
álbum que popularizou a Bossa Nova no mundo;
o reencontro entre João Gilberto e Tom Jobim,
depois de muitos anos de desentendimentos, no
palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
em um show histórico realizado em
dezembro de 1992. Também abaixo,
Tom com Sérgio Mendes em passeio
pelas ruas de Nova York, também em 1962;
Tom com Dorival Caymmi fotografados
no Rio de Janeiro, em 1964. Algumas das
fotografias desta postagem aparecem na
abertura e nos créditos finais do filme de
Nelson Pereira dos Santos














 



Depois da justificativa do diretor sobre João Gilberto, pergunto sobre a outra ausência também marcante do documentário: a falta de Astrud Gilberto. Por que não há nenhuma sequência no filme com a interpretação suave e marcante de Astrud, a primeira esposa de João Gilberto e primeira intérprete das canções de Tom Jobim nas versões em inglês, no mercado internacional, ainda no começo da década de 1960?

Ah, Astrud, Astrud... Foi outro grande problema, porque há muito pouco material disponível com imagens dela cantando e a negociação dos direitos autorais acabou não acontecendo a tempo. Não foi possível, ao contrário de todos os outros que aparecem no filme, com as negociações dos direitos que foram muito mais tranquilas, incluindo Elis Regina e todos os brasileiros e aqueles grandes nomes do jazz e da música internacional, de Frank Sinatra a Ella Fitzgerald, Sarah Vaughn, Errol Garner, Oscar Petterson, Judy Garland, Henri Salvador, Sammy Davis Jr. e todos os outros", explica. Segundo Nelson, todos os herdeiros cederam os direitos das imagens, sem fazer nenhuma grande exigência.













































A partir do alto, algumas das imagens que
surgem intercaladas às canções em cenas
do documentário A Música Segundo
Tom Jobim: Tom em Ipanema, na
década de 1970, e em encontros com
Chico BuarqueMilton Nascimento,
Vinicius de Moraes, Elis Regina,
Frank Sinatra. Acima, Dora Jobim,
neta de Tom, e Nelson Pereira dos Santos
no lançamento do filme no Rio de Janeiro.

Abaixo, Pixinguinha ao piano e Tom Jobim
na flauta, fotografados na visita que Pixinguinha
fez a Tom em 1971, na casa da Rua Codajás,
no Leblon, Rio de Janeiro; Tom no telhado da
casa da Rua Codajás, estudando flauta, em
1970, fotografado por Alexandre Cavalcanti;
e Tom com o maestro e compositor argentino
Astor Piazzolla, com Chico Buarque e
Caetano Veloso em 1976, nos bastidores do
Teatro Fênix, durante as gravações do
programa de TV Chico & Caetano
















Para concluir a entrevista, pergunto qual é o filme brasileiro preferido na agenda do cineasta. "Muitos", foi a resposta, entre sorrisos, depois de uma pequena pausa. Também pergunto sobre sua preferida entre todas as canções que têm a marca de Tom Jobim. Ele esboça uma gargalhada, faz uma breve pausa e diz que são todas. “Todas são lindas, cada uma mais que a outra. Mas na verdade o que acontece comigo acho que acontece com todo mundo, pois cada dia tenho uma preferida. Ou melhor, depende do dia, depende da hora, depende do estado de espírito. Mas são todas lindas. Não há motivo para escolher apenas uma delas”.

Sobre seus próximos projetos no cinema, depois de ter dedicado os últimos anos ao mergulho em profundidade na música e na Bossa Nova, através dos dois documentários sobre Tom Jobim, Nelson diz que já está trabalhando há algum tempo em um roteiro sobre outro brasileiro por certo fundamental: seu próximo filme será dedicado ao imperador Dom Pedro 2°.

Para este próximo projeto estamos ainda naquela fase tortuosa da captação de recursos", explica o diretor. "Mas está certo que será um filme sobre Dom Pedro 2°. O que pretendo é que também seja um filme diferente, que possa investir em questões de linguagem e acrescentar algo à memória que o brasileiro tem sobre nosso último imperador. O que já decidi é que será um filme que vai misturar o formato de documentário com a recriação de uma ou outra cena com atores, reconstituindo alguns aspectos daquela época, na segunda metade do século 19".












