Mostrando postagens com marcador Ao sol carta é farol. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ao sol carta é farol. Mostrar todas as postagens

22 de setembro de 2011

Ao sol, carta é farol







Não devemos servir de exemplo a ninguém.
Mas podemos servir de lição.

–– Mário de Andrade em carta a   
Carlos Drummond de Andrade.   



Depois que Mário de Andrade morreu, em fevereiro de 1945, aos 52 anos, sua consagração como um dos maiores renovadores da cultura nacional e como mentor do modernismo permaneceu como referência de peso entre seus companheiros de geração. O prestígio sobreviveu ao passar do tempo e a dedicação do escritor paulistano aos mais diversos aspectos da literatura, da arte e da política cultural mantém seu status de primeira grandeza na inteligência nacional – sem contar a atenção sem sossego de Mário ao que ele próprio chamava de "epistolomania": a intensa troca de correspondências.

Há quem diga que Mário de Andrade foi o brasileiro que mais escreveu cartas. Já estão publicadas edições de sua correspondência com nomes como Manuel Bandeira, Drummond, Pedro Nava, Fernando Sabino, Álvaro Lins, Murilo Mendes, Murilo Rubião, Paulo Duarte, Pedro Dantas, Augusto Meyer, Alphonsus de Guimaraens Filho, Tristão de Athayde, Luís da Câmara Cascudo, Moacir Werneck de Castro, Cândido Portinari, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Oneida Alvarenga e Tarsila do Amaral, entre outros. Lições de rigorosa composição poética e de vida perpassam cada uma das milhares de cartas escritas por Mário. A correspondência que ele recebeu, entretanto, permaneceu lacrada por 50 anos, por recomendação expressa dele próprio.
 






Retratos pintados: Mário de Andrade
retratado por alguns de seus companheiros
da geração modernista – no alto, em 1922,
por Tarsila do Amaral. Acima e abaixo,
por Anita Malfatti, em 1921 e 1922






"Ao sol, carta é farol", confessaria Mário de Andrade em correspondência a Guilherme de Figueiredo. Vencida em 1995 a proibição à exposição pública das cartas, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) deu início à sistematização dos acervos e lançou as duas primeiras edições reunindo a correspondência completa entre Mário e Manuel Bandeira (1997) e entre Mário e Tarsila do Amaral (2000). O acervo de tantas cartas também envolve, como é inevitável, umas tantas polêmicas.

Várias das edições recentes em livros das cartas de Mário foram destacadas em premiações como o Prêmio Jabuti, entre elas "Correspondência Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa" (Editora Peirópolis), o terceiro livro do projeto gerenciado pelo IEB-USP, com organização e edição da professora emérita da UFMG Eneida Maria de Souza. "De toda a correspondência conhecida de Mário de Andrade, as cartas para Henriqueta Lisboa podem ser consideradas as melhores em vários aspectos", destaca a professora nesta entrevista que fiz com ela para o jornal "Hoje em Dia" de Belo Horizonte.







No alto, Mário de Andrade em pintura
de 1922 de Tarsila do Amaral. Acima,
em pintura de 1922 por Hugo Adami.
Abaixo, Mário em fotografia de 1928






Carta aos Mineiros




Autora de "A Pedra Mágica do Discurso" (1988), estudo sobre o autor de "Macunaíma", e "Mário de Andrade - Carta aos Mineiros" (1997), em co-autoria com Paulo Schimidt, entre outros – além dos ensaios reunidos em "Crítica Cult" e “Janelas Indiscretas: Ensaios de Crítica Biográfica”, ambos lançados pela Editora UFMG – Eneida Maria de Souza incluiu, no livro sobre as cartas trocadas entre Mário de Andrade e Henriqueta Lisboa, reproduções e análise de uma centena de documentos que permaneciam inéditos nos arquivos sob a guarda do IEB, em São Paulo, e no Acervo de Escritores Mineiros, na UFMG.

Enquanto "Crítica Cult" e “Janelas Indiscretas” analisam vida e obra de personalidades como Caetano Veloso, Carmen Miranda, Chico Buarque, o diário de guerra de Guimarães Rosa, retratos de Mário de Andrade e Cyro dos Anjos pintados por artistas do modernismo, o papel dos intelectuais no governo JK e outros temas que demonstram uma construção teórica inovadora sobre temas contemporâneos, "Correspondência Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa" reúne as cartas, telegramas, postais, fotos e bilhetes, extensa bibliografia e manuscritos, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945.





