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Eu
tenho pouco a dizer sobre magia.
Na
verdade eu acho que nosso contato
com
o sobrenatural deve ser feito em
silêncio
e numa profunda meditação
solitária. A inspiração, em todas as
solitária. A inspiração, em todas as
formas
de arte, tem um toque de
magia
porque a criação é uma
coisa
absolutamente inexplicável.
Clarice
Lispector –– trecho extraído
do
discurso que Clarice preparou para o
Primeiro
Congresso Mundial de Bruxaria
realizado
em 1975, em Bogotá, Colômbia;
Clarice
escreveu várias versões do
discurso, mas decidiu não ler
nenhuma delas no evento.
discurso, mas decidiu não ler
nenhuma delas no evento.
Há
algumas fotografias, bem como grafites e outras expressões da
chamada “arte de rua”, que podem ser destacados como modelos
exemplares para aqueles fenômenos que o principal teórico da
Semiótica, Charles Sanders Peirce (1839-1914), define com o conceito
de “sinequismo” –– ou seja, a representação do “continuum”
que produz o sentido. Nos termos descritos e
desenvolvidos por Peirce, o sinequismo indica a formulação de hipóteses ou
interpretações que envolvam a ideia de continuidade tanto para a
produção como para a potencialização de sentido em determinados aspectos e
circunstâncias de espaço, tempo, sentimento e/ou percepção.
O
conceito de sinequismo vai encontrar, nos pressupostos da semiótica
de Peirce, uma complexa rede de argumentos sobre a lógica dos
procedimentos de raciocínio ou dos significados pragmáticos da
mente. Sobre tal complexidade vale reproduzir aqui alguns trechos
brevíssimos extraídos do seu imenso arcabouço teórico. Em
primeiro lugar, segundo Peirce, “assim como afirmamos que um corpo
está em movimento, e não que o movimento está em um corpo, do
mesmo modo devemos dizer que nós estamos no pensamento, e não que
os pensamentos estão em nós” (in “Collected Papers” 5.289,
1868).
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O
mesmo conceito de sinequismo vai representar a expressão de
continuidade entre o mundo representado pelos signos da cultura
humana em sua equivalência com os signos da natureza, ou seja,
aqueles objetos ou relações materiais que, na sua origem,
independem do princípio gerativo da intervenção humana. Nas
palavras de Peirce: “Tudo o que está presente a nós é uma
manifestação fenomenológica de nós mesmos. Isso não impede que seja
também um fenômeno de algo fora de nós, assim como o arco-íris é
ao mesmo tempo uma manifestação do sol e da chuva. Quando pensamos,
então, nós mesmos, como somos naquele momento, aparecemos como
signo” (CP 5.283).
Relações
de causa e efeito
Na
sua origem, a palavra “sinequismo” vem da Grécia da Antiguidade e
significa “continuidade”, podendo também ser considerada como o
contrário de “tiquismo”, que poderíamos, seguindo as formulações de Peirce, traduzir por “acaso”.
O sinequismo estabelece relações de causa e efeito para produzir ou
potencializar o sentido, enquanto o acaso seria aquele resultado não
provocado ou que tenha surgido por processos indeterminados de
geração espontânea. Assim como as hipóteses e as interpretações
são ideias ou ações que operam em sinequismo, também o
acaso pode ser considerado como a manifestação de algo cuja
ocorrência tenha formas ou consequências injustificáveis.
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Sinequismo
e tiquismo engendram um terceiro sistema: o “agapismo”,
também referido por Peirce
como “lei do amor evolutivo”, “busca de um interpretante final”
ou “lógica da
investigação conscientemente aplicada”. Em consonância com as
categorias definidas
com as tríades de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, no complexo arcabouço teórico que Peirce apresenta, os
termos sinequismo, tiquismo e agapismo
fundamentam
o crescimento contínuo, a variedade
e a diversificação
entre nossos conhecimentos em
relação às leis
universais da
natureza.
O
sinequismo, nos
pressupostos da semiótica
formulados por Peirce, também vem a ser considerado como uma ocorrência de “abdução”: uma
hipótese extremamente criativa, ou um tipo de raciocínio,
instintivo e intuitivo, baseado na afinidade de nossa mente com a
natureza e
capaz de proporcionar, até
mesmo de forma não consciente ou não racional, um
conhecimento realmente novo ––
identificado, portanto,
como “invenção” ou “descoberta”. Para
Peirce, assim como para Platão e outros sábios desde
a Antiguidade Clássica, a
natureza deve ser sempre tomada como parâmetro
para o pensamento porque é
a mais perfeita entre todas as obras de arte.
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Cruzamentos
entre vários códigos
Sobre
este aspecto da cultura humana coexistir
em relação permanente, e
sempre dependente, ao
grau de perfeição das leis da natureza, Peirce escreveu: “O
universo como um argumento é por força uma grande obra de arte, um
grande poema – pois um belo argumento é sempre um poema, uma
sinfonia – da mesma forma que o verdadeiro poema é sempre um
argumento significativo. Comparemo-lo antes com uma pintura – com
uma marinha impressionista” (CP 5.119).
Nas
imagens de grafites e fotografias reproduzidas e apresentadas como
exemplificação neste artigo, destacamos a presença do sinequismo
nas
relações de sentido
e
de representação que
são
produzidas
por meio dos
cruzamentos
entre
vários códigos. Tais
cruzamentos,
conforme
as
sínteses
dos conceitos e teorias de Peirce apresentadas
por Umberto Eco em obras fundamentais como “Tratado Geral de
Semiótica” (1976),
“Semiótica e Filosofia da Linguagem” (1984)
e
“Os Limites da Interpretação” (1990),
entre outras, podem
ser
verificados
no processo de generalização das sensações particulares,
vividas por cada um de nós, quando estamos em busca pelo significado
de
uma determinada obra.
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O
significado, entre
signos, objetos e interpretantes,
vai
brotar
da percepção de um plural de possibilidades e, por meio da comunicação, poderá
produzir
o fundamento comum de sentimentos compartilhados em
uma mentalidade coletiva, contínua, tanto
na experiência científica como na formulação
filosófica
e artística. Exatamente
porque depende de vários, e não apenas de um
único código, o
significado só
pode ser representado como um sistema dinâmico: está
sempre em movimento, em
toda e qualquer
circunstância, sob
todos os aspectos.
Relações
de signos simultâneos
Ou
seja: as relações permanentes entre a obra e o seu contexto
histórico, social e cultural permitem a descoberta de elementos que
ressignificam não apenas a leitura da própria
obra,
mas também
o
signo exterior ––
inscrito
no âmbito do imaginário social ––
que
passa a ter com
a obra uma
determinada
ligação ou
relação.
De novo estamos diante do conceito de sinequismo: nas
imagens apresentadas, o significado, ou antes a produção de
sentido, está, na verdade, no cruzamento que
resulta de pelos menos três signos simultâneos:
1° signo –– a vegetação, ou a estrutura física, ou o condicionante material que já existia naquele contexto antes da iniciativa da representação;
2° signo –– o ângulo da fotografia, ou a perspectiva do desenho ou da pintura, ou a intervenção artística que tomou aquele determinado material como seu objeto para a representação;
3° signo –– a obra (o 1° signo somado ao 2°) que se apropriou da vegetação, ou do espaço, ou do contexto material pré-existente para produzir ou potencializar um sentido.
1° signo –– a vegetação, ou a estrutura física, ou o condicionante material que já existia naquele contexto antes da iniciativa da representação;
2° signo –– o ângulo da fotografia, ou a perspectiva do desenho ou da pintura, ou a intervenção artística que tomou aquele determinado material como seu objeto para a representação;
3° signo –– a obra (o 1° signo somado ao 2°) que se apropriou da vegetação, ou do espaço, ou do contexto material pré-existente para produzir ou potencializar um sentido.
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Esses
pressupostos da semiótica da comunicação, apresentados em sua
complexidade nos argumentos de Peirce, que foram tão mal recebidos e
tão pouco compreendidos em seu tempo, no final do século 19 e na
primeira metade do século 20, surgem, na contemporaneidade, como
parâmetros transdisciplinares fundamentais nos quais o
signo é definido, simultaneamente, como
meio e mensagem ––
por onde a informação perpassa
e se desenvolve. Estranhamente, são
esses mesmos parâmetros transdisciplinares que ganham cada vez mais
os holofotes, em destaque, com a proliferação
dos sistemas de Inteligência Artificial
e das
mídias interativas nestas primeiras décadas do século 21.
por
José Antônio Orlando.