O mundo segundo Tom Jobim: no alto,

Nelson Pereira dos Santos no Rio de

Janeiro, durante as filmagens do segundo

documentário que realiza sobre Tom Jobim,

A Luz do Tom; acima, Tom Jobim em 1987,

na floresta da Tijuca, Rio de Janeiro,

fotografado para o encarte de Passarim,

seu penúltimo álbum de estúdio; e

Oscar NiemeyerVinicius de Moraes e sua

esposa Lila Bôscoli com Tom Jobimem 1956,

nos bastidores da estreia do espetáculo teatral

Orfeu da Conceiçãodepois adaptado para o cinema

como Orfeu Negro (também chamado de

Orfeu do Carnaval), filme de 1959 do

cineasta francês Marcel Camus.


Abaixo, Tom Jobim com Miúcha, que

dividiu com Nelson Pereira dos Santos

a autoria do roteiro do documentário,

fotografados no palco do Canecão, no

Rio de Janeiro, em 1977. Também

abaixo, mais sete imagens de Tom:

1) com Gal Costa na sala de concertos

Avery Fisher Hall, em Nova York, em 1987;

2) ao piano, no Rio de Janeiro, 1956;

3) com Elis Regina na sessão de

gravação de Águas de Março, em

1972; 4) o cartaz original do filme;

 5) Tom ao piano na Pedra do Arpoador,

Praia de Ipanema, Rio de Janeiro,

fotografado em 1984 por Orlando Brito;

6) uma das últimas imagens de Tom Jobim,

na mesa de um bar na Cobal do Leblon,

em 18 de novembro de 1994, em fotografia

de Leo Aversa (no dia seguinte, Tom

viajou para Nova York, onde morreria

poucos dias depois, em 8 de dezembro

de 1994); e 7) Tom no palco, no

Rio de Janeiro, durante seu

último show, em 1994








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"Posso dizer que este próximo trabalho será um filme com muito de ficção, mas baseado no trabalho de um historiador importante, o mineiro José Murilo de Carvalho, que em 2007 publicou uma biografia maravilhosa do imperador", explica o diretor. "É um projeto para os próximos meses ou para o próximo ano, porque por enquanto ainda estou com as atenções voltadas para o Tom Jobim e para o lançamento aqui e no exterior dos dois documentários. Quero acompanhar os filmes e a recepção que eles vão alcançar”, completa.

Depois da entrevista, ainda em estado de graça pela beleza do filme e das canções e pela sabedoria do cinema de Nelson Pereira dos Santos, fico pensando nas imagens e na música que, a partir do Rio de Janeiro, Tom Jobim compôs para o mundo. Uma frase muito conhecida do próprio Tom, que encerra o documentário – na verdade, a única frase, escrita ou falada, que o filme apresenta – é emblemática: “A linguagem musical me basta”.

Frase exemplar, precisa, resumo do existido, poética e extremamente familiar, que traduz à perfeição um documentário inspirado e inspirador, “inventado” a partir dos encadeamentos da seleção de canções do maestro da Bossa Nova. O filme e a frase final me fazem lembrar de outras frases célebres de Tom Jobim, quase sempre irônicas e zombeteiras, bem no espírito que o compositor fazia transparecer nas entrevistas que os programas de TV sempre reprisam. Escolho apenas duas, para concluir.

A primeira é aquela de quando lhe perguntaram o que ele tinha a dizer sobre o fato de “Garota de Ipanema” ser a segunda canção mais gravada do mundo, só perdendo para “Yesterday”, dos Beatles, e Tom respondeu: “Ah, aí não vale. Eles eram quatro e já compunham direto em inglês”. A segunda tem maior complexidade, e eleva a ironia a uma interface mais amarga, em parentesco talvez com algo de trágico ou de profundamente melancólico, quando se observa uma linha do tempo da trajetória acidentada do Brasil e dos brasileiros: Tom declarou, certa vez, que o Brasil, definitivamente, não é para principiantes



por José Antônio Orlando. 



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O mundo segundo Tom Jobim. In: Blog Semióticas, 20 de janeiro de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/01/musica-segundo-tom-jobim.html (acessado em .../.../…).


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