Mario de Andrade segundo pintura de
1935 de Cândido Portinari. Abaixo, em
pintura de Flávio de Carvalho de 1939.

Também abaixo: Mário em dois retratos
por Lasar Segall, em pintura de 1927 e
em gravura em metal de 1930em duas
fotografias de 1917, ano em que publicou
seu primeiro livro de poesia, com o título
Há uma gota de sangue em cada poema,
inspirado por notícias e acontecimentos
da Primeira Guerra Mundial; e aos três anos,
às vésperas do dia em que o pai o levou ao
barbeiro para cortar os cabelos cacheados,
episódio que o escritor descreve em um
conto, "Tempo de camisolinha"









Confira, a seguir, alguns dos principais trechos da entrevista que fiz com a professora Eneida Maria de Souza.


Pergunta – Há quem diga que, além de se dedicar aos mais diversos aspectos da literatura, da arte e da política cultural do Brasil, Mário de Andrade talvez tenha sido o brasileiro que mais escreveu cartas. Que faceta do trabalho de Mário de Andrade permaneceu com maior importância até a nossa atualidade? O escritor, o poeta, o pesquisador, o gestor cultural, o professor, o mentor e maior renovador da cultura nacional no século 20?

Eneida Maria de Souza – Além de ficcionista e poeta, Mário de Andrade se destaca pela importância como construtor de um pensamento moderno brasileiro. Suas cartas são o testemunho dessa missão. Escrever para os jovens escritores, fornecendo-lhes o referencial ideológico e artístico, as direções poéticas, transmitir para cada um deles uma preocupação com os destinos da literatura e da cultura brasileiras são, talvez, o maior legado desse poeta. Sem esquecer que Mário foi um pesquisador da cultura nacional, como poucos, e o grande autor de "Macunaíma - O Herói Sem Nenhum Caráter".























E Henriqueta Lisboa, que lugar ela ocupa na literatura brasileira?

O lugar de Henriqueta Lisboa na literatura brasileira poderia ser mais valorizado, pois ela participa do movimento moderno sem ter sido modernista, ao pé da letra. Com uma linguagem concisa e depurada, sua poesia se iguala à de Cecília Meireles, uma de suas mais fortes interlocutoras. O papel desempenhado como intelectual é também relevante, por ter sido uma das primeiras mulheres a integrar a Academia Mineira de Letras, além de ter lutado pelos direitos feministas, como o direito ao voto.

Além de Henriqueta Lisboa, Mário de Andrade foi correspondente dedicado a toda uma geração de escritores, artistas, políticos e intelectuais, inclusive muitos mineiros. Depois de tantas publicações e tantas pesquisas sobre a correspondência de Mário de Andrade, ainda há muitas surpresas a serem reveladas?

Acho que ainda falta muito a ser revelado. Por exemplo, a correspondência de Fernando Sabino com Mário, de Otto Lara Resende e de tantos outros, poderá contribuir para maiores esclarecimentos sobre a relação de amizade e o respeito que mantinha com os mineiros.
















 .


Acima: 1) Mário de Andrade retratado em
caricatura de 1928 assinada por seu amigo
Emiliano Di Cavalcanti (1897-1956); 2) desenho
com data de 1922 de Anita Malfatti chamado
Grupo dos Cinco, que registra os amigos
que tomaram a frente do movimento
modernista no Brasil e defenderam as ideias
da Semana de Arte Moderna de 1922Anita
no sofá, Mário e Tarsila juntos ao piano, com
Menotti del Picchia Oswald de Andrade
no tapete; 3) o casal Tarsiwaldcomo
Mário de Andrade se referia a Tarsila e Oswald,
fotografados durante uma viagem a Veneza, na
Itália, em 1926; e 4) foto de 1923 de Anita Malfatti
também em Veneza, enviada a Mário por carta.
Mário, no dia da viagem, não chegou a tempo
para despedida; Anita enviou a ele uma carta
apaixonada, com uma desculpa: "Enviei uma
carta sentimental a um amigo. Perdoe-me". 

Abaixo, reprodução da ilustração
de capa do livro Querida Henriqueta,
que reúne as cartas de Mário para
Henriqueta Lisboa, e fac-símile de
duas cartas enviadas a Mário em 1930:
a primeira de Di Cavalcanti e a
segunda de Cícero Dias
















Depois da correspondência entre Mário de Andrade e Henriqueta Lisboa e dos ensaios reunidos em “Janela Indiscreta”, quais serão seus próximos projetos em livros?

Entre os projetos destaco a publicação pela Editora da UFMG do "Diário de Guerra", de Guimarães Rosa, edição feita com a parceria de Reinaldo Marques e Georg Otte, que continua ainda inédita. A família do escritor infelizmente não libera a publicação. Com isso, muita informação importante do escritor vai ficando esquecida, assim como confissões relativas à ascensão do nazismo, a perseguição dos judeus e a ajuda importante que o casal (Rosa e sua segunda mulher, Aracy Moebius de Carvalho, que ele conheceu em Hamburgo, em 1938, às vésperas da Segunda Guerra) prestou à causa de apoio a muitos judeus e suas famílias que tentavam escapar da perseguição.



por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Ao sol, carta é farol. In: Blog Semióticas, 22 de setembro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/09/ao-sol-carta-e-farol.html (acessado em .../.../...).


Para comprar Janelas Indiscretas, de Eneida Maria de Souza,  clique aqui.














 

Memórias de Mário de Andrade:
no alto, a capa do catálogo da exposição da
Semana de Arte Moderna de 1922, criada
por Di Cavalcanti. Acima, um encontro dos
escritores da Semana de 1922 para o almoço
no Hotel Terminus de São Paulo: a partir
da esquerda, no alto, o jornalista italiano Francesco
Tettinati, Flaminio Ferreira, René Thiollier, Manuel
Bandeira (com um cachimbo), Sampaio Vidal, Paulo
Prado, Graça Aranha, Manuel Villaboim, Couto de
Barros, Mário de Andrade, Cândido Mota Filho e
Gofredo Teixeira da Silva Teles (que seria eleito
prefeito de São Paulo em 1932). Sentados, Rubens
Borba de Moraes, Luis Aranha, Tácito de Almeida
e, à frente do grupo, Oswald de Andrade. Acima,
Cândido Portinari, Antônio Bento, Mário de Andrade
e Rodrigo Melo Franco fotografados no
Palace Hotel, no Rio de Janeiro, em 1936.

Também acima, um encontro de Mário com
um grupo de escritores mineirosde pé,
a partir da esquerda, Hélio Pellegrino, Alphonsus
de Guimarães filho, Otto Lara Resende e Alexandre
Drumond; sentados, Oscar Mendes, Mário de Andrade
João Etienne Filho. Abaixo, a grande amiga e
confidente de Mário, Tarsila do Amaral, "madrinha"
do Modernismo no Brasil, que confessa em uma
das cartas endereçadas a Mário: "Eu invento tudo
na minha pintura. E o que eu vi ou senti, eu estilizo.
Minha força vem da lembrança da infância na
fazenda, de correr e subir em árvores.
E das histórias fantásticas que as
empregadas negras me contavam”





Obras de Mário de Andrade:

Há uma Gota de Sangue em Cada Poema – 1917
Paulicéia Desvairada – 1922
A Escrava que Não é Isaura – 1925
Losango Cáqui – 1926
Primeiro Andar – 1926
O Clã do Jabuti – 1927
Amar, Verbo Intransitivo – 1927
Ensaio Sobre a Música Brasileira – 1928
Macunaíma – 1928
Compêndio da História da Música – 1929
Modinhas Imperiais – 1930
Remate de Males – 1930
Música, Doce Música – 1933
Os contos de Belazarte – 1934
O Aleijadinho de Álvares de Azevedo – 1935
Lasar Segall – 1935
Música do Brasil – 1941
Poesias – 1941
O Movimento Modernista – 1942
O Baile das Quatro Artes – 1943
Os Filhos da Candinha – 1943
Aspectos da Literatura Brasileira – 1943
O Empalhador de Passarinhos – 1944
Lira Paulistana – 1945
O Carro da Miséria – editado em 1947
Contos Novos – editado em 1947
O Turista Aprendiz – editado em 1976
O Banquete – editado em 1978
Dicionário Musical Brasileiro – editado em 1989
Será o Bendito! – editado em 1992
Introdução à Estética Musical – editado em 1995






Outras páginas de Semióticas