Sobre Sinequismo e outras questões de Semiótica,
veja também Paisajes y Tendencias Semioticas.
Sobre Sinequismo e outras questões de Semiótica,
veja também Paisajes y Tendencias Semioticas.
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Magnífico. Esse blog Semióticas é sempre surpreendente, mas desta vez fiquei encantado com o que encontrei aqui. Acho que esta é a melhor matéria que encontrei aqui, entre tantas outras tão maravilhosas. Com esse artigo chamado "Cenas de Sinequismo" você conseguiu traduzir em poucas palavras e com imagens tão belas questões teóricas que são muito complexas e que nem todos alcançam. Este artigo vale por uma aula. Ou melhor: vale por um curso inteiro. Enviei um convite para seu e-mail semioticas@hotmail.com e espero que você aceite. Parabéns de novo.
ResponderExcluirMilton de Souza Lima
Parabéns pelo alto nível. Artigo maravilhoso e seleção de imagens das melhores que já encontrei. Fátima Alves
ResponderExcluirArtigo muito elucidador. Os exemplos não poderiam ter sido mais bem selecionados. Os conceitos peircianos são bastante complexos, mas vocês, do Semióticas, nos fazem ter vontade de mergulhar cada vez mais neles.
ResponderExcluirGostei muito e aprendi muito também. Uma aula deliciosa com texto impecável e imagens lindas. Agradeço por você compartilhar sabedoria e por tornar simples e compreensível um assunto de tanta complexidade. Parabéns pelo blog. Sensacional.
ResponderExcluirAna Laura de Almeida Salles
Texto perfeito, impecável, e imagens lindas. Só agradeço por esta aula maravilhosa. Parabéns, José, pelo blog Semióticas que é sensacional em tudo. Cá de Lisboa envio um abraço afetuoso.
ResponderExcluirArthur Costa Lourenço
Ao entrar no seu blog, recebi esta mensagem: Aviso sobre conteúdo
ResponderExcluirO blog que você está prestes a abrir pode ter conteúdo adequado somente para adultos. Em geral, o Google não analisa nem endossa o conteúdo deste ou de qualquer outro blog. Para saber mais sobre nossas políticas de conteúdo, acesse os Termos de Serviço do Blogger.
Sensacional. Eu já visitei esse blog outras vezes e até deixei comentários aqui de elogio. Hoje uma amiga que temos em comum, e que não sabia que eu já conhecia o blog, enviou o link para essa matéria sobre Semiótica e Sinequismo dizendo que era uma aula deliciosa sobre o assunto, mas é muito mais que isso. Além de linda, inteligente e deliciosa, vale por um curso inteiro mesmo. Tanto quanto eu amo o Pet Shop Boys, amo esse blog Semióticas. Acho que vou morar aqui, porque tem mais de 100 matérias que preciso ler e reler com muito prazer. Agradeço. Parabéns pelo alto nível.
ResponderExcluirMaria Clara Drubeck de Souza
Parabéns de novo. Tudo o que encontro aqui neste blog Semióticas é uma aula completa e um show. Esta matéria sobre grafite e semiótica vale por um curso completo. Agradeço por você compartilhar tanta beleza e sabedoria. Incomparável.
ResponderExcluirFabrício Carlo Galiza
Escrevo de novo mais um comentário porque seu artigo e suas imagens lindas demais me deixaram emocionado e me fizeram lembrar do meu tempo de faculdade, quando eu achava que era impossível aprender alguma coisa de Semiótica e agora percebo com clareza sua importância e o quanto eu poderia ter aproveitado melhor aquelas aulas. Só agradeço por mais esta abordagem incrível e por este blog que eu considero mais sensacional e importante a cada visita que faço e a cada novo trabalho que encontro. Parabéns de novo.
ResponderExcluirMarcos Aguiar