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5 de agosto de 2014

Nudez e arte da fotografia






Numa sociedade moderna, as imagens feitas por câmeras
são o principal acesso à realidade – um número ilimitado
de imagens do que nós não experimentamos diretamente.
–– Susan Sontag, “Photography: A Little Summa” (2003).



A beleza do corpo humano e sua nudez sempre foram um presente para a fotografia desde seus primórdios, em meados do século 19. O primeiro registro desta aproximação irresistível nasceu exatamente em 1837 – quando o primeiro nu apareceu como assunto principal em uma fotografia do pioneiro Louis-Jacques-Mandé Daguerre, segundo informa Paul Martineau em “The Nude in Photography”, catálogo fotográfico recém-lançado pelo Getty Museum de Los Angeles. Precedida por um breve ensaio escrito pelo próprio Martineau, intitulado “Masterworks of the Nude” (Obras-primas do nu), a seleção de belas imagens cobre os primeiros séculos da história da fotografia, no período entre 1837 e 2014, para lançar luzes sobre a evolução dos costumes e sobre os avanços técnicos na arte de lidar com as câmeras (sobre o tema da Nudez na História da Fotografia, veja também a postagem  Semióticas: Nu perante a câmera).

Paul Martineau, curador do departamento de fotografia do Getty Museum e autor das biografias de Paul Outerbridge, Herb Ritts e Eliot Portere, entre outros, apresenta, em 112 páginas, uma bela coleção de 78 obras variadas de 64 fotógrafos de várias épocas e nacionalidades. A seleção de Martineau sobre a nudez na fotografia começa com uma breve retrospectiva de antigas esculturas dos deuses gregos e romanos, que o autor apresenta como fonte da ideia de beleza e perfeição geradas a partir do corpo humano. A longa história da nudez na trajetória da arte é resumida pelo autor em pouco mais de uma dúzia de imagens que viajam no tempo: de vestígios remanescentes da Antiguidade Clássica à Idade Média e daí a obras-primas dos séculos seguintes – até o surgimento da fotografia.


















Nudez e arte da fotografia segundo a
curadoria de Paul Martineau: no alto,
Thomas (1987), de Robert Mapplethorpe.
Acima, Le Violon d'Ingres (1924), de Man Ray,
e Draped Model (1854), de daguerreótipo de
Jean-Louis-Marie-Eugène Durieu. Também
acima, e as versões em pintura (óleo
sobre tela) e fotografia (daguerreótipo) de
Thomas Eakins para a mesma cena em
Male Figures at the Site of Swimming (1884).

Abaixo, Water rats, fotografia de 1890 do
inglês Francis Meadow Sutcliffe, seguida 
pela capa e contracapa do livro publicado
por Paul Martineau, e um detalhe da imagem
da contracapa, Female Nudedaguerreótipo
de 1856 de Felix-Jacques Antoine Moulin.












 












História da moral e da beleza



A partir de meados do século 19, com a invenção e evolução das câmeras, a história da nudez passa, na verdade, a se confundir com a própria história da fotografia, como comprova o acervo selecionado por Paul Martineau em “The Nude in Photography”. Entre as primeiras experiências de registro fotográfico por Nicéphore Niépce, em 1816, e a fixação do processo por Daguerre, no final de década de 1830, são as pessoas o tema principal das imagens públicas – mas os estúdios dos fotógrafos também descobriram o fetiche e o valor comercial do nu elevado a um novo tipo de arte, reservada na época a uma plateia menor, masculina e de posses, em meio a muitas polêmicas sobre as fronteiras entre moral e pornografia que ainda hoje sobrevivem.

As 78 obras da exposição, selecionadas da extensa coleção do Museu J. Paul Getty e contextualizadas na identificação de cada imagem e também no ensaio "Obras-primas do nu", assinado pelo curador, abrangem a história da fotografia desde sua origem de uma maneira esclarecedora e didática. Além das imagens de autores anônimos, entre os 64 fotógrafos incluídos estão alguns dos principais mestres do século 19, como Julia Margaret Cameron, Edgar Degas e Thomas Eakins; artistas do início do século 20 e pioneiros da Arte Moderna como Man Ray, Alfred Stieglitz e Edward Weston; e os inovadores de meados do século 20 e do período pós-guerra, como Bill Brandt, Harry Callahan e Minor White.








Nudez e arte da fotografia segundo a
curadoria de Paul Martineau: no alto e
acima, imagens anônimas datadas de
1855. Abaixo, modelo anônima em
fotografia de Gerhard Riebicke de
1935 e duas modelos em fotografias
anônimas com data de 1930.

Também abaixo, mais cinco imagens da
seleção apresentada pelo Getty Museum
1) Dancer and Ferns (1939), fotografia de
Edward Weston; 2) Nude, Davenport, Iowa,
Composite with leaves, fotografia de 1941 de
Edmund Teske3) Nude Foot, San Francisco,
e 4) Nude, San Franciscofotografias
de 1947 de Minor White; e 5) Naked,
fotografia de 1952 de Horst P. Horst




      




          
 




 



Há, também, na seleção do curador, alguns nomes do final do século 20 que permanecem como referência entre os artistas contemporâneos, como Diane Arbus, Robert Mapplethorpe e Herb Ritts. Na lista de Martineau também marcam presença artistas que tiveram destaque nas últimas décadas e que estão em plena atividade, entre eles Chuck Close, Timothy Greenfield-Sanders e Mona Kuhn. A beleza do nu fotográfico, pela amostragem apresentada pela curadoria, percorre um período na historiografia que vai dos primeiros daguerreótipos à fotografia contemporânea de nomes festejados pela mídia de celebridades e da publicidade.

A lista de imagens selecionadas por Martineau inclui desde fotografias que ficaram muito conhecidas com o passar do tempo, até algumas que permaneciam praticamente inéditas e que surgem como revelações de nomes pouco lembrados ou de anônimos, imagens cuja identificação e autoria se perderam. A variação temática também é surpreendente – destacando desde clássicos que passaram à história da arte, como “Le Violon d'Ingres” (1924), do mestre entre os modernos, Man Ray, ao registro multimídia de artistas contemporâneos que misturam fotografia e diversas técnicas, caso de obras como “Bodyscape, New York, 1971”, do japonês Hiro, pseudônimo artístico de Yasuhiro Wakabayashi, nome celebrado do mundo da moda e dos editoriais sob encomenda para jornais e revistas.




 

 
















A aproximação da fotografia com a trajetória da arte nos últimos dois séculos também produziu obras que lembram, pelas formas, enquadramentos e perspectivas, alguns dos mais belos registros na pintura do mesmo período – até porque muitas destas fotografias foram usadas como modelo de estudo no século 19 e durante o século 20 por grandes mestres das artes plásticas. Alguns destes casos ficam quase evidentes na seleção de Martineau em fotos como “Female Nude, 1856”, de Felix-Jacques Antoine Moulin, que inevitavelmente remete às mulheres dos cabarés de Paris em obras-primas de Manet e outros impressionistas.



Convencional e não convencional



Há também, na seleção, obras de mestres do século 19 que continuam como importante referência e inspiração para fotógrafos atuais, entre eles Julia Margaret Cameron, Edgar Degas, Thomas Eakins e o citado Felix-Jacques Moulin, pioneiros na arte de combinar a nova tecnologia com os parâmetros da composição clássica nas artes plásticas. Com a chegada do século 20, a oposição entre fotografia e outras artes vai perdendo as linhas divisórias – como demonstram na coleção do Getty Museum os nus nada convencionais de Man Ray, Alfred Stieglitz, Edward Weston, Bill Brandt, Harry Callahan ou Minor White. 











A partir do alto, Two Women Embrancing,
daquerreótipo de autor desconhecido datado
de 1848; “Portrait of an American Youth”,
daguerreótipo de 1852 colorido a mão, atribuído a
Jeremiah Gurney; e Male Figure in Repose”,
daguerreótipo de 1860 atribuído
Gaudenzio Marconi. 

Abaixo, Nudes, fotografia experimental
 de 1969 de Charles Swedlund;
uma imagem da série Ziegfeld Girls,
realizada na década de 1920 por
Alfred Cheney Johnston; o retrato
de Vanessa Redgrave realizado por
Victor Skerebneski para o cartaz do
filme Isadora (1968), de Karel Reisz
;
Christy Turlington cercada por nus no
catálogo de 1995 da griffe Valentino,
em fotografia de Herb Ritts; a nudez de
Arnold Schwarzenneger em 1975, quando
o atleta estava em competição no concurso
de Mr. Olympia na África do Sul, em fotografia
de Annie Leibovitz; e a nudez do casal anônimo
no Festival da Ilha de Wight, em 1970, em
fotografia de David Redfern

No final da página, uma seleção de mais
quatro imagens da curadoria de Paul Martineau:
1) a fotografia de 1923 de Edward Weston
intitulada Nude Margrethe Mather;
2) a fotografia de 1965 de Diane Arbus
intitulada Nudist lady with swan sunglasses
3) a pose das top models Stephanie, Cindy,
Christy, Tatjana e Naomi em um polêmico
ensaio de 1989 de Herb Ritts; e 4) Bodyscape,
New York, 1971, produção do chinês Hiro





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A segunda metade do século 20 é representada, na seleção de Paul Martineau, por nomes como Diane Arbus, Robert Mapplethorpe e Herb Ritts, além dos contemporâneos Chuck Close, Timothy Greenfield-Sanders, Hiro e Mona Kuhn, entre outros. Seja nas formas robustas e algo acanhadas de seus primeiros modelos no século 19, seja no realismo forçado da indústria da pornografia ou da publicidade mais rotineira da atualidade, seja nos enquadramentos que buscam formas do abstrato ou no barroco das intervenções híbridas em multimídia, a seleção de Paul Martineau confirma que a beleza fotográfica de nossos corpos nus sempre foi, e apesar da super-exposição em alguns casos, permanece tão misteriosa quanto bela e fascinante.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Nudez e arte da fotografia. In: Blog Semióticas, 5 de agosto de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/08/nudez-e-arte-da-fotografia.html (acessado em .../.../...).